Universidade Federal do Ceará Faculdade De Direito
PEDRO ÍCARO COCHRANE SANTIAGO VIANA
ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA DISPENSA COLETIVA E A ANÁLISE DA NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA PRÉVIA
ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA DISPENSA COLETIVA E A ANÁLISE DA NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA PRÉVIA
Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Área de concentração: Direito do Trabalho
Orientador: Professor Msc. William Paiva Marques Júnior
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
V614a Viana, Pedro Ícaro Cochrane Santiago.
Aspectos jurisprudenciais da dispensa coletiva e a análise da necessidade de negociação coletiva prévia / Pedro Ícaro Cochrane Santiago Viana. – 2013.
57 f. : enc. ; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.
Área de Concentração: Direito do Trabalho.
Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.
1. Pessoal - Dispensa. 2. Negociação coletiva de trabalho - Brasil. 3. Direito sindical - Brasil. 4. Jurisprudência – Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II.
Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.
ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS DA DISPENSA COLETIVA E A ANÁLISE DA NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA PRÉVIA
Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Área de concentração: Direito do Trabalho.
Aprovada em __/__/__
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________ Professor Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
________________________________________________________ Mestranda Débora Bezerra de Menezes Serpa Maia
Universidade Federal do Ceará (UFC)
________________________________________________________ Mestrando Víctor Augusto Lima de Paula
Dedico este trabalho à minha família,
Inês, Gilberto, Sabrina e Dorinha, por
serem meu tudo, meu amor maior e a
razão de eu ter conseguido realizar os
Ao meu orientador, prof. William Marques, pelo auxílio neste trabalho,
mostrando o porquê de ser uma das pessoas mais queridas e respeitadas de toda a
Faculdade de Direito. Exemplo de pessoa e excelente profissional.
À minha família: minha mãe, meu tudo, minha inspiração diária, minha
razão de ser feliz, uma mulher independente e cheia de garra, obrigado por me mostrar o
caminho da honestidade e da verdade. Meu pai, apaixonado pelo Direito, meu exemplo
de generosidade e competência, obrigado por me mostrar a beleza desta Ciência. Minha
irmã, minha protetora, meu amor, minha melhor amiga, pessoa que sempre vai estar ao
meu lado, não importa o que aconteça. Minha segunda mãe, Dorinha, que cuidou de
mim desde sempre e que, com sua delicadeza e sensibilidade, contribuiu
significativamente na formação da minha personalidade.
Ao Víctor e à Débora, o meu especial e sincero agradecimento, por
aceitarem de pronto meu convite de participar da Banca Examinadora desta monografia.
Sem nem mesmo me conhecerem, mostraram-se solícitos e simpáticos ao convite.
Muito obrigado.
Aos meus amigos de Santa Cecília, em especial Daniel, Felipe, Lucas
Barros, Lucas Pessoa e Lucas Sá, que cresceram comigo, participaram na escolha desta
profissão, e que tenho a certeza de torcerem pela minha felicidade. Vocês são os irmãos
que o Santa Cecília me deu.
Na Faculdade de Direito, tive o prazer enorme de integrar um grupo de
pessoas extremamente talentosas: Markim & Amigos. Sem vocês, os cinco anos de
Faculdade não teriam sido os mesmos. Amizades que levo para toda a vida.
Em especial, a Faculdade de Direito me proporcionou quatro anjos: Ana,
Eliz, Vanessa e Yorran. Ana, meu guia na faculdade, esteve ao meu lado nos momentos
felizes e tristes, nas minhas conquistas como aluno e como pessoa. Meu exemplo de
determinação e dedicação aos estudos. Uma guerreira, que não perde nunca a sua
delicadeza. Eliz, minha amiga especial, companheira de estudos na madrugada, minha
alegria diária. Ensinou-me mais do que assuntos meramente acadêmicos, ajudou-me na
formação como pessoa. Vanessa, minha amiga que será exemplo de estudo no
A todos que formam o Escritório Jurídico Alexandre Rodrigues de
Albuquerque, pela oportunidade de aprendizado como primeiro passo na vida
profissional da advocacia. Agradeço também a todos meus antigos chefes e colegas de
todos os estágios por quais passei – TCM-CE, TCU, AGU e PGE-CE -, que me trataram
como aprendiz, pela paciência e disponibilidade.
A todos os meus verdadeiros amigos, desde os de infância aos dos tempos
atuais – muitos ainda os mesmos – tanto pelo compartilhamento de momentos de dores
e angústias quanto os de felicidade e alegria. Desde os muito próximos até os colegas de
rotina, meus sinceros agradecimentos.
E a todas as demais pessoas que indiretamente contribuíram para a minha
“Somos nós que fazemos a vida como
der, ou puder, ou quiser.”
O presente estudo visa a analisar o fenômeno da dispensa coletiva como instituto pertencente ao Direito Coletivo do Trabalho. A intensificação das crises econômicas mundiais acabou por tornar cada vez mais constante a ocorrência deste fenômeno na seara trabalhista brasileira, fazendo-se necessário estabelecer um procedimento a ser observado pelos empregadores, ante a omissão da legislação brasileira quanto ao assunto. Nesse sentido, far-se-á, inicialmente, uma abordagem a partir dos princípios que embasam o Direito do Trabalho. Em seguida, serão feitas considerações a respeito da dispensa coletiva, com destaque para o tratamento dado pelo direito estrangeiro. Após, far-se-á uma análise detalhada da jurisprudência das principais cortes trabalhistas do Brasil, em especial a do Tribunal Superior do Trabalho sobre o assunto, com enfoque no julgamento proferido no Caso Embraer, em 2009, em sede do Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo nº TST-RODC-309/2009-000-15-00.4. Finalmente, será analisada a necessidade da negociação coletiva prévia, comparando-se as posições jurisprudenciais. A partir da descrição do fenômeno da dispensa coletiva, serão expostos argumentos que reforçam a necessidade de observância dos princípios do Direito Coletivo do Trabalho, de modo a demonstrar a necessidade da negociação coletiva prévia quando da ocorrência da dispensa coletiva.
The present study aims to analyze the phenomenon of collective dismissal as an institute belonging to the Collective Labour Law. The intensification of the global economic crises eventually made it more frequent the occurrence of this phenomenon in the Brazilian Labor System, making it necessary to establish a procedure to be observed by employers, given the failure of the Brazilian legislation on the subject. In this sense, one will make, initially, an approach based on the principles that underlie the Labor Law. Then we will have some considerations about the collective dismissal, highlighting the treatment given by foreign law. After, it will be made a detailed analysis of the jurisprudence of the main labor courts of Brazil, particularly in the Tribunal Superior do Trabalho on the subject, focusing on the judgment rendered in the case Embraer, in 2009, the seat of Recurso Ordinário (Ordinary Appeal) in Dissídio Coletivo No. TST-RODC-309/2009-000-15-00.4. Finally, one will analyze the need of prior collective bargaining, comparing the jurisprudential positions. From the description of the phenomenon of collective dismissal, it will be exposed arguments that reinforce the need for compliance with the principles of the Collective Labour Law, in order to demonstrate the necessity of prior collective bargaining upon the occurrence of collective dismissal.
1 INTRODUÇÃO ... 12
2 Princípios diretivos do Direito do Trabalho aplicáveis à dispensa coletiva ... 14
2.1 Considerações iniciais: da eficácia normativa dos princípios ... 15
2.2 Princípio da valorização da dignidade do trabalhador ... 16
2.3 Princípio da valorização do trabalho... 18
2.4 Princípio da Interveniência Sindical na Normatização Coletiva ... 19
2.5 Princípio da função social da propriedade e da empresa... 20
2.6 Outros princípios aplicáveis ao tema de estudo ... 21
2.6.1 Princípio da Preponderância do Interesse Coletivo sobre o Individual ... 22
2.6.2 Princípio da Busca do Equilíbrio Social ... 22
2.6.3 Princípio da Adequação ... 22
2.6.4 Princípio da boa-fé objetiva ... 24
2.6.5 Princípio da Proteção ... 25
3 Dispensa Coletiva: Conceito, Direito Comparado e Contextualização do Caso Embraer ... 27
3.1 Delimitação conceitual: distinção quanto à dispensa individual ... 27
3.2 Dispensa coletiva no direito comparado ... 30
3.2.1 Espanha ... 31
3.2.2 Portugal ... 33
3.2.3 França ... 34
3.2.4 A Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho ... 35
3.3 Contextualização do Caso Embraer ... 37
4 Análise jurisprudencial da premissa estabelecida no julgamento do Caso Embraer: A negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores ... 44
4.1 Posições favoráveis a sua admissibilidade ... 44
4.2 Posições contrárias a sua admissibilidade ... 50
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 54
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, mostra-se inegável a necessidade de se conceituar e de se traçar
limites à ocorrência da dispensa coletiva de trabalhadores. Com o agravamento das
grandes crises econômicas mundiais, surgiu um novo desafio: a proteção ao
trabalhador na ocorrência das dispensas em massa.
A dispensa coletiva, embora não esteja tipificada explícita e
minuciosamente no ordenamento pátrio, equivale a fato econômico, social e jurídico
diferente do instituto da despedida individual, pelo agravamento do infortúnio
provocado e pela expansão de seus efeitos, que deixam de ser restritos a alguns
trabalhadores e a seus familiares, atingindo, também, toda a comunidade empresarial,
trabalhista e até mesmo regional, abalando, ainda, o mercado econômico interno.
Ante a omissão da legislação brasileira quanto ao assunto, o Tribunal
Superior do Trabalho, motivado pelos princípios constitucionais do Direito do Trabalho,
decidiu pela necessidade de observância de um procedimento prévio à ocorrência da
dispensa coletiva de trabalhadores.
A partir do ano de 2009, em julgamento de dissídio coletivo, proferido no
histórico Caso Embraer, considerado leading case quanto à matéria tratada neste estudo,
entendeu a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria
de votos, a premissa de que a negociação coletiva prévia é imprescindível para a
dispensa em massa de trabalhadores.
A diferenciação jurídica existente entre as dispensas individuais e coletivas
foi enaltecida pela referido julgado, de modo que se enfatizasse a atenção especial pelo
texto constitucional dirigida às dispensas em massa de trabalhadores, constatados os
efeitos sociais e econômicos deste tipo de dispensa.
Desse modo, sob os fundamentos, especialmente, da dignidade da pessoa
humana e da valorização do trabalho e do emprego, o Tribunal trabalhista fixou a
invalidez das dispensas coletivas quando não negociadas com o sindicato dos
trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo.
Feitas tais considerações, o presente trabalho apresenta uma estrutura
organizacional pautada em capítulos, desenvolvendo a temática por meio da pesquisa
No capítulo um, procurar-se-á, primeiramente, conceituar os princípios
diretivos do Direito do Trabalho, com enfoque especial para os direitos fundamentais
nas relações de trabalho.
No capítulo dois, será abordada a conceituação doutrinária da dispensa
coletiva, com atenção especial ao tratamento desta matéria pelo direito estrangeiro, além
de uma análise detalhada do julgado TST-RODC-309/2009-000-15-00.4 sobre o
assunto.
Finalmente, no capítulo três, enfatizar-se-á o tema específico, qual seja, a
análise jurisprudencial da negociação coletiva prévia enquanto procedimento a ser
necessariamente adotado quando da ocorrência da demissão em massa de trabalhadores,
analisando-se as posições divergentes de nossos tribunais.
Assim, levando-se em conta que o instituto da dispensa coletiva não é
regulamentado pelo ordenamento pátrio, não obstante o crescimento de sua ocorrência
nas relações trabalhistas, e considerando ainda que o julgado parâmetro para este estudo
está com sua constitucionalidade sendo questionada perante o Supremo Tribunal
Federal, mostra-se pertinente analisar esse fenômeno no presente trabalho, colocando-se
2 PRINCÍPIOS DIRETIVOS DO DIREITO DO TRABALHO APLICÁVEIS À DISPENSA COLETIVA
As considerações iniciais sobre a temática devem privilegiar o fato de que
a ordem constitucional e infraconstitucional brasileira, a partir da Constituição de 1988
e de diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151,
ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral das dispensas trabalhistas
coletivas, diferentemente do que ocorre nas dispensas individuais, por se tratar de fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, “parte do Direito do Trabalho que trata coletivamente dos conflitos do trabalho e das formas de solução desses mesmos conflitos”.1
De fato, conforme os ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, “como a Constituição comanda o sistema jurídico, o direito do trabalho está subordinado aos
seus imperativos, que não podem ser afastados pela autonomia coletiva e individual, a não ser quando a própria Constituição o faculte”.2
As regras e os princípios constitucionais impõem o respeito à dignidade da
pessoa humana, a valorização do trabalho e especialmente do emprego3, a subordinação
da propriedade e da empresa à sua função socioambiental4 e a intervenção sindical nas
1 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5ª. ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 1289. 2
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 319.
3 Constituição Federal: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VIII - busca do pleno emprego;
4
Constituição Federal: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
questões coletivas trabalhistas5, de modo que se torna inevitável a distinção normativa
entre as dispensas individuais e as dispensas coletivas, que são social, política,
econômica e comunitariamente impactantes.
Na busca de delimitação do objeto do tema, deve-se erigir noções sobre
os principais princípios trabalhistas relacionados ao fenômeno da dispensa coletiva de
trabalhadores, de modo que se evidenciem suas importâncias na análise do requisito da
negociação coletiva prévia nos procedimentos de dispensa em massa, objeto central
deste estudo.
Os princípios consubstanciados na ordem jurídica brasileira – em especial
os reconhecidos pelo Estado nas relações laborais e, em específico, na despedida
coletiva – merecem, portanto, uma análise aprofundada quanto a sua dimensão,
aplicabilidade e efeitos, já que, salienta-se, inexiste no ordenamento jurídico pátrio,
legislação infraconstitucional regulamentando o tema proposto.
2.1Considerações iniciais: da eficácia normativa dos princípios
De modo a entender a importância dos princípios relacionados neste estudo,
necessário se faz demonstrar, mesmo que de maneira superficial, a eficácia normativa
dos mesmos.
Luís Roberto Barroso destaca que:
(...) a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípios, ou simplesmente normas-princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.6
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;
5 Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(...)
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
6 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação Constitucional Aplicada da Constituição. São Paulo:
Não se poderia deixar de citar Norberto Bobbio e sua conclusão de que “os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do
sistema (...). Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as
outras e esta é também a tese sustentada por Crisafulli”.7
Em seu estudo abrangendo as diversas fases e teorias sobre a eficácia
normativa dos princípios, Paulo Bonavides ensina:
A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que corresponde aos grandes momentos constituintes da última década do século XX. As novas constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.8
Desse modo, justificar a necessidade de negociação coletiva como requisito
para a validade da dispensa coletiva tomando por base os diversos princípios diretivos
do Direito do Trabalho, sejam eles constitucionais ou não, é válido, já que:
(...) a partir da ideia da normatização dos princípios que protegem os valores magnos da sociedade moderna, não é exagero sustentar que os princípios juntamente com as regras e a argumentação jurídica fazem parte do gênero norma. Os princípios devem ser encarados hierarquicamente como norma jurídica, garantindo-lhes, pelo menos, o mesmo grau de importância das regras legais nesta nova hermenêutica constitucional.9
A eficácia normativa e instrumental dos princípios lastreia, em
consequência destes serem verdadeiras normas jurídicas, a análise da necessidade ou
não de adoção da negociação coletiva prévia em caso de dispensa em massa de
trabalhadores.
2.2 Princípio da valorização da dignidade do trabalhador
O Estado Democrático de Direito brasileiro reconhece o direito à dignidade
da pessoa humana como próprio fundamento da ordem democrática do País, conforme
7
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 7. ed., UnB, 1996, p. 191.
8 BONAVIDES, Paulo. Curso do Direito Constitucional. 28a. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2013,
p.273.
9 SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. 15ª Região. Dissídio Coletivo. n.
dispõe o artigo 1º, III, da Carta Magna10, de modo a “efetivar seu caráter deontológico e
compatibilizá-lo com o requisito de manter íntegro o sistema de direito”.11
Central no ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da dignidade do ser
humano não poderia ser afastada das relações trabalhistas, pois, conforme leciona
Amauri Mascaro Nascimento, “a proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é
questão de respeito ao ser humano, o que leva o direito a protegê-la, a garanti-la e a
vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação, inclusive na esfera dos direitos sociais”.12
No mesmo sentido são os ensinamentos de Arion Sayão Romita, ao
defender:
(...) por ter a Constituição de 1988 elevado a dignidade da pessoa humana à categoria de valor supremo e fundante de todo o ordenamento brasileiro, é fácil atribuir aos direitos sociais a característica de manifestações dos direitos fundamentais de liberdade e de igualdade material porque, encarados em sua vertente prestacional (direitos a prestações não só jurídicas mas também fáticas), tais direitos têm por objetivo assegurar ao trabalhador proteção com necessidades de ordem material, além de uma existência digna.13
Por essa linha de raciocínio, o Tribunal Superior do Trabalho chegou à
conclusão de que:
(...) na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por consequência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em consequência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa
de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de
10
Constituição Federal: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
11 PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. O princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Perspectiva
do Direito como Integridade. São Paulo: LTr, 2009, p. 33/34.
12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011,
p. 462.
13 ROMITA, Aryon Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. 3ª Ed., São Paulo: LTr,
trabalhadores”.14
Vê-se, pois, a inafastabilidade do referido princípio das relações
trabalhistas, motivo pelo qual toda e qualquer conduta deve estar pautada pela
valorização da dignidade do trabalhador, que, na esfera das relações de trabalho, tem
seu ápice na adoção de condutas menos gravosas ao obreiro. Nesse sentido, mais do que
acertada a fixação da premissa de que a negociação coletiva prévia é fundamental para a
dispensa coletiva de trabalhadores.
2.3 Princípio da valorização do trabalho
O princípio da valorização social do trabalho está intimamente ligado com o
da dignidade da pessoa humana, na medida em que o trabalho humano é o meio do qual
dispõe o trabalhador para buscar o seu sustento e o de sua família, sendo, por meio de
sua atividade laboral, que:
(...) o homem é reconhecido como trabalhador no seio familiar e perante as mais diversas classes da sociedade, pois mantém sua sobrevivência através do trabalho e se insere na cadeia contributiva do Estado e do mercado financeiro, contribuindo com o pagamento de impostos e com o consumo de bens e serviços.15
O referido princípio, acertadamente, foi reconhecido expressamente pelo
texto de Constituição Federal de 1988, no Título dos Direitos Fundamentais da
República, da Ordem Econômica e Financeira, bem como no Título da Ordem Social,
tendo esta como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça
social.
Nesse sentido, ante a inércia do legislador em regulamentar as
consequências e sanções previstas no caso de dispensa coletiva, torna-se imperioso a
aplicação dos princípios previstos constitucionalmente, destacadamente a valorização
do trabalho humano, já que, conforme prevê a própria Carta Magna, trata-se de
14 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. n. 0030900-
12.2009.5.15.000. Relator: Min. Mauricio Godinho Delgado. Plenário. Data do julgamento: 10/08/2009. DEJT: 04/09/2009.
15 DOS SANTOS, Ariane Joice. Crise Econômica e Despedida Coletiva: O Direito Trabalhista
fundamento da ordem econômica, e tem, entre seus princípios, a busca do pleno
emprego.
Assim, a busca pelo pleno emprego e a valorização do trabalho humano
constituem garantias do Estado democrático de direito para se alcançar o equilíbrio na
relação capital e trabalho, razão pela qual emergem como fundamentos para se justificar
a necessidade de negociação coletiva prévia em ato tão gravoso aos trabalhadores: a
dispensa coletiva.
2.4Princípio da Interveniência Sindical na Normatização Coletiva
Como matéria inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, o Tribunal Superior
do Trabalho destacou:
(...) atuação obreira na questão está fundamentalmente restrita às entidades sindicais, que devem representar os trabalhadores, defendendo os seus interesses perante a empresa, de modo que a situação se resolva de maneira menos gravosa para os trabalhadores, que são, claramente, a parte menos privilegiada da relação trabalhista.16
A dispensa coletiva, conforme já salientado, é questão massiva, inerente aos
poderes da negociação coletiva trabalhista, a qual exige, pela Constituição Federal, a
necessária participação dos sindicatos, pois cabe a estes a defesa dos direitos e
interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas.
Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, “o princípio da interveniência
sindical na normatização coletiva propõe que a validade do processo negocial coletivo
submeta-se à necessária intervenção do ser coletivo institucionalizado obreiro – no caso
brasileiro, o sindicato”.17
O autor complementa ainda, ao abordar o referido princípio:
A presente diretriz atua, pois, como verdadeiro princípio de resistência trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a
16
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. n. 0030900- 12.2009.5.15.000. Relator: Min. Mauricio Godinho Delgado. Plenário. Data do julgamento: 10/08/2009. DEJT: 04/09/2009.
17
particulares o poderoso veículo de criação de normas jurídicas (e não simples cláusulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial.18
Inegável, na ocorrência da dispensa coletiva, a constituição de condições
amplamente gravosas para os trabalhadores e para a suas famílias, razão pela qual surge
a necessidade de atuação dos sindicatos para que os interesses sociais dessas pessoas
sejam resguardados.
2.5Princípio da função social da propriedade e da empresa
Indiscutível que a Constituição Federal de 1988 atribuiu nova dimensão à
relação existente entre a propriedade privada e a sua função social, não sendo mais
permitido ao particular o exercício do direito de propriedade de forma absoluta, já que,
assim como os demais direitos fundamentais, existe uma necessidade de ponderação
entre o interesse individual e o interesse da comunidade.19
Nesse sentido, Ariane Joice dos Santos destaca que:
Vale ressaltar que o empregador – em atendimento a todos esses princípios
– exerce o seu poder de organização e direção, pois detém a prerrogativa de organizar o sistema de produção de bens e serviços e de dirigir a prestação pessoal de serviços, manifestando sua capacidade de exercer o poder hierárquico. As decisões tomadas em tal plano dizem respeito ao poder potestativo a ele conferido, cujo direito é exercitado sem possibilidade de objeção da parte contrária.
Não obstante, admitindo a tese de que a proteção e garantia do sistema capitalista é direito fundamental nas mesmas condições que os direitos e garantias individuais, é indiscutível que essa proteção também não pode ser exercida de forma absoluta, pois encontra limites nos direitos fundamentais laborais.20
Para Fábio Konder Comparato:
(...) a empresa atua para atender não somente os interesses dos sócios, mas
18
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 1335.
19
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet e MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 6a. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 439.
20
DOS SANTOS, Ariane Joice. Crise Econômica e Despedida Coletiva: O Direito Trabalhista
também os da coletividade, e que função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva. (...) em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos.21
Assim, inevitável a conclusão de que, ao dispensar inúmeros trabalhadores
sem prévia negociação coletiva, tal ato constitui abuso de direito, nos termos do art. 187
do Código Civil, já que a empresa excede os limites impostos pelo seu fim social e
econômico e pela boa-fé, tendo seu ato possibilidade de causar sérias consequências não
apenas para os diretamente envolvidos como também para a coletividade.
Há de se destacar que o ideário do valor social do trabalho, da dignidade da
pessoa humana e da livre iniciativa associa-se a outro valor, que é a função social da
propriedade (art. 5º, XXIII), que incorpora necessariamente a ideia da função social da
empresa.22
2.6Outros princípios aplicáveis ao tema de estudo
A necessidade da negociação coletiva prévia pode ser explicada pelos
próprios princípios inerentes ao Direito Coletivo do Trabalho. Como instituto
pertencente a este ramo do direito, a dispensa coletiva atrai a negociação coletiva, por
ser esta a base de representação da coletividade dos trabalhadores na defesa de seus
interesses.
E, à medida que atraia a negociação coletiva, inafastáveis são os princípios
que contornam, direta ou indiretamente, os próprios parâmetros da negociação coletiva
trabalhista.23
21
COMPARATO, Fabio Konder. Empresa e função social. São Paulo: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 85, n. 732, out. 1996, p. 43-44.
22
PANCOTTI, José Antônio. Aspectos jurídicos das dispensas coletivas no Brasil. Revista LTr, São Paulo, n. 35, 2009, p. 43.
23
2.6.1 Princípio da Preponderância do Interesse Coletivo sobre o Individual
Como instituto essencialmente pertencente ao Direito Coletivo do Trabalho,
a dispensa coletiva deve se pautar pela lógica de que o interesse coletivo deve
prevalecer sobre o particular, razão pela qual a livre dispensa em massa promovida pelo
empregador afrontaria diretamente os princípios regentes do Direito Coletivo do
Trabalho, que se preocupa com a condição social do trabalhador. Para tanto, nas
palavras de Vólia Bomfim Cassar, a vontade da maioria (trabalhadores) prevalece sobre
os interesses da minoria (empregador).
Continua a autora afirmando que “este critério retrata o princípio da
solidariedade social da coletividade conjugado com o da democracia interna, pois a
solução é tomada no interesse do grupo, de acordo com o que for, naquele momento, melhor”.24
2.6.2 Princípio da Busca do Equilíbrio Social
Na ocorrência da dispensa coletiva, percebe-se a constituição de condições
amplamente gravosas para os trabalhadores e para suas famílias, razão pela qual surge a
necessidade de atuação dos sindicatos para que os interesses sociais dessas pessoas
sejam resguardados.
Assim, ante a “evidente desigualdade jurídica e patrimonial, a negociação coletiva tem como a finalidade buscar o equilíbrio destes dois lados desiguais na
balança, pondo fim ao conflito e pacificando a coletividade”25, sendo inafastável, pois,
na ocorrência da dispensa em massa dos trabalhadores.
Portanto, justificável a imprescindibilidade da negociação coletiva prévia
ante os casos de ocorrência da dispensa em massa, visto que é inevitável a quebra da
harmonia que deve existir entre trabalho e capital nas ocorrências do instituto aqui
estudado.
2.6.3 Princípio da Adequação
24 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5ª. ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 1290/1291.
25
É sabido que a finalidade da negociação coletiva é a de adequar os direitos
trabalhistas a cada categoria, diante, por exemplo, de uma crise econômica vivenciada
por determinada empresa empregadora.
Vólia Bomfim Cassar esclarece que “quando uma empresa estiver passando dificuldades financeiras, a finalidade da negociação coletiva será a de reduzir direitos privados antes garantidos à categoria, para se evitar a despedida coletiva”.26
Fácil observar esse princípio quando se analisa um outro, o da
irredutibilidade salarial. É que, nos termos do art. 7, VI, da Constituição Federal, o
salário dos trabalhadores é irredutível, salvo acordo ou negociação coletiva.
Sobre o referido princípio da intangibilidade salarial, Maurício Godinho
Delgado leciona:
O atual princípio justrabalhista projeta-se em distintas direções: garantia do valor do salário; garantias contra mudanças contratuais e normativas que provoquem a redução do salário (aqui o princípio examinado se identifica pela expressão princípio da irredutibilidade salarial, englobando-se também, de certo modo, o princípio da inalterabilidade contratual lesiva); garantias contra práticas que prejudiquem seu efetivo montante – trata-se dos problemas jurídicos envolventes aos descontos no salário do empregado (o princípio aqui também tende a se particularizar em uma denominação diferente: princípio da integralidade salarial); finalmente, garantias contra interesses contrapostos contra credores diversos, sejam do empregador, sejam do próprio empregado.27
Temos aqui um exemplo clássico do princípio da adequação, na medida em
que a redução dos salários em época de crises visando à preservação dos empregos se dá
por meio de negociação coletiva.
Como consequência, diante da premissa de quem pode o mais pode o
menos, se para que haja uma redução nos salários dos empregados exige-se a
negociação coletiva, o que dizer para o caso de dispensa, situação bem mais gravosa
para o trabalhador do que quando da ocorrência de redução de seu salário.
Assim, por conta do princípio em tela e da premissa supracitada, não é outra
a conclusão senão aquela que leva à necessidade do instituto da negociação coletiva
quando da ocorrência da dispensa em massa dos trabalhadores, sob pena de configurar
26
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5ª. ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 1292.
27
abuso do poder econômico, já que não se pode reconhecer discricionariedade ilimitada
do empregador para as demissões coletivas, sem que haja uma ampla negociação com
os entes sindicais respectivos, sob pena de transformar-se em arbitrariedade.
2.6.4 Princípio da boa-fé objetiva
É de amplo conhecimento que as relações contratuais – e aqui se relembra
que as relações de emprego são eminentemente contratuais – devem ser pautadas pela
boa-fé objetiva e pelos institutos resultantes de seus desdobramentos. Desse modo, a
boa-fé objetiva toma contornos de cláusula geral, assumindo a função de realizar
efetivamente a justiça contratual ante o tentame de vaticinar condutas que são, por
natureza, imprevisíveis.
Aplicável ao direito trabalhista, Vólia Cassar Bomfim afirma que a “boa-fé
deve estar presente no ato da contratação, na execução e na extinção do contrato de
trabalho. Desta forma, todo ato praticado com má-fé deve ser punido pela abusividade
(art. 187 do CC) e repelido pelo direito (declarado nulo)”.28
Continua a jurista afirmando que a boa-fé objetiva “determina um modelo
de conduta, de forma que cada pessoa deva agir de forma ética, com caráter reto, com
honestidade, lealdade e probidade. Traduz-se em um dever de agir de acordo com
determinados padrões sociais reconhecidos como ideais, corretos, retos. Leva-se em
conta os fatores concretos do caso e não a vontade do agente”.29
Como se depreende dos ensinamentos acima mencionados, a boa-fé objetiva
deve pautar a extinção do contrato, sobremaneira a extinção coletiva deste. Neste
contexto, a ausência de negociação coletiva nas dispensas coletivas pode implicar falta
de lealdade da conduta, na medida em que não se procura minimizar os efeitos
decorrentes das demissões, lesando sobremaneira uma das partes dessa forma de
extinção (trabalhadores).
Na ausência de negociação coletiva, a dispensa pode configurar afronta à
boa-fé objetiva, constituindo abuso de direito, nos termos do art. 187 do Código Civil,
já que o empregador excede os limites impostos pelo seu fim social e econômico e pela
28
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5ª. ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 247.
29
boa-fé, tendo seu ato a possibilidade de causar sérias consequências não apenas para os
diretamente envolvidos como também para a sociedade como um todo.
2.6.5 Princípio da Proteção
Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, o princípio da proteção
informa que:
(...) o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.30
No presente estudo, o referido princípio será tomado na sua vertente de
proteção contra a despedida injustificada, já que pelo art. 7º, inciso I, da Constituição de 1988, constitui direito dos trabalhadores rurais e urbanos “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Quanto às dispensas coletivas, tomando por base todos os outros princípios
acima mencionados e ainda o da proteção, não poderia o trabalhador quedar-se
prejudicado pela omissão legislativa, sob pena de se sobrepor a inércia do legislador
sobre a proteção que deve existir para com o trabalhador, parte hipossuficiente da
relação de trabalho.
Além do mais, estabelecer a necessidade de negociação coletiva prévia para
a ocorrência da despedida coletiva iria ao encontro do presente princípio, já que, nas
palavras de Arion Sayão Romita:
(...) a proteção contra a despedida arbitrária é a rede de segurança armada pelo ordenamento jurídico com o fim de proibir o empregador de despedir o empregado ou mitigar os prejuízos por este sofridos quando dispensado, num e noutro caso fora das hipóteses autorizadas pelas fontes formais do Direito do Trabalho. Abrange qualquer tipo de medida que tenha por finalidade impedir ou dificultar o término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador: no primeiro caso (impedir), a fonte (lei ou convenção coletiva) prevê a estabilidade; no segundo caso (dificuldade), a fonte impõe ao empregador a obrigação de dar aviso prévio ao empregado,
30
pagar-lhe indenização, etc.31
Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho se pronunciou no sentido de
que:
(...) a inércia do legislador em regulamentar as consequências e sanções previstas no caso de dispensa coletiva não pode impedir a aplicação de direitos previstos constitucionalmente, como estabelecido no já citado art. 7º, I, além de outros, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, que são fundamentos da República. A Carta Magna prevê, ainda, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, e tem, entre seus princípios, a busca do pleno emprego.32
O princípio da proteção vem, portanto, ratificar a incidência de todos os
demais princípios aqui mencionados, de forma a garantir a legitimidade na exigência da
negociação coletiva prévia nas dispensas em massa de trabalhadores.
31
ROMITA, Aryon Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. 3ª Ed., São Paulo: LTr, 2009, p. 385
32
3 DISPENSA COLETIVA: CONCEITO, DIREITO COMPARADO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO CASO EMBRAER
O fenômeno da dispensa em massa de trabalhadores aparece como
consequência do agravamento das crises econômicas mundiais que acontecem de forma
recorrente nos últimos anos.
Em especial, a crise dos Estados Unidos trouxe consequências econômicas
severas para o mundo inteiro, inclusive para o Brasil. Ainda, “para piorar a situação,
empresas de todas as partes do mundo foram atraídas a investir em bancos e seguradoras
norte-americanas, para isso, desviaram parte de seus ativos vinculados à produção. A
quebra daquelas instituições financeiras criou maiores dificuldades para o setor produtivo”.33
As dificuldades no setor produtivo fizeram com que as empresas buscassem
meios para superar os revezes macroeconômicos, já que a retração do mercado mundial
foi inevitável, momento em que o fenômeno apresentado neste estudo ganha relevância.
Como o direito positivo brasileiro não tratou das dispensas coletivas, não
existe nenhuma passagem normativa que as defina, o que levou a doutrina a tentar
formular uma definição. Não obstante, merece destaque também como o direito
estrangeiro abordou o presente instituto, em especial a previsão para a negociação
coletiva prévia, de modo a achar a sua compatibilidade com a realidade jurídica
brasileira.
Por fim, será analisado o presente instituto sob a ótica do julgado
TST-RODC-309/2009-000-15-00.4, no qual se estabeleceu a premissa de que a negociação
coletiva prévia é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores.
3.1Delimitação conceitual: distinção quanto à dispensa individual
De início, pode-se atribuir à dispensa coletiva a ideia de uma despedida que
atinge um número significativo de trabalhadores, sendo que, para todos eles, haja uma
mesma causa para o término do contrato de trabalho.
33
Muito embora o nosso ordenamento seja omisso quanto a sua conceituação,
as primeiras tentativas de se definir o fenômeno em estudo datam de mais de trinta anos,
conforme obra de Orlando Gomes, que afirmou:
Dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados. Dois traços caracterizam a dispensa coletiva, permitindo distingui-la da dispensa plúrima. São:
a - a peculiaridade da causa;
b - a redução definitiva do quadro do pessoal.
Na dispensa coletiva é única e exclusiva a causa determinante. O empregador, compelido a dispensar certo número de empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não pessoais, como a lotação em certa seção ou departamento da empresa, a qualificação profissional, ou o tempo de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa.
A finalidade do empregador ao cometer a dispensa coletiva não é abrir vagas ou diminuir, por certo tempo, o número de empregados. Seu desígnio é, ao contrário, reduzir definitivamente o quadro de pessoal. Os empregados dispensados não são substituídos, ou porque se tornaram desnecessários ou porque não tem a empresa condições de conservá-los.
A exigência da reunião desses elementos de caracterização da dispensa coletiva facilita sua distinção da dispensa ou despedida plúrima.34
Desse modo, é fácil a conclusão de que a “dispensa coletiva não é forma de dispensa individual plúrima, porque nesta, para cada demitido, pode haver causa
diferente e normalmente tem o propósito de substituição do demitido por outro empregado”.35
Conforme já se destacou, como forma de atenuar os efeitos econômicos
sofridos em épocas de crises econômicas, a dispensa coletiva não tem o propósito de
substituição de mão-de-obra que a dispensa plúrima tem, mas principalmente visa a
redução de custos.
A diferença entre a dispensa individual e coletiva encontra-se definida por
Maurício Godinho Delgado, ao afirmar:
A despedida individual é a que envolve um único trabalhador, ou que, mesmo atingindo diferentes empregados, não configura ato demissional grupal, ou uma prática maciça de rupturas contratuais (o chamado lay-off).
34
GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa. Revista LTr, São Paulo, v. 38, n. 7, jul. 1974, p. 575-579.
35
A ocorrência de mais de uma dispensa em determinada empresa ou estabelecimento não configura, desse modo, por si somente, despedida coletiva: pode tratar-se de um número disperso de dispensas individuais. Já a despedida coletiva atinge um grupo significativo de trabalhadores vinculados ao respectivo estabelecimento ou empresa, configurando uma prática maciça de rupturas contratuais (lay-off).36
Complementando os ensinamentos acima mencionados, Renato Rua de
Almeida ratifica:
A despedida individual justifica-se por fato de natureza disciplinar (justa causa) imputável ao empregado ou por inaptidão profissional às mudanças técnicas da empresa. Já a despedida coletiva é arbitrária ou não, dependendo da existência comprovada de fato objetivo relacionado à empresa, causado por motivo de ordem econômico-conjuntural ou técnico- estrutural.37
Vê-se, pois, que a construção do conceito de dispensa coletiva no universo
jurídico pátrio parte de formulações doutrinárias, ante, reforça-se, a omissão legislativa
quanto ao tema.
O principal traço jurídico distintivo entre as formas de dispensa mencionada
está, conforme leciona Amauri Mascaro Nascimento, na natureza de ato instantâneo da
dispensa individual e de ato sucessivo da coletiva. Nesse sentido:
Quanto à dispensa coletiva, o principal traço jurídico distintivo da individual está na natureza do ato instantâneo desta e de ato sucessivo naquela, na forma em que prevê a Convenção 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que define um modelo de procedimento em várias e sucessivas etapas, a começar de um programa de dispensas, de modo a preservar os trabalhadores em determinada situação - como os mais antigos etc. – seguindo-se a verificação da possibilidade de alternativas, como a suspensão coletiva do trabalho por um prazo, um aviso prévio prolongado e outras, que podem diversificar-se em cada situação concreta.38
A importância da referida diferenciação, eminentemente jurídica, surge na
medida em que se buscará demonstrar que as dispensas massivas são regidas de modo
normativo diferente das dispensas meramente individuais, atraindo as consequências
36
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 1175.
37
ALMEIDA, Renato Rua. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção
da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTr, São Paulo, v. 71,
n. 03, mar. 2007, p. 336.
38
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Crise econômica, despedimentos e alternativas para a
jurídicas de sua regência normativa específica, em especial a adoção de um
procedimento prévio, com enfoque na necessidade da negociação coletiva prévia para a
legitimidade das dispensas em massa.
A dispensa coletiva, portanto, é fato completamente distinto da dispensa
individual em sua estrutura, dimensão, profundidade, efeitos, impactos e repercussões,
razão pela qual deve ter tratamento jurídico diferenciado.
3.2 Dispensa coletiva no direito comparado
Na legislação estrangeira, a importância das normas de proteção aos
trabalhadores na ocorrência das dispensas coletivas é salientada sobretudo na Europa,
onde além de haver regras específicas da Comunidade Europeia sobre o tema, os países
que integram o bloco têm sua própria legislação, que acaba por complementar o aparato
legislativo referente às dispensas coletivas.
Saliente ressaltar, inicialmente:
(...) as dispensas coletivas no ordenamento jurídico da União Europeia seguem diretrizes uniformes em todos os Estados que a integram de acordo com as Diretivas 75/129/CEE, de 17 de fevereiro de 1975, e 92/56/CEE39, de 24 de junho de 1992, que se harmonizam com as diretrizes da Convenção. A política trabalhista da União Europeia tem por finalidade reforçar a proteção dos trabalhadores nos casos de dispensas coletivas, tendo em vista a necessidade de um desenvolvimento equilibrado na Comunidade.40
As Diretivas mencionadas estabelecem um procedimento prévio de consulta
às representações de trabalhadores, com a finalidade de chegar a um acordo para evitar
ou atenuar as consequências da dispensa e prever medidas sociais de acompanhamento,
especialmente a ajuda para a reinserção no mercado de trabalho dos trabalhadores
atingidos.
Nas palavras de Nelson Mannrich: “fora da Comunidade Europeia, é rara a
legislação relativa à dispensa coletiva e, na América Latina, a Argentina é um dos
poucos países, que adotou regras específicas a respeito, inspirando-se no modelo
39
Diretivas são normas internas para toda a União Europeia, aprovadas pelo seu Parlamento e de aplicação obrigatória, inclusive pela aplicação dos tribunais de cada país.
40
implantado na Espanha”41
, razão pela qual o presente estudo priorizará o tratamento do
assunto apenas em países europeus.
As legislações espanhola, portuguesa e francesa serão analisadas visto que
elaboradas na visão contemporânea do Direito do Trabalho, bem como por se
encontrarem num patamar mais avançado ao da legislação brasileira no tocante à
proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa, além de
que são legislações mais próximas da brasileira, pois pertencem à família
romano-germânica do direito e apresentam consequências jurídicas da despedida individual
declarada nula ou ilícita.42
3.2.1 Espanha
Nesse país ibérico, a regulamentação das dispensas coletivas optou pelo
modelo numérico, segundo qual se caracteriza a dispensa coletiva quando for alcançado determinado número de trabalhadores. Na Espanha, o “estudo da dispensa coletiva está profundamente vinculado ao regime da dispensa individual. Na verdade, o regime da
dispensa coletiva constitui, na Espanha, um aperfeiçoamento do sistema mais antigo, o das dispensas individuais”.43
A legislação espanhola estabelece procedimentos distintos em face da
dispensa individual e da coletiva. Como as dispensas coletivas dizem respeito a toda a coletividade, “a efetivação desse tipo de dispensa, devido a sua dimensão social, requer a observância do procedimento traçado em lei, que prevê a oitiva dos representantes legais dos trabalhadores e autorização administrativa”.44
Conforme mencionado, por ser adepta ao modelo numérico, na Espanha, a
dispensa coletiva, nos termos do artigo 51 de sua Ley del Estatuto de los Trabajadores, é
fundada em causas econômicas, técnicas, organizativas ou de produção, quando, em um
41
MANNRICH, Nelson. Dispensa Coletiva. Da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000, p.23.
42 ALMEIDA, Renato Rua. O regime geral do direito do trabalho contemporâneo sobre a proteção
da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa: estudo comparado entre a legislação brasileira e as legislações portuguesa, espanhola e francesa. Revista LTr, São Paulo, v. 71,
n. 03, mar. 2007, p. 337.
43
MANNRICH, Nelson. Dispensa Coletiva. Da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000, p. 110.
44
período noventa dias, a ruptura contratual afetar pelo menos dez trabalhadores em
empresas que ocupem menos de cem; 10% do número de empregados de empresa que
ocupe entre cem e trezentos trabalhadores; e trinta trabalhadores nas empresas que
ocupem trezentos ou mais.45
Além disso, complementa Amauri Mascaro Nascimento:
2) entende-se que existem as causas de dispensa coletiva quando esta é destinada a superar uma situação econômica negativa da empresa, organizativa da produção, que garanta a viabilidade futura da empresa e do emprego por meio de uma organização mais adequada dos recursos; 3) entende-se como coletiva, também, a dispensa que afete a totalidade do pessoal, sempre que o número de atingidos seja superior a cinco, presentes as causas já apontadas; 4) a empresa deve solicitar autorização para as dispensas por meio de um procedimento, que terá início mediante solicitação à autoridade competente de abertura de um período de consultas com os representantes dos trabalhadores; 5) essa solicitação deve ser acompanhada de toda a documentação necessária para a justificação da dispensa; 6) recebido o pedido, a autoridade competente verificará se estão presentes todos os requisitos necessários, ordenando, em caso contrário, que sejam completados os documentos; 7) a referida autoridade comunicará à entidade gestora do seguro-desemprego o início do expediente; 8) durante o desenvolvimento da fase de consulta as partes poderão chegar a um acordo, a uma decisão arbitral, na forma prevista nos contratos coletivos, ou resolução da autoridade administrativa, que, ao comprovar a existência de causa econômica, técnica, organizativa ou da produção e a viabilidade do plano, autorizará o empresário a extinguir os contratos de trabalho; 9) os representantes dos trabalhadores terão prioridade de permanência na empresa; 10) a indenização devida pela empresa pelas dispensas corresponderá a vinte dias de salários por ano de serviço até o máximo de doze mensalidades, reduzida para 40% do valor nas empresas com menos de vinte e cinco trabalhadores.46
Vê-se, pois, que o ordenamento jurídico espanhol prevê que, para que seja
legítima a dispensa coletiva efetuada, deve haver a consulta ao representante dos
trabalhadores de forma prévia. Nesse sentido, Nelson Mannrich afirma:
O empregador comunicará, por escrito, aos representantes dos trabalhadores, a abertura do período de consultas, de duração não inferior a trinta dias corridos, ou quinze, no caso de empresas com menos de cinquenta trabalhadores. O artigo 8.1 do Real Decreto n. 43/1996 autoriza a extensão do referido período, durante o qual verificar-se-ão se as alegações empresarias procedem relativamente à existência de causas econômicas, técnicas, de produção e organizativas. Também constitui objeto da consulta a elaboração de propostas alternativas à dispensa, podendo as partes acordarem medidas de menor impacto, como redução da jornada,
45
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1183.
46
implantação de turnos de trabalho, suspensão do contrato e outras. O legislador assim se expressa a respeito:
Deverá versar sobre as causas motivadoras do expediente e a possibilidade de evitar ou reduzir seus efeitos, assim como sobre as medidas necessárias para atenuar suas consequências para os trabalhadores afetados e possibilitar a continuidade e viabilidade do projeto empresarial.47
Na legislação espanhola, a negociação coletiva prévia às dispensa em massa
constitui meio para se atenuar as consequências gravosas resultantes deste tipo de
despedida aos trabalhadores.
3.2.2 Portugal
Em Portugal, a Lei n. 7/2009, art. 359, constitui regra para as dispensas
coletivas. Luíz Manuel Teles de Menezes Leitão48 explica que, nas dispensas coletivas,
é assegurado o direito a uma compensação financeira de um mês de salário por ano de
serviço, no mínimo de três meses de salário, e a um aviso prévio de sessenta dias.
O procedimento inicia-se com a comunicação às autoridades e aos
sindicatos da pretensão de despedir. Seguem-se a troca de informações e negociações do
empregador com as entidades sindicais profissionais, com vistas a um acordo acerca da
dimensão e dos efeitos das dispensas, da adoção de medidas suaves, como redução de
pessoal ou suspensão do trabalho, conversão e reclassificação profissional, com
mediação de órgãos públicos. Não havendo acordo, deflagra-se o processo de
demissões, mediante aviso prévio indicando o motivo e o valor da indenização, a forma
e o lugar do pagamento.
Além disso, o Código de Trabalho de 2003, em seus artigos 419 a 422,
disciplina o procedimento de despedimentos coletivos, que se desenvolve em quatro
partes, explicadas por Amauri Mascaro Nascimento:
Primeira, as comunicações escritas e obrigatórias, do empregador à representação dos trabalhadores, com cópia para o Ministério, ou, à sua falta, às comissões sindicais da empresa e, na falta dessas entidades, a cada um dos trabalhadores, que podem criar uma comissão que os represente. As comunicações devem ser acompanhadas de descrição dos motivos do
47 MANNRICH, Nelson. Dispensa Coletiva. Da liberdade contratual à responsabilidade social. São
Paulo: LTr, 2000, p. 110.
48 LEITÃO, Luiz Manuel Teles de Menezes. Direito do trabalho. Lisboa: Ed. Almedina, 2008,
despedimento, quadro de pessoal por setores organizacionais da empresa, critérios de seleção para as dispensas, número de trabalhadores a serem despedidos, categorias profissionais abrangidas, período de duração da fase de despedimento coletivo e vantagens a mais a serem concedidas, além da indenização legal ou do contrato coletivo.
Segunda, as informações e a negociação, nos dez dias posteriores à data da comunicação, visando a um acordo ou à adoção de outras medidas, entre as quais a suspensão do contrato de trabalho, a redução da jornada, a reconversão e a requalificação profissional e as reformas ou pré-reformas. Terceira, a intervenção do Ministério responsável pela área, que participa do procedimento visando superar as dificuldades e tentar conciliação, e, a pedido de qualquer das partes ou das entidades acima referidas, dos serviços regionais de emprego, da formação profissional e da seguridade social para soluções de suas respectivas áreas.
Quarta, a decisão com o acordo ou, à sua falta, a comunicação de dispensa a cada empregado pelo empregador, com menção expressa do motivo e da data da cessação do contrato, montante de compensação, forma e lugar do pagamento, com cópia para o Ministério e para a representação dos trabalhadores.49
Vê-se, portanto, que o ordenamento jurídico português impõe, como
primeira etapa a legitimar a dispensa coletiva, a notificação escrita do sindicato dos
trabalhadores e do respectivo órgão ministerial competente chamado Ministério do
Emprego e Solidariedade Social. Caso não haja sindicato representativo, a notificação
tem que dirigida a cada trabalhador potencialmente afetado e estes dentro do prazo de
dias poderão constituir um Comitê para sua representação.
E o mais importante para os fins deste estudo: a efetivação das dispensas
coletivas pressupõe a observância obrigatória de várias etapas num sistema bilateral de
diálogos entre o empregador e os empregados, ou quem os representa.
3.2.3 França
Partindo da premissa de que o modelo francês se apega à concepção de
despedida por motivo econômico, o ordenamento jurídico desse país trouxe a
definição legal para a ocorrência da dispensa coletiva, correspondendo:
(...) àquela efetuada por um empregador, por um ou vários motivos, não inerentes à pessoa do empregado, resultante da supressão ou transformação do emprego ou de modificação substancial do contrato de trabalho, como consequências notórias de dificuldades econômicas ou de transformações tecnológicas. O legislador adotou a fórmula da Diretiva comunitária, de
49
17.2.1975, relativa às despedidas coletivas.50
A legislação do referido país, quando da constatação deste tipo de dispensa,
prevê um procedimento a ser necessariamente observado, consistindo um plano a ser
apresentado por um perito contábil aos representantes dos empregados, mostrando o
estado econômico da empresa. A partir deste momento se iniciará as negociações entre
as partes, e o órgão administrativo competente participará de perto deste procedimento,
mas não de forma intrusiva e sim com o intuito fiscalizatório das causas reais para
dispensa, os motivos econômicos.
Nesse sentido, são as palavras de Amauri Mascaro Nascimento:
Tem início com a elaboração, pela empresa, de um plano de dispensas, a reunião com os representantes do pessoal, participação de um perito contábil remunerado pela empresa para esclarecer questões técnicas sobre a situação econômica da empresa, um período de reflexão previsto no acordo nacional interprofissional de segurança do emprego de 1969, o envio de cartas de dispensa após o decurso do período, medidas sociais de acompanhamento aos trabalhadores atingidos, que podem prever diversas alternativas e providências paralelas — redução da jornada, trabalho em tempo parcial, conversão por acordo da dispensa em suspensão do contrato de trabalho e por um período que pode ir de quatro a dez meses e com pagamento de 65% dos salários pelo Fundo Nacional de Emprego —, reciclagem profissional, ajuda para a procura de novo emprego, preservação dos mais idosos, aviso prévio mais prolongado, que pode chegar a dois meses, e participação do Estado por meio da autoridade administrativa.51
Observa-se, portanto, que o ordenamento francês também prevê a
negociação da dispensa coletiva com todos os sujeitos envolvidos, de modo que se
assegure a proteção ao trabalhador.
3.2.4 A Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho
Inicialmente, cumpre destacar que o Governo brasileiro, por meio do
Decreto Legislativo n. 68, de 17 de setembro de 1992, ratificou a Convenção n. 158 da
OIT — Organização Internacional do Trabalho e expediu o decreto de promulgação,
publicado no Diário Oficial da União, de 11 de abril de 1996, com o que a referida
50
MANNRICH, Nelson. Dispensa Coletiva. Da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000, p.76.
51