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Senso de missão e pragmatismo Rogério L. Furquim Werneck

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O Estado de S.Paulo e O Globo Sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Senso de missão e pragmatismo

Rogério L. Furquim Werneck*

Levará algum tempo até que o País possa ter um entendimento mais claro e completo da eleição de Jair Bolsonaro. Entre muitos aspectos notáveis, chama a atenção que, numa democracia tão grande e complexa, meia dúzia de pessoas – sem financiamento, com poucos segundos de acesso à propaganda eleitoral na televisão, sem apoio da mídia e em confronto aberto com o establishment político do País – tenham logrado levar à frente, com tamanho sucesso, um projeto de conquista da Presidência da República.

É compreensível, portanto, o clima de triunfalismo e o sentimento de autossuficiência que agora se detectam no entorno do presidente eleito. Seria esperar demais que, nessas circunstâncias, o grupo tivesse resistido à tentação de se permitir uma esbórnia de autocongratulação. O que, sim, será preocupante é se o triunfalismo e o sentimento de autossuficiência se revelarem menos efêmeros do que deveriam ser. E passarem a permear as complexas decisões que o governo eleito agora tem pela frente.

Não cabe dúvida sobre a gravidade do quadro de insustentabilidade fiscal a ser revertido. Mas não se espera que o novo governo seja capaz de assegurar reversão imediata e espetacular desse quadro. O que é fundamental é que, tão logo quanto possível, o governo seja capaz de delinear com clareza seu plano de jogo na área fiscal.

Quais, entre as muitas medidas que chegaram a ser aventadas, serão afinal adotadas?

Como bem sabe quem quer que tenha acompanhado sua trajetória com mínimo de atenção, Paulo Guedes chega ao governo com um acentuado senso de missão, imbuído da convicção de que, afinal, tem diante de si uma oportunidade única e imperdível de transformar de vez o País. E, no que tange à agenda que se faria necessária, jamais escondeu sua marcada preferência por soluções grandiosas e seu menosprezo por alternativas de menor alcance.

Tudo indica, contudo, que o novo ministro de Economia terá de saber refrear excessos do seu senso de missão, para adequar as medidas contempladas à escassez de recursos políticos com que terá de lidar para viabilizá-las. O momento parece exigir postura mais pragmática. Rearranjos excessivamente ousados estão fadados a acirrar resistências, não só no Congresso como no próprio Planalto. Há que saber evitar desgastes desnecessários e não pôr à prova as convicções dos que terão de aprovar as soluções contempladas.

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No programa de reformas que pretende viabilizar, a nova equipe econômica terá de evitar abrir mais frentes de batalha do que seus escassos recursos políticos permitirão manter. A decisão de abandonar o discurso da campanha eleitoral e anunciar que, afinal, o novo governo decidiu aproveitar, com possíveis alterações, o projeto de reforma da Previdência que já está em tramitação no Congresso foi um bom sinal. Mostrou que, nesta questão crucial, prevaleceu o pragmatismo.

Com o aumento da fragmentação das bancadas parlamentares, salta aos olhos que a articulação do Planalto com o Congresso está fadada a se tornar bem mais difícil do que já era. Mais difícil ainda quando se tem em conta a limitada capacidade de articulação política com que contará o novo governo, agravada pela resistência de Bolsonaro a dar qualquer tipo de sobrevida ao presidencialismo de coalizão.

Maior ainda será o desafio de assegurar apoio parlamentar confiável para aprovação de emendas constitucionais exigidas pelas reformas. Um Congresso mais à direita não significa necessariamente um Congresso mais comprometido com a responsabilidade fiscal. Muitos dos parlamentares recém-eleitos podem até parecer mais conservadores no que tange a costumes e segurança pública. Mas, em grande medida, pertencem a corporações aguerridas de servidores públicos, como bem ilustra a nova bancada do PSL.

É preciso ter em conta que parte importante da agenda de extração de benesses do Estado tem sido uma agenda de direita. E que boa parte da direita, Bolsonaro inclusive, está longe de ser liberal.

* Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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