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DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 38 DA LEI 6.830/80

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Academic year: 2022

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Resumo

Neste trabalho, procurar-se-á demonstrar a não receptividade por parte do ordenamento constitucional vigente do art. 38 da Lei Federal 6.830/80, que exige o depósito do valor do débito tributário como pressuposto para propositura da ação anulatória do ato declarativo do débito tributário, por afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Palavras-Chave: inconstitucionalidade do artigo 38 da Lei 6.830/80.

O Art. 38 da Lei 6.830/80

No âmbito de vigência do ordenamento constitucional anterior, editou-se a Lei 6.830 de 22 de Setembro de 1980, a qual veio regulamentar o procedimento de cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Entre outros dispositivos, o referido diploma legal, em seu artigo 38, instituiu um pressuposto necessário para que se processasse ação anulatória do ato declarativo do débito tributário, qual seja, o prévio depósito do valor do débito tributário, monetariamente corrigido e devidamente acrescido dos juros e multas moratórias e todo e qualquer encargo acaso incidente. De fato, assim prescreve o citado dispositivo legal:

“Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

1 Pós graduanda em Direito Empresarial – Fundação Aprender – Varginha/MG Funcionária terceirizada do TJMG, em exercício na 1ª Vara Cível do Fórum de Lavras/MG.

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Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.”

Analisando o preceito legal em comento, verifica-se que o legislador de então buscou, de forma clara, restringir ao máximo a possibilidade do contribuinte discutir o débito fiscal. Tal norma, oriunda de uma época em que nosso País ainda se encontrava sob o julgo de um regime autoritário, de forma expressa restringiu o direito de ação que assistia ao contribuinte, criando mecanismos que dificultavam e muito a possibilidade do contribuinte se socorrer ao Poder Judiciário em defesa de seus interesses frente ao fisco.

Quanto a propriamente dita ação anulatória do ato declarativo da dívida, a norma legal criou um pressuposto necessário para sua propositura, qual seja, o prévio depósito do valor do débito e seus respectivos acréscimos. Do próprio enunciado da norma podemos verificar que o referido depósito tem natureza “preparatória” da ação, ou seja, sem este o contribuinte não reunirá os pressupostos necessários para exercício do direito de ação.

Visto desta forma, podemos inferir que a norma tributária em questão criou uma verdadeira

“condição especial” da ação anulatória do ato declarativo da dívida tributária. Além das três condições da ação já instituídas, quais sejam, a legitimidade de partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, o art. 38 em comento instituiu uma outra condição para o exercício do direito de ação quando a mesma for manejada com o fito de anular-se o ato constitutivo da dívida tributária, qual seja, O PRÉVIO depósito do montante integral do débito tributário com seus respectivos acréscimos.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado na Constituição Federal de 1988

Em que pese o período no qual o Brasil viveu sob o manto do autoritarismo, cujos reflexos se expandiram para todos os setores da nação, a Constituição Federal de 1988 veio restabelecer o primado da Ordem Democrática, consagrando o princípio do Poder Popular. Desta forma, muitos dispositivos das legislações posteriores ao novo ordenamento constitucional não foram recepcionados pela Constituição de 1988.

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Um dos princípios básicos do Estado Democrático de Direito, instituído com o advento da nova Constituição, se constitui no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. De fato, tal princípio vem expressamente instituído no art.5o, que trata dos direitos e garantias individuais e coletivos, em seu inciso XXXV, que assim dispõe: “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

Pelo dispositivo não resta qualquer dúvida de que o Estado Brasileiro, após o advento da Constituição de 1988, expressamente consagrou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, também conhecido como princípio da proteção judiciária. Sobre o princípio propriamente dito, seu alcance ultrapassa o simples direito de acesso ao Judiciário, na precisa lição do mestre José Afonso da Silva2:

“O princípio da proteção judiciária, também chamado ‘princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional’, constitui, em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno, fundamenta-se no princípio da separação de Poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais. Aí se junta uma constelação de garantias: as de independência e imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou constitucional, a do direito de ação e de defesa. Tudo ínsito nas regras do art. 5o, XXXV, LIV e LV. Garante-se, no texto, o processo, que envolve o direito à ação, o direito de defesa, o contraditório, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.”

Verifica-se então, que o princípio da inafastabilidade da jurisdição é alçado à verdadeira condição de super princípio constitucional. O mesmo não significa tão somente que o poder judiciário resolverá as lides a ele propostas, mais pelo contrário, consagra o sagrado direito de ação como garantia da pessoa. Está a significar que todo cidadão tem o direito inalienável de submeter a apreciação do Poder Judiciário, de forma individual ou coletiva, qualquer lesão ou mesmo ameaça de lesão a direito seu, incluindo-se aí qualquer ato lesivo ou potencialmente lesivo perpetrado pelo próprio Estado, através de qualquer de seus órgãos, inclusive fiscais.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição também está a significar que o direito de ação pode ser exercido tão logo ocorra a lesão ou ameaça a direito, independentemente de qualquer

2 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. Malheiros.1a Ed. p. 131

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pressuposto de ordem fática ou material, quer no pólo ativo ou passivo de qualquer relação jurídica, a propósito, mais uma vez recorremos ao magistério de José Afonso da Silva3:

“O art. 5o, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional como direito público subjetivo. Não se assegura, aí, apenas o direito de agir, o direito de ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação.”

Conclui-se então, que o direito de ação, ou seja, o direito de submeter ao Poder Judiciário qualquer tipo de lesão ou simples ameaça a direito é garantia inalienável do cidadão, não podendo, desta forma, sofrer qualquer tipo de restrição ou condicionamento por parte do Estado, sob pena de se infringir o dispositivo constitucional.

Da inconstitucionalidade do Art. 38 da Lei 6.830/80

Analisado o princípio da inafastabilidade da jurisdição, fatalmente chegamos a conclusão de que o art. 38 da Lei 6.830/80, que exige como condição para a ação de anulação do ato declarativo da dívida tributária, o prévio depósito do valor do debito e seus acréscimos, não foi recepcionado pelo novo ordenamento constitucional vigente à partir da Promulgação da Constituição Federal de 1988.

Conforme já dito, o dispositivo legal cria uma nova condição da ação, ou seja, coloca o depósito prévio do valor do débito tributário como pressuposto necessário para que o contribuinte ajuíze a competente ação anulatória. Caso o contribuinte, mesmo que lesado por um procedimento de constituição irregular do crédito tributário, para levar a apreciação do Poder Judiciário tal lesão, teria que, primeiramente depositar o valor integral do débito e seus acréscimos, para somente depois exercer o seu direito de ação.

Ora, o inciso XXXV do Art. 5o da Constituição não condiciona o exercício do direito de ação a qualquer ato de garantia do exercente. Basta-se tão somente que o cidadão tenha um direito seu, lesado ou ameaçado de lesão, para que se habilite ao exercício do direito de ação. Se a norma constitucional não coloca qualquer pressuposto ou condição para que se exerça o direito de ação, que não a ocorrência de lesão ou ameaça a direito, não é lícito ao legislador infra-constitucional criar condições onde o legislador constitucional não criou.

3 Ob. Citada. P. 132

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Admitir-se como válido o pressuposto do depósito prévio do débito tributário e seus acréscimos como condição para o exercício do direito de ação anulatória do ato, estar-se-ia criando situações de todo absurdas. Basta-se imaginar o caso de um contribuinte, completamente desprovido de recursos, que tenha um débito tributário lançado em seu nome por ato completamente ilegal da autoridade fiscal. Mesmo que absurdo o lançamento, caso não tenha recursos financeiros para depositar previamente o valor ilegalmente lançado, ficaria impedido de acionar o Judiciário para ver reparada a lesão a Direito seu. Seria o mesmo que negar a Jurisdição ao cidadão necessitado, somente quem detivesse os recursos financeiros necessários é que poderia manejar a ação anulatória da dívida fiscal. Situação absurda e completamente contrária aos preceitos do verdadeiro Estado Democrático de Direito instituído, em tão boa hora, pela Constituição Federal de 1988.

Dito isto, chegamos à conclusão de que o dispositivo do art. 38 da Lei 6.830/80 é inconstitucional, e qualquer exigência de depósito prévio do valor do débito tributário é incabível face ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Outro não é o posicionamento de Kiyoshi Harada4:

“Entendemos inconstitucional o art. 38 da Lei 6.830/80, na parte que exige o prévio depósito para propositura da ação anulatória de crédito tributário inscrito na dívida ativa, por interferir no princípio da jurisdição que a Constituição consagrou como um Direito ou Garantia Fundamental (art. 5o, inciso XXXV)”

Conclui-se então que o art. 38 da Lei 6.830/80 é inconstitucional e que, portanto, qualquer exigência de que o contribuinte, para manejar a competente ação anulatória do ato declarativo da dívida tributária, deposite previamente o valor da dívida e seus acréscimos, afronta o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, posto que condiciona o livre exercício do direito de ação, assegurado na Carta Magna a prévio depósito em dinheiro.

4 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 11a Ed. Atlas. P. 458

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Referências Bibliogáficas

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 8a Ed.Forense. Rio de Janeiro. 1976.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. Ed. Lejus. São Paulo.

1998.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 8a Ed. Saraiva. São Paulo. 2000.

COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 3a Ed. Forense.

Rio de Janeiro. 1999.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 11a Ed. Atlas. São Paulo. 2003.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 1a ed. Malheiros. São Paulo.

2005.

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