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Mana vol.17 número2

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Academic year: 2018

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MANA 17(2): 481-494, 2011

CAVALCANTI, Maria Laura & GONÇALVES, Renata (orgs.). 2009. Carnaval em múltiplos planos. Rio de Janeiro: Aeroplano. 357pp.

Selma Baptista UFPR

Resenhar uma coletânea é, no mínimo, um trabalho quase artesanal, um ma-cramê de múltiplos fios que primeiro desmanchamos para aprender o “ponto” e, em seguida, reconstruímos, buscando aquela tessitura de um artefato feito por múltiplos enredamentos. De fato, os arti-gos surgem como verdadeiros “enredos” articulados numa conversa de tecedores vindos de vários lugares, com múltiplas vozes e histórias para contar. Requer múltipla atenção.

Esta coletânea de artigos sobre car-naval, organizada por Maria Laura Viveiros de Castro e Renata Gonçalves, compõe-se de 13 artigos e um caderno de imagens.

Como dizem as organizadoras na apre-sentação, carnaval “é bom para brincar, é bom para fazer e é bom para pensar”, especialmente quando nos envolvemos com sua “surpreendente complexidade”. O que se adianta nestas primeiras pági-nas, ou seja, a ideia de um plano carnava-lesco de universalidade inequívoca e, ao mesmo tempo, de uma infinita variedade de realizações concretas, vem articulado

por questões relevantes para a teoria e a pesquisa antropológicas. Assim, numa vi-são caleidoscópica de ritmos perceptivos variados e inesperados, esta tensão entre mecanismos universais de simbolização e a infinita variedade de concretizações particulares coloca-se como o fio condutor desta coletânea, enlaçado com a história, a literatura, a geografia humana, as Belas Artes e a mediação política no desenrolar das relações sociais de produção da festa carnavalesca.

Depois de tantas publicações espe-cializadas no assunto, especialmente as de Maria Laura Cavalcanti (1999, 2002, 2003, 2006...) e Renata Gonçalves (2003, 2007, 2008), as autoras surpreendem não pela mudança de tema, mas pelo enfoque simultâneo das relações diversificadas e coerentes desta coletânea: há um mer-gulho verticalizado, aprofundado, em cada situação e recorte, ao mesmo tempo em que os artigos se desenrolam como se estivessem numa “passarela” festiva, aparentemente soltos, aparentemente livres.

Estão, na verdade, bem costurados entre si. Buscando uma analogia em Lévi-Strauss, poderíamos dizer que esta cole-tânea pode ser lida como uma narrativa mítica em sua infindável diacronia, mas na qual seus artigos produzem variadas “versões”, recortes sincrônicos, sobre o mesmo tema, reproduzindo na sua feitura um longo ritual.

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RESENHAS

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O carnaval em múltiplos planos

O artigo de Felipe Ferreira entretece história, identidade, política e economia, trabalhando a folia e a modernidade no século XX na cidade de Nice. Mostra-nos a construção da festa internamente, regionalmente, e sua explosão a partir da organização e das políticas públicas de lazer e cultura naquela situação.

Fred Góes nos leva ao Mardis Gras de Nova Orleans, detalhando etnografi-camente as diferenças e as contradições entre os grupos que remetem às nossas escolas de samba nos seus ciclos de cele-bração da vida “como gesto diário”. A fes-ta imifes-tando a vida, seguindo a complexa configuração social, em que os sucessos se alternam com os fracassos, a riqueza com a pobreza.

O “maior carnaval do mundo!”, dos uruguaios, analisado por Liliane Guter-res, nos mostra uma interessante compe-tição entre palco e rua, entre Concurso oficial e o desfile das Llamadas, que se dividem em cinco categorias carna-valescas: as murgas, as humoristas, as parodistas, as revistas e as comparsas de negros e lubolos. Deste cenário instigante a autora recorta as comparsas de Negros e Lubolos para aprofundar não apenas seus padrões estéticos diferenciados, mas principalmente o campo de tensão entre a tradição e a modernidade, enfim, a en-trada no mundo do espetáculo, o aumento da visibilidade, e as relações complexas entre a feitura dos shows e o mercado de consumo cultural.

Helenise Monteiro Guimarães apre-senta-nos a questão ornamental da ci-dade do Rio de Janeiro desde o período colonial até as décadas iniciais do século XX, discutindo o repertório estético e decorativo, e sobretudo as atribuições de moradores e comerciantes das principais vias da cidade nesta tarefa de embelezar a cidade. Esta perspectiva histórica produz

um distanciamento muito interessante, porque vem atrelada a detalhes etno-gráficos que revelam muito mais do que uma simples viagem no tempo: dá-nos a perspectiva das negociações dos espaços carnavalescos, bem como da atuação dos decoradores da EBA da Universidade Federal do Rio de Janeiro antes da revo-lução estética da Escola Acadêmicos do Salgueiro, levada a efeito por Fernando Pamplona nos anos 60.

O artigo de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti situa-nos em uma tensa e densa rede de produção carnavalesca, um contexto de crise e expansão defla-grado pela acusação de suborno do júri no carnaval de 2008. Como diz a autora, uma situação que explicitou, ainda mais, as relações da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro com a rede clandestina do jogo do bicho na cidade. Sua análise trabalha todo esse processo como um verdadeiro “drama social”, que explicitou e trouxe à tona a questão da organização do carnaval. Esta situação, por sua vez, é analisada pela autora a partir de uma rica etnografia e fecundas aproximações teóricas como, por exemplo, o “olhar a sociedade a partir das suas margens”, a própria ambivalência das margens e a dimensão criativa e construtiva dessas ex-periências transitórias ou alternativas.

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ante-RESENHAS 483

cipando, de certa maneira, o gosto da fruição deste “objeto feito para ser vivido e integralmente consumido no desfile da escola de samba”, citação que o autor faz de Maria Laura Cavalcanti (2001).

Neste universo tão denso, o sétimo artigo, de Nilton Silva dos Santos expõe um aspecto muito interessante deste contexto tão pouco conhecido do grande público, que é a ação dos carnavalescos entre mundos socioculturais tão distan-ciados. Segundo o autor, este é um mundo estritamente regulado por papéis sociais definidos e com margens de manobra bem demarcadas: um mundo que fun-ciona como território destas disputas por postos e honrarias, delimitando espaços e códigos próprios. A constituição de uma “marca autoral”, de assinaturas em um mundo artístico complexo implica, portanto, um diálogo permanente entre carnavalescos, patronos, comunidades e escolas de samba da cidade.

Aline Valadão Vieira Gualda Pereira aborda a significativa transformação dos carnavais populares rumo a uma maior complexidade organizativa no mundo carnavalesco atual. De antiga tradição folclórica, os bate-bolas, enquanto carna-vais de rua, com características peculiares de performance e indumentária, são hoje formações identitárias coletivas, cataliza-doras de inúmeras influências oriundas da cultura de massa.

O artigo de Simone Toji nos devolve à passarela do samba, abordando jus-tamente a posição dos passistas e sua especialidade simbólica, que é “mostrar o samba no pé”. Há, neste sentido, uma consagração como “posição ritual”, que se intensifica e se especializa, crescen-temente intensificada pela vivência de emoções contraditórias decorrentes das disputas e das tensões dentro do campo carnavalesco.

Renata de Sá Gonçalves faz uma insti-gante análise do rito carnavalesco através

da performance mediadora do casal mestre-sala e porta-bandeira, olhando bem de dentro e de perto os contrastes e os interstícios que a dança do casal deixa entrever no “idioma” do desfile carnavalesco. Esta riqueza visual, este ethos, esta performance como um todo são decorrentes da posição mediadora do casal e constituem, no dizer da auto-ra, uma densa “coreografia” em que se misturam gestos, movimentos da dança, memórias, expectativas e projeções. O significado desta reunião de “muitas intenções contraditórias num só gesto” (cf. Pereira de Queiroz 1992:225) é sugerido pela autora a partir de uma sofisticada elaboração teórica, composta por várias perspectivas convergentes que colabo-ram para dar conta de aspectos múltiplos provenientes de distintas linguagens: da indumentária, da inserção do casal no desfile enquanto elemento “ritual”, de sua mediação “cortesã” diante do público e do júri, do domínio do anacronismo entre os ritmos interiores de sua performance e do samba-enredo como condutor do desfile, entre outras determinações. Enfim, uma célula da tradição circula no interior deste complexo ritual, entre formas nar-rativas e dramáticas, tornando-se canto e dança, permitindo sua continuidade e mudança.

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RESENHAS

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afetivos despertados pela escola. Presente e passado são, desta maneira, encompas-sados pela forma mítica, permitindo uma experiência emocional totalizadora.

O artigo de Gabriela Cordeiro Buscá-cio analisa o processo de separação de um grupo de compositores da Portela, em um contexto de intensa profissionalização do carnaval. Este grupo, liderado por Candeia, fundou o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo. Em sua análise, a autora mostra-nos como esta dissidência revela os aspectos contraditórios do embate entre “autên-ticos”, que seriam também os “tradicio-nalistas”, diante das intensas mudanças nos padrões estéticos e administrativos da “nova” Portela ao longo dos anos 70. Interessante notar como campos semân-ticos são superpostos, especialmente quando a questão da autenticidade se vê misturada às demandas de etnicidade, ao mesmo tempo em que todo o processo de construção do desfile se vê sob críticas acirradas e suspeitas generalizadas.

Finalmente, encerrando esta coletâ-nea, o artigo de Nilton Rodrigues Júnior traz a esta “passarela” editorial a “velha guarda da Portela”, analisando as re-presentações dos seus membros acerca de sua trajetória no mundo do samba. O autor nos mostra o paradoxo vivido por esta “velha guarda” situada exatamente no limiar entre o sucesso e a “guarda” do samba de raiz, a mesma raiz metafórica da mangueira sob a qual nasceu.

À metáfora de suas raízes fortes e duradouras se junta a imagem do mundo do trabalho em oposição à imagem do ma-landro, o que certamente procura reservar para a escola um lugar acima das disputas ou, como diz o autor, a representação de uma escola que se relaciona com seu “passado de glória”, e que, no presente, existe num mundo destacado.

Esta coletânea se apresenta, portanto, como uma leitura extremamente

opor-tuna e estimulante na medida em que dialoga com as profundas transformações pelas quais passam contemporanea-mente as culturas populares, tomando como foco de análise o carnaval carioca. Como estas culturas vivem, se adaptam, se transformam diante das contradições crescentes impostas pela sociedade de consumo e da progressiva espetacu-larização das manifestações culturais. O carnaval é um exemplo significativo porque se constitui num substrato de raízes profundas, coletivas e espalhadas por todo o país. Esta leitura será, certa-mente, muito estimulante para aqueles que se dedicam a refletir sobre esta ma-nifestação em outros lugares, distantes, mas não imunes a todas essas mudanças na produção e no consumo dos eventos culturais.

HEINICH, Nathalie. 2009. La fabrique du patrimoine. De la cathédrale à la petite cuillère. Paris: Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme. 286 pp.

Bruno Brulon Soares

Doutorando em Antropologia, PPGA/UFF

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