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G u a r d a d o s d a M e m ó r i a
João do Rio
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F
oi como se, repentinamente, para além das distâncias e das ondas, agonizasse, num aniquilamento brusco, um último farrapo lusíada... Foi como se, numa catástrofe súbita, desabasse, sob o céu fraterno do Brasil, um belo monumento de Tradição e Devoção Portuguesa.Fecharam-se os olhos vivos, os olhos inquietos, os vibrantes olhos de João do Rio – para sempre... Aquela alma intensa e polia- tiva que, de há alguns anos para cá, enchia os jornais, os livros, os magazines, do nome sagrado de Portugal; aquela voz sonora, lírica, entusiasta, que passeava Portugal entre as suas frases-estrelas, como um andor entre flâmulas; aquela sensibilidade admirável que, ainda há tão pouco, arriscou a sua paz para defender os nossos maríti- mos da Póvoa; João do Rio, um dos últimos crentes, genuflexos na catedral fervorosa da glória portuguesa – desapareceu agora, numa rajada absurda, que para a eternidade apagou a alta labareda febril do seu belo espírito de eleito.
Justamente quando todos nós, emocionados ainda, na palpitação grata dos nossos corações, pensávamos na homenagem a estender
João Francisco de Barbosa Azevedo de Sande Aires de Campos, conhecido com o pseudônimo literário João Ameal, (1902-1982) foi jornalista, escritor politico, e historiador português.
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aos pés de João do Rio – como uma certeza da nossa recordação e do nosso apreço – ele foge-nos, evola-se, desaparece, deixando-nos uma enorme dívida, a maior das dívidas!
Que todos, neste momento trágico, em que os nossos nervos se dobram ainda, com a sensação profunda da surpresa que a sua morte instantânea nos produziu – saibamos erguê-lo, aclamá-lo, imortalizá-lo, entre o fervor, aceso das nossas palavras de consagração: não se esvai uma obra – só porque um vulto caiu, no impulso supremo da Fatalidade. A obra de João do Rio fica de pé, acima das contingências e das marés-vivas do Destino, como urna lumi- nosa, sacrossanta obra de piedade, de sacrifício e de beleza!
Mas Paulo Barreto não foi, apenas, o amigo incomparável de Portugal, da sua tradição e da sua gente. – João do Rio foi um escritor ilustre, uma indivi- dualidade erguida entre a curiosa literatura carioca do nosso tempo, pujante e auriflamada de seivas.
Desde a penetrante visão das suas novelas até à mordacidade aguda das suas crônicas, desde a eloquência calorosa das suas conferências, onde as frases ganhavam ascensões de labaredas e irradiantes clarões de auréolas doiradas – até ao seu teatro nervoso e sóbrio, queimado da sugestão flagrante da Vida – João do Rio marcou uma personalidade, um temperamento, uma inteligência.
O seu estilo de modernista era, como raros, pulsátil e coleante, dúctil a todas as serpentinizações da forma, da cor e do ritmo, latejante como um pul- so ardente, opulento como uma tapeçaria birmânica todo incendiado de cor como uma aurora boreal em festa. João do Rio foi um esplêndido sinfonista da prosa – que enchia de fru-frus e de surdinas, carícias felinas e amplitudes alongadas, mistérios de aragens e marulhos de florestas. E, contudo, através da exuberância desse estilo-caravansérail, desse estilo arco-íris – João do Rio era um metódico, um equilibrado, cingido na bela disciplina mental das privile- giadas organizações cultas...
Conheci João do Rio, há dois anos. Vi, de frente, o seu sorriso aberto, jovializando-lhe a precoce gravidade da calva, essa calva que hoje, em geral, marca da sua patine os grandes artistas-dilettanti da Época. João do Rio disse-me algumas frases que se não esquecem. Depois, escreveu-me duas cartas
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337 – quando, como crítico literário do Diário de Notícias, comecei a ter ensejo de me referir ao seu nome aureolado. Agora, confesso-o, estava a espera de outra carta – porque ainda há bem pouco, nessa mesma qualidade de cronista dos livros no Diário de Notícias, escrevi algumas linhas sobre o Rosário da ilusão – a última obra de João do Rio.
É curioso: esse Rosário da ilusão pareceu-me traduzir uma atitude desen- cantada perante a Vida. Por todas as páginas, como tapeçarias de penumbra, havia conceitos dolorosos, velários de descrença, momentos nostálgicos de evocação, de saudade, de ceticismo persistente. Parece que João do Rio previa – e lançava, numa despedida, o seu legado de filosofia crucificada, a filosofia crucificada dos que são, tão cedo como ele, atingidos pelo estigma negro da tragédia...
... Pois eu estava à espera de outra carta de João do Rio. Carta que agora não receberei nunca – porque o artista acabou para sempre de correr o seu belo, altivo, iluminado e inalcançável Rosário da ilusão...
Petit Trianon – Doado pelo governo francês em 1923.
Sede da Academia Brasileira de Letras, Av. Presidente Wilson, 203
Castelo – Rio de Janeiro – RJ
PATRONOS, FUNDADORES E MEMBROS EFETIVOS DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
(Fundada em 20 de julho de 1897)
As sessões preparatórias para a criação da Academia Brasileira de Letras realizaram-se na sala de redação da Revista Brasileira, fase III (1895-1899), sob a direção de José Veríssimo. Na primeira sessão, em 15 de dezembro de 1896, foi aclamado presidente Machado de Assis.
Outras sessões realizaram-se na redação da Revista, na Travessa do Ouvidor, n.o 31, Rio de Janeiro. A primeira sessão plenária da Instituição realizou-se numa sala do Pedagogium, na Rua do Passeio, em 20 de julho de 1897.
C a d e i r a Pat ro n o s F u n da d o re s M e m b ro s E f et ivo s
01 Adelino Fontoura Luís Murat Ana Maria Machado
02 Álvares de Azevedo Coelho Neto Tarcísio Padilha
03 Artur de Oliveira Filinto de Almeida Carlos Heitor Cony
04 Basílio da Gama Aluísio Azevedo Carlos Nejar
05 Bernardo Guimarães Raimundo Correia José Murilo de Carvalho
06 Casimiro de Abreu Teixeira de Melo Cícero Sandroni
07 Castro Alves Valentim Magalhães Nelson Pereira dos Santos
08 Cláudio Manuel da Costa Alberto de Oliveira Cleonice Serôa da Motta Berardinelli 09 Domingos Gonçalves de Magalhães Magalhães de Azeredo Alberto da Costa e Silva
10 Evaristo da Veiga Rui Barbosa Lêdo Ivo
11 Fagundes Varela Lúcio de Mendonça Helio Jaguaribe
12 França Júnior Urbano Duarte Alfredo Bosi
13 Francisco Otaviano Visconde de Taunay Sergio Paulo Rouanet
14 Franklin Távora Clóvis Beviláqua Celso Lafer
15 Gonçalves Dias Olavo Bilac Marco Lucchesi
16 Gregório de Matos Araripe Júnior Lygia Fagundes Telles
17 Hipólito da Costa Sílvio Romero Affonso Arinos de Mello Franco
18 João Francisco Lisboa José Veríssimo Arnaldo Niskier
19 Joaquim Caetano Alcindo Guanabara Antonio Carlos Secchin
20 Joaquim Manuel de Macedo Salvador de Mendonça Murilo Melo Filho
21 Joaquim Serra José do Patrocínio Paulo Coelho
22 José Bonifácio, o Moço Medeiros e Albuquerque Ivo Pitanguy
23 José de Alencar Machado de Assis Luiz Paulo Horta
24 Júlio Ribeiro Garcia Redondo Sábato Magaldi
25 Junqueira Freire Barão de Loreto Alberto Venancio Filho
26 Laurindo Rabelo Guimarães Passos Marcos Vinicios Vilaça
27 Maciel Monteiro Joaquim Nabuco Eduardo Portella
28 Manuel Antônio de Almeida Inglês de Sousa Domício Proença Filho
29 Martins Pena Artur Azevedo Geraldo Holanda Cavalcanti
30 Pardal Mallet Pedro Rabelo Nélida Piñon
31 Pedro Luís Luís Guimarães Júnior Moacyr Scliar
32 Araújo Porto-Alegre Carlos de Laet Ariano Suassuna
33 Raul Pompéia Domício da Gama Evanildo Bechara
34 Sousa Caldas J.M. Pereira da Silva João Ubaldo Ribeiro
35 Tavares Bastos Rodrigo Octavio Candido Mendes de Almeida
36 Teófi lo Dias Afonso Celso João de Scantimburgo
37 Tomás Antônio Gonzaga Silva Ramos Ivan Junqueira
38 Tobias Barreto Graça Aranha José Sarney
39 F.A. de Varnhagen Oliveira Lima Marco Maciel
40 Visconde do Rio Branco Eduardo Prado Evaristo de Moraes Filho
C o m po sto e m M o n ot y pe C e n tau r 1 2 / 1 6 pt ; c i ta ç õ e s, 1 0 . 5 / 1 6 pt