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III CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL IX CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL

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Academic year: 2021

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III CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL

IX CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL

Proposta de trabalho para TEMA LIVRE

Resumo:

Título: A psicanálise diante dos impasses e aberturas da compulsão à repetição Autoras: Bruna Pastore

Endereço: Rua Paula Matos, 171/210 – Santa Teresa – Rio de Janeiro – RJ – Brasil CEP: 20251-550

Dados: Graduanda em Psicologia no Instituto de Psicologia da UFRJ, bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIC.

Priscila Frota

Endereço: Av. Alfredo Balthazar da Silveira, 339, bl.1 apto 1704 – Recreio dos Bandeirantes – Rio de Janeiro – RJ – Brasil CEP: 22790-710

Dados: Graduanda em Psicologia no Instituto de Psicologia da UFRJ, bolsista de Iniciação Científica pelo CNPQ.

Este trabalho está vinculado à pesquisa “Violência, trauma e alteridade: aspectos teóricos e clínicos”, coordenada pela Prof. Dra. Marta Rezende Cardoso.

Nosso objetivo é analisar a evolução da noção de compulsão à repetição na obra de Freud, tendo em vista os diferentes aspectos envolvidos na construção dessa noção.

Tentaremos traçar uma genealogia da questão da compulsão à repetição, visando apreender, em particular, o caráter demoníaco que ela comporta, de acordo com as proposições de Freud a partir da Segunda Teoria das Pulsões.

A teoria freudiana propõe duas acepções para a compulsão à repetição, sendo uma vinculada ao material recalcado, e a outra relacionada ao “irrepresentável”, ao traumático. Interessa-nos mostrar que, embora distintas, existe um complexo entrecruzamento entre essas duas acepções.

Supomos a presença de um paradoxo no fenômeno da compulsão à repetição.

Por um lado, aponta para uma tendência do psiquismo, sob determinadas condições, a repetir o “mesmo; por outro vislumbramos, nesse movimento, uma potencialidade de abertura ao novo cuja efetivação dependeria, no entanto, da entrada de um outro, ou seja, da introdução da dimensão de alteridade nesse circuito repetitivo e auto-centrado.

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A psicanálise diante dos impasses e aberturas da compulsão à repetição

Nesta comunicação, temos o objetivo de analisar a noção de compulsão à repetição considerando os diferentes aspectos envolvidos em sua construção na teoria freudiana. Pretendemos sublinhar o caráter demoníaco que essa noção comporta, de acordo com as proposições de Freud a partir da Segunda Teoria das Pulsões.

Identificamos duas acepções da compulsão à repetição na teoria freudiana, sendo uma vinculada ao material recalcado, e a outra relacionada ao “irrepresentável”, e que aponta para a repetição do mesmo. Entretanto, podemos vislumbrar, nesse movimento uma potencialidade de abertura ao novo cuja efetivação dependerá da entrada de um outro, ou seja, da introdução da dimensão de alteridade nesse circuito repetitivo e auto- centrado.

A compulsão à repetição na transferência

Em A Dinâmica da Transferência (1912), Freud apresenta uma apreciação mais sistematizada da questão da transferência. Na situação clínica, repetem-se estereótipos e vivências da infância mais remota, lembranças que não podem ser lembradas. Diante de tal impossibilidade, o que ocorre é uma atualização, uma atuação daquilo que não pode ser lembrado, fazendo-se presente enquanto repetição.

Freud deixa claro nesse texto que a transferência não é um fenômeno exclusivo da psicanálise; pelo contrário, ela permeia todas as relações humanas. A diferença é estabelecida levando-se em conta o modo como se vai lidar com esse fenômeno na clínica psicanalítica. A transferência poderá ser manejada pelo analista, podendo se constituir como um importante instrumento de trabalho.

A transferência também pode representar um poderoso meio de resistência pelo paciente. Resiste-se ao repetir, atuando; atua-se ao invés de rememorar. A via da atuação pode se sobrepor à da lembrança. Freud nos falará da transferência como instrumento de trabalho ao dizer que é justamente através dela que se pode fazer o paciente passar da atuação – pura repetição – para a rememoração. Quando o paciente rememora, muda-se o estatuto de tal complexo patogênico. Fica já indicada aqui a grande importância da presença do outro, do lugar/posição que esse outro irá ocupar

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nesse processo, na medida em que as mudanças subjetivas do paciente serão possibilitadas pela presença/posição de um analista.

Em Recordar, Repetir e Elaborar (1914), aparece, pela primeira vez, a menção à expressão compulsão à repetição. No texto que examinamos anteriormente, Freud parece preparar o caminho para chegar agora a uma nova formulação. Neste importante momento da obra freudiana, a compulsão a repetir é considerada, no entanto, como relativa à ordem do recalcado, àquilo que, não podendo aceder a consciência, é atuado, através de um apelo à via motora. A possibilidade de alterar esse modo de funcionamento dependerá da suspensão das resistências, através do trabalho de análise.

Freud nos diz que o paciente inicia o seu tratamento pela repetição daquilo que não pode recordar. “Enquanto o paciente se acha em tratamento, não pode fugir a esta compulsão à repetição; e, no final, compreendemos que esta é a sua maneira de recordar” (pág. 166). O que interessa a Freud nesse momento é, acima de tudo, a relação desta compulsão com a transferência e com a resistência. Afirma ele:

“Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual. (...) Quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar (...)” (pág. 166).

O repetir, tal como se apresenta no tratamento analítico, implica na evocação de um fragmento da vida real. No curso do tratamento, novos e mais profundos impulsos pulsionais, que até então não tinham se feito sentir, podem vir a ser repetidos/revividos.

O analista deve estar, então, preparado para travar uma eterna luta com o paciente visando manter na esfera psíquica todos os impulsos que o analisando gostaria de dirigir para a esfera motora. O instrumento principal para conter a compulsão do paciente a repetir e transformá-la num motivo para recordar reside no manejo da transferência.

Quando este objetivo é alcançado, concede-se à compulsão o direito de se afirmar num campo definido.

Entretanto, uma passagem deste texto nos chama especialmente a atenção:

“ocasionalmente, também, está sujeito a acontecer que os instintos indomados afirmem- se antes que haja tempo de colocar-lhes as rédeas da transferência, ou que os laços que

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ligam o paciente ao tratamento sejam por ele rompidos numa ação repetitiva” (pág.

169).

Na neurose de transferência repete-se, atualizando as questões na relação com o analista médico. É a partir daí que novos caminhos poderão vir a ser abertos, que novas vias poderão aparecer. É através da neurose de transferência e do manejo desta que o novo poderá surgir, possibilitando a superação da compulsão a repetir enquanto único modo de funcionamento. Vemos então que se trata, neste caso, de uma repetição com potencial de abertura à mudança, a uma efetiva transformação subjetiva.

Acompanhando as questões levantadas por Freud em seus textos técnicos, percebemos a presença de uma potencialidade repetitiva do psiquismo. No livro O conceito de repetição em Freud, Santos (2002), explorando esse momento mais inicial da noção de compulsão à repetição, remete-nos à idéia de repetição, considerando-a como associada à idéia de uma re-transcrição. A repetição, inserida no campo da transferência, constituir-se-ia numa nova edição da neurose, suscetível de promover uma abertura ao novo.

Vimos que a questão da repetição se mostra bastante presente em alguns dos textos técnicos de Freud. Após essas menções, o estudo sobre o narcisismo, em 1914, vem abrir novas questões, exigindo de Freud estudos mais aprofundados sobre o tema, o que culminará em 1920 com a construção da nova teoria das pulsões. Nesse momento, Freud percebe a presença de uma compulsão a repetir dita demoníaca, e que o levará à concepção de uma pulsão por excelência – a pulsão de morte, como veremos a seguir.

A compulsão à repetição em sua vertente “demoníaca”

Em Além do princípio do prazer (1920), Freud abordará de forma clara e direta o tema da compulsão à repetição. Este é um momento crucial para a metapsicologia, momento de importantes constatações para a psicanálise.

Até 1920, Freud sustentava a tese da dominância do princípio do prazer na vida psíquica. Ou seja, haveria, na vida psíquica, uma tendência a manter a quantidade de excitação em um nível tão baixo quanto possível ou pelo menos constante. Tudo o que alterasse essa estabilidade seria sentido como desprazer, devendo ser evitado.

Porém, já no primeiro capítulo do texto Além do princípio de prazer, Freud afirma que seria incorreto supor uma dominância do princípio do prazer, uma vez que isso implicaria aceitar que todos os processos psíquicos seriam acompanhados de

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prazer. Assim, Freud fala em uma forte tendência ao princípio do prazer, mas relembra, porém, a existência de forças que, de alguma forma, atuam contra este, mas sem contradizê-lo, a saber: a substituição do princípio do prazer pelo princípio de realidade e o mecanismo do recalque. Esses dois processos não chegariam a contradizer o princípio em questão porque grande parte do desprazer que sentimos é de ordem perceptiva - seja do mundo externo, seja de pulsões insatisfeitas provenientes do mundo interno – e que são sentidas como desagradáveis em si ou que desencadeiam expectativas desprazerosas no aparelho psíquico. Além disso, é retomada, ainda neste capítulo, a idéia segundo a qual o que causa desprazer a uma instância pode não significar desprazer para outra.

No segundo capítulo desse mesmo texto, o foco se dirige aos casos de neuroses traumáticas nos quais o paciente, através dos sonhos, é sempre reconduzido à situação traumática. A neurose traumática coloca uma questão para Freud: que mecanismo onírico seria esse que parece contradizer a função primordial dos sonhos - a de realização de desejo? Freud conclui, inicialmente, que para que a hipótese do sonho como uma realização de desejo não entre em conflito com o fenômeno dos sonhos traumáticos, é preciso considerar, nesses quadros, que a função do sonho encontra-se prejudicada. Caso contrário, seria preciso considerar a existência de “enigmáticas tendências masoquistas do Eu” (Freud,1920, p.140).

A partir das evidências trazidas pelo fenômeno dos sonhos traumáticos, Freud procura investigar outros fenômenos que poderiam contradizer a dominância do princípio do prazer. Passa, então, à análise do Fort Da. Ele interpreta essa brincadeira relacionando-a a uma renúncia à satisfação pulsional que seria efetuada pela criança ao permitir a partida da mãe sem protestar. A criança compensa essa renúncia encenando, através da brincadeira, a partida da mãe. Porém, o que chama atenção de Freud é o fato de ela repetir incansavelmente algo que lhe é desagradável.

Freud se questiona, então, sobre a relação desse fenômeno com o princípio do prazer, afirmando que o primeiro tempo da brincadeira (“ir embora”) precisaria ser encenado como pré-condição da alegria do “reaparecimento”, que seria o objetivo final da brincadeira. Mas permanece, de certa forma, o enigma sobre a repetição do afastamento (primeiro tempo da brincadeira), o que se dá de forma incomparavelmente maior, chegando a ser encenada como uma brincadeira em si. Podemos pensar que a encenação aqui abre uma via para a representação, e por esse motivo ela é incansavelmente repetida pela criança. A partir dessa encenação, a criança poderá vir a representar a ausência da mãe.

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A vivência de perda é transposta numa experiência lúdica. A criança, que se encontrava passiva diante do abandono da mãe, reverte esse papel, passando à atividade ao encenar a partida e a chegada da mãe, exercendo, assim, certo controle sobre a situação. Dessa forma, Freud conclui que o fenômeno da brincadeira infantil não estaria, portanto, em desacordo com a dominância do princípio do prazer, pois tal vivência desagradável para a criança só pode ser repetida na medida em que há um ganho de prazer de outra ordem - porém, não imediato - e que se vincula à repetição, isto é, que se torna possível pela repetição. Freud conclui que, mesmo sob o domínio do princípio do prazer, seria possível transformar algo desprazeroso em objeto de recordação e processamento psíquico/representação.

Não tendo encontrado algo na brincadeira infantil que pudesse contradizer o princípio do prazer, Freud analisa, então, a transferência. Mesmo que já tenhamos falado sobre isto anteriormente, pontuaremos novas questões sobre o assunto, já que se trata de um novo momento dessa teorização. Em “Recordar, repetir e elaborar” (1914), como vimos, o retorno do recalcado na transferência passa a ser entendido como um constrangimento, ou seja, o paciente se vê obrigado a repetir o material recalcado, como se este fizesse parte do presente. Além disso, nesse texto, Freud percebe que a resistência ao tratamento não é do material recalcado, mas sim do eu. Porém, essa resistência que provém do eu atua a serviço do princípio do prazer, uma vez que o recalcado seria sentido como desprazer caso chegasse à consciência. O que chama atenção de Freud em Além do princípio do prazer (1920), quando analisa a transferência, é justamente o fato de a compulsão a repetir trazer à tona experiências do passado que não foram capazes de trazer nenhum tipo de satisfação para nenhuma instância.

Freud vai perceber que essa compulsão a repetir não está somente presente na análise dos neuróticos, mas que também se manifesta no cotidiano das pessoas de modo geral, dando a impressão de que essas pessoas estão tomadas por um destino maligno.

“O eterno retorno do mesmo” pode manifestar-se tanto como comportamento ativo quanto como experiência passiva, o que causa maior espanto” (Santos, 2002, p. 103).

Retomando o modelo da brincadeira infantil, vemos que a repetição da experiência desprazerosa está a serviço da atividade representativa e, portanto, do princípio do prazer. Do mesmo modo, também é possível que a resistência do eu, em transferência, funcione de acordo com esse princípio. Entretanto, o sonho da neurose de acidente se destaca dentre as situações analisadas por Freud, pois não parece estar de

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acordo com o princípio em questão, já que não é possível situar nele qualquer obtenção de prazer.

Tal sonho tem a peculiaridade de trazer o paciente de volta ao momento do acidente, numa situação na qual ele acorda em um novo susto. A ausência de qualquer forma de elaboração onírica que pudesse revelar no trabalho de associação um sentido oculto, faz desse sonho típico uma exceção. O sonho reproduz, sem alterações, a cena do acidente, e a única coisa que se acrescenta a cada vez é um novo susto. A situação de desespero e de desconhecimento do perigo se repetem. O sonho traumático da neurose de acidente não está no âmbito do princípio do prazer, porque ele traz um aumento de excitação, diferente dos outros sonhos, onde a excitação produzida pelo desejo encontra uma saída na representação.

Dessa forma, se questiona Freud, que economia psíquica é essa onde não se evidencia qual desejo estaria ali em jogo. Permanece, nas repetições, um núcleo inassimilável para o sujeito, pois como poderia alguém se assustar com algo tantas vezes visto? Esse inassimilável persevera como o que não pode ser (pre)visto.

Freud se pergunta sobre o que seria isso que não se submete ao princípio do prazer, e que insiste em repetir. Tais questionamentos o direcionam a concluir que a compulsão a repetição refere-se a algo mais originário, mais pulsional que o princípio do prazer, o que resta saber é a que função ela corresponde, como surge e que relações tal compulsão tem com o princípio do prazer.

Buscando entender isso, Freud se dedicará à gênese do aparelho psíquico. Ele retratará a existência de um escudo protetor, o qual protege o aparelho psíquico dos estímulos provenientes do mundo externo. Entretanto, tal escudo não garante a proteção contra a fonte de excitação interna. Trata-se de excitações muito fortes, das quais o escudo protetor não consegue, nem sempre, se defender – nestes casos, estamos diante de situações chamadas traumáticas, já que provocam o rompimento do escudo e a conseqüente inundação do aparelho psíquico por grandes excitações. O aparelho tenta lidar com tal excesso pulsional fazendo ligações, porém, isso nem sempre será possível.

Dessa forma, tem-se algo da ordem de um traumático, ou seja, há um aumento brusco da energia que circula livremente.

No quinto capítulo de “Além do princípio do prazer” (1920), Freud dará um importante passo em sua obra, na medida em que relacionará a pulsão ao trauma. Assim como o trauma, as pulsões se referem à energia móvel, que circula livremente (processo primário), e nestes casos, como acontece no sonho traumático, não há uma sujeição da

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energia livre à energia ligada. Dessa forma, a pulsão possui um caráter potencialmente traumático. Seguindo este pensamento, Freud conclui que a compulsão à repetição tem um caráter pulsional, e por se apresentar como uma força oposta ao princípio do prazer nos leva a pensar na presença da ação de uma força demoníaca. Diante disso, o autor percebe que a pulsão é a força que sustenta a repetição, e aí então sua questão passa a ser: porque a pulsão repete?

Ao analisarmos a questão, vemos, conforme nos mostra Santos (2002), que a pulsão conjuga dois aspectos aparentemente antagônicos: a elasticidade e a inércia. O movimento da pulsão é no sentido de restaurar um estado anterior, mostrando não um impulso ao progresso, mas sim um caráter conservador. Mais adiante no texto, Freud conclui que o estado mais anterior ao orgânico é o inorgânico – a morte seria o mais originário estado, e a vida é o sinal de perturbação, “de abandono desse estado, que, no entanto, não deixou de fazer suas marcas, que serão sempre retomadas. Desta forma, a inércia figura como uma marca inscrita na elasticidade.” (Idem, p.110).

Seguindo seus estudos, Freud coloca a hipótese da pulsão de morte, e passa a considerá-la a pulsão mais originária e elementar, uma vez que ela visa a conservar um estado anterior, uma inércia, ao passo que a pulsão de vida age no sentido de perturbar essa inércia, provocando o trabalho psíquico. Se pensarmos no percurso do autor, percebemos que ele parte de um problema econômico que se impõe com o fenômeno da compulsão a repetir, e a partir disso chega a um novo dualismo pulsional.

Agora, o princípio do prazer não está mais, como antes, ligado ao processo primário. A partir de 1920 a transformação do processo primário em secundário, ou seja, a ligação da energia que circula livremente, é condição necessária para que o princípio do prazer passe a vigorar no aparelho psíquico. O princípio do prazer seria, então, uma tendência a diminuir a tensão do aparelho, porém mantendo sempre uma reserva, para que possa assim haver trabalho psíquico – neste sentido o princípio do prazer equivaleria ao princípio de constância. Essa tendência à constância estaria a serviço de uma função mais ampla: a de descarregar completamente a tensão do aparelho, expressão da inércia psíquica – da pulsão de morte.

Como vimos, podemos perceber que, ao longo da obra freudiana, a noção de compulsão a repetição ganha novos sentidos. A partir do texto “Recordar, repetir e elaborar” (1914), Freud vai encarar a repetição na transferência como uma compulsão, um constrangimento. Mas essa compulsão a repetição se refere, nesse momento, ao material recalcado. Em 1920, com o texto Além do princípio do prazer, Freud percebe

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nesse fenômeno a presença de algo que não pôde ser representado, inscrito psiquicamente; algo que permaneceu como uma marca psíquica, um mesmo que é compulsivamente repetido. Entretanto, como tentaremos mostrar a seguir, podemos visualizar nesse fenômeno, uma potencialidade de abertura para o novo que depende, conforme sustentaremos, da entrada da dimensão de alteridade para que possa ser efetivada.

A repetição de 1920 está referida a algo que não diz respeito ao material recalcado, trata-se de algo da ordem de um traumático, como já vimos, e que por isso, pela sua irrepresentabilidade, não há rememoração possível. A repetição neste momento é essencialmente diferente da descrita em 1914. Em 1920, conforme nos traz Maia (2005), a compulsão à repetição diz respeito a uma tendência do pulsional, que logo não se encontra sob o funcionamento do princípio do prazer, uma vez que consideramos o pulsional anterior a isso tudo, primordial.

Destino das repetições

Analisamos, até o momento, os diferentes sentidos que a noção de compulsão à repetição ganha ao longo da obra freudiana. A partir de agora, focaremos nesse fenômeno em sua vertente mais radical, postulada em 1920. Procuraremos mostrar que mesmo que essa repetição pareça trazer sempre a mesma coisa, podemos nela vislumbrar uma possibilidade de abertura ao novo, através da entrada de uma dimensão de alteridade. Para tanto, seguiremos os pensamentos da autora Marisa Schargel Maia, que, partindo das contribuições de Ferenczi, retoma a questão da repetição no contexto da experiência lúdica, afirmando sua positividade e seu caráter criativo.

Em seu livro Extremos da alma (2005), a autora pontua que Freud, ao aproximar a brincadeira infantil dos sonhos traumáticos, abre, na verdade, para a possibilidade de pensarmos o fenômeno da repetição como um processo estruturante do psiquismo; uma tentativa de ligar o excesso pulsional que transbordou no psiquismo, impedindo a atuação do princípio do prazer. Ou seja, o ato de brincar, assim como os sonhos, poderiam ser considerados como uma forma de dominar uma situação vivenciada como traumática.

Como vimos anteriormente, em 1920, Freud analisa o jogo do Fort-Da a fim de encontrar algo que contradissesse o princípio do prazer. A sua interpretação era a de que esse jogo consistiria no processo de ingresso da criança na ordem cultural representada pela renúncia à satisfação pulsional por permitir à mãe ir embora sem reclamar. Esse

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jogo marca o advento da linguagem. Porém, Maia (2005) mostra que outra interpretação se faz possível: o primeiro tempo do jogo (Fort) era repetido mais intensamente que o jogo completo, ou seja, a criança repetia incessantemente uma situação penosa. Seria possível pensar que a criança a repetia pois, dessa maneira, tornaria-se dona da situação que, pelo próprio movimento lúdico, deixaria de ser penosa. Através da brincadeira, a criança ab-reagiria a raiva e outros sentimentos que tivera na situação real.

Maia (2005), aponta uma diferença fundamental entre o primeiro tempo do jogo (Fort) e o segundo tempo (Fort-Da) que não foi valorizada por Freud: a de que o primeiro jogo poderia convocar a interagir um outro como “agente apaziguador”, aquele que diminui a dor causada pelo excesso traumático. Dessa forma, o jogo objetivaria o aplacamento da dor psíquica, “mediante uma troca sensível e afetiva com o agente cuidador, garantindo, inclusive, a sua presença” (Maia, p. 191).

A expressividade e a movimentação lúdica convocam um outro a interagir na brincadeira, gerando um campo de afetação que irá garantir a elaboração disso que foi vivenciado como traumático (Maia, 2005). Fica claro que não basta apenas a ab-reação, como foi visto acima; o papel da dimensão de alteridade aqui é fundamental. Somente com a entrada de um outro poderá se instalar o segundo tempo do jogo (Fort-Da), no qual o sujeito atua de forma mais solitária e no qual os processos de simbolização podem ocorrer. Dessa forma, o primeiro momento (Fort) se daria por referência a um

“além do princípio do prazer”, criando condições para que o princípio do prazer possa advir, enquanto que o segundo tempo do jogo (Fort-Da) se referiria àquilo que estaria ligado ao princípio do prazer e que, portanto, refere-se às cadeias representacionais, aos processos de simbolização.

Maia (2005) nos trará, ainda, a reflexão de que a repetição apontaria para uma diferença; a repetição não equivale à reprodução, uma vez que pode trazer algo de novo, como por exemplo no caso do repetir lúdico. Pensando clinicamente, e fazendo uso dos estudos de Ferenczi para isso, a autora nos diz que o paciente reviverá a experiência traumática encontrando um paradoxo: encontra algo de familiar e algo de diferente ao mesmo tempo. A experiência traumática, apesar de estar sendo revivida, será revivida com o analista de forma diferente do que foi vivenciada inicialmente, e, por isso, o trauma poderá ganhar outros contornos. Aparece aqui a marcante importância da presença da alteridade, neste caso, presença do analista.

Em análise, tal experiência traumática nunca aparecerá da mesma forma como da primeira vez, embora se trate de uma compulsão a repetir, pois há ali um campo

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intensivo, onde analista e analisando se encontram em um campo circunscrito à pequenas percepções que atendem a singularidade do momento, constituindo-se assim como parte fundamental dos processos de simbolização. Será justamente essa possibilidade de afetar e de ser afetado que garantirá ao analisando o despertar da imobilidade psíquica. A afetividade é o que se destaca aqui. O importante é que se possa viver de outra forma aquilo que foi vivido de forma traumática. Neste momento vemos a possibilidade de abertura da compulsão à repetição, e isso será possível a partir da entrada de um outro.

Ao consideramos a presença de uma possibilidade de abertura da compulsão à repetição, podemos aproximar este fenômeno ao da repetição que vimos em momento mais anterior na obra de Freud. Diante disso marcamos um entrecruzamento das duas acepções, na medida em que ambas possibilitam a abertura para um novo, a partir da entrada da alteridade. Mas se os dois tipos de repetição abrem para o novo, o que as diferencia?

Sem dúvida há algo de diferente! O que podemos marcar seria a origem de tais repetições. Uma está relacionada ao material recalcado, a algo inscrito, mas que não pode vir à tona devido a incompatibilidades entre o material e a consciência – há algo excessivo ali, que é impedido de chegar à consciência, mas ao mesmo tempo não é traumático, a ponto de inundar e transbordar o aparelho. Já no segundo momento, a compulsão à repetição se relaciona diretamente ao traumático, ao que é excessivo para o aparelho, que não possui recursos para lidar com tal intensidade de energia, que se torna tamanha devido a essa tal impossibilidade. Diante disso o psiquismo se encontra invadido por uma energia que circula livremente, e que, sem ter por onde escoar, sem ter como cessar, repete, num incansável movimento sem fim. Esta compulsão à repetição se refere àquilo que é mais primordial no psiquismo, se refere ao pulsional por excelência, e logo, como vimos, se refere à pulsão de morte.

Sendo assim, percebemos que se trata de duas acepções diferentes, mas que com o trabalho de análise, com a entrada efetiva de um outro, que aponta para uma outra coisa, elas podem chegar ao mesmo objetivo, ao mesmo destino – o novo.

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Referências bibliográficas

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (ESB). Rio de Janeiro: Imago, 2006.

____ (1912) A dinâmica da transferência. ESB, v. XII ____ (1914) Recordar, repetir e elaborar. ESB, v. XII ____ (1920) Além do princípio do prazer. ESB, v> XVIII

MAIA, M. S. Repetição, trauma e afetação. Capítulo V. In: Extremos da alma – Dor e trauma na atualidade e clínica psicanalítica. São Paulo: Garamond, 2005.

SANTOS, L. G. Repetição e pulsão. Capítulo 3. In: O conceito de repetição em Freud.

São Paulo: Escuta, 2002.

Referências

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