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O princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação ao regime jurídico dos servidores públicos DOUTORADO EM DIREITO

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Academic year: 2018

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Priscilia Sparapani

O princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação

ao regime jurídico dos servidores públicos

DOUTORADO EM DIREITO

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Priscilia Sparapani

O princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação

ao regime jurídico dos servidores públicos

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Livre-Docente Sílvio Luís Ferreira da Rocha.

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Banca Examinadora

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Ao meu pai Mário, amigo, incentivador, querido, conselheiro, meu porto seguro; ouvinte de todas as horas, a quem sempre me socorro nos momentos em que preciso de apoio, carinho e compreensão, e que contribuiu com sua experiência profissional para este trabalho.

À minha mãe Márcia, amiga, companheira, incentivadora, dedicada, zelosa, querida, fonte de amor e carinho, Mãe no melhor sentido da palavra, “cuore” da minha vida.

À minha irmã Letícia, por ser minha alma companheira, confidente e cúmplice, que me conhece tanto e tão bem só pelo olhar, e que me apoia incondicionalmente; nosso compartilhar é muito especial.

À minha sobrinha Laura, que veio trazendo muito amor, alegria e luz para todos.

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Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Silvio Luís Ferreira da Rocha, exemplo de professor e de ser humano. Obrigada pelos preciosos ensinamentos e observações sempre pertinentes, que muito contribuíram para a elaboração da presente tese. É uma imensa honra tê-lo como orientador em mais essa etapa.

Agradeço ao Prof. Dr. Celso Antônio Bandeira de Mello, sempre o maior mestre de todos nós, que inspira seus alunos a ter verdadeira paixão pelo Direito Administrativo e a trilhar pelo caminho da justiça, da igualdade, da ética. Obrigada pela oportunidade e raro privilégio de cursar o doutorado sendo sua aluna.

Aos Professores Doutores Dinorá Adelaide Musetti Grotti, João Antunes dos Santos Neto, Márcio Cammarosano e Sérgio Ferraz, pela honra de poder ser arguida por tão grandes mestres do Direito Administrativo.

Ao Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa, por quem tenho profunda amizade, respeito e consideração. Obrigada pelos incontáveis almoços e conversas para a troca de ideias a respeito das muitas dúvidas que tive durante a elaboração desta tese. Aprendi muito com você! Modelo de professor dedicado e comprometido com a profissão e com os seus alunos. Exemplo de humildade, generosidade e altruísmo para com todos a sua volta. Só tenho uma palavra para expressar toda a sua atenção comigo: gratidão.

À Ivani Contini Bramante, pelas sugestões e ideias muito bem-vindas para a melhora do trabalho e pela disposição em discutir um tema que nos é caro: o regime jurídico do servidor público, seus direitos e garantias.

Ao Marcelo Souza Koch Vaz Döppenschmitt, pela amizade e pela troca, nessa difícil caminhada, que é a elaboração da tese de doutorado.

Aos meus avós paternos Mário e Rosa, que, embora estejam no plano espiritual, continuam mandando suas vibrações de luz e carinho para todos nós, seus familiares. Ao meu avô materno Eduardo, que também virou um anjo de luz para ajudar a iluminar meu caminho.

À minha avó materna Eurides, 90 anos de força e vivacidade, por ter sido a minha primeira professora não só das letras e dos números, como também uma grande educadora da vida. E ao Miguel, avô de coração, pela sua bondade e grandeza de espírito.

Às amigas queridas Luciana Helena Brancaglione, Cecília Beatriz Soares de Almeida e Thatyana Antonelli Marcelino Brabo Patuto. Obrigada pelo apoio e incentivo sempre!

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SPARAPANI, Priscilia. O princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação ao regime jurídico dos servidores públicos. 2013. 331 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

O objetivo desta tese consiste em apresentar o estudo do princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação ao regime jurídico dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos. Busca-se compreender as mudanças instituídas nos direitos e garantias desses servidores, como decorrência de uma série de emendas constitucionais promulgadas que alteraram profundamente seus direitos e garantias. Com esse intuito, inicia-se o exame do tema, tecendo uma exposição sobre as diversas formas que o ente estatal assumiu ao longo do seu processo evolutivo. Destaca-se que referida exposição não envolve somente aspectos jurídicos, mas adentra, igualmente, em aspectos sociais, políticos e econômicos; nesse viés, parte-se do contexto maior dos modelos históricos de Estado de Direito e a construção do Direito Administrativo que acompanha a evolução do Estado até chegar ao atual estágio do Estado brasileiro neossocial e o Direito Administrativo contemporâneo em terras pátrias. Após, passa-se ao exame da vedação ao retrocesso social como princípio do Estado de Direito: primeiro no direito estrangeiro, analisando-se o pensamento doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto; depois, sua presença no ordenamento jurídico pátrio, de modo implícito na Constituição Federal de 1988; incluindo análise dos julgados das Cortes Superiores de Justiça brasileiras acerca da matéria. Por fim, analisa-se a aplicação do primado do não retrocesso social ao regime jurídico dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos. Aludida análise é feita, primeiramente, por meio da exposição das mudanças todas em relação à garantia da estabilidade, do regime remuneratório e do regime previdenciário dos servidores públicos. Em seguida, o exame crítico do tema é feito por meio da divisão do assunto em cinco pontos principais: o papel do Supremo Tribunal Federal no controle dos direitos e garantias dos servidores públicos; a importância das “cláusulas pétreas” na democracia e a proteção aos direitos e garantias dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos; o princípio da vedação ao retrocesso social e a proteção que confere aos direitos e garantias dos servidores públicos; o regime jurídico do servidor público ocupante de cargo efetivo e a proteção do direito adquirido social; e, também, o princípio da vedação ao retrocesso social e a equivalência jurídica. O estudo acadêmico é justificado pela importância do assunto, uma vez que o tema da vedação ao retrocesso social é ainda novo e bastante polêmico, especialmente em virtude da própria divergência da doutrina quanto ao fundamento, conteúdo e alcance do princípio, o que reflete na pequena quantidade de decisões judiciais que envolvem o princípio da vedação ao retrocesso social nos Tribunais Superiores. Como método de pesquisa foram utilizados neste trabalho tanto o método dedutivo quanto o indutivo. Por intermédio da análise, fundamentalmente, de obras doutrinárias e, complementarmente, de jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal Federal, foram abordadas as questões que envolvem o assunto. E, diante de todo o estudo, conclui-se que as alterações no regime jurídico do servidor público não ofendem o princípio da vedação ao retrocesso social se observarem a equivalência jurídica e a justa repartição de recursos. E, nesse passo, o não retrocesso social deve ser concebido como um princípio garantidor do nível mais elevado de direitos alcançado pela comunidade de servidores públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo.

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SPARAPANI, Priscilia. O princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação ao regime jurídico dos servidores públicos. 2013. 331 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

This thesis objective is to present the study of the principle of sealing the social regression and its application to the legal framework of public officeholders effective, and understand the changes imposed on the server’s rights and guarantees as a result of a series of constitutional amendments enacted that fundamentally altered their rights and guarantees. With this in mind, there will be a subject examination, a presentation will be built, based on the various ways that the state entity has taken over its evolutionary process. It is noteworthy that such exposure involves not only legal aspects, but social, political and economic with the same relevance; that bias is part of the larger context of historical models of rule of law and the construction of Administrative Law that accompanies evolution of the state to get to the current stage of the Brazilian neo-contemporary social and Administrative Law on land homelands. After passes to the examination of the social backlash as sealing principle of the rule of law: first in foreign law, analyzing the doctrinal and jurisprudential thought about it, then their presence the national laws, so implicit in the Federal Constitution 1988, including analysis of trial of Brazilian High Courts of Justice on the matter. Finally, we analyze the application of the rule of no social backlash to the legal regime of public officeholders effective. Alluded analysis is done, first, by exposing all of the changes in relation to ensuring the stability of the remuneration system and the pension system for civil servants. Then the critical examination of the subject is done by dividing the subject into five main points: the role of the Supreme Court to control the rights and guarantees of civil servants, the importance of “immutable clauses” in Democracy and Human Rights Protection and guarantees of public officeholders effective, the principle of sealing and protecting the social backlash that confers the rights and guarantees of civil servants, the legal occupant of the public servant position and effective social protection of vested rights, and also The sealing principle of the social backlash and legal equivalence. The academic study is justified by the importance of the issue, since the issue of sealing the social backlash is still new and quite controversial, especially on account of the divergence of doctrine as to the basis, content and scope of the principle, which reflects the small amount of judicial decisions involving the principle of sealing the social regression in the Superior Courts. As a research method was used in this study both the deductive method, as the inductive. Through the analysis, primarily of doctrinal works and in addition, jurisprudence, particularly the Supreme Court, were discussed the issues surrounding the subject. And before all the study, it is concluded that the changes in the legal regime of public servants not offend the principle of sealing the social backlash observe the equivalence legal and fair distribution of resources. And, in this step, the social backlash should not be conceived as a principle guaranteeing the highest level reached by the community rights of public servants occupying positions of effective provision.

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INTRODUÇÃO ... 11

1. MODELOS HISTÓRICOS DE ESTADO DE DIREITO E A CONSTRUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ... 15

1.1 Considerações iniciais ... 15

1.2 O Estado liberal: o absenteísmo estatal ... 17

1.2.1 A Revolução Francesa como fonte, o Estado de Direito como ponto de partida do Direito Administrativo e o papel do Conselho de Estado francês ... 20

1.2.2 A “separação de poderes”, a contribuição da doutrina e a formação do Direito Administrativo ... 22

1.2.3 A crise do liberalismo: a insustentabilidade do laissez-faire, laissez- -passer ... 26

1.3 O Estado social: intervencionismo e justiça social ... 28

1.3.1 O Estado social e o Direito Administrativo ... 32

1.3.1.1 A constitucionalização do Direito Administrativo ... 35

1.3.2 A crise do Estado social ... 39

1.4 O Estado pós-social ... 40

1.4.1 Estado neoliberal ... 41

1.4.2 O neoliberalismo e o Direito Administrativo ... 46

1.4.3 A crise do neoliberalismo ... 48

1.5 O Estado pós-neoliberal: a crise mundial e a proposta de resgate do Estado Social e Democrático de Direito ... 49

1.5.1 O Direito Administrativo no Estado pós-neoliberal ... 53

1.6 O Estado brasileiro contemporâneo ... 56

1.6.1 Considerações preliminares ... 56

1.6.2 O Estado social na Constituição de 1988 ... 57

1.6.3 O Estado neoliberal ... 58

1.6.4 O Estado brasileiro neossocial ... 60

1.6.5 O atual estágio do Direito Administrativo brasileiro ... 63

2. A VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL COMO PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO ... 72

2.1 Princípio da vedação ao retrocesso social: pensamento estrangeiro acerca do tema . 74 2.1.1 Alemanha ... 74

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2.2.1 Pensamento doutrinário a respeito do tema ... 101

2.2.2 Fundamentos constitucionais do princípio da vedação ao retrocesso social ... 130

2.2.2.1 A progressiva ampliação dos direitos fundamentais da sociedade ... 131

2.2.2.2 A paulatina redução das desigualdades regionais e sociais ... 135

2.2.2.3 A construção de uma sociedade marcada pela solidariedade e pela justiça social ... 136

2.2.2.4 O direito adquirido social e o princípio da vedação ao retrocesso social ... 137

2.2.2.4.1 A controvérsia em torno do conceito de direito adquirido ... 137

2.2.2.4.2 O direito adquirido individual e social ... 141

2.2.2.4.3 Direito adquirido individual e social em face de emenda constitucional ... 147

2.2.2.4.4 Direito adquirido individual e social: as diferentes dimensões de proteção ... 154

2.2.2.5 Os tratados internacionais e a adesão brasileira ao princípio da vedação ao retrocesso social ... 156

2.2.3 Entendimento jurisprudencial a respeito do tema ... 166

3. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL E SUA APLICAÇÃO AO REGIME JURÍDICO DO SERVIDOR PÚBLICO ... 179

3.1 Os servidores públicos: terminologia e classificação ... 179

3.2 Regime estatutário ou institucional do servidor público ... 182

3.3 Regime constitucional dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos ... 189

3.3.1 Alterações instituídas no tocante à estabilidade, ao sistema remuneratório e ao regime previdenciário ... 189

3.3.1.1 Garantia da estabilidade ... 190

3.3.1.1.1 Efeitos decorrentes da estabilidade: direitos à reintegração, à disponibilidade, ao aproveitamento e à recondução ... 198

3.3.1.2 Sistema remuneratório dos servidores públicos ... 201

3.3.1.2.1 Normas constitucionais pertinentes à remuneração ou vencimento ... 203

3.3.1.2.2 Regime de subsídios ... 205

3.3.1.2.3 Normas comuns à remuneração e aos subsídios ... 208

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3.3.1.3.2 Emenda Constitucional 20 de 1998 ... 222

3.3.1.3.3 Emenda Constitucional 41 de 2003 ... 233

3.3.1.3.4 Emenda Constitucional 47/2005 ... 241

3.4 O princípio da vedação ao retrocesso social e o regime jurídico constitucional do servidor público ocupante de cargo efetivo ... 244

3.4.1 O papel do Supremo Tribunal Federal no controle dos direitos e garantias dos servidores públicos ... 245

3.4.1.1 A tese dos princípios – os argumentos de princípio e os argumentos de política ... 246

3.4.1.2 O emprego de argumentos de política pelo Supremo Tribunal Federal e a teoria da reserva do possível ... 251

3.4.2 A importância das “cláusulas pétreas” na democracia e a proteção aos direitos e garantias dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos .. 259

3.4.3 O princípio da vedação ao retrocesso social e a proteção que confere aos direitos e garantias dos servidores públicos ... 272

3.4.4 O regime jurídico do servidor público ocupante de cargo efetivo e a proteção do direito adquirido social ... 279

3.4.5 O princípio da vedação ao retrocesso social e a equivalência jurídica ... 288

CONCLUSÃO ... 302

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INTRODUÇÃO

O presente estudo procura refletir sobre o princípio da vedação ao retrocesso social aplicado ao Direito Administrativo, em especial ao regime jurídico dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos. A análise do tema mostra-se relevante, sobretudo após o advento de várias emendas constitucionais que introduziram profundas alterações nos direitos e garantias dos servidores, em fins do século XX e começo do atual século XXI. Assim, ante esse cenário de mudanças, o exame do assunto buscará verificar se referidas modificações são legítimas (justificadas) perante o Estado Social e Democrático de Direito agasalhado pela Constituição Federal de 1988, ou se ferem o mandamento do não retrocesso social.

Para tanto, a tese situará a temática não somente no campo jurídico, mas também no domínio social, político e econômico mundial da época em que as mudanças foram realizadas, uma vez que o panorama sociopolítico e econômico-financeiro exerceu forte influência nas transformações referentes aos direitos e garantias dos servidores públicos.

Nesse viés, no capítulo inicial – por intermédio do exame dos modelos históricos de Estado de Direito e a construção do Direito Administrativo que acompanha a evolução do ente estatal –, procurar-se-á contextualizar as alterações instituídas nos modelos de Estado e como tais mudanças repercutiram no Direito Administrativo.

Nesse passo, será visto que o Direito Administrativo sofre o influxo direto das alternâncias de modelos de Estado. De tal modo, a abordagem do assunto começará a partir do Estado liberal, como modelo estatal em que há o nascimento do Estado de Direito como ponto de partida do Direito Administrativo, até chegar ao Estado pós-neoliberal no cenário internacional, na crise que acomete referida forma de Estado e qual o estágio do Direito Administrativo nesse contexto.

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mostrando-se, por intermédio de uma exposição geral, as mutações ocorridas nesse ramo do Direito para uma melhor compreensão e contextualização da temática referente às mudanças no regime jurídico dos servidores públicos.

Com o objetivo de analisar o conteúdo do princípio da vedação ao retrocesso social, torna-se necessário proceder ao exame do referido princípio no Capítulo 2 como um dos mandamentos do Estado de Direito.

Dessa forma, sem olvidar que a prioridade é o estudo do princípio do não retrocesso social no ordenamento jurídico pátrio, revela-se importante conhecer o pensamento doutrinário e jurisprudencial de outros países a respeito do aludido primado, principalmente porque a proibição de retrocesso social foi mais bem desenvolvida em outros ordenamentos, e, desse modo, ao ser acolhida pela doutrina nacional, carrega consigo um conteúdo fortemente influenciado pelas ideias de estudiosos de outras nações, em especial da doutrina e jurisprudência portuguesas, consoante se exporá. Contudo, de igual modo, não se poderá deixar de trazer à baila a doutrina alemã e italiana acerca do tema.

De tal maneira, após a análise do direito estrangeiro, conhecer-se-á o pensamento da doutrina brasileira a respeito do citado princípio e o âmbito de sua aplicação, para adotar o posicionamento que defende a aplicação ampla do não retrocesso social, inclusive no plano constitucional. Afora isso, enfrentar-se-á o desafio de estabelecer os fundamentos constitucionais do princípio do não retrocesso social com a finalidade de evidenciar sua presença como princípio implícito na Lei Fundamental.

E se encerrará o segundo capítulo com o exame da jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) no intuito de demonstrar que ainda é pequeno o número de julgados nessas Cortes de Justiça, que utilizam, na sua argumentação, o princípio da proibição de retrocesso social, ou mesmo que o invoque como primado a ser aplicado para a solução de um caso

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Após essa abordagem, toda a atenção do presente trabalho voltar-se-á, no Capítulo 3, para o princípio da vedação ao retrocesso social e sua aplicação ao regime jurídico dos servidores públicos.

De início, será realizado um exame mais detalhado sobre as mudanças trazidas pelas emendas constitucionais que estabeleceram modificações nos direitos e garantias fundamentais dos servidores públicos, quais sejam: na garantia da estabilidade, no regime remuneratório e no regime previdenciário. Nesse ponto do último capítulo, o método utilizado é o indutivo, em que serão analisadas pontualmente as alterações concernentes a tais direitos e garantias, o que, consequentemente, possibilitará divisar um prisma mais particularizado de cada item estudado. O intento é o de mostrar as mudanças referentes aos citados direitos e garantias fundamentais instituídas em decorrência de uma série de emendas constitucionais.

Com base nesse estudo, abre-se caminho para tratar de cinco pontos importantes acerca da aplicação do princípio da vedação ao retrocesso social no que diz respeito aos direitos e garantias dos servidores públicos efetivos.

O primeiro ponto é representado pela análise do papel do Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal, no controle dos direitos e garantias dos servidores, e a tendência dessa Corte em utilizar argumentos político-econômicos no lugar de proceder a uma argumentação jurídica para fundamentar seus julgados. Nessa análise, tratar-se-á de uma temática especialmente ligada ao assunto em pauta, qual seja a teoria da reserva do possível, que em muitas oportunidades entraria em conflito com o princípio da vedação ao retrocesso social. Assim sendo, diante da importância do tema, um tópico, ainda que breve, será dedicado à matéria.

Prosseguindo no desenvolvimento do capítulo, o ponto seguinte abordará a relevância das “cláusulas pétreas” na democracia e a proteção que emana das aludidas cláusulas em relação aos direitos e garantias dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos.

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confere aos direitos e garantias dos servidores públicos. Disso resultará nítida a função do primado do não retrocesso social em relação à proteção conferida ao núcleo fundamental da Constituição.

Também será imprescindível passar, no quarto ponto, pela análise do regime jurídico do servidor público, tecendo um comparativo no tocante às diferentes dimensões de proteção do direito adquirido: o direito adquirido individual e o direito adquirido social.

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MODELOS

HISTÓRICOS

DE

ESTADO

DE

DIREITO

E

A

CONSTRUÇÃO

DO

DIREITO

ADMINISTRATIVO

SUMÁRIO: 1.1. Considerações iniciais 1.2. O Estado liberal: o absenteísmo

estatal. 1.2.1. A Revolução Francesa como fonte, o Estado de Direito como ponto de partida do Direito Administrativo e o papel do Conselho de Estado francês. 1.2.2. A “separação de poderes”, a contribuição da doutrina e a formação do Direito Administrativo. 1.2.3. A crise do liberalismo: a insustentabilidade do laissez faire, laissez passer. 1.3. O Estado social: intervencionismo e justiça social. 1.3.1. O Estado social e o Direito Administrativo. 1.3.1.1. A constitucionalização do Direito Administrativo. 1.3.2. A crise do Estado social. 1.4. O Estado pós-social. 1.4.1. Estado neoliberal. 1.4.2. O neoliberalismo e o Direito Administrativo. 1.4.3. A crise do neoliberalismo. 1.5. O Estado pós-neoliberal: a crise mundial e a proposta de resgate do Estado social e Democrático de Direito. 1.5.1. O Direito Administrativo no Estado pós-neoliberal. 1.6. O Estado brasileiro contemporâneo. 1.6.1. Considerações preliminares. 1.6.2. O Estado social na Constituição de 1988. 1.6.3. O Estado neoliberal. 1.6.4. O Estado brasileiro neossocial. 1.6.5. O atual estágio do Direito Administrativo brasileiro.

1.1 Considerações iniciais

A evolução do Direito Administrativo mescla-se com a ideia de evolução e transformação sofrida pelo próprio Estado. Essa disciplina jurídica tem ligação direta com as mudanças de modelo estatal, bem como com as modificações introduzidas no seu aparelho.1

Daí alguns doutrinadores afirmarem que “O Direito Administrativo, enquanto conjunto de normas que regula as relações do Estado com os particulares, pode-se dizer que existiu sempre, desde o nascimento do Estado. Mas isso não foi suficiente ab origine à criação de uma disciplina”.2 Deveras, no início do Estado

1 Nos dizeres de Odete Medauar: “[...] da concepção do Estado decorrem consequências no contexto

das instituições públicas, sobretudo governamental e administrativa. Se a disciplina jurídica da Administração Pública centraliza-se no direito administrativo e se a Administração integra a organização estatal, evidente que o modo de ser e de atuar do Estado e seus valores, repercutem na configuração dos conceitos e institutos desse ramo do direito” (Odete Medauar, O direito administrativo em evolução, São Paulo: RT, 1992, p. 74).

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moderno, que se edifica centrado no absolutismo monárquico, o que havia pode ser considerado um complexo normativo predecessor do Direito Administrativo, na medida em que este se origina como ramo autônomo somente quando se tem o Estado de Direito como fator favorável e a “separação de poderes” como seu pressuposto, ao que se somam outros elementos, conforme se verá.

Nessa toada, desde o Estado da liberdade contra o despotismo, que favorece o surgimento dessa área do saber jurídico, até o Estado Democrático de Direito pós-neoliberal (contemporâneo), o Direito Administrativo desponta como um ramo que ganha cada vez mais destaque e importância e se torna mais complexo e dinâmico em virtude do fluxo dos acontecimentos político-econômico-sociais.

Hodiernamente, diante da globalização, do surgimento de novos institutos e ideologias, que introduzem (ou tentam introduzir) novas formas de conceber o Estado e o seu papel, o Direito Administrativo sofre constantes mutações embaladas pela ideia de que é preciso acompanhar o momento e as atuais tendências mundiais. Dessa evolução compassada no ritmo das mudanças do Estado, o Direito Administrativo vai agasalhando institutos, técnicas e conceitos diferenciados.

Na esteira dessas considerações, a análise da correlação entre a transformação dos modelos de Estado e a evolução do Direito Administrativo pode ser feita por diversos prismas: histórico, filosófico, político-ideológico, econômico, jurídico e social. Conquanto em termos didáticos o exame de cada um desses aspectos em separado seja pertinente, assim não se procederá, na medida em que se opta por tratá-los de forma conjugada, buscando apresentar uma visão multifária sobre a temática que se quer considerar, de maneira a alicerçar suficientemente o desfecho que se pretende alcançar com a explanação do tema.

Tendo por base essas afirmações e esclarecimentos iniciais, pretende-se ao final deste capítulo inaugural da presente tese trazer a visão do Direito

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Administrativo contemporâneo, bem como delinear as principais características do modelo de Estado que condiz com o espírito e as disposições contidas na Constituição de 1988, com o escopo de estabelecer as premissas fundamentais para o desenvolvimento dos demais capítulos e dos assuntos que serão abordados no decorrer deste estudo.

Por conseguinte, diante do que se intenta expor, em virtude de o Estado ser fruto de um contínuo processo de evolução e de o Direito Administrativo se formar quando o ente estatal atinge um determinado patamar que combina e reúne distintos fatores, o estudo do assunto será mais bem compreendido se o início de sua abordagem revelar o panorama encontrado no nascimento do Estado liberal.

1.2 O Estado liberal: o absenteísmo estatal

Buscando superar o antigo regime, surge o liberalismo. Caracterizado por novéis visões e originais concepções tanto na filosofia, literatura e ciência quanto na política e economia, desenvolve-se com base no racionalismo (corrente fundamental no pensamento liberal), nas ideias empiristas do iluminismo e no liberalismo econômico. Com a vitória da burguesia sobre o clero e a aristocracia, e a consagração das aspirações defendidas pela Revolução Francesa, inaugura-se um novo modelo de Estado que prevaleceu na Europa e nos Estados Unidos no século XIX.

Com a preocupação de deixar as práticas do absolutismo para trás, é possível verificar que, “No plano institucional, o liberalismo significou a construção de um Estado em que o poder se fazia função do consenso, e em que a divisão de poderes se tornava princípio obrigatório”; além disso, “o direito prevalecia em seu sentido formal e a ética social repudiava as intervenções governamentais”.3 Imperava a ideia de que “O Estado que governa melhor é aquele que governa menos”.4

3 Nelson Saldanha, O Estado moderno e o constitucionalismo, São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 51-53. 4 Norberto Bobbio, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos, Organizado

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Nesse viés, o Estado liberal assumiu fundamentalmente traços próprios do que lhe seria característico: o absenteísmo estatal. Portanto, o lema era a não intervenção: seja na ordem econômica – o que propiciou o afastamento do Estado da economia favorecendo o livre mercado, a livre-iniciativa e o desenvolvimento espontâneo das capacidades individuais em benefício da sociedade, graças à orientação do que Adam Smith denominou de “mão invisível”5 –, seja em relação aos direitos e às liberdades dos indivíduos, atuando, nesse caso, apenas em defesa do direito de propriedade para resguardá-lo, visto que este, segundo defendia Locke, “é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado”.6 O ser humano alcançaria a plenitude e a liberdade com o domínio sobre os bens, com o ser proprietário.7

Importa destacar que nessa época, contemporâneo ao Estado liberal, surge o constitucionalismo8 e acontece a codificação9 (notadamente os códigos civis).

5 Em relação à liberdade dos indivíduos no plano econômico assevera Jorge Reis Novais, apoiado em

Adam Smith, que: “O bem-estar colectivo resultará, não de uma actividade conscientemente dirigida a atingi-lo, mas antes do livre encontro dos fins individuais, da livre concorrência de produtores e consumidores movidos e dirigidos por uma mão invisível através da procura e oferta de mercadorias. Porém, para que estes resultados se produzam é necessário que as leis internas da economia se possam desenvolver sem interferências exteriores e, logo, sem intervenção do Estado na esfera económica, para que a política não venha alterar a livre concorrência dos agentes económicos” (Jorge Reis Novais, Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito liberal ao Estado social e democrático de direito, Dissertação de Pós-Graduação apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em outubro de 1985, Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, 1987, p. 53).

6 Leonel Itaussu Almeida Mello, John Locke e o individualismo liberal, in: Francisco C. Weffort

(Org.), Os clássicos da política, 11. ed., São Paulo: Ática, 1999, v. 1, p. 85.

7 E é exatamente o indivíduo dono de coisas e detentor de patrimônio que se torna paradigma para os

códigos civis (codificação).

8 Importa destacar que: “É preciso ter em conta, porém, que o constitucionalismo, apesar de

impulsionado sempre pelos mesmos objetivos básicos, teve características diversificadas, segundo as circunstâncias de cada Estado. Com efeito, surgindo num momento em que a doutrina econômica predominante era o liberalismo, incorporou-se o constitucionalismo ao acervo de ideias que iriam configurar o liberalismo político. Este, por sua vez, expandiu-se como ponto de convergência das lutas a favor dos direitos e da liberdade do indivíduo. Dessa forma, em alguns Estados o constitucionalismo foi o instrumento de afirmação política de novas classes econômicas, enquanto que, em outros, foi a mera expressão de anseios intelectuais, nascidos de um romantismo político sem caráter utilitarista. Naqueles, em consequência, o constitucionalismo teve caráter verdadeiramente revolucionário, consagrando mudanças estruturais e implicando limitações ao governo e ao Estado. Nos demais teve um sentido quase simbólico, gerando as monarquias constitucionais, cujo absolutismo perdeu o caráter pessoal para adquirir um fundamento legal” (Dalmo Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 72).

9 Em verdade, a ideia de Codificação, diz Bartolomé Clavero, “Define-se no momento revolucionário”

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Aquele com a tarefa de restringir fortemente o Estado, definir suas estruturas e limitar o poder político. Esta com o papel de garantir a mais extensa esfera de autonomia aos indivíduos (princípio da autonomia da vontade), sobretudo na área econômica. Consequentemente, se o que impera é o predomínio das liberdades negativas (direitos baseados no valor essencial da liberdade e autonomia, denominados direitos individuais ou de primeira geração), evidencia-se nesse contexto “uma nítida assimetria na relação público-privado. O domínio do privado, nesse cenário em que prevalece o liberalismo (político e econômico), é superdimensionado”.10-11

Nesse passo, enquanto o Direito Civil computava um extenso desenvolvimento histórico – e agora vocacionado e centrado na figura do indivíduo –, o Direito Público voltado à contenção da atividade estatal sofre o seu despertar. Nesse panorama, por conseguinte, o Direito Administrativo começa a encontrar terreno propício para sua formação, para só então se consolidar ao final do século XIX, como um ramo do Direito Público independente, mediante a junção de vários elementos (conforme se verá no item 1.2.2). Contudo, muitos doutrinadores apontam o movimento revolucionário francês de 1789 como marco do nascimento desse ramo jurídico e o Estado de Direito como seu ponto de partida.

ordenação imediata da liberdade no âmbito civil do mesmíssimo modo e no mesmíssimo grau que a Constituição o é ou deve também teoricamente sê-lo no político”. E continua: “Não há uma sequência de Direitos. Constituição e em seguida leis, eventualmente Códigos. Há uma relação direta do Código com os Direitos, igual a da Constituição. Um par de Códigos essencialmente se coloca lado a lado: um político, mais procedimental, e outro civil, mais substantivo. E esta codificação seria o direito pela razão de realizar os Direitos” (Bartolomé Clavero Salvador, Codificación y Constitución: paradigmas de um binomio, Quaderni Fiorentini, Milano: Giuffrè, p. 104-105, 1989).

10 Cristiano Paixão Araújo Pinto, Arqueologia de uma distinção: o público e o privado na experiência

histórica do direito, in: Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, (Org.), O novo direito administrativo

brasileiro: o Estado, as Agências e o Terceiro Setor, Belo Horizonte: Fórum, 2003. Em endereço

eletrônico: disponível em: <http://direitoachadonasarjeta.wordpress.com/2008/10/31/arqueologia-de-uma-distincao-o-publico-e-o-privado-na-experiencia-historica-do-direito/>. Acesso em: 19 jul. 2011.

11 Pode-se dizer que: “É nessa quadra histórica que se inicia o interesse – ainda presente – de delimitar

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1.2.1 A Revolução Francesa como fonte, o Estado de Direito como ponto de partida do Direito Administrativo e o papel do Conselho de Estado francês

Ao pôr fim à servidão e aos privilégios da nobreza e anunciar os ideais universais, pregados por Rousseau, de “liberdade, igualdade e fraternidade”, a Revolução Francesa consolidou o terceiro estado12 no poder e influenciou fortemente outras revoluções pelo mundo, em especial as europeias e os movimentos de luta em favor da libertação dos países da América Latina. Permitiu o nascimento do Estado de Direito, baseado no primado da legalidade.

O Estado que se submete à lei tem, assim, íntima ligação com o movimento revolucionário francês e, nesse passo, reconhece-se que o Direito Administrativo, como regime especializado que disciplina a Administração Pública, encontra ambiente propício para surgir. Portanto, a Revolução Francesa que dá origem ao Estado que vige sob o império das leis também favorece o nascimento do Direito Administrativo. Nesse sentido, é comum encontrar na doutrina do Direito Público a associação do surgimento do Direito Administrativo à Revolução Francesa13 e à noção de Estado de Direito.14

12 Sobre o terceiro estado importante foi a contribuição de Emmanuel Joseph Sieyès que escreveu

“Qu’est-ce que le tiers état?” (O que é o terceiro estado?). Tendo por base a doutrina do contrato social, de John Locke e Jean-Jacques Rousseau, o citado autor defendia a ascensão do terceiro estado (o povo) ao poder. Concebia um poder próprio da nação, superior aos demais poderes que tivessem sido constituídos de forma ordinária, sendo que tal poder não poderia ser por eles modificável. Surge então o poder constituinte. Nesse passo, asseverava que o terceiro estado “deve reunir-se à parte, não concorrendo com a nobreza e o clero, não permanecendo com ele nem por Ordens nem por cabeças. Rogo que se atenda à enorme diferença que há entre a assembleia do Terceiro Estado e a das outras duas Ordens. A primeira representa vinte e cinco milhões de homens e delibera sobre os interesses da Nação. As duas outras, ainda que reunidas, não têm poderes senão de cerca de duzentos mil indivíduos e só pensam nos seus privilégios. Dir-se-á que o Terceiro sozinho não pode formar os Estados gerais. Oh! tanto melhor! Comporá uma Assembleia Nacional” (Jean-Jacques Chevallier, As

grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias, Tradução de Lydia Christina, 5. ed., Rio de

Janeiro: Agir, 1990, p. 201).

13 Esse é o entendimento de Eduardo Garcia de Enterría e Tomás Ramón Fernandéz, que reconhecem

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Sob esse vértice Libardo Rodríguez Rodríguez afirma “que a filosofia política e a concepção de Estado que se impuseram com a Revolução Francesa, de 1789, constituem a fonte próxima do Direito Administrativo”. E, desse modo, “o conceito de

Estado de Direito, que constituiu um dos princípios norteadores dessa Revolução, foi, por sua vez, o ponto de partida desse ramo do direito”.15

Nesse compasso, Jean Rivero defende que essa área jurídica só pode surgir no panorama do Estado de Direito, a partir do instante em que o governante consentiu em ver seus agentes sujeitos, em relação aos particulares, por norma obrigatória e sancionada jurisdicionalmente.16 Em outras palavras significa que concebe o Direito Administrativo, surgido para disciplinar as relações entre o Estado e os administrados, sujeitando-se também o soberano a um conjunto normativo, apenas quando se tem o Estado de Direito servindo como sua pedra angular e seu fundamento.

Ainda, na medida em que se afirma “que o direito administrativo, como ramo especializado do direito, é uma concepção e criação do direito francês, originado na Revolução Francesa de 1789”, tem-se que acrescentar a ideia, segundo Rodríguez, apoiado na doutrina de vários autores, de que também é resultado “de uma evolução progressiva que foi consolidando dita concepção”.17 E essa evolução é devida à elaboração e trabalho do Conselho de Estado francês, instituído como órgão máximo da jurisdição administrativa que se estabeleceu na França. Assim, instituiu-se a dualidade

concepto del derecho administrativo, Caracas: Jurídica Venezolana, 1984, nota 1, p. 41 Colección

Estudios Jurídicos, n. 23).

14 Nesse sentido é a observação de Medauar; diz: “Frequente, na doutrina publicista, se apresenta a

vinculação do surgimento do direito administrativo ao Estado de Direito” (O direito administrativo em evolução, p. 20).

15 Libardo Rodríguez Rodríguez, Explicación histórica del derecho administrativo, in: David

Cienfuegos Salgado y Miguel Alejandro López Olvera (Coord.), Derecho administrativo: estudios en homenaje a don Jorge Fernández Ruiz, México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, p. 295.

16 Jean Rivero, Droit administratif français et droits administratifs étrangers, escrito em 1969 e

reimpresso em Pages de Doctrine, Paris: LGDJ, 1980, v. 2, p. 476.

17 Rodríguez Rodríguez (Explicación histórica del derecho administrativo, p. 296) arrola em nota de

rodapé (nota 5) vários doutrinadores que, segundo ele, comungam do seu entendimento de que o Direito Administrativo se origina da Revolução Francesa: os já citados logo acima (nota 31), Garcia de Enterría y Ramón Fernandéz; também Juan Alfonso Santamaría Pastor (Principios de derecho

administrativo, 2. ed., Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 1990, t. I, p. 13 e ss.); Guido

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de jurisdição na França, “em que a administração da justiça competia à jurisdição comum, encarregada de resolver os conflitos entre os particulares, e a jurisdição administrativa, com competência para solucionar as controvérsias em que a administração pública for parte”.18

Tamanha é a importância do Conselho de Estado na França que F. Burdeau faz uma definição do Direito Administrativo com base no seu papel, afirmando que esse ramo jurídico “é um direito eminentemente jurisprudencial”, pois verifica que a sua trajetória é de “qualquer modo a história dos problemas da repartição de jurisdição, cujos limites marcam, de tempos em tempos, juntamente com a categoria dos atos impugnáveis e dos poderes de conhecimento e de decisão do juiz administrativo, o coração da história”.19 Diante de tal compreensão, a história do Direito Administrativo é “uma história de sentenças, portanto”, e, por sua vez, “do Conselho de Estado, do seu papel, das suas funções, do seu prestígio, nem sempre idêntico a si mesmo e de fato a ser confirmado e recuperado em cada mudança de regime constitucional”.20

Inserido no contexto do surgimento do Direito Administrativo, por conseguinte, está a relevância do Conselho de Estado na França. Entretanto, é possível ir além e analisar um pouco mais detida e aprofundadamente o nascimento desse ramo jurídico, para além da Revolução Francesa, do Estado de Direito e do Conselho de Estado, ultrapassando os muros do território francês, ao que se tem uma concepção que atribui a uma série de elementos conjugados o surgimento dessa disciplina jurídica.

1.2.2 A “separação de poderes”, a contribuição da doutrina e a formação do Direito Administrativo

Se a Revolução Francesa trouxe com ela o Estado de Direito, ao mesmo tempo serviu para concretizar a “tripartição de poderes” desenvolvida por

18 Rodríguez Rodríguez, Explicación histórica del derecho administrativo, p. 299.

19 Bernardo Sordi tratando sobre a doutrina de F. Burdeau e sua obra Histoire du droit administratif

de la Révolution au debut dês années 1970 (Per uma storia del diritto amministrativo, Quaderni

Fiorentini, n. 25, p. 685, 1996).

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Montesquieu21 (O espírito das leis – 1748) para conter o poder do ente estatal, separando-o em três funções. Com a atribuição de competências a órgãos distintos do Estado, a teoria idealizada pelo Senhor de La Brède impediu a centralização irrestrita de poderes nas mãos do governante.

Indubitavelmente o princípio da separação de poderes foi o “Esteio sagrado do liberalismo”. Tanto que “O célebre art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem, contida na Constituição francesa de 3 de setembro de 1791, assim rezava: ‘Toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos nem a separação de poderes não possui constituição’”.22

Nesse diapasão, quando se efetiva a ideia de que aquele que faz as leis não deve aplicá-las nem executá-las, de que quem as executa não deve fazê-las nem julgá-las, e de que aquele que as julga não deve nem elaborá-las nem executá-las,23 abre-se espaço para que o Direito Administrativo possa se formar. Todavia, não é o Estado de Direito nem a “separação de poderes” que dão origem a esse ramo jurídico, conquanto a concepção de Estado de Direito tenha sido favorável para o surgimento desse ramo do Direito e o princípio da tripartição possa ser tido como seu pressuposto.24

21 Em relação à paternidade da teoria da divisão dos poderes do Estado, Celso Ribeiro Bastos ensina

que: “Desde a Antiguidade clássica, mais precisamente desde Aristóteles, tem sido hábito da doutrina identificar em todo Estado a existência de três funções principais. [...] Esta divisão tricotômica foi retomada nos séculos XVII e XVIII por autores como Locke, Bolinbroke e Montesquieu (que para muitos é o pai da doutrina da separação de poderes). Esta paternidade é discutível porque, quando mais não fosse, os dois autores também citados e que o precedem seriam suficientes para subtrair-lhe a autoria. A verdade é que Montesquieu foi quem a exprimiu com mais clareza e perfeição trazendo para ela uma contribuição pessoal que acaba por justificar essa filiação que a História estabeleceu” (Celso Ribeiro Bastos, Curso de teoria do Estado e ciência política, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 74).

22 Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, 9. ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 63. 23 Sobre a teoria da “separação de poderes” e a divisão das funções do Estado em três, Montesquieu

apregoa que: “‘Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou a mesma corporação dos principais, dos nobres ou do povo exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as desavenças dos particulares’. Porque não existe liberdade quando se acham reunidos, nas mesmas mãos, legislativo e executivo. ‘É para recear que o próprio monarca ou o próprio Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.’ Tampouco existe liberdade quando o poder de julgar, o judiciário, não se acha separado do legislativo e do executivo. ‘Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador; se unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor’” (Chevallier, As grandes obras políticas..., p. 138).

24 Segundo Massimo Severo Gianinni, ao examinar a temática da “separação de poderes” e sua

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Em realidade, “o Direito Administrativo nasce como somatório de vários acontecimentos, alguns dos quais remonta a séculos, com origens e experiências estatais diversas”. Dessa feita, “As peças do variado e nem sempre claro mosaico vieram agregar-se e completar-se gradualmente, de modo que a instauração de um Direito Administrativo se firmou pouco a pouco sem que, na França e em outros lugares, houvesse plena consciência”.25

Na esteira dessa assertiva, Gianinni, ao se referir ao surgimento do Direito Administrativo como ramo do Direito, em um dado ordenamento, afirma ser necessário para tanto que: “[...] a administração seja separada dos outros poderes estatais, ou seja, que exista uma administração em sentido jurídico”. Assim, a matéria administrativa deve ser “disciplinada por normas próprias, de natureza publicista, que a ela se referem de modo específico”; além disso, tais normas precisam constituir “um todo orgânico, ou seja, dada uma administração em sentido subjetivo, as várias normas referentes aos sujeitos, aos atos, e meios de ação, sejam ligadas por nexos comuns, inspirados em unidade e generalidade de critérios e de princípios”.26 Essa última exigência “corresponde diretamente à necessidade do sistema, própria da correlativa ciência do direito, exigência de uma ciência, precisamente como uma ciência, é essencial”.27

E acrescente-se a isso o papel da doutrina, que segundo Gianinni é vital nesse processo de formação do Direito Administrativo, representando a ciência do

defendida por Montesquieu e o surgimento dessa disciplina jurídica. Destarte, assevera que: “O princípio da divisão tem por isso uma força muito menor do que parece; não obstante ser o poder executivo separado dos outros, ou melhor, o fato de a função executiva ser atribuída, institucionalmente e por via principal, a um grupo determinado de órgãos, constitui um dos pressupostos fundamentais para a existência de um direito da administração com fisionomia e individualidade própria. Pressuposto necessário, mas sempre pressuposto, ou seja, não causa

determinante” (Massimo Severo Gianinni, Profili storici della scienza del diritto amministrativo,

Quaderni Fiorentini, Milano: Giuffrè, n. 2, p. 192-193, 1973).

25 Elio Casetta apoiado na lição de Cannada-Bartoli (Elio Casetta, Manuale di diritto amministrativo,

12. ed., Milano: Giuffrè, 2010, p. 9).

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Direito Administrativo, a qual vai desenvolver os critérios, conceitos, princípios e nexos comuns, que ele entende fundamentais para o surgimento desse ramo do Direito.28

Assim, para o citado autor italiano, no que aqui se compartilha do seu pensamento, há uma soma de fatores que dão origem ao Direito Administrativo, no que ele sintetiza da seguinte maneira: “[...] o Direito Administrativo nasceu da confluência das experiências constituídas do tipo estrutural ad actum principis e do direito de polícia com os princípios constitucionais introduzidos pela Revolução Francesa”, e ainda “com o espírito de racionalidade dos legistas franceses, italianos e alemães que tiveram, naquele período fortemente criativo, posições dominantes”.29-30

Pois bem, diante desse somatório de circunstâncias e das contribuições dos juristas da época, o Direito Administrativo sofreu um progressivo evoluir e sistematizou-se nos ordenamentos de diversos países, porém será no Estado social que esse ramo do Direito alcançará um novo patamar.

28 Gianinni arrola uma série de autores, expoentes da teoria clássica do Direito Administrativo na

França, Itália e Alemanha no seu escrito Profili storici della scienza del diritto amministrativo

(Perfis históricos da ciência do direito administrativo), para demonstrar a importância fundamental dos doutrinadores para o desenvolvimento dessa disciplina jurídica. Interessa notar que Medauar, acompanhando o pensamento de Gianinni, sobre a importância do papel da doutrina na formação do Direito Administrativo, sintetiza: “Romagnosi, com sua obra Principi fondamentali del diritto

amministrativo onde tesserne le istituzioni, editada em 1814; Macarel, que publicou em 1818 Les

élements de jurisprudence administrative; De Gerando, com a obra em cinco volumes, Institutes du

droit administratif français, dois volumes, 1840, formam o núcleo original da ciência do direito

administrativo e tiveram papel relevante na formação desse direito” (Medauar, O direito administrativo em evolução, p. 25).

29 Gianinni citado por Medauar, O direito administrativo em evolução, p. 25.

30 Nesse viés, para ilustrar o pensamento doutrinário administrativista liberal, pode-se fazer menção a

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Contudo, convém trazer a lume, antes de passar à análise do modelo de Estado de bem-estar social, que sucede o Estado liberal, os motivos que contribuíram para a crise do liberalismo e o advento da nova forma de Estado.

1.2.3 A crise do liberalismo: a insustentabilidade do laissez-faire, laissez-passer

Se por um lado a classe burguesa, detentora dos bens, podia fazer uso dos direitos políticos e desfrutar da garantia da liberdade, desejando do ente estatal apenas a manutenção da ordem e segurança públicas para a proteção do direito de propriedade,31 por outro, o proletariado, dono somente do seu labor, oprimido pela burguesia que detinha o domínio dos meios de produção, acabava por se dedicar a trabalhar e a produzir subordinado aos empresários burgueses, alienando sua força de trabalho para receber parcos ordenados. E era essa relação que se estabelecia entre opressores (burguesia) e oprimidos (trabalhadores), que despertara a crítica severa de Karl Marx e Friedrich Engels em O Manifesto do Partido Comunista (1848), com o propósito de deixar patente, segundo os teóricos fundadores do socialismo científico, o abuso sofrido por quem não era proprietário e escancarar o fato de que o operário era só uma peça que servia aos propósitos da nova classe opressora.32

É evidente que, diante desse cenário, em que não existiam garantias referentes aos direitos trabalhistas, previdenciários ou outros direitos de cunho social, só poderia haver um profundo descontentamento da classe operária, que se via privada de todos os direitos que poderiam criar-lhe novas perspectivas e permitir que alcançasse

31 Conforme leciona Norberto Bobbio, se os “proprietários eram os únicos que tinham direito de voto,

era natural que pedissem ao poder público o exercício de apenas uma função primária: a proteção da propriedade” (Norberto Bobbio, O futuro da democracia, Tradução de Marco Aurélio Nogueira, 6. ed., São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 34).

32 Os autores bem resumem o quadro de opressão sofrido pelo proletariado em O manifesto,

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uma condição de vida mais digna. Perante esse quadro de profunda desigualdade, em que eram crescentes a pobreza e a miséria nos grandes centros que se desenvolviam em torno das indústrias, é fácil perceber que o liberalismo agasalhou os interesses de uma única classe: a burguesia – que se tornou “a classe capitalista por excelência, que administra as riquezas da sociedade evoluída” preocupada exclusivamente com as finanças e seus empreendimentos.33

Com efeito, a liberdade, com feição meramente formal, e a não intervenção estatal, em que o Estado figura apenas como guardião do laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même,34 contribuíram para que a esmagadora parcela da população ficasse sem acesso a serviços básicos como saúde e educação, e sem proteção em face da exploração da sua mão de obra, por parte dos que detinham e comandavam o processo produtivo. Abstendo-se de atuar na ordem econômica, o Estado não precisava se preocupar em proteger o proletariado e as demais camadas populares, pois tudo o quanto estes precisassem, como “saúde, educação, previdência, seguro social”, deveria ser “atingido pela própria atividade civil”.35

Desse modo, o liberalismo, baseado no radical discurso que pregava intensamente o individualismo e o livre jogo das forças econômicas, em muito contribuiu para que se estabelecessem enormes diferenças em relação às classes sociais. Aos proprietários tudo era possível; aos trabalhadores nada era assegurado. O consequente monopólio econômico pela burguesia acarretou o colapso da teoria que defendia a natural estabilidade que se instituiria entre os agentes econômicos e a racionalidade espontânea do mercado. Nesse passo, a exploração do homem pelo homem, ao mesmo tempo em que fazia crescer as desigualdades, gerava profunda insatisfação com o modelo de Estado liberal. Com as várias crises que se sucederam nos países que adotaram o capitalismo liberal – dentre elas, a Grande Depressão e a quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929) e também as fortes recessões acontecidas nos

33 Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Dicionário de política, Tradução de

Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini, 11. ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, v. 1, p. 122.

34 A máxima francesa que expressava perfeitamente a política não intervencionista do liberalismo era

traduzida na seguinte sentença: “Deixai fazer, deixai passar, o mundo caminha por si só” (Bastos,

Curso de teoria do Estado e ciência política, p. 69).

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períodos do pós-guerra, que colaboraram ainda mais para que se intensificasse a instabilidade socioeconômica –, começou-se a invocar uma forma de Estado mais presente, mais preocupada com o bem-estar social.

Embora o liberalismo tenha lutado “fundamentalmente pelas liberdades

de (isto é, de religião, de palavra, de imprensa, de reunião, de associação, de participação no poder político, de iniciativa econômica para o indivíduo)”,36 a ausência de interferência por parte do Estado mínimo evidenciou a sua incapacidade máxima para resolver os conflitos sociais em que a população estava imersa. Ao abandonar a sociedade à sua própria sorte, o modelo liberal foi assistindo às suas estruturas básicas minarem-se em um movimento crescente, fato que abriu caminho para uma progressiva transformação do Estado, que de absenteísta passou a interventor e regulador das atividades nos vários setores, da educação à economia.

1.3 O Estado social: intervencionismo e justiça social

Na medida em que o liberalismo deixava evidente que havia a liberdade apenas para quem tinha bens, que os direitos fundamentais (compreendidos tão só como direitos de defesa) eram estabelecidos de modo simbólico, que o Estado submetia-se ao Direito, mas não tinha a menor preocupação em relação à proteção social, e que a economia era livre, porém com monopólio da produção por apenas uma classe, mais crescia a real necessidade de um Estado centralizador e interventor. Em realidade, os dogmas proclamados pela política liberal eram inábeis para concretizar efetivamente o que ela pregou.

Por influxo de novos ideários e dos partidos socialistas, havia um forte desejo de que a igualdade existente apenas no plano formal passasse para o campo real, que as liberdades e garantias previstas nas constituições tivessem efetividade, “que houvesse justiça social, que se assegurasse o suficiente para as necessidades básicas da vida”.37 Nessa toada, “Na Europa, em fins do século XIX, começaram a ser editadas leis

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de proteção social: de início, normas sobre acidentes de trabalho, com responsabilidade limitada dos industriais (na Alemanha, França e Inglaterra)”, ao que depois surgiram “leis de seguro-doença, assistência à velhice, invalidez, desemprego e sistema obrigatório de aposentadorias”; interessa notar que, “em geral, as cotizações vinham de empregados e empregadores, eram administradas por organismos autônomos (caixas), sob o controle do Estado”. Destaque-se que: “Nos primórdios do século XX prossegue a edição de leis de previdência social, como a Social Security Act, de 1935, nos Estados Unidos; mas foi o Beveridge Repport de 1942”, no Reino Unido, “que rompeu com a ideia restritiva de ‘assistência social’ e firmou novas matrizes mediante a noção de risco social e mediante papel do Estado nesse âmbito”.38 Assim, almejando concretizar o conceito e norte do Estado de bem-estar, que é o da proteção social, vários institutos e práticas foram criados com o intuito de amparar as classes menos favorecidas da sociedade.

Veja-se que para realizar as diretrizes desse novo modelo, cuja primeira formulação pertence a Herman Heller,39 o Estado deixou de ter como guia cardeal a liberdade (com foco individualista), prevalente no Estado liberal, para abraçar o lema da igualdade (centrando-se na ideia de preocupação com o coletivo, com o interesse público, com o bem-estar de todos).40 Consequentemente, o Estado de bem-estar social, (ou Welfare State, ou Estado-providência, ou Estado assistencial) primou pela noção de

38 Medauar, baseada nas lições de Pierre Rosanvallon, autor de La crise de l’État-providence (O direito administrativo em evolução, p. 80).

39 Sobre o pensamento de Heller, Angel M. Lopez y Lopez destaca o seguinte: “Profundamente

marcado pela história de seu tempo, Heller vive a tragédia de um Estado, em que a hegemonia egoísta de uma classe conduziu às portas da instabilidade revolucionária, e que parece condenado à solução autoritária, de um sinal ou outro, é dizer, a sua negação como Estado de Direito. O objetivo é salvar a este, mas dando-lhe um conteúdo social, uma nova ordem às relações de trabalho criando mecanismos de redistribuição dos bens, e de acesso a todos aqueles mais essenciais para a vida. Deve-se observar que, em qualquer caso, o pensamento de Heller, o pensamento da primeira expressão do conceito de Estado Social, não implica uma abdicação dos postulados do Estado de Direito, e em especial dos relativos à representação política” (Angel M. Lopez y Lopez, Estado Social y sujeito privado: uma reflexion finisecular, Quaderni Fiorentini, Milano: Giuffrè, n. 25, p. 427-428, 1996).

40 Esse ideal da igualdade é bem colocado por Paulo Bonavides. Diz o autor: “O centro medular do

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sociabilidade, e, dessa maneira, proclamou que todo indivíduo deveria ter, além do plexo de direitos e garantias assegurados no plano normativo (que já o era no Estado liberal, mas apenas em relação aos direitos de liberdade,41 e em caráter formal, como se viu), igualmente a sua materialização no plano concreto. Consolidam-se os denominados direitos econômicos, sociais e culturais ou de segunda dimensão.

Assim, o Estado de bem-estar procurou instituir a justiça social em vários setores por meio da criação de condições vitais básicas de existência, traduzidas na prestação de bens, serviços e infraestrutura materiais.42 Atenuou as desigualdades sociais causadas pelo liberalismo com a instituição do ensino obrigatório na área da educação, a assistência médica gratuita e de qualidade no campo da saúde, como também chamou para si a previdência social na seara da seguridade; criou uma política de tributação no campo das finanças públicas e realizou outras ações referentes às políticas públicas implementadas com o fim de promover um desenvolvimento mais justo e solidário visando à proteção dos desfavorecidos. Por conseguinte, inaugurou-se “a era do Estado produtor, repartidor, distribuidor e distributivo, que não deixa à sorte dos indivíduos a sua situação social, mas vem auxiliá-los através de medidas positivas e de garantias efetivas”.43

Note-se que, se pelo ângulo social o Estado realmente atua diante da sociedade, suprindo intensamente as necessidades vitais da grande massa populacional, nos vários setores sociais e prestando serviços a quem dele necessitar, no cenário político-econômico a atuação estatal também é forte, passando de mero expectador a ator principal, no que teve John Maynard Keynes44 como seu maior defensor.

41 Segundo ensina J. J. Gomes Canotilho: “A primeira função dos direitos fundamentais – sobretudo

dos direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado. Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam o poder de exercer positivamente direitos fundamentais e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos” (J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 6. ed., Coimbra: Almedina, 2002, p. 407).

42 Novais, Contributo para uma teoria do Estado de Direito...,p. 194.

43 Silvia Faber Torres, O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo, Rio de

Janeiro: Renovar, 2001, p. 51.

44 Keynes defendeu uma política econômica de Estado intervencionista na década de 1930 chegando ao

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Por outro prisma, tem-se o fato de que, por intermédio de toda essa intervenção e regulação, a população passou a depender do Estado assistencial para viver e sobreviver, buscando aproximar-se cada vez mais do ente estatal, no sentido de poder usufruir verdadeiramente de tudo o quanto estiver colocado à sua disposição; nesse passo, a sociedade organiza-se para exigir e manter os direitos conquistados a fim de manter um diálogo eloquente com o Poder Público, evidenciando-se a “acção permanente e estruturada dos partidos, grupos de interesses e organizações sociais sobre a esfera política”. Logo, é com base “neste processo conjunto de estadualização da sociedade e de socialização do Estado que se corporiza o princípio de socialidade enformador do novo Estado social”.45

É um modelo que pretende “antes de tudo criar uma relação de interação entre o Estado e a sociedade através da satisfação, na medida do possível, das solicitações de prestações que os indivíduos ou grupos de indivíduos fazem ao Estado”. Como “marco deste modelo, encontram-se os denominados ‘direitos sociais’”, cujo fim é o de “impor ao Estado a obrigação de outorgar prestações tendentes ao melhoramento social”. Consagram-se os direitos de igualdade, “cuja vertente material ou ativa manifesta-se como direitos de prestação”.46 Tem como complemento necessário a participação ativa dos administrados que requerem cada vez mais a presença estatal e cobram essa atitude prestacional.

De todo o exposto, fica fácil notar que o modelo de Estado social se constitui fundamentalmente em uma “forma de organização política que marcou fase de grande valor na história da humanidade, pois é o primeiro sistema político de grandes

45 Novais, Contributo para uma teoria do Estado de Direito...,p. 197-198. Esclarece o autor que é a

dupla dimensão: intervenção estatal e aproximação dos indivíduos do Estado com formação de grupos sociais, que permite distinguir o Estado social dos seus conceitos afins, que segundo Novais são as designações: Estado assistencial e Estado-Providência; Welfare State ou Estado de bem-estar; Estado de Partidos; Estado de Associações; Estado administrativo. Entende, todavia que: “[...] Em qualquer destas expressões é possível notar pontos comuns ou mesmo identidades fundamentais com a ideia que explicitamos sob a fórmula de Estado social. Porém, enquanto cada uma daquelas designações coloca a tónica, ou se justifica integralmente em aspectos parcelares ou apenas numa das dimensões que atrás referimos, o Estado social surge como o conceito mais apto para exprimir, com toda a extensão salientada, a natureza específica do novo tipo de relações entre Estado, cidadãos e sociedade” (Idem, ibidem, p. 198).

46 Carla Huerta Ochoa, La intervención administrativa en el Estado contemporáneo, in: David

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dimensões que tentou conjugar democracia (no sentido mais geral de abertura potencial do governo a grande número de pessoas)” à ideia de liberdade individual.47 Desse modo, o Estado social retrata perfeitamente a fórmula Estado Social e Democrático de Direito, especialmente “Quando o direito de voto foi estendido também aos não proprietários, aos que nada tinham, aos que tinham como propriedade tão somente a força de trabalho”; nesse passo, diante do exercício desse direito político fundamental, foi possível exigir do Estado as providências sociais ausentes no liberalismo.48 Com isso, “aconteceu que o Estado de serviços, o Estado social, foi, agrade ou não, a resposta a uma demanda vinda de baixo, a uma demanda democrática no sentido pleno da palavra”.49

Assim delineado o Estado social em suas principais linhas, importa saber como ficou a relação do Estado de bem-estar com o Direito Administrativo.

1.3.1O Estado social e o Direito Administrativo

Diante da nova concepção de Estado que tem por lema o bem-estar da coletividade, importa destacar que “a passagem do estado liberal para o estado social é assinalada pela passagem de um direito com função predominantemente protetora-repressiva para um direito cada vez sempre mais promocional”.50

Portanto, na esteira dessa transformação sofrida pelo Estado, o Direito, que não deve ficar imune às mudanças, sofre modificações, e no Estado social se nota a disposição para certa mistura entre os campos do público e do privado, diferentemente do que dantes acontecia em que se tinham tais esferas bem demarcadas no contexto do Estado liberal, embora não houvesse simetria ou equivalência entre elas. Nessa passada, diante da estabelecida “premissa de materialização de direitos [...] e a consequente transferência para o Estado de novas funções de inclusão e compensação, a delimitação

47 Antonio Baldassare, Stato sociale: una formula in evoluzione, in: Baldassare e Cervanti (Org.), Critica dello Stato Sociale, Roma-Bari: Laterza, 1982, p. 40.

48 Ou seja, “começou-se a exigir do Estado a proteção contra o desemprego e, pouco a pouco, seguros

sociais contra as doenças e a velhice, providências em favor da maternidade, casas a preços populares, etc.” (Bobbio, O futuro da democracia, p. 35).

Referências

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