• Nenhum resultado encontrado

Sumário. Tribunal da Relação de Évora Processo nº 30/03.0TASTR.E1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Sumário. Tribunal da Relação de Évora Processo nº 30/03.0TASTR.E1"

Copied!
32
0
0

Texto

(1)

Tribunal da Relação de Évora Processo nº 30/03.0TASTR.E1 Relator: ANA BARATA BRITO Sessão: 30 Outubro 2012 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE

ACIDENTE FERROVIÁRIO

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA

ACTA DE JULGAMENTO NULIDADE DA SENTENÇA

Sumário

1. O art. 364º, nº 2 do Código de Processo Penal visa disciplinar o registo da prova, independentemente do concreto sistema de gravação utilizado, de modo a permitir identificar, através da acta, o lugar do suporte onde se encontra a gravação das declarações, lugar esse aferido pela duração do tempo destas. Esta norma regula o uso de um sistema de gravação por fita magnetofónica.

2. O actual programa Citius, além de permitir o registo de voz em condições acústicas superiores, facilita a localização das concretas passagens,

procedendo à identificação de cada declaração e depoimento através de um programa informático, apresentando-se, neste contexto, a obrigação de menção na acta dos “início e termo da gravação de cada declaração” como algo de obsoleto e desnecessário.

3. Mesmo que se considere que a expressão “conforme gravação em suporte digital” constante da acta é “incumpridora e incontornavelmente deficiente à luz da exigência legal”, como se entendeu na fundamentação do AFJ nº

3/2012, a ilegalidade sempre constituiria mera irregularidade, apresentando- se até como concretamente inconsequente na maioria das situações.

(2)

4. A exigência de fundamentação da sentença, intimamente conexionada com a concepção democrática do sistema processual penal, consiste na imposição de que as decisões sejam eficazmente motivadas em matéria de facto e de direito, ou seja, justificadas de molde a poderem ser controladas do exterior.

5. A motivação da matéria de facto exige exame crítico das provas, de todas as provas conducentes ao conjunto dos enunciados fácticos (ou linguísticos)

afirmados na sentença, no sentido de que não basta enumerar, mencionar, transcrever ou reproduzir provas, impondo-se exteriorizar em que medida a prova influenciou o julgador, convencendo-o em determinado sentido.

6. Os elementos objectivos do tipo de crime negligente, nos crimes materiais ou de resultado, como é o caso da ofensa à integridade física, consistem na violação de um dever objectivo de cuidado, na produção de um resultado típico e na imputação objectiva desse mesmo resultado típico.

7. A imputação objectiva do resultado implica, para além do mais, a existência de um nexo entre a conduta do agente e o resultado produzido.

8. Tendo sido considerado provado, em sentença condenatória por crime negligente cometido no exercício de condução ferroviária, que o arguido conduzia um comboio a determinada velocidade e que essa velocidade foi causal da projecção de peça metálica que atingiu a vítima, não explicitando o exame crítico da prova como se fez a demonstração da velocidade e da sua relação com o resultado imputado ao arguido, a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379º, nº 1-a) do Código de Processo Penal)

9. Não tendo ainda tratado de questão suscitada pela defesa na contestação - da impugnação das medições e da legalidade dos instrumentos medidores de velocidade - enferma a sentença de nulidade por omissão de pronúncia (art.

379º, nº1-c) do Código de Processo Penal).

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo n.º 30/03.0TASTR do Tribunal Judicial de Santarém foi proferida sentença em que se decidiu:

(3)

- Absolver o arguido J;

- Condenar os arguidos JS, JT e MG como autores de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência do artigo 148°, n.º 1, e n.º 3, com referência ao artigo 144.°, alíneas a), b), c), e d) do Código Penal, na pena, cada um deles, de um ano de prisão;

- Condenar solidariamente os arguidos e demandados JS, JT e MG e a CP – Caminhos de Ferro Portugueses a pagarem ao assistente PM a quantia total em que importarem os danos patrimoniais e não patrimoniais que se provaram ter sido sofridos pelo Assistente e Demandante em consequência das condutas dos Arguidos e Demandados resultante do acidente ferroviário descrito nos factos provados que ainda não são determináveis na sua extensão, cujo valor será relegado para determinação em momento ulterior.

- Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de fixação de uma indemnização provisória deduzido pelo assistente, e em consequência, condenar solidariamente os arguidos e demandados JS, JT e MG e a CP – Caminhos de Ferro Portugueses a pagarem ao Assistente a quantia de 45.000 euros.

Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido JS, concluindo da forma seguinte:

“1ª Consultadas as actas de audiência de discussão e julgamento, que não se encontram sequer assinadas, verifica-se que após a identificação de quem em cada momento prestou declarações, arguidos, testemunhas, peritos e

assistentes, apenas se fez constar a expressão “conforme gravação em suporte digital” ou expressão semelhante;

2ª O art. 364, n.º2, do CPP estabelece que "deve ser consignado na acta o início e o termo da gravação de cada declaração";

3ª Nos autos existem inúmeros ficheiros com gravação áudio, que deviam estar devidamente identificados na acta, de forma a poder-se averiguar da real gravação de todos os depoimentos prestados;

4ª Atenta a ausência de menção na acta dos elementos acima indicados torna- se impossível saber se falta ou não parte de algum ou alguns testemunhos;

(4)

5ª Existe a nulidade do julgamento e da sentença e necessária repetição da totalidade da prova prestada, nos termos dos arts. 362º, 363º e 122º do CPP;

6ª O art. 374º, n.º2 do CPP impõe uma fundamentação, ainda que concisa, de facto e de direito e uma análise crítica da prova;

7ª Essa análise, ainda que também sucinta, é, por definição, mais que um resumo acrítico do que se passou em audiência de julgamento;

8ª Devendo haver indicação, ainda que sumária, de que elementos de prova se considerou com ligação aos factos, provados e não provados;

9ª Assim é, uma vez que, como no caso dos autos, geralmente tal conexão não se pode simplesmente extrair do conteúdo dos elementos referenciados na sentença;

10ª O que impossibilita uma pronúncia eficaz do arguido sobre essa prova, cerceando os seus direitos de defesa;

11ª A Sentença é nula nos termos do art. 379º, n.ºl, a), do CPP;

12ª O arguido impugnou todas as medições de velocidade de distância contidas nos documentos existentes nos autos;

13ª Fê-lo em virtude da violação do disposto no DL n.º 291/90, de 20 de Setembro, lei da República que merece tanto respeito e consideração, pelo aplicador, como qualquer outro;

14ª O Mmº Juiz a quo deveria ter-se pronunciado expressamente sobre as questões, decidindo sobre a respectiva validade;

15ª Não o tendo feito violou o art. 379º, n.ºl, c), do CPP, o que importa também a nulidade da sentença.

16ª O Mmº Juiz a quo avaliou inadequadamente a prova produzida em sede de julgamento;

17ª Existem contradições entre factos da matéria provada, aplicando-se o disposto art. 410, n.º 2, b);

18ª Desde logo, são inconciliáveis os nºs 7, 16 e 21 da matéria de facto;

(5)

19ª É também contraditório o que se diz nos nºs 16,17 e 21;

20ª Foi incluída como factualidade matéria que é simplesmente conclusiva, o constante dos n.s 14 a 16 e 21 a 25;

21ª Foi mal fixada a matéria constante dos n.s 8 a 10;

22ª As medições de velocidade e distância constantes dos autos são inválidas face ao disposto no DL n.º 291/90, de 20.09;

23ª Não competia ao recorrente provar a sua inexactidão mas ao Ministério Público provar a sua correcção;

24ª Os Srs Peritos limitaram-se a dar como boas as informações dos

documentos constantes dos autos, baseando-se em medições inválidas feitas por pessoas desconhecidas;

25ª Foram relatadas deficiências existentes noutras medições feitas pela parte civil CP;

26ª Os Srs. Peritos mostram desconhecer o funcionamento e as características do sistema Convel, bem como da distribuição de funções dentro da CP;

27ª Os Srs. Peritos não tiveram acesso à regulamentação mencionada no seu relatório, limitando-se a dar como boas informações recebidas de uma parte processual;

28ª Tais regulamentos não se encontram também nos autos;

29º Não existe nenhuma "carta do comboio", nem nenhum "software" que precisasse de ser alterado;

30ª O sistema Convel não regula automaticamente a velocidade do comboio;

31ª Limita-se a não permitir a ultrapassagem de limites máximo, sinais fechados e a proceder à leitura dos sinais existentes na linha;

32ª A velocidade do comboio é determinada pelo Maquinista, acelerando ou travando;

(6)

33ª O desligar do sistema Convel e a alteração da velocidade do comboio estava dependente de autorização do gestor da infra-estrutura;

34ª O recorrente apenas recebeu o comboio, não o tendo preparado;

35ª Todos os modelos e autorizações necessários teriam de estar preparados para que deles tomasse conhecimento;

36ª Não cabia ao recorrente pedi-los, mas a quem preparara o comboio ou determinara a sua circulação;

37ª Sendo necessário desligar o Convel e/ou circular a velocidade mais baixa, deviam as mesmas ter-lhe sido determinadas pelos modelos próprios por quem procedeu à preparação do comboio, pelo Inspector de Tracção ou pela Equipa de Material, obtida a necessária autorização do gestor da infra-estrutura;

38ª O recorrente tendo recebido o comboio sem qualquer dessas instruções apenas poderia considerar que se nada lhe era determinado era porque nada era necessário, circulando como normalmente;

39ª O regulamento referido nos autos foi posteriormente alterado,

determinando-se o não desligar do Convel e a realização da circulação a velocidade normal;

40ª Já à época nas linhas sem sistema Convel instalada não se desligava o mesmo e circulava-se a velocidade normal;

41ª O recorrente não agiu de forma imprudente, tendo o seu comportado sido adoptado por norma regulamentar posterior;

42ª O sistema Convel é um instrumento de segurança sobremaneira importante na circulação ferroviária;

43ª É sempre preferível ter o sistema Convel ligado que desligado;

44ª Estando o mesmo ligado não se justifica qualquer limitação de velocidade, como se percebe pelo que era então determinado para as linhas onde não estava instalado;

(7)

45ª O isolamento do freio da MY não impunha por si uma limitação de

velocidade, como se percebe pelo que era então determinado para linhas sem sistema Convel instalado;

46ª Pois a diferença de eficácia do freio, para mais com duas unidades, era ínfima;

47ª O desligar do sistema Convel apenas estava relacionado com a sua exactidão e com a protecção do fabricante;

48ª A diminuição de velocidade resultante do desligar do sistema Convel era apenas fruto da retirada dos sinais verticais de velocidade a partir dos 100 Kms/h;

49ª De toda a forma, o comboio teria circulado mais seguro se não tivesse sido isolado o freio;

5dª Se não tivesse sido isolado o freio não se discutiria nos presentes autos a necessidade de desligar o sistema Convel, nem de circular a velocidade mais baixa;

51ª Deve ser reapreciada a prova;

52ª No que se refere à matéria constante do nº 8 da decisão de facto apenas poderia ter sido dado como provado que "O comboio n.º 4415 partiu dentro do horário e o maquinista e arguido João Sousa não desligou o sistema Convel";

53ª No que diz respeito à matéria constante do n.º 9 da matéria de facto apenas poderia, no máximo, ter ficado assente que "De acordo com as normas regulamentares em vigor à época na CP, que viriam a ser posteriormente alteradas, o isolamento do freio da MY deveria, numa linha equipada com este sistema, determinar o desligamento do

sistema Convel que, por sua vez, implicava que a circulação se fizesse a uma velocidade máxima de 80 Km/h sem estar o maquinista

acompanhado por um agente de apoio e a uma velocidade máxima de 100 Km/h quando acompanhado por esse agente";

54ª No que concerne ao constante do n.º 10 da matéria de facto apenas poderia ser considerado provado que "Entre as estações de Mato de

(8)

Miranda e Vale Figueira, o comboio n.º 4415 cruzou-se com o comboio n.º 832, o qual procedia do Porto com destino a Lisboa";

55ª A interpretação feita pelo Mmo Juiz a quo das normas em presença, particularmente do art. 15º do CP viola o Principio Constitucional Penal da Culpa, sendo inconstitucional;

56ª A interpretação feita sustenta a existência de deveres de 2º e 3º nível, não imediatos;

57ª Essa interpretação implica a incorporação sucessiva dos deveres, e suas eventuais violações, de quem actuou antes em quem actuou depois;

58ª Não era dever de recorrente perguntar o motivo de isolamento do freio, nem se informar "da composição do interior da peça tubo cilíndrico";

59ª Não era também dever seu desligar o Convel e circular a 100 Km/h ou 80 Km/h;

60ª O recorrente não foi descuidado face ao comportamento do Maquinista médio;

61ª Todos os Maquinistas que depuseram nos autos afirmaram que teriam adoptado o mesmo comportamento;

62ª Não é exigível ao recorrente a diligência de Maquinista, Inspector de Tracção e Chefe de Equipa de Material, como se tivesse as três qualidades;

63ª O comportamento adoptado seria hoje, sem dúvida, inteiramente correcto;

64ª O comportamento adoptado seria à época correcto em linha não equipada com sistema Convel;

65ª O recorrente não violou qualquer dever de cuidado, bem pelo contrário foi mais cuidadoso do que o que se lhe exigia;

66ª Não há nexo causal entre não desligar o Convel e circular a velocidade normal e o resultado;

(9)

67ª Não era previsível para um homem médio tal resultado;

68ª O resultado era imprevisível mesmo para quem dominasse a totalidade do nexo causal;

69ª Não ficou provado nos autos, bem pelo contrário, que o resultado ter-se-ia evitado se o recorrente tivesse actuado de forma diversa;

70ª O recorrente não cometeu o crime pelo qual foi, mal, condenado;

71ª Não é também civilmente responsável pelos danos sofridos pelo assistente;

71ª De toda a forma, a pena aplicada é manifestamente desproporcional;

72ª Não existe qualquer razão de prevenção geral ou especial que imponha a aplicação de uma pena privativa da liberdade;

73ª Por todas estas razões o Mmº Juiz a quo violou o disposto nos arts. 1º, 27º e 29 da CRP, 15º, 40º e 148º, nºl e n.º3 do CP, 125º, 362, 363, 364, n.º2 e 374º do CPP.

Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e:

1. Declarar-se a nulidade da Sentença pelos motivos indicados em 1.;

2. Caso assim se não atenda, face à contradição insanável constante da fundamentação de facto, deve a prova ser renovada, nos termos do art.

430º CPP, ou reenviado o processo ao Tribunal de 1ª Instância;

3. Caso assim se não entende, deve ser reapreciada a prova prestada sendo aquela decisão alterada nos termos em que acima se alegou;

4. Mesmo que assim se não entenda, deve o arguido ser absolvido penal e civilmente por ser inconstitucional a interpretação feita pelo Mmº Juiz a quo do disposto no art. 15º do CP e não se encontrar preenchido o tipo de crime pelo qual foi acusado;

5. Apenas por dever de patrocínio, caso assim se não entenda, deve ser

(10)

a pena aplicada reduzida a pena não privativa de liberdade.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo, por seu turno:

“1. Inexiste nulidade do julgamento por violação da norma do artigo 364°, 2, conjugada com os arts. 362°, 363° e 122°, todos do CPP, por falta de indicação na acta das várias sessões de julgamento o início e o termo da gravação de cada declaração, pelo que o recurso deverá improceder nesta parte –

conclusões 1. a 5.

2. À falta de um modelo único de fundamentação, a sentença recorrida

cumpriu minimamente o disposto no art. 374°, nº2 do CPP, pelo que o recurso deverá improceder na parte relativa às conclusões 6. a 11..

3. A sentença é nula nos termos do disposto no art. 379°, n° 1, c) do CPP, termos do disposto no art. 379°, n° 1, c) do CPP, por o tribunal não se ter pronunciado sobre as medições de velocidade indicadas nos documentos juntos aos autos, devendo o tribunal elaborar nova sentença de modo a pronunciar-se concretamente sobre esta questão que foi legitima e

oportunamente levantada pelo recorrente, falta de pronúncia que o tribunal a quo poderá suprir nos termos sufragados pelo MP nesta peça.

4. O ponto 10. da matéria de facto dada corno provada na sentença deverá ser corrigido, nos termos do disposto no art. 380°, n° 1, b) do CPP, de modo a manter-se a indicação da velocidade de 120 km/h do comboio n° 4415 e ser feita a menção da velocidade de 110 km/h a que circulava o comboio n" 832.

Com os fundamentos expostos, o douto recurso interposto pelos recorrentes deverá improceder quanto às conclusões 1. a 11. e proceder quanto à alegada omissão de pronúncia.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da procedência do recurso nos moldes peticionados pelo Ministério Público em 1ª instância, reafirmando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 379º, nº1, al. c) do Código de Processo Penal).

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados:

(11)

“1.- No dia 06 de Janeiro de 2003, chegou à estação da CP de Lisboa Santa Apolónia o comboio n.º 4404, constituído pela UTE 2116, a qual apresentava um tubo cilíndrico do sistema de freio partido e virado para a cauda da

composição.

2.- Após receber ordens de MP, inspector de tracção do depósito de Santa Apolónia, JC, maquinista de reserva de Lisboa Santa Apolónia, conduziu a aludida UTE para a linha n.º 3 do cantão.

3.- MG e JS, chefe de equipa de material e operador de material,

respectivamente, receberam ordens de MP para que verificassem a anomalia assinalada pelo maquinista do comboio n.º 4404.

4.- Após observação da anomalia, os arguidos MG e JS por ordem daquele não desmontaram o tubo cilíndrico do sistema de freio partido, (regulador SAB), optando MG por prender tal peça com um arame de aço, após o que MG informou disso o arguido BT que entretanto havia substituído pelas 9 horas como inspector de tracção do depósito de Santa Apolónia MP.

5.- O arguido BT ordenou ao maquinista de reserva de Santa Apolónia, RA, que isolasse o freio da MY daquela UTE, o que aquele fez coadjuvado pelo arguido JS, bem como testasse a frenagem, que ficou a funcionar, tendo RA registado no Diário Técnico de Bordo da UTE 2116 "freio da My isolado", do que foi informado o seu superior hierárquico e arguido JT.

6.- Por ordem do arguido JT, a UTE 2116 foi conduzida para a linha n.º 6 da Estação de Santa Apolónia, a fim de ser integrada no comboio 4415,

igualmente constituído pela UTE 2157, com destino às oficinas da CP do Entroncamento, para aí ser reparada.

7.- O arguido JT informou o arguido JS de que o freio da MY 2116 havia sido isolado, não lhe prestando qualquer outro esclarecimento.

8.- O comboio n.º 4415 partiu dentro do horário e o maquinista e arguido JS não pediu a alteração da carta do comboio para que fosse diminuída a

velocidade, conduziu à velocidade de cerca de 120 km/hora e não desligou o sistema de CONVEL, sistema de controlo de velocidade do comboio.

9.- O maquinista do comboio n.º 4415 e arguido JS sabia que de acordo com as

(12)

normas regulamentares em vigor da C P. com o freio da My da UTE 2116 isolado teria que circular a uma velocidade máxima de 80 km/hora sem estar acompanhado por um agente de apoio na cabine e a uma velocidade máxima de 100 km/hora quando acompanhado por um agente de apoio, bem como deveria circular com o sistema de CONVEL desligado.

10.- Ao km 88 da linha do Norte, entre as estações de Mato de Miranda e Vale Figueira, o comboio n.º 4415 seguia a uma velocidade de cerca de 120 km/

hora, não inferior a 110 km/hora cruzou-se com o comboio n.º 832, o qual procedia do Porto com destino a Lisboa.

11.- Ao cruzarem-se, do comboio n.º 4415 soltou-se a rosca que fazia parte do tubo cilíndrico do sistema de freio (regulador SAB) que vinha amarrado com um arame de aço, com um peso aproximado de 3,9 kg..

12.- A qual embateu na carruagem n.º 22-40.032-4 do comboio n.º 832

partindo o vidro da janela, sendo projectada para o seu interior, vindo a atingir a face de PO que seguia sentado junto da referida janela, que foi transportado para o Hospital Distrital de Santarém, onde esteve internado na UCI até ao dia 15 de Janeiro de 2003.

13.- Sendo, depois, transferido para o Hospital de São João do Porto onde ficou internado até ao dia 7 de Julho de 2003 no serviço de cirurgia plástica.

14.- Como consequência directa e necessária da actuação dos arguidos JS, JT e MG, PO sofreu as lesões examinadas e descritas nos autos, designadamente nos documentos clínicos e no relatório pericial de avaliação de dano corporal de folhas 598-599, 700-704 e 695-699, aqui dados por inteiramente

reproduzidos para todos os efeitos legais, o que lhe causou um período de doença entre 6 de Janeiro de 2003 e até 5 de Novembro de 2003, com afectação da capacidade e trabalho geral e profissional por igual lapso temporal.

15.- Da factualidade supra descrita resultou, em concreto, perigo para a vida de PO e consequências permanentes ao nível da desfiguração grave, (dano estético qualificável no grau 7/7), e que não será facilmente recuperável relativamente ao aspecto que o mesmo tinha antes do acidente e, bem assim, impossibilidade de utilizar o seu corpo, sentidos e linguagem, (prejuízo de afirmação pessoal quantificável no grau 5/5), e um quantum dolorís durante a data do acidente e 5 de Novembro de 2003 quantificável no grau 6/7.

(13)

16.- O arguido JS devia, ao ser-lhe dito pelo arguido JT, que o freio da MY 2116 havia sido isolado, devia inteirar-se dos motivos porque tal ocorrera em ordem a informar-se do estado do freio, (regulador SAB), danificado e tomar os

cuidados necessários ao estado dessa peça, o que não fez e sabia que, por força das normas regulamentares em vigor na C. P. conduzindo um comboio com o freio da My isolado deveria fazê-lo a uma velocidade não superior a 100 km/hora, desde que acompanhado por um elemento de apoio na cabine ou até 80 km/hora se sozinho e, bem assim, que deveria circular com o sistema de CONVEL desligado.

17.- O arguido JT, na qualidade de inspector de tracção e como superior

hierárquico, sabia que deveria ter ordenado expressamente ao maquinista do comboio n.º 4415 que desligasse o sistema de CONVEL e que circulasse a uma velocidade reduzida.

18.- Os arguidos MG e JS, enquanto operadores de material, desconheciam a composição do interior da peça tubo cilíndrico, (regulador SAB), avariado e o arguido MG devia informar-se do estado e composição interior do freio,

(regulador SAB), danificado do interior da peça tubo cilíndrico desse

(regulador SAB) a fim de tomar os cuidados necessários ao estado dessa peça, o que não fez.

19.-O arguido JS limitava-se por dependência hierárquica a cumprir as ordens que lhe eram dadas pelo arguido MG.

20.- O arguido MG não sabia as consequências que poderiam advir de não ter desmontado o tubo cilíndrico (regulador SAB) e de não ter reparado a

anomalia, e de não dever, apenas, ter prendido o aludido tubo com um arame.

21.- Os arguidos JS, JT e MG, pelas funções que exerciam, sabiam que os comboios circulam a grandes velocidades, que se cruzam nas linhas, e qual o estado em que circulava o comboio n.º 4415 e, embora não tendo previsto que a aludida rosca se poderia soltar por força da velocidade, se se tivessem

inteirado, como deviam, da composição do interior da peça tubo cilíndrico (regulador SAB) avariado, podiam e deviam prevê-lo.

22.- Os arguidos JS, JT e MG, ao actuar da forma acima descrita, omitindo o dever de se informarem da composição do interior da peça tubo cilíndrico (regulador SAB) avariado agiram de forma voluntária.

(14)

23.- Não previram sequer a possibilidade da rosca se poder soltar embora se se tivessem inteirado, como deviam, da composição do interior da peça tubo cilíndrico (regulador SAB) avariado o pudessem e devessem prever, e não representaram também que a mesma causasse a PO as lesões supra

referenciadas.

24.- Os arguidos JS, JT e MG actuaram com imprudência ao não se terem inteirado, como deviam, da composição do interior da peça tubo cilíndrico (regulador SAB) avariado, e designadamente o arguido JS ao não conduzir o comboio n.º 4415 a uma velocidade reduzida e com o sistema de CONVEL desligado; o arguido JT ao não ordenar ao maquinista que circulasse a uma velocidade reduzida e com o sistema de CONVEL desligado; e o arguido MG ao não ter procedido à reparação devida do referido tubo cilíndrico da UTE 2116, antes optando por amarrá-lo com um arame de aço.

25.- Todos os arguidos tinham capacidade de se auto determinar de acordo com as proibições legais, e os arguidos JS, JT e MG actuaram sabendo ser vedada a sua conduta.

26.- O arguido JS exerce a actividade profissional de maquinista da C. P., auferindo em média mensalmente cerca de 1400 euros.

27.- O arguido JS é casado exercendo sua esposa a actividade profissional de operadora de padaria, auferindo em média mensalmente cerca de 600 euros.

28.- O arguido JS vive em casa adquirida com empréstimo bancário contraído para o efeito para amortização do qual despende mensalmente cerca de 400 euros e tem duas filhas que estão a seu cargo.

29.- A pesquisa de antecedentes criminais do arguido JS não detetou qualquer condenação sua conforme documento junto a folhas 1270, cujo teor se da por reproduzido.

30.- O arguido JT é reformado da C. P., auferindo mensalmente de reforma cerca de 1500 euros.

31.- O arguido JT é casado sendo sua esposa reformada, auferindo de reforma mensalmente cerca de 256 euros.

(15)

32.- O arguido JT vive em casa própria e financeiramente uma filha e um neto.

33.- A pesquisa de antecedentes criminais do arguido JT não detetou qualquer condenação sua conforme documento junto a folhas 1271, cujo teor se da por reproduzido.

34.- O arguido MG é reformado, auferindo mensalmente de reforma cerca de 971 euros.

35.- O arguido MG é casado sendo sua esposa reformada, auferindo de reforma mensalmente cerca de 800 euros.

36.- O arguido MG vive em casa própria.

37.- A pesquisa de antecedentes criminais do arguido MG não detetou

qualquer condenação sua conforme documento junto a folhas 1272, cujo teor se da por reproduzido.

38.- Desde 6 de Janeiro de 2003 quando o assistente PO era transportado do Porto para Lisboa no supra referido comboio até ao presente, que PO tem a sua vida condicionada pelos tratamentos, intervenções cirúrgicas, períodos de recuperação orgânica, e, outra vez tratamentos, operações e recuperações.

39.- Desde o acidente que lhe desfigurou o rosto, PO tem apenas vivido na esperança da sua máxima recuperação física.

40.- Por isso encetou operações para recuperação óssea, muscular, orgânica e espera, mais tarde, fazer a recuperação estética.

41.- Desde Abril de 2005, PO passou a ser assistido na "Clínica Ivo Pitanguy LTDA", sita no Rio de Janeiro, Brasil.

42.- PO encontra-se em tratamento cirúrgico para reconstrução da face, devido ao trauma facial extenso com perda total do nariz, perda parcial do pálato e zigoma.

43.- Foi submetido até o momento a pelo menos 42 quarenta e duas operações, iniciadas em 4 de Abril de 2005.

44.- Em 07/04/05 - Colocação de expansor em região frontal e confecção de

(16)

retalho em braço esquerdo, Ressecção de cometo esquerdo e avanço de retalho cutâneo em hemiface esquerda.

45.- Em 16/04/05 - Avançamento de retalhos locais no assoa lho nasal para isolar a cavidade oral da nasal, Autonomização do retalho tubular e enxerto de pele total de região inguinal esquerda para face interna do braço esquerdo.

46.- Em 16/05/05 - Autonomização do retalho tubular do braço esquerdo para a região cervical esquerda e fechamento de abertura de palato com retalho de mucosa.

47.- Em 13/06/05 - Rotação de retalho tubular da região cervical para a região mandibular esquerda.

48- Em 13/07/05 - Autonomização e rotação de retalho de região cervical para a região do palato.

49.- Em 01108/05 - Autonomização de retalho médio frontal.

50.- Em 18/05/05 - Retirada de cartilagem costa I esquerda e enxertia em dorso nasal, após rotação do retalho médio frontal e liberação do retalho tubular para confecção do forro nasal.

51.- Em 15/09/05 - retalhos atípicos da glabela e confecção de asa nasal esquerda com enxerto dermocartilaginoso de orelha esquerda.

52.- Em 08/11/05 - Retalhos de avançamento em hemiface esquerda, enxerto composto de orelha direita para a columela.

53- Em 29/11/05 - Incisão do pedículo do retalho médio frontal e revisão de cicatriz de asa nasal esquerda.

54. Em 30/01/06 - Enxerto de cartilagem costa direita para região maxilar esquerda.

55.- Em 07/03/06 - Enxerto de lóbulo de orelha esquerda para a região columelar e enxerto de pele retroauricular para a região maxilar esquerda, Zetaplastia em comissura labial esquerda, com perda dos mesmos por alterações imunológicas.

(17)

56.- Em 23/03/06 - Biópsia de gânglios cervicais.

57.- Em 09/10/06 - Retirada de enxerto de cartilagem costal em hemitórax direito e enxertia em região zigornática esquerda e raiz nasal.

58.- PO apresenta evolução satisfatória conforme o tratamento proposto;

porém, necessita de novos procedimentos e acompanhamento.

59.- A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, tem custeado as despesas médicas do PO; quer as despesas feitas em Portugal, quer mesmo as que actualmente contrai em virtude de estar a ser acompanhado pela "Clínica Ivo Pitanguy LTOA", sita no Rio de Janeiro, Brasil.

60.- Para além disso tem suportado os custos inerentes às deslocações e alimentação.

61.- É, neste momento, impossível a determinação de qualquer diagnóstico que, com exactidão, possa dar garantias do grau de incapacidade ou até, do grau de deformação que não seja possível ser corrigido no rosto do ofendido.

62.- As importâncias pagas pela CP ascendem a montante não concretamente apurado.

63.- A CP já ressarciu a PSP de valores que esta entidade despendeu com o Assistente até junho de 2007 e lhe foram presentes, a título de consultas, vencimentos, subsídios de alimentação e outros suplementos, no valor de 57.815,13 euros, conforme decorre da carta da CP de 10.07.2008 e do recibo de € 57.815/13 do Núcleo de Finanças da PSP de 24.07.2008, conforme

documentos juntos a folhas 1327 e 1328 dos autos.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) as questões a apreciar, segundo a ordem da sua

arguição, são as seguintes:

- Nulidade de julgamento por violação dos arts 362º, 363º e 122º do Código de Processo Penal;

- Nulidade da sentença por deficiente fundamentação da matéria de facto (art. 374º, nº2 e 379º, nº 1-a) do Código de Processo Penal);

(18)

- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 379º, nº1-c) do Código de Processo Penal);

- Contradição insanável da matéria de facto provada (art. 410, nº2-b) do Código de Processo Penal);

- Impugnação da matéria de facto;

- Impugnação da decisão de direito – os factos provados não integram a negligência;

- Escolha da pena.

No conhecimento do objecto do recurso seguir-se-á a ordem da prejudicialidade das questões suscitadas.

Da nulidade de julgamento por violação dos arts 362º, 363º e 122º do Código de Processo Penal:

Situa o recorrente esta nulidade na circunstância das actas das sessões de julgamento não consignarem o início e o termo da gravação de cada

declaração, verificando-se que, após a identificação de quem em cada

momento prestou declarações, apenas se fez constar a expressão “conforme gravação em suporte digital” ou outra semelhante.

Alude ainda à ausência de assinatura das actas. Mas, a ter existido, esta irregularidade encontra-se neste momento sanada.

O art. 364º do Código de Processo Penal, que trata da forma da documentação das declarações orais prestadas na audiência, preceitua que “quando houver lugar a gravação magnetofónica ou áudio-visual, deve ser consignado na acta o início e o termo da gravação de cada declaração”, sendo que,

presentemente, produzindo-se prova oral (pessoal) em julgamento, há sempre lugar a registo dessa mesma prova por declaração ou por depoimento, em qualquer forma de processo, comum ou especial, sob pena de nulidade.

Este registo da prova visa viabilizar o recurso da matéria de facto, uma vez que o recorrente, sempre que impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve especificar as concretas provas.

(19)

Esta especificação faz-se por referência ao consignado na acta, conforme nº 2 do art. 364º (art. 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal).

Ou seja, o recurso da matéria de facto exige a identificação, pelo recorrente, das concretas provas, e estas identificam-se por referência ao registado na acta, com menção do início e do termo da gravação de cada declaração.

O art. 364º, nº 2 do Código de Processo Penal (redacção introduzida pela Lei nº 48/2007) recebeu do art. 522º-C, nº 2 Código Processo Civil (versão do Dec.

Lei nº 183/2000) a referência à consignação na acta do início e do termo da gravação de cada declaração. E visa disciplinar o registo da prova

independentemente do concreto sistema de gravação utilizado,

regulamentando o uso de sistema que temos por mais arcaico, de gravação por fita magnetofónica.

O actual programa Citius, além de permitir o registo de voz em condições acústicas superiores, facilita a localização das concretas passagens,

procedendo à identificação de cada declaração e depoimento através de um programa informático.

Diríamos até que, neste quadro, a menção na acta dos “início e termo da gravação de cada declaração” se pode apresentar como algo de obsoleto e desnecessário.

E atribuir-lhe a relevância que o recorrente pretende traduzir-se-ia numa inversão do princípio de que em matéria de direitos a forma serve a

substância, e não o contrário.

Como bem nota o Ministério Público na resposta ao recurso, “a razão de ser da norma visa identificar, através da acta, o lugar do suporte onde se encontra a gravação das declarações, lugar esse aferido pela duração do tempo destas.

Ora, o programa Citius permite a audição de todas as declarações prestadas em audiência, disponibilizando para o efeito todas as sessões, com

discriminação em cada uma destas dos sujeitos processuais que produziram declarações orais, com indicação detalhada dos tempos de gravação e lugar do suporte, tudo ao alcance de um clique”.

E permite-o tanto aos sujeitos processuais, especificamente ao recorrente, como ao próprio tribunal de recurso.

(20)

Assim não se pensou, porém, no Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº 3/2012.

Na sua fundamentação considerou-se que a menção em acta “gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal” é um “registo nada esclarecedor quanto a indicação de início e termo do que quer que seja, incluídos os depoimentos, cuja valoração foi impugnada”. Nele se acrescenta que todas estas fórmulas são “incumpridoras e incontornavelmente deficientes à luz da exigência legal”.

Porém, “a força interpretativa de um acórdão para fixação de jurisprudência esgota-se na questão que constitui o seu objecto. Fora dela, os argumentos utilizados na respectiva fundamentação devem merecer a atenção que merecem todos e qualquer um dos arestos daquele Alto Tribunal, mas não mais do que isso” (TRE de 20.01.2011, Sénio Alves).

A temática que ora nos interessa encontra-se amplamente debatida neste AFJ nº 3/2012.

Encarando “as concretas actas” e os “concretos modos de actuação a nível de registos dos tribunais onde é produzida a sindicável prova”, que o STJ apelida de “incumpridores” da lei, como dissemos, acabou por se compatibilizar o modo de actuação dos recorrentes de facto com o falhanço deste pressuposto de recorribilidade, fixando-se a seguinte jurisprudência: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/ excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de

consignação na acta do início e termo das declarações».

Mas, mesmo acolhendo-se as razões da fundamentação do Acórdão de fixação de jurisprudência, e mesmo considerando-se que as concretas actas sub judice contêm, nesta parte, ilegalidade, esta apresentar-se-ia, no caso, como

juridicamente inconsequente.

A eventual contrariedade à disciplina legal não só não impediu,

materialmente, o recorrente de recorrer de facto, como, formalmente, não integra nulidade por não estar expressamente prevista na lei como tal (art.

(21)

118º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal).

E o vício – então, da irregularidade – a ter ocorrido, não só não foi

tempestivamente arguido como é, repete-se, juridicamente inconsequente (art.

123º do Código de Processo Penal).

Improcede a arguida nulidade de julgamento.

Da contradição da matéria de facto provada (art. 410, nº2-b) do Código de Processo Penal):

Alega o recorrente que existem contradições entre os factos provados e que ocorre o vício previsto no art. 410, n.º 2, b) do Código de Processo Penal.

O vício previsto no art. 410, n.º 2, b) – contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão – ocorre quando a

fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados.

É uma “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a decisão probatória e a decisão. Ou seja, há contradição insanável da

fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados;

há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a se excluírem mutuamente” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 71).

No caso, tratar-se-ia de uma colisão de factos provados entre si, ocorrendo o vício por se considerar como provado, simultaneamente, algo e o seu

contrário.

Para tanto, vê o recorrente como “inconciliáveis os nºs 7, 16 e 21 da matéria de facto provada” e “também contraditório o que se diz nos nºs 16,17 e 21”.

Não se percebe esta alegação.

(22)

Na verdade, não se detecta qualquer oposição ou contradição entre os enunciados fácticos em crise e que são os seguintes: “7. – O arguido JT informou o arguido JS de que o freio da MY 2116 havia sido isolado, não lhe prestando qualquer outro esclarecimento; 16. – O arguido JS devia, ao ser-lhe dito pelo arguido JT, que o freio da MY 2116 havia sido isolado, devia inteirar- se dos motivos porque tal ocorrera em ordem a informar-se do estado do freio, (regulador SAB), danificado e tomar os cuidados necessários ao estado dessa peça, o que não fez e sabia que, por força das normas regulamentares em vigor na C. P. conduzindo um comboio com o freio da My isolado deveria fazê- lo a uma velocidade não superior a 100 km/hora, desde que acompanhado por um elemento de apoio na cabine ou até 80 km/hora se sozinho e, bem assim, que deveria circular com o sistema de CONVEL desligado; 17.– O arguido JT, na qualidade de inspector de tracção e como superior hierárquico, sabia que deveria ter ordenado expressamente ao maquinista do comboio n.º 4415 que desligasse o sistema de CONVEL e que circulasse a uma velocidade reduzida.

21. – Os arguidos JS, JT e MG, pelas funções que exerciam, sabiam que os comboios circulam a grandes velocidades, que se cruzam nas linhas, e qual o estado em que circulava o comboio n.º 4415 e, embora não tendo previsto que a aludida rosca se poderia soltar por força da velocidade, se se tivessem

inteirado, como deviam, da composição do interior da peça tubo cilíndrico (regulador SAB) avariado, podiam e deviam prevê-lo”.

Com efeito, o dar-se como provado que JT informou o recorrente de que o freio tinha sido isolado não lhe prestando qualquer outro esclarecimento, não é incompatível com a afirmação de que, na ausência deste esclarecimento, o recorrente se devia ter inteirado, por sua iniciativa, das razões do isolamento do freio. O que, por sua vez, também não é incompatível com o facto de JT dever ter também ordenado o desligar do Convel e a circulação do comboio a velocidade reduzida, e com a afirmação de que os arguidos, caso se tivessem inteirado da composição do interior da peça (tubo cilíndrico) avariada, como deviam, tivessem podido e devessem prever que a rosca se poderia soltar em consequência da velocidade.

O episódio de vida narrado traduz, nesta parte, um relato lógico do

desencadear de um acontecimento, que se apresenta como racionalmente descrito.

Inexiste contradição ou incompatibilidade nestes “enunciados linguísticos”

(relativos a acções) afirmados na sentença como verdadeiros (sobre a noção

(23)

de “enunciados linguísticos” v. factos, ver Perfecto Andrés Ibañez, Sobre a formação racional da convicção judicial, Julgar nº 13, p. 161).

Não ocorre o suscitado vício do art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal.

Da nulidade da sentença - por deficiente fundamentação da matéria de facto (art. 374º, nº2 e 379º, nº 1-a) do Código de Processo Penal) e por omissão de pronúncia (art. 374º, nº2 e 379º, nº 1-c) do Código de Processo Penal:

A exigência de fundamentação consiste na imposição de que “as decisões sejam eficazmente motivadas em matéria de facto e de direito”. “Motivar, na sua aproximação mais óbvia, é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior (Perfecto Andrés Ibañez, loc. cit., p. 167).

O caminho percorrido desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987 sedimentou o entendimento, que temos hoje por incontroverso, de que a motivação da matéria de facto exige exame crítico das provas, de todas as provas conducentes ao conjunto dos enunciados fácticos afirmados na sentença, no sentido de que não basta enumerar, mencionar, transcrever ou reproduzir provas, impondo-se exteriorizar em que medida a prova influenciou o julgador, convencendo-o em determinado sentido.

Logo nos primeiros trabalhos de interpretação e de elaboração dogmática realizados sobre o novo Código de Processo Penal, divulgados pelo Centro de estudos Judiciários em 1988, dizia Marques Ferreira: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal (…

). De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um

determinado sistema processual (…). No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito

democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art.

32º, nº1 e 210º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, exige-se não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a

convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto

possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.

Estes motivos de facto (…) não são nem os factos provados (thema

(24)

decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, 1988, 229/30).

Ao motivar, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205º da CRP, ao identificar as provas que foram

produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma

objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3).

Abundante é, também, a jurisprudência do Tribunal Constitucional. No Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004, chama-se a atenção para que “esta

operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

O recorrente situa a nulidade na circunstância da sentença não revelar como se chegou à prova do facto “velocidade” (de circulação do comboio conduzido pelo recorrente).

Refere-se concretamente ao facto provado “Ao km 88 da linha do Norte, entre as estações de Mato de Miranda e Vale Figueira, o comboio n.º 4415 seguia a uma velocidade de cerca de 120 km/hora, não inferior a 110 km/hora cruzou- se com o comboio n.º 832, o qual procedia do Porto com destino a Lisboa”, que a sentença probatoriamente não decifra.

A esta indecifragem que, na sua óptica, “impossibilita uma pronúncia eficaz do arguido sobre essa prova, cerceando os seus direitos de defesa”, adita o

recorrente a omissão de pronúncia consistente em a sentença não se ter pronunciado sobre questão alegada pela defesa, expressamente incluída na contestação e conectada com a primeira – “O arguido impugnou todas as medições de velocidade de distância contidas nos documentos existentes nos autos; Fê-lo em virtude da violação do disposto no DL n.º 291/90, de 20 de

(25)

Setembro; O Mmº Juiz a quo deveria ter-se pronunciado expressamente sobre as questões, decidindo sobre a respectiva validade; 15ª Não o tendo feito violou o art. 379º, n.º l, c), do CPP, o que importa também a nulidade da sentença”.

O Ministério Público pronunciou-se, nas duas instâncias, no sentido da

omissão de pronúncia e da procedência da arguição de nulidade da sentença do art. 379°, n° 1, c) do Código de Processo Penal.

Já relativamente à nulidade da alínea a), considerou que a decisão recorrida

“cumpriu minimamente o disposto no art. 374°, nº2 do Código de Processo Penal”, e aproveitou para sugerir a correcção da sentença na parte referente ao facto em crise, nos seguintes termos: “O ponto 10. da matéria de facto dada corno provada na sentença deverá ser corrigido, nos termos do disposto no art. 380°, n° 1, b) do CPP, de modo a manter-se a indicação da velocidade de 120 km/h do comboio n° 4415 e ser feita a menção da velocidade de 110 km/h a que circulava o comboio nº 832”.

Com todo o respeito, reescrever o facto no modo peticionado traduziria, não simples “correcção que não importe alteração substancial” (art. 380º, nº1-b) do Código de Processo Penal), mas alteração do próprio facto provado, na medida em que se “mudaria” o comboio que circulava a 110Km/h no momento do cruzamento. E tal não é processualmente possível por este meio.

O que se considerou como provado é que o comboio conduzido a cerca de 120 Km/h pelo arguido, no momento em que cruza com o outro comboio, o faz a uma velocidade não inferior a 110 Km/h. De todo o modo, a diminuta

disparidade em causa – cerca de 120 Km/h e/ou não inferior a 110 Km/h – sempre seria juridicamente pouco consequente, atento o facto provado em 9.

“O arguido JS sabia que de acordo com as normas regulamentares em vigor da C P. com o freio da My da UTE 2116 isolado teria que circular a uma

velocidade máxima de 80 km/hora sem estar acompanhado por um agente de apoio na cabine e a uma velocidade máxima de 100 km/hora quando

acompanhado por um agente de apoio, bem como deveria circular com o sistema de CONVEL desligado”.

Passando ao conhecimento das nulidades, importa rever a motivação da matéria de facto na sentença:

“O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados desde logo nas

(26)

declarações dos arguidos na parte em que estas foram coincidentes com os factos provados tendo o Arguido JS admitido a veracidade da maior parte dos factos provados que lhe respeitam, negando que tenha o seu comportamento sido causal do acidente em questão, o que é desmentido pela omissão do dever de se inteirar da razão do isolamento do sistema de frenagem do comboio que lhe foi comunicado pelo Arguido JT, omissão que admitiu, o que certamente o conduziria ao conhecimento da situação da peça acidentada que segundo referiu se soubesse o seu estado possivelmente não sairia com o comboio ou só o faria se alguém assumisse essa responsabilidade.

O Arguido JT por seu turno afirmou que o seu colega MP já tinha mandado verificar a motora pelos operários existentes e disse que a motora estava já em condições de seguir para o entroncamento, o que foi por este desmentido e que na altura estava ele o Sr. G e que trataram disso de verificar a motora que desconhecia a situação da peça, que igualmente foi contrariado pelas

declarações do Arguido MG que referiu que reportou ao Sr. T que entretanto tinha entrado explicando a situação e inclusivamente o Sr. S e o maquinista foram lá isolar o boguis estava lá o anterior senhor foi no render do turno explicamos que a peça não era fácil estava inamovível completamente

empancada para trás mas em principio não corria risco mas que de qualquer maneira puseram lá um arame isso foi explicado ao Sr. T.

O Arguido MG referiu que com o Sr. S foi lá verificou que era um tubo cilíndrico do sistema de freio partido segundo parece chegou ao

entroncamento sem se mexer amarrou com um arame e se tivesse

conhecimento técnico da peça era capaz de não proceder como procedeu, que seu trabalho era pequenas intervenções e que lhe pareceu e que não havia qualquer possibilidade da peça se soltar a rosca era interior não era visível não vi essa peça no Entroncamento vi que a peça estava exactamente igual não assumindo culpa na ocorrência do acidente.

O Arguido S confirmou os factos provados

O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados relativos a situação pessoal dos Arguidos nas declarações dos Arguidos, os quais

prestaram declarações em conformidade com os factos provados relativos a estas matérias.

O tribunal fundou primacialmente a sua convicção quanto aos factos provados não obstante a negação parcial dos mesmos nos termos descritos pelos

(27)

Arguidos no depoimento das testemunhas JA maquinista da C. P. que conduziu a UTE avariada até S. Apolónia e registou isso no diário técnico de bordo, (fls., 161), comunicou ao posto de regulação, ao permanente de tracção, e pediu reparação, Testemunha RD revisor da C. P. revisor do comboio 4404 que saiu de Tomar e declarou que no vale de Santarém o comboio não andou e viu o maquinista recordando que ele lhe disse que se ouvisse um barulho puxasse o sinal de alarme, Testemunha MP inspector de tracção da C. P. que estava de serviço das 10 h as 8 h e foi substituído nesse dia pelo Arguido JT e declarou que já sabendo da avaria da UTE informou da avaria a cabine de circulação de S. Apolónia e um maquinista de reserva JC para esperar por esse material que chegou um pouco antes das 8 h e essa unidade motora foi retirada da

circulação para ser vistoriada pela manutenção de material ficava retirada da circulação que já não foi não pode adiantar muito mais porque saio do turno as 8 horas e informou o arguido JT do que se estava a passar.

O tribunal fundou a sua convicção igualmente primacialmente nos

depoimentos das testemunhas RA Maquinista da C. P., que em 6/1/2003 era o maquinista de reserva em S. Apolónia, JC maquinista da C. P. em 6/1/2003, que confirmaram a sua intervenção nos factos tal como se deu como provado, MP, operador de revisão e venda da C. P. revisor do comboio 4415 que confirmou a viagem com acoplagem da UTE avariada testemunha ML Maquinista da C. P.

que vinha do Porto para Santa Apolónia que tripulava o comboio aonde se transportava o assistente e aonde a peça entrou no comboio que eu viu quando saiu da cabine confirmando o estado em que ficou a carruagem e o banco do passageiro Assistente que a vitima estava maltratado, JQ, Revisor de bilhetes da C. P. revisor do comboio aonde ia a vitima e que ia na carruagem do acidente entre a estação mato de Miranda vale de figueira a cruzamento com outro comboio em que ouviu um barulho anormal ao andamento dos comboios no cruzamento dos comboios um estilhaçar de vidros viu o

Assistente com a face desfeita só não foi atingido porque se adiantou no meu serviço sendo que testemunhou que a peça foi encontrada debaixo do ultimo banco da carruagem do lado esquerdo, Testemunha RP, Engenheiro técnico da EMEF sociedade anónima de capitais públicos que faz parte do grupo C. P.

responsável de oficinas de uma da EMEF de boguis situada no entroncamento sendo na altura chefe da oficina aonde esse órgão era reparado em Abril Maio de 2002 aonde foi efectuada a ultima reparação desse órgão e que explicou a sua composição e funcionamento.

O tribunal fundou-se também primacialmente nas declarações dos senhores peritos Professor JD do Departamento de engenharia mecânica do instituto

(28)

superior técnico e AD que no essencial confirmaram o relatório pericial de folhas 1672 e seguintes e seguintes e o relatório complementar de folhas 1740 e seguintes confirmando que a peça em questão sofreu um embate grande e potente embate sendo expectável que os componentes internos do tubo da peça se pudessem soltar tanto mais que estava inclinado para baixo com as vibrações da circulação do comboio que são ampliadas com as ondas de choque do cruzamento de dois comboios se o freio de retenção estivesse danificado ou desaparecesse era expectável que os outros componentes se desenroscassem e viessem a cair e serem projectados perigo tanto maior quanto a velocidade do comboio fosse maior.

As testemunhas AL e SR passageiras do comboio e carruagem aonde se transportava o Assistente depuseram confirmando a entrada da peça que também as atingiu.

A testemunha AA e JS depuseram sobre os danos sofridos pelo Assistente depoimentos em que o tribunal se fundou para dar como provados nos factos relativos a tais aspectos.

O tribunal fundou-se também como não podia deixar de ser nas declarações do Assistente que prestou declarações sobre os danos sofridos declarações em que o tribunal se fundou para dar como provados nos factos relativos a tais aspectos.

O tribunal fundou também a sua convicção nos depoimentos das testemunhas engenheiros AB e JP que participaram na comissão de inquérito que elaborou o relatório sobre acidente ferroviário em questão junto a folhas 87 a 136 dos autos, matérias sobre as quais depuseram.

As restantes testemunhas ouvidas em audiência não tem conhecimento directo dos factos aos quais não assistiram. As testemunhas JA e JC depuseram no sentido de ser o chefe de tracção quem dá a ordem de marcha aos comboios, por sua vez a testemunha AM depôs sobre o sistema convel e as testemunhas JF e AF sobre as funções de permanente de tracção que já exerceram.

As testemunhas referidas depuseram com isenção.

O tribunal fundou ainda a sua convicção quanto aos factos provados na análise dos documentos juntos a fls., 3 a 15, 18 a 25 v., 30 a 33, 34 a 38, 70 a 71, 86 a 255, 272 a 454, 461 a 462, 470, 476, 482 a 488, 494 a 525, 533 a 546, 579 a

(29)

582, 596 a 600, 606 a 661, 670, 673 a 675, 678, 694 a 705, 723 a 726, 922 a 925, 1303 a 1305, 1315 a 1332, 1372 a 1374, 1638 a 1648, 1653 a 1654, 1671 a 1710, 1725 a 1788, 1929 a 1930 1931 a 1950, 1975 a 2038, 2071 a 2073, dos autos, examinados em audiência de julgamento.

Sobre os factos não provados os Arguidos negaram a sua realidade e não foi produzida qualquer prova convincente e dai necessariamente as respostas negativas.”

Como se disse, o recorrente impugnou, na contestação (arts. 6º a 14º – fls.

1311/2) e no julgamento, as medições de velocidade de distância contidas nos documentos existentes nos autos, ou seja, impugnou em julgamento os factos e a prova obtida por esta via.

Alegou ainda violação do disposto no DL n.º 291/90, de 20 de Setembro, em seu entender aplicável ao caso do controlo metrológico ferroviário, questão sobre a qual a sentença nem se pronuncia e não trata.

A questão da velocidade integrava o objecto do processo, conforme arts 7º a 11º da pronúncia.

Como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso, “sobre a questão da admissibilidade e valoração da prova relativa à velocidade do comboio conduzido pelo recorrente o tribunal nada disse.

Trata-se de questão concreta a decidir e não de um mero argumento ou

opinião expendido pelo recorrente na sua defesa. Trata-se de questão central (…)”.

E acrescenta: “se no momento do cruzamento com o comboio nº 832 a velocidade do comboio nº 4415 tivesse sido inferior a 120Km/h é

matematicamente demonstrável, como ocorreu em audiência de julgamento, que a energia cinética da peça de 3,9 quilos que se soltou do SAB seria muito menor e portanto proporcionalmente menor o seu impacto na carruagem onde seguia a vítima”.

Se tal demonstração matemática é possível e se foi ou não feita em audiência de julgamento, é circunstância que o exame crítico da prova também não revela.

(30)

A sentença não se pronuncia sobre a questão da prova da velocidade, ou seja, omite a explicação da prova de um facto essencial.

Mas também omite a explicação da prova de um outro facto igualmente essencial – o exame crítico não revela como o tribunal formou a convicção sobre a relação da velocidade com a libertação e projecção da peça de 3,9 quilos.

Ora, os elementos objectivos do tipo de crime negligente, nos crimes materiais ou de resultado como é o caso, consistem na violação de um dever objectivo de cuidado, na produção de um resultado típico e na imputação objectiva desse mesmo resultado típico.

A imputação objectiva do resultado implica, para além do mais, a existência de um nexo entre a conduta do agente e o resultado produzido.

Daí que avisadamente se afirme (em António João Latas, Descrição e prova dos factos nos crimes negligentes, Rev. Cej nº 11, p. 56) que “deve constar da sentença, que não deixará de reflectir igualmente a defesa do arguido e o que resultar da discussão da causa, toda a factualidade respeitante à conduta típica do arguido. Isto é, os factos que respeitam à produção do resultado, ao nexo de causalidade e à imputação objectiva, bem como a todos os aspectos da violação objectiva do dever de cuidado, nomeadamente no que respeita à

concreta indagação sobre a existência e caracterização desse mesmo dever, quer em geral quer na pessoa do arguido”

Tratando-se, no caso, do julgamento de um crime negligente de resultado, cumprirá conhecer dos factos relativos à conduta negligente – nos quais se integrará a velocidade que o arguido imprimiu ao comboio que tripulava –, e ainda dos factos consubstanciadores do resultado típico, bem como da

imputação objectiva desse resultado (nos quais se incluirá a relação da velocidade com o desprendimento da peça e a sua projecção).

Este último facto não aparece expressamente descrito (na sentença) junto dos factos usualmente narrados no “grupo” dos factos do tipo objectivo do crime.

Mas, é ainda possível encontrá-lo, ou retirá-lo, do conjunto de todos os factos nos quais se incluem aqueles que integram o tipo subjectivo (negligente).

Pois dizer-se, entre outros, que “o arguido JS (…) embora não tendo previsto que a aludida rosca se poderia soltar por força da velocidade, se se tivesse

(31)

inteirado (…) podia e devia prevê-lo” é implicitamente considerar que a rosca se soltou e projectou da forma provada, na decorrência da velocidade

imprimida na condução do comboio, pelo arguido.

Neste contexto global de enunciação dos factos integrantes da negligência é ainda possível considerar que a sentença cumpre minimamente a descrição do facto total, necessário ao completo preenchimento do tipo negligente, não revelando por isso vício do art. 410º, nº2 do Código de Processo Penal.

Mas não o explica devidamente no exame crítico das provas.

A prova destes dois factos – velocidade a que circulava o comboio conduzido pelo recorrente e relação desta velocidade com o resultado imputado ao(s) arguido(s) - poder-se-á encontrar algures, nos inúmeros documentos que a sentença se limita a arrolar ou nas perícias que não analisa.

Exceptuando casos residuais em que a extrema simplicidade do tema

probando ou a literalidade do próprio documento falem por si, “remeter para o valor probatório dos documentos juntos aos autos é o mesmo que nada dizer”

(STJ 24.07.2003).

Impõe-se explicar como se comprovou a “velocidade” e, para tanto, enfrentar e resolver as questões suscitadas pela defesa na contestação, relativamente aos meios de prova e de obtenção de prova dessa mesma velocidade.

Velocidade que é facto juridicamente muito relevante para a decisão, tanto mais que se considerou ainda como provado que “o arguido JS sabia que de acordo com as normas regulamentares em vigor da CP com o freio da My da UTE 2116 isolado teria que circular a uma velocidade máxima de 80 km/hora sem estar acompanhado por um agente de apoio na cabine e a uma velocidade máxima de 100 km/hora quando acompanhado por um agente de apoio”.

A motivação de facto é omissa nesta parte, não sendo nem “suficientemente clara para poder ser identificada e contestada em sede de recurso” (TC 258/2001), nem perceptível para o próprio tribunal de recurso,

independentemente dessa contestação.

O tribunal motivou a decisão de facto de forma insuficiente, incompleta nos pontos acabados de assinalar, não explicitando a convicção de modo

perceptível e objectivado no que respeita à prova de dois factos que

(32)

considerou provados e que são essenciais para a decisão da causa – o da velocidade e o da relação desta com a libertação e projecção da peça.

Omitiu, ainda, decisão sobre questão relevante, concretamente colocada à sua apreciação.

Assim, a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379º, nº 1-a) do Código de Processo Penal) e de nulidade por omissão de pronúncia (art. 379º, nº1-c) do Código de Processo Penal), devendo o tribunal proceder à sua reformulação com total correcção das deficiências apontadas (art.122ºdo Código de Processo Penal).

Encontra-se prejudicado o conhecimento das questões sobrantes.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar parcialmente procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que sane as duas nulidades apontadas.

Sem custas.

Évora, 30.10.2012

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Latas)

Referências

Documentos relacionados

Para o estudo do sono foram definidas várias questões: existência de sono diurno, hora de deitar e levantar, latência do sono, despertares nocturnos, sonolência diurna, hábitos

O veículo apresentava danos, no valor de 5.635,34 euros, sendo que sofreu danos em resultado do despiste e em virtude da queda na ribanceira, após a quebra do gancho de engate,

É certo que a indicada disposição legal estatui que não sendo cumprida a obrigação, o exequente pode exigir, nos próprios autos de execução, a prestação, servindo de

A sexualidade também, segundo ele, é um grande problema entre os jovens internados, pois eles não respeitam as regras e acabam tendo relações sexuais, o que implica em

a) Que se declare a nulidade do contrato-promessa celebrado entre os autores e os primeiros réus com a consequente condenação à restituição dos €.. 3.000,00 pagos a título de

8) Assim como existe desproporcionalidade na aplicação da medida da pena. 9) A presente decisão condenatória funda-se, essencialmente, no depoimento de meliantes, condenados

· Saber se se verifica a ilicitude do despedimento do Requerente em virtude da Requerida não ter, alegadamente, posto à sua disposição, até ao termo do prazo de aviso prévio,

E por isso também foi dado como não provado, o que não foi posto em crise pela recorrente, que o conjunto de blocos de apartamentos que constitui o empreendimento turístico “Clube