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Amanda Daltro de Viveiros Pina

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Academic year: 2022

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Amanda Daltro de Viveiros Pina

Os artefatos podem jogar?

A digitalização do patrimônio arqueológico em jogos eletrônicos

Dissertação de Mestrado

Belém, Pará 2019

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Amanda Daltro de Viveiros Pina

Os artefatos podem jogar?

A digitalização do patrimônio arqueológico em jogos eletrônicos

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Pará.

Orientador: Prof. Dr. Diogo Menezes Costa

Belém, Pará 2019

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Amanda Daltro de Viveiros Pina

Os artefatos podem jogar?

A digitalização do patrimônio arqueológico em jogos eletrônicos

Dissertação de Mestrado

Banca Examinadora:

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Alex da Silva Martire – Examinador Externo Universidade de São Paulo

_____________________________________________________________

Prof. Dra. Renata de Godoy – Examinador Interno Universidade Federal do Pará

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Diogo Menezes Costa – Orientador Universidade Federal do Pará

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Pedro José Tótora da Glória – Suplente Universidade Federal do Pará

Belém, 14 de março 2019

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Dedico a ti, que és poeira cósmica, energia imaterial, transcendência e imanência, Deus.

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AGRADECIMENTOS

Na realização desta dissertação, contei com a ajuda e o apoio de diversas pessoas e instituições.

Gostaria de expressar meu sentimento de gratidão e agradecer a todos que fizeram parte, de forma direta ou indireta, para a realização deste trabalho.

À minha avó Lucia Viveiros e aos meu pais, Danuzia Viveiros e Luiz Guilherme Pina, que não mediram esforços para que eu pudesse concluir os meus estudos. Eles são meu porto seguro e irão continuar me incentivando, sempre. À minha irmã Julia e à minha irmã Beatrice, pelas inúmeras vezes que bateram em minha porta para me distrair com suas palavras tão adultas para tão tenra idade.

Ao meu namorado Reinaldo Martinez, pelo amor e dedicação incansáveis, na forma de cronogramas milimetricamente calculados e palavras de incentivo. Obrigada pela paciência em lidar comigo nos momentos de maiores transformações da minha vida, agradeço também por ser a melhor companhia que eu poderia ter. À família que me acolheu, Márcia Martinez e Marcelo Lamarão, agradeço por todo o incentivo e carinho que me foi dado.

Aos meus amigos, os quais estiveram ao meu lado e abdicaram de minha companhia por várias vezes, para que eu pudesse seguir adiante com esta pesquisa. Agradeço especialmente à Carla Loyana, à Maise Canto, à Marília Vaz, ao Dayvison Portal e ao Victor Binda, por acompanharem mais de perto os meus passos. Ao Matheus Aguiar, por ter sido um excelente amigo e profissional, ao ter me ajudado na concepção de toda a parte analítica deste trabalho.

Não posso deixar de agradecer aos meus amigos que foram entrevistados: Augusto Sobral, Edson Leão, Fernando Araújo, Nicolle Bittencourt, Tania Raiol e Victória Costa, sem vocês, a pesquisa não estaria completa, meu eterno sentimento de gratidão. À família Animazon, pelos ensinamentos que tive desde a adolescência e que levarei para a vida.

Aos colegas de sala, em especial Amanda Seabra, Sabrina Fernandes e Victória Costa, que tantas vezes me auxiliaram em momentos muito delicados. Turma de 2017, foi um prazer dividir esse momento com todos vocês.

Aos desenvolvedores do Jogo da Cabanagem, que foram extremamente solícitos e gentis ao me concederem as entrevistas aqui postas. Elinaldo Azevedo, Felipe Reis, Manoel Ribeiro, Messias Nascimento, Miguel Neto e Ricardo Damasceno, agradeço imensamente a vocês, que me proporcionaram informações valiosíssimas, fica registrada a minha gratidão.

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Aos integrantes do grupo de pesquisa Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (ARISE), por terem me recebido de portas abertas em São Paulo. Agradeço especialmente ao coordenador do grupo, Alex Martire, por todo o apoio que me foi dado enquanto estive no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP). Agradeço também à Maria Isabel D’Agostino Fleming que foi extremamente solícita e me cedeu o Laboratório de Arqueologia Romana Provincial para que eu pudesse concluir parte dos estudos aqui apresentados.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de estudos durante todo o período do mestrado. Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará, aos professores que me ajudaram muito nesta caminhada: Prof. Dra. Márcia Bezerra, Prof. Dr. Fabiano Gontijo, Prof. Dr. Hilton Pereira, Prof.

Dra. Katiane Silva, Prof. Dra. Nayara Camargo. Agradecimento especial à Prof. Dra. Renata de Godoy, por acreditar em meu potencial e compartilhar das minhas opiniões, esta dissertação foi fruto de uma de suas maravilhosas aulas. Agradeço também, ao então secretário do Programa, Antônio Carlos, sempre solícito, justo e extremamente competente.

Ao meu orientador Prof. Dr. Diogo Menezes Costa, profissional ético, com postura impecável e irretocável. Agradeço, de coração, por todo incentivo e apoio, nesses seis anos de atenciosa orientação. Seus ensinamentos contribuíram, de forma substancial, para que eu me tornasse a pesquisadora que sou hoje. Obrigada por ser minha referência no âmbito acadêmico.

Agradeço a você, leitor. Desfrute desta ínfima demonstração dos desdobramentos possíveis no campo da Arqueologia. Espero que goste!

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Resumo

Destaca a utilização de elementos arqueológicos no campo digital e a influência dos jogos eletrônicos no tocante à teoria arqueológica. Pauta-se em conceitos antropológicos ligados a Cultura e Interação aplicados ao contexto imaterial do ciberespaço, da cibercultura e da ciberarqueologia. Isto posto, analisa os estudos acerca da cultura material em espaços imateriais, elucidando o que seriam os pixels e de que forma eles estão inseridos na vida humana e, por conseguinte, na Arqueologia. Tem por objetivo compreender as variadas formas que o patrimônio arqueológico se apresenta em contextos palpáveis e não palpáveis. Utiliza como Estudo de caso um jogo desenvolvido pelo Laboratório de Realidade Virtual da Universidade Federal do Pará, intitulado “Jogo da Cabanagem”. Aplica metodologia inspirada por estudos pautados na Arqueologia Pós-Processual e analisa de forma arqueológica os vestígios digitais presentes no estudo de caso. Elabora entrevistas semiestruturadas com os desenvolvedores do

“Jogo da Cabanagem” e com jogadores que se propuseram a testar o jogo em questão. As análises e as entrevistas revelam a possibilidade da aplicação metodológica da Arqueologia em jogos eletrônicos e a viabilidade de aplicação futura para trabalhos vindouros.

Palavras-Chave: Arqueologia Pós-Processual; Archaeogaming; Cibercultura;

Ciberarqueologia; Jogo da Cabanagem.

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Abstract

This work highlights the archaeological elements use in the digital field and the influence of electronic games on archeological theory. Based on anthropological concepts, it linked culture and interaction to the immaterial context of cyberspace, cyberculture and cyber-archeology.

Based on such, analysis of the studies on the material culture in immaterial spaces, elucidating what the pixels and those that are inserted in the human life and, consequently, in Archaeology.

Its concept is understood as varied forms that the archaeological patrimony presents in palpable and nonpalpable contexts. It uses, as a case study, developed by the Laboratório de Realidade Virtual da Universidade Federal do Pará, entitled "Jogo da Cabanagem". The methodology is inspired by the studies carried out in Post-Process Archeology and analyses archaeologically and digitally those present in the case study. It makes semichirographic trips with the developers of "Jogo da Cabanagem" and with those who proposed a game test in question. The analyses and the interviews reveal an application possibility of the technique of electronic games and a feasibility of future realisation for work to come.

Keywords: Post-processual Archeology; Archaeogaming; Cyberculture; Cyberarcheology;

Jogo da Cabanagem.

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Lista de Figuras

Figura 1 – Primeira escavação de videogame feita na história...39

Figura 2 – Vestígio arqueológico de cartucho da empresa Atari encontrado nas escavações...40

Figura 3 – Vestígio arqueológico de cartucho da empresa Atari encontrado nas escavações...40

Figura 4 – Capa do jogo The Legend of Zelda: Majora’s Mask 3D para o console portátil DS e 3DS...45

Figura 5 – Local do jogo The Legend of Zelda: Majora’s Mask 3D criado a partir da inspiração de uma urna Marajoara...46

Figura 6 – Capa do jogo Apotheon para a plataforma PC...47

Figura 7 – O contexto da Grécia Antiga representado no jogo Apotheon...49

Figura 8 – Capa do jogo Ryse: Son of Rome para o console Xbox...49

Figura 9 – A representação do que seria o Coliseu no jogo Ryse: Son of Rome...50

Figura 10 – Capa do jogo Assassin’s Creed Odyssey para o console PlayStation 4...51

Figura 11 – Vista panorâmica da Grécia Antiga em Assassin’s Creed Odyssey...52

Figura 12 – Tela inicial do jogo O Último Banquete em Herculano...53

Figura 13 – Elementos arqueológicos no game O Último Banquete em Herculano...54

Figura 14 – Objetos arqueológicos reais utilizados para a modelagem do jogo O Último Banquete em Herculano...54

Figura 15 – Guia Didático do jogo O Último Banquete em Herculano...55

Figura 16 – Capa do jogo Tomb Raider: Definitive Edition para o console PlayStation 4...56

Figura 17 – Moeda japonesa de 1873 digital no jogo Tomb Raider: Definitive Edition...57

Figura 18 – Capa do jogo Uncharted 4: A Thief’s End para o console PlayStation...58

Figura 19 – Ruína de cidade antiga do jogo Uncharted 4: A Thief’s End...59

Figura 20 – O Começo do Jogo da Cabanagem. Palácio do Governo...64

Figura 21 – Primeiro exemplar digital do jornal “O Paraense”...65

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Figura 22 – Modo campanha, tela de seleção de missões...66

Figura 23 – Bairro da Campina e Bairro da Cidade...67

Figura 24 – Inventário indicando cada objetivo que o jogador deverá cumprir...68

Figura 25 – Visão do Quartel...68

Figura 26 – Forte do Castelo e Forte São Pedro Nolasco (Atualmente o Anfiteatro da Estação das Docas)...69

Figura 27 – Igreja das Mercês e o Arsenal de Guerra...69

Figura 28 – Hospital (Atualmente a Casa das Onze Janelas)...70

Figura 29 – Igreja da Sé...70

Figura 30 – Palácio do Governo...71

Figura 31 – Conjunto Arquitetônico digital no Jogo da Cabanagem...71

Figura 32 – (a) Modelo de Felipe Patroni (b) Modelo de Batista Campos...72

Figura 33 – Inventário indicando cada objetivo que o jogador deverá cumprir...73

Figura 34 – O jogador está no controle de Felipe Patroni e precisa evitar os soldados para completar a missão...73

Figura 35 – Fuga de Batista Campos...74

Figura 36 – Batista Campos sendo posicionado na boca de um canhão...75

Figura 37 – Abertura da escotilha do Navio Brigue Palhaço...75

Figura 38 – Comando e informações para completar a missão...76

Figura 39 – Representação de Félix Antônio Clemente Malcher...77

Figura 40 – Fotos dos descendentes de Antônio e Francisco Vinagre...78

Figura 41 – Representação de Antônio Vinagre (esquerda) e Francisco Vinagre (direita)...78

Figura 42 – Detalhe dos rostos digitais utilizados como modelo...79

Figura 43 – Representação de Eduardo Angelim...79

Figura 44 – Tela de seleção de unidades de ataque...80

Figura 45 – Eliminação do Comandante José Maria Nabuco...80

Figura 46 – Ambientação noturna da cidade de Belém...81

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Figura 47 – Jogador no controle de Eduardo Angelim (Líder Cabano)...82

Figura 48 – Representação de Negro Escravizado...82

Figura 49 – Representação de Cabano...83

Figura 50 – Representação de Lobo de Souza...83

Figura 51 – Morte do Governador Lobo de Souza...84

Figura 52 – Cena final do Jogo da Cabanagem...84

Figura 53 – Relação das características dos Arquivos Analisados. Arte: Amanda Pina 2019....87

Figura 54 – Relação das características específicas dos Arquivos de Mídia. Arte: Amanda Pina 2019...88

Figura 55 – Relação das características da subcategoria Arquivos de Mídia Pura. Arte: Amanda Pina 2019...90

Figura 56 – Relação das características da subcategoria Arquivos de Mídias Auxiliares. Arte: Amanda Pina 2019...91

Figura 57 – Relação das características específicas dos Arquivos de Programação. Arte: Amanda Pina 2019...93

Figura 58 – Relação das características específicas dos Arquivos de Áudio. Arte: Amanda Pina 2019...94

Figura 59 – Relação das características específicas dos Arquivos de Texto. Arte: Amanda Pina 2019...96

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Documentação com características computacionais e arqueológicas do Jogo da Cabanagem...98 Tabela 2: Levantamento Arqueológico dos Objetos Materiais Digitais de Pequeno Porte...98 Tabela 3: Levantamento Arqueológico dos Objetos Materiais Digitais de Grande Porte...99

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Lista de Quadros

Quadro 1: Comparativo entre o tempo para baixar o Jogo da Cabanagem e Diablo III...86 Quadro 2: Síntese de dados das entrevistas com os jogadores...108

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Lista de Abreviações

AFK – Away from Keyboard

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil

ARISE – Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CD-ROM – Compact Disc Read-Only Memory

CFG - Configuration CG – Computação Gráfica

CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito CPP – C++

DDSIMAGE – DirectDraw Image DLL – Dynamic-link Library

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos FONTDEF – Font Definition Scripts

GG – Good Game

GIF – Graphics Interchange Format HTML – HyperText Markup Language

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional JPG – Joint Photographic Experts Group

kB - Kilobyte

LARV – Laboratório de Realidade Virtual LOL – Laughing out Loud

MAE/USP – Museu de Arqueologia e Etnologia MB - Megabyte

MMORPG – Massively Multiplayer Online Role-Playing Game MMOSG – Massively Multiplayer Online Social Game

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MP3 – Moving Picture Experts Group Audio Layer 3 NPC – Non-Player Character

OGG - Ogging

OSM – Open Street Map PC – Personal Computer

PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PNG – Portable Network Graphics

PPGA – Programa de Pós-Graduação em Antropologia PSD – Photoshop Document

RPG – Role Playing Game TMP - Temporary

TTF – True Type Font

UFPA – Universidade Federal do Pará

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura USP - Universidade de São Paulo

WAV – Waveform Audio WEB – World Wide Web WMA – Windows Media Audio XML – Extensible Markup Language XSD – XML Schema Definition

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Sumário

Introdução ... 1

Capítulo 1 – O Material do Imaterial ... 5

1.1 – Conceitos Iniciais ... 5

1.2 – A Importância dos Jogos ... 11

1.3 – A Relação em Ambientes Virtuais ... 14

1.4 – Cultura Material, Máquinas e Arqueologia ... 16

1.5 – O Conceito de Patrimônio Arqueológico Digital ... 27

Capítulo 2 – Arqueologia e Jogos Eletrônicos... 29

2.1 – Breve história dos jogos ... 29

2.2 – Linguística Computacional ... 35

2.3 – Arqueologia nos jogos digitais: o Archaeogaming ... 38

2.4 – Críticas e soluções em relação aos jogos eletrônicos ... 43

2.5 – Jogos eletrônicos arqueológicos e suas especificações ... 44

2.5.1 – The Legend of Zelda: Majora’s Mask 3D ... 45

2.5.2 – Apotheon ... 47

2.5.3 – Ryse: Son of Rome ... 49

2.5.4 – Assassin’s Creed Odyssey ... 51

2.5.5 – O Último Banquete em Herculano ... 53

2.5.6 – Tomb Raider: Definitive Edition ... 56

2.5.7 – Uncharted 4: A Thief’s End ... 58

Capítulo 3 – Estudo de Caso: O “Jogo da Cabanagem” ... 60

3.1 – Histórico do Sítio Arqueológico Digital ... 62

3.2 – Análise Arqueológica de Fragmentos Digitais: Aplicação do Archaeogaming ... 85

3.2.1 – Arquivos de Mídia... 88

3.2.2 – Arquivos de Programação ... 92

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3.2.3 – Arquivos de Áudio ... 94

3.2.4 – Arquivos de Texto ... 95

3.2.5 – Executáveis ... 97

3.2.6 – Considerações Sobre as Análises ... 97

Capítulo 4: Bastidores ... 101

4.1 – A Visão do Desenvolvedor: O Que Há Por Detrás dos Códigos? ... 101

4.1.1 – Perguntas Gerais... 102

4.1.2 – Perguntas Pessoais ... 105

4.2 – A visão do Jogador: Qual a Opinião do Público? ... 107

4.2.1 – Informações Básicas ... 108

4.2.2 – Perguntas Específicas ... 109

4.3 – Cruzando Informações: A Comparação de Pontos de Vista ... 115

4.3.1 – Informações Explícitas ... 115

4.3.2 – “Não” Informações: Os Fatos Não Mencionados ... 117

Considerações Finais ... 119

Referências Bibliográficas ... 122

Referências dos Jogos Eletrônicos... 128

Entrevistas ... 129

Anexos ... 131

Anexo 1 – Roteiro de Análise de Patrimônios Arqueológicos em Jogos Eletrônicos ... 131

Anexo 2 – Arquivo de Orientações Gerais Sobre o Jogo da Cabanagem ... 136

Anexo 3 – Matérias Veiculadas em Jornais Paraenses Sobre o Jogo da Cabanagem ... 138

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Deparo-me com o meu objeto de estudo situado à minha frente. Um pedaço de plástico inóspito e inanimado, composto por peças de metais sobrepostas formando um emaranhado de pequenas placas eletrônicas interligadas quase que de forma inteligente e autônoma.

A cadeira prostrada à frente do objeto é convidativa, sento-me e aperto no botão que faz com que o plástico, outrora sem vida, torne-se vívido de cores e imagens produzidas por átomos digitais, comumente conhecidos como pixels.

Envolta por uma janela brilhante, faço comandos de forma instintiva, sem saber do funcionamento binário de meus cliques. Apenas passeio por uma espécie de mesa digital, onde encontro funcionalidades que encontraria em qualquer escritório comum: bloco de notas, lápis, pastas, fotos e lixeira.

Noto que existe algo diferente em minha mesa binária que nunca tive acesso enquanto estava em minha mesa feita de átomos palpáveis. O diferencial seria o chamado “navegador”, famoso no mundo inteiro, por parecer conter todos os conhecimentos que o homem já fora capaz de produzir, não havendo limites e nem contestações para esse programa. Mero engano, o sistema é falho, controverso e precisa ser utilizado com cautela. Para os iniciantes, é utilizado de forma abrupta e inadvertida. Para os que tem mais experiência em seu manuseio, sua utilização é feita com parcimônia e atenção.

A sensação é de estar imersa em um mundo totalmente novo, com infinitas possibilidades.

O que antes eram apenas imagens e letras paradas, transformam-se em frames por segundo, criando a realidade de movimentação no que está sendo visto. A partir da união entre programação, pixel, imagem e frames consigo ter um vislumbre do que seria um jogo. Neste momento, sou capturada. Afinal, o não vivo é capaz de responder aos meus instintivos cliques, como um ser vivo!

A experiência não está exaurida apenas na resposta da máquina. O tal “jogo” me desafia, instiga, move. Não sei se ainda controlo a máquina, ela está agindo por si só, e eu estou respondendo aos seus comandos. Está feito. Enlaço-me em uma relação entre humano e não humano, recuar não é uma escolha disponível. Os limites para o complexo digital ainda são desconhecidos.

Zero e Um: Descrição Etnográfica Sobre uma Experiência Binária Trabalho apresentado na disciplina de Métodos em Antropologia Amanda Daltro de Viveiros Pina

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Introdução

A presente pesquisa propõe demonstrar a utilização de jogos digitais como metodologia de análise da Arqueologia, mediante o estudo da representação do patrimônio arqueológico contida nos jogos eletrônicos. O motivo da escolha do tema reside no fato de que os videogames possuem uma indústria bilionária e se popularizam de forma exponencial. Este trabalho pretende demonstrar de forma acadêmica o enfoque e a importância dos patrimônios arqueológicos representados nos jogos eletrônicos. É impossível negar o impacto causado pelos jogos digitais no cotidiano, eles mudaram a cultura contemporânea, portanto, como pesquisadores, precisamos nos adaptar à essa nova realidade.

Afinal, por que vincular jogos eletrônicos e Arqueologia? Esta é a pergunta chave e basilar da pesquisa. Será respondida pelos capítulos a seguir, através de exemplos variados da aplicação da Arqueologia em jogos eletrônicos atuais. Contará também com um estudo de caso baseado em um jogo desenvolvido pelo Laboratório de Realidade Virtual (LARV) da Universidade Federal do Pará, situada no município de Belém.

O objetivo desta dissertação é demonstrar a importância da reprodução do patrimônio arqueológico em jogos eletrônicos e a forma que este patrimônio é reproduzido. Os pontos norteadores serão: demonstrar ser possível a pesquisa “de” e “sobre” videogames como sítios arqueológicos; destacar a utilização da Arqueologia nos jogos eletrônicos; analisar entrevistas direcionadas a desenvolvedores e jogadores do “Jogo da Cabanagem” e, por fim, propor um roteiro de análise para guiar arqueólogos que queiram utilizar jogos digitais para suas pesquisas futuras, como forma de documentação e análise adequada para esses jogos.

A Arqueologia aplicada ao contemporâneo busca, através de cultura material, estudar as diferentes relações que acabam surgindo de uma forma que não as percebemos, como por exemplo, relações produzidas pelos humanos e computadores, em relação à cultura material.

Portanto, podemos dizer que a Arqueologia está mais próxima dos jogos do que realmente achamos que ela esteja.

Alguns arqueólogos demonstraram interesse por jogos como um formato de mídia que pudesse incorporar perspectivas múltiplas em suas pesquisas, utilizando esses jogos como uma forma de sair do formato de literatura acadêmica já conhecido (Morgan, 2016). Ao unirmos jogos eletrônicos, Arqueologia e patrimônio formamos a chamada “Arqueologia da mídia”

(Morgan, 2016), criamos um espaço interdisciplinar e criativo para o desenvolvimento de jogos

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voltados à proteção do patrimônio ou até mesmo a criação de espaços 3D para a visitação de patrimônios ao redor do mundo apenas pelo intermédio do videogame (Champion 2017)1.

A união entre Arqueologia e jogos já virou realidade. Através da comunidade

#Archaeogaming, conseguimos ver a popularidade de jogos interdisciplinares que se utilizam dos jogos digitais como veículo para o aprendizado e conhecimento sobre assuntos ligados à Arqueologia2. A comunidade cresceu de tal maneira que Andrew Reinhard (2018) propôs a utilização do Archaeogaming como uma nova forma de análise da Arqueologia, contando com técnicas e métodos próprios à pesquisa com(ou em) jogos digitais.

Qual seria a efetividade da estrutura entre Arqueologia e jogos digitais? 1- Reprodução/Modelo de sítios; 2- Simulação de sítios para a escolha de uma melhor abordagem para o início da pesquisa, sem riscos iminentes; 3- Mostrar o trabalho do arqueólogo para o público; 4- Simular métodos e técnicas de teoria arqueológica para o treinamento de futuros arqueólogos; 5- Unir o patrimônio e a Arqueologia, para demonstrar a importância do trabalho do arqueólogo juntamente com a importância de preservação do patrimônio.

E como isto seria possível? Através do desenvolvimento de jogos diferentes para alcançar objetivos distintos. Não podemos aplicar um jogo técnico de treinamento com o intuito de formar futuros arqueólogos para um público que mal conhece como funciona o trabalho exercido pelo profissional da Arqueologia. Para cada habilidade, um jogo distinto, despertando o interesse geral, tanto do público acadêmico quanto do público não acadêmico.

Ao destacarmos exemplos práticos da utilização de jogos na Arqueologia, conseguimos aproximar de forma mais concreta ambos os assuntos. Jogos variados para desenvolvimento de habilidades distintas dentro do campo da Arqueologia são plenamente possíveis e podem tornar- se realidade mais rápido do que imaginamos. O futuro está no mundo digital, virtual e, também na Arqueologia.

Para elucidarmos a resposta da pergunta base (Por que vincular Jogos Eletrônicos e Arqueologia?), pensaremos que os espaços de jogos eletrônicos são construídos através da união de conhecimentos variados, abrangendo áreas distintas de conhecimento, como por exemplo, a computação, a linguística, o design gráfico, dentre outras. Com base nos

1 Projeto já em andamento, com o objetivo de criar versões 3D de patrimônios do mundo inteiro para disponibilizar o acesso à todos os indivíduos com acesso à internet. Ainda está na fase de coletar todos os modelos de patrimônio do mundo para a criação do programa, chamado “Chair os Cultural Heritage and Visualisation”, proposta aceita pela UNESCO.

2 Fonte: https://archaeogaming.com/.

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ensinamentos de Tara Copplestone (2017:89): “Esses espaços de jogos, construídos através do reconhecimento do videogame, cria um novo espaço para a construção do conhecimento arqueológico e da comunicação”3. Portanto, esses espaços criados dentro dos jogos podem proporcionar para a Arqueologia um novo local para a criação de conhecimentos ligados à disciplina e também para o desenvolvimento de técnicas de campo já consagradas na teoria arqueológica, aplicadas a esses novos espaços não palpáveis.

Os jogos oferecem para a Arqueologia um campo de treino, sem a preocupação do risco iminente, característica principal no que tange ao trabalho de campo “tradicional”. A chance possível de testar teorias e métodos arqueológicos sem riscos iminentes, em escala global e de maneira colaborativa pode estar mais perto do que nós imaginamos. Essas características são os elementos primordiais que alicerçam a Arqueologia no mundo dos jogos eletrônicos.

O primeiro capítulo, intitulado “O material do imaterial”, faz um apanhado geral sobre a cultura material e a sua imaterialidade, conceituando expressões como “ciberespaço”,

“cibercultura”, “ciberarqueologia” e “pixel”, com o intuito de embasar o leitor em relação ao campo digital e de que forma este campo atua diariamente na vida dos seres humanos, formando-os através da imaterialidade contida no mundo digital (Miller e Horst 2015).

Começaremos com o menor ponto luminoso possível (pixel), para então mergulharmos nos incontáveis pixels presentes em superproduções atuais, feitas com gráficos fotorrealistas.

O segundo capítulo, chamado “Arqueologia dos jogos” traz a história dos jogos, desde a sua origem como jogo de tabuleiro até os jogos eletrônicos atuais. Para entendermos de que forma este salto ocorreu, contamos com a ajuda da Linguística Computacional e do arcabouço conceitual trazido pelos pixels, pois a multiplicação exponencial desses pequenos pontos luminosos tornou possível a grande nitidez e imersão realística que os jogos eletrônicos atuais possuem. Para que a associação entre jogos e Arqueologia seja concreta, contamos com a conceituação do Archaeogaming, uma Arqueologia “dos” e “sobre” os videogames (Reinhard 2018). Vale ressaltar que a Arqueologia está presente nos mais diversos jogos comercializados mundialmente. Com a ajuda de historiadores, arqueólogos e antropólogos, dentre outros, os desenvolvedores de jogos eletrônicos conseguem digitalizar artefatos existentes no mundo real de forma fidedigna para o mundo digital, sendo este artefato completamente manipulável nos jogos eletrônicos. Para exemplificar, trouxemos sete tipos de jogos eletrônicos, são eles: Zelda:

3 “These game spaces, constructed through the affordances of the video game medium, may create a novel space for archaeological knowledge making and communication” (Copplestone 2017:89).

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Majora’s Mask, Apotheon, Ryse: Son of Rome, Assassin’s Creed Odyssey, O Último Banquete em Herculano, Tomb Raider: Definitive Edition e Uncharted 4: A thief’s End.

O terceiro capítulo chamado “Estudo de caso: Jogo da Cabanagem” aborda o jogo que versa sobre a Revolta da Cabanagem, desenvolvido pelo Laboratório de Realidade Virtual, através de um projeto vinculado à Universidade Federal do Pará. O jogo em questão servirá como estudo de caso para todo o trabalho proposto, enfatizando a Arqueologia Histórica presente neste jogo digital, mais especificamente o contexto da Cabanagem que ocorreu no século XIX em Belém do Pará. Para concluir o capítulo, elaboramos um roteiro de análise dos patrimônios arqueológicos reproduzidos em jogos eletrônicos (Anexo 1), aplicamos o roteiro e criamos uma metodologia para análise de jogos eletrônicos que versam sobre patrimônios arqueológicos. Como forma de documentação, também montamos tabelas representativas dos Objetos Materiais Digitais presentes no Jogo da Cabanagem.

O quarto capítulo , intitulado “Bastidores” conta com entrevistas semiestruturadas feitas com os desenvolvedores do jogo e jogadores que efetivamente concluíram do início ao fim as missões presentes no Jogo da Cabanagem. Posteriormente, houve o cruzamento das informações cedidas por ambos os grupos, juntamente com a análise dos dados fornecidos e de dados não mencionados.

Em relação as considerações finais, serão apresentados os resultados gerais dos capítulos anteriores, em relação aos temas principais de cada capítulo, são eles: a utilização dos jogos eletrônicos como base para pesquisas Arqueológicas; a representação do patrimônio arqueológico nos jogos digitais; os resultados das entrevistas feitas com jogadores e desenvolvedores do Jogo da Cabanagem e a aplicação do Roteiro de análise de patrimônios arqueológicos em jogos eletrônicos.

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Capítulo 1 – O Material do Imaterial

O capítulo em questão pretende mostrar que o mundo digital pode ser estudado e encarado como formador de pessoas, portanto, constitui-se como parte da cultura. Não estamos falando da cultura material usualmente conhecida, partimos do pressuposto de que existe algo transcendente à cultura material palpável, nós a chamamos de cibercultura (Lévy (1999, 2004), Lemos (2004), Santaella (2010) e Oliveira e Nunes (2015)). A intenção é demonstrar que existem infinitas possibilidades no campo digital que podem ser exploradas pelos mais variados campos do conhecimento visando o aprimoramento de técnicas, a revisitação de conceitos amplamente debatidos e até mesmo a modificação de como proceder na chamada “pesquisa de campo”.

1.1 – Conceitos Iniciais

Por muitas décadas, um dos principais focos dos estudos antropológicos foi pautado no termo “cultura” e nas suas mais diversas definições. Marshall Sahlins (1997) afirma que a Antropologia está passando por mudanças e, por conseguinte, a “cultura” vem acompanhando essas transformações. A cultura é dinâmica e está em permanente modificação, mas não pode ser exemplificada por um gráfico linear progressivo, pois estamos lidando com variedades de cultura, e a partir do momento que definimos graus ou “degraus” encaixados no padrão gráfico linear, não estamos levando em consideração que a cultura é plural e caracteriza um modo singular da vivência de um determinado grupo.

De acordo com Clifford Geertz (1978), a cultura está pautada em uma diversidade de costumes que acontecem no tempo e no espaço, não dependendo de um estereótipo físico, ou de cenários para acontecer. Este pensamento, aplicado aos meios digitais, demonstra que não precisamos de espaços físicos e materiais para vivenciarmos as mais variadas culturas presentes em todo o mundo. Geertz (1978) afirma:

“Alimentar a ideia de que a diversidade de costumes no tempo e no espaço não é simplesmente uma questão de indumentária ou aparência, de cenários e máscaras comediantes, é também alimentar a ideia de que a humanidade é tão variada em sua essência como em sua expressão”. (Geertz 1978:27).

Quando mencionamos “cultura” no presente trabalho, queremos defini-la, de acordo com Sahlins (1997:41), como: “a organização da experiência e da ação humanas por meios

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simbólicos”, levando em consideração que as interações entre os indivíduos podem acontecer de forma presencial ou não presencial.

A forma presencial está exemplificada na interação face a face, englobando o tato, o olfato, a audição e a visão. Todos os sentidos são utilizados quando tratamos desse tipo de contato, em especial a audição e a visão, pois a interação acontece de forma rápida, dinâmica e presencial. Não precisamos de qualquer suporte que intermeie a relação dos falantes, basta que ambos se encontrem praticamente no mesmo espaço e no mesmo tempo, no máximo, à uma distância captada pelo visível.

A forma não presencial abrange suportes que intermediam contatos entre os indivíduos.

Estes suportes podem partir da mais simples “bugiganga” ligando latinhas por fios até aparelhos de celular ultramodernos (smartphones), computadores com acesso à internet ou qualquer outra plataforma que possibilite a interação social.

Longe de se extinguir, a cultura está em um processo inverso da extinção, baseando-se na reinvenção dos meios de comunicação e interação social. As tecnologias produzidas estão se multiplicando e aprimorando-se de forma surpreendente e nunca antes vista. Sahlins (1997:41) aponta que “as pessoas, relações e coisas que povoam a existência humana manifestam-se essencialmente como valores e significados – significados que não podem ser determinados a partir de propriedades biológicas ou físicas”, portanto, a cultura não depende de propriedades físicas para ser estruturada ou manifestada, basta que haja uma gama de significados e valores entendidos por seres humanos que os compartilham mutuamente.

Em “O que é o virtual?” Pierre Lévy (1995) destaca as diferenças principais entre o que é Real e o Virtual. Para maior fluidez das ideias apresentadas neste capítulo, nos cabe apresentar o que seriam as duas definições principais de Lévy (1995). O real defendido por Lévy estaria ligado ao momento presente, ao que acontece no agora, visível aos olhos. O virtual, por sua vez, é a potencialidade de algo vir a ser real, porém, cabe ressaltar que o virtual em si também é considerado real. Portanto, seguindo o exemplo elencado por Pierre Lévy, a semente de uma árvore contêm uma árvore em potencial, a semente está caracterizada como sendo o virtual da árvore, mas, como semente, aparece sendo real (Martire 2017).

A compreensão das relações sociais entre os humanos pode ser estudada através de territórios fluidos e limites não palpáveis, a partir de uma interação entre homem-máquina- homem (Lévy 1999). Os conceitos antropológicos da tríade interação-cultura-território sofreram modificações a partir do momento em que as relações sociais não presenciais feitas

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por suportes digitais foram se aprimorando. Não precisamos mais do espaço físico palpável para termos interação, portanto, criamos uma cultura digital pautada em simbolismos e significados novos que compartilhamos em escala global. Com a interação digital, a cultura muda, e os limites também se modificam. Para uma melhor compreensão acerca das interconexões que acontecem por meio da interação entre homem e máquina, nas palavras de Pierre Lévy (1999):

“O universo da cibercultura não possui nem centro nem linha diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas. Não quero dar a entender, com isso, que a universalidade do ciberespaço é “neutra” ou sem consequências, visto que o próprio fato do processo de interconexão já tem, e terá ainda mais no futuro, imensas repercussões na atividade econômica, política e cultural”.

(Lévy 1999:123).

Portanto, além de ter mudado a forma de comunicação, o universo da cibercultura4 também mudará cada vez mais outras camadas compreendidas pela sociedade, não apenas a cultural, influenciando até mesmo a economia entendida socialmente. A abstração do ciberespaço está entremeando a forma com que os indivíduos se relacionam, compram e organizam suas esferas de poder. A construção desse ciberespaço é explicada a partir de Lévy (2004):

“Ciberespaço: palavra de origem norte americana empregada pela primeira vez pelo escritor de ficção científica William Gibson em 1984 na novela

“Neuromancer”. O ciberespaço designa o universo das redes numéricas como lugar de encontros e aventuras, núcleo de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural.

No entanto, um mundo virtual para a inteligência coletiva pode estar carregado também de cultura, beleza, espírito e conhecimento, como um templo grego (...) Podes descobrir galáxias de linguagens inéditas, fazer surgir temporalidades sociais desconhecidas, reinventar o vínculo social, deixar a democracia perfeita, cultivar entre os homens os caminhos desconhecidos de saber. Porém, para isso, seria necessário investirmos nessa construção, que seja designada e reconhecida como parâmetro de beleza, de pensamento e lugar de invenção de novas regulamentações sociais.”5 (tradução da autora).

(Lévy 2004:78).

4 Cabe ressaltar que o entendimento de cibercultura de Pierre Lévy (1999 e 2004) não é unânime. Lucia Santaella (2010), Daniel Miller (2010) e Zygmunt Bauman (2001) discordam da visão de Lévy no tocante ao potencial da cibercultura, nem sempre significará que a cibercultura é uma potência, existem questões voltadas à alienação, má utilização de tecnologias, ruídos na comunicação que contradizem certas pontuações levantadas por Pierre Lévy.

5 “Ciberespacio: palabra de origen norteamericana empleada por primera vez por el escritor de ciencia ficción William Gibson en 1984 en la novela “Neuromancer”. El ciberespacio designa en ella el universo de las redes numéricas como lugar de encuentros y de aventuras, meollo de conflictos mundiales, nueva frontera económica y cultural. Sin embargo, un mundo virtual para la inteligencia colectiva puede estar también tan cargado de cultura, de belleza, de espíritu y de saber cómo un templo griego. (...) Puede descubrir galaxias de lenguaje inéditas, hacer

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Não podemos inferir que a interação digital está ligada à uma forma “menos real” de comunicação. Ao compararmos as relações sociais digitais com as relações face a face, não há como dizer qual delas é uma relação pura ou qual delas apresenta o lado real do ser humano.

Ambas se caracterizam pela comunicação entre indivíduos, portanto, Daniel Miller e Heather Horst reiteram (2015:97) “em Antropologia não há algo como humanos puros e não mediados;

interação face a face é tão inflexionada quanto uma comunicação mediada digitalmente”. O digital não tornou o humano menos ser humano e nem tornou as relações humanas

“fantasiosas”, apenas mudou a forma de comunicação entre pessoas. A partir de Miller e Horst (2015):

“O digital, assim como toda a cultura material, é mais do que um substrato;

está constituindo-se como parte do que nos faz humanos (...) é a resoluta oposição a todas as abordagens que implicam que tornar-se digital nos tornou menos humanos, menos autênticos ou mais mediados. Não apenas continuamos humanos dentro do mundo digital, o digital também provê muitas novas oportunidades para a Antropologia nos ajudar a entender o que significar ser humano”. (Miller e Horst 2015:92).

Podemos citar como exemplo de meio comunicacional, que conta com a interação social maciça, o próprio computador conectado à internet. O mundo digital nos oferece maneiras distintas de interagir em sociedade, portanto, concebemos o “espaço” interativo digital como um dos meios em que as relações sociais podem se desenvolver. Na concepção de Georg Simmel (2013), compreendemos que o termo espaço abrange as mais variadas formas de se estar junto, interagindo socialmente e, por conseguinte, virtualmente. A partir dos avanços tecnológicos experimentados no século XXI, criamos uma nova forma de nos relacionar uns com os outros, através da utilização de códigos binários ao invés de gestos e trejeitos.

Estaríamos diante de uma ressignificação dos modos de interação humana? Não duvidemos. Apesar de estarmos constantemente envoltos na tecnologia disponível ao toque dos dedos, não nos damos conta, à princípio, o quanto mudamos nossa forma de nos comunicar e interagir socialmente. Alex Martire (2017) explicita:

“Olhando por essa perspectiva, a informação parece toda hora migrar de mídia. Tambores, eletricidade, ondas de rádio, internet sem fio... Ela se origina em um corpo, mas não necessariamente fica atrelada a ele. Isso, em minha

surgir temporalidades sociales desconocidas, reinventar el vínculo social, perfeccionar la democracia, cavar entre los hombres caminos de saber desconocidos. Pero, para ello, sería necesario que invirtiéramos en esta construcción, que sea designado y reconocido como parámetro de belleza, de pensamiento y lugar de invención de nuevas regulaciones sociales”. (Lévy 2004:78).

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opinião, é fundamental saber quando lidamos com transmissão de informações: cada vez mais estamos ficando libertos de receptáculos de informação. Ainda somos máquinas de sobrevivência regida por genes, tal como Richard Dawkins propõe, mas até mesmo isso estamos sendo capazes de modificar. Muito em breve deixaremos de ser humanos e passaremos a ser

“algo além do humano”, seremos pós-humanos. Estamos perdendo nossos corpos como o conhecemos. E, consequentemente, nossas informações estão sendo remodeladas”. (Martire 2017:26).

Autores como Lévy (1999, 2004), André Lemos (2004), Lucia Santaella (2010) e Priscila Oliveira e João Nunes (2015) apontam que quando levamos as diversas interações sociais para o ciberespaço, podemos falar sobre uma Cultura Digital. De acordo com Oliveira e Nunes (2015:2) “como características de um novo paradigma tecnológico, as relações sociais, os saberes, a construção do conhecimento e, consequentemente, os processos memoriais e identitários são transformados no ciberespaço”. O ciberespaço compreenderia o local digital onde as interações digitais acontecem efetivamente, através do que poderíamos chamar de

“cultura digital”. Para conceituá-lo, Lévy (2004) pondera que:

“O ciberespaço designa nele o universo das redes numéricas como lugar de encontros e aventuras, centro de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural. Existe atualmente uma profusão de correntes literárias, musicais, artísticas, inclusive políticas, que afirmam ser da “cibercutura””6 (tradução da autora). (Lévy 2004:78).

Ao continuarmos com a explanação sobre o ciberespaço como um ambiente midiático formador de identidades e cultura, os pensamentos elucidativos de Lemos (2004) nos ajudam a entender de que forma conceber o ciberespaço em relação a outros tipos de mídia:

“Menos do que uma nova mídia como os mass media (jornais, rádio, TV...), devemos pensar o ciberespaço como um ambiente midiático, como uma incubadora midiática onde formas comunicativas surgem a cada dia (chats, ICQ, fóruns, e-mail, blogs, web, etc...). A partir deste ponto de vista, podemos afirmar que o ciberespaço é, ao mesmo tempo, forma e conteúdo cultural, modulador de novas identidades e formas culturais”. (Lemos 2004: 14-15).

Quando conceituamos o ciberespaço, não podemos deixar de mencionar a cibercultura, que está inserida no contexto do ciberespaço. Para definirmos o termo cibercultura, usaremos os ensinamentos de Santaella (2010):

6 “El ciberespacio designa en ella el universo de las redes numéricas como lugar de encuentros y de aventuras, meollo de conflictos mundiales, nueva frontera económica y cultural. Existe en la actualidad en el mundo una profusión de corrientes literarias, musicales, artísticas, incluso políticas, que se reclaman de la “cibercultura””.

(Lévy 2004:78).

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“É dentro desse espaço incorpóreo (ciberespaço) de bytes e luzes, paradoxalmente também tecido com os mesmos sentimentos vibrantes que movem nossas vidas, tecido tramado pela esperança e expectativa das buscas, pela frustração dos desencontros e pela satisfação das descobertas, que surgiu aquilo que vem sendo chamado de cibercultura, uma cultura que se desenvolve de modo similar a novas formas de vida numa sopa biótica propícia”.

(Santaella 2010:103).

Em suma, a cibercultura estaria inserida no ciberespaço e seria constituída por uma gama de sentimentos semelhantes aos quais experienciamos quando nos relacionamos face a face com outrem. Ser circundado pela cibercultura não quer dizer que estamos sendo menos humanos ou que nossos sentimentos estão mudando, quer dizer que a forma com que expressamos os mesmos sentimentos mudou, mas apenas a forma, não o conteúdo. A troca continua, a experiência e as emoções também continuam. A cultura é formada por uma parte material e, de forma conjunta, por uma parte imaterial, cibercultural; continua sendo dinâmica e relativa em ambas as formas.

Compartilhamos todos os dias afeto, gratidão, raiva e amor através de pontos luminosos que obedecem a códigos binários pré-programados para alinharem-se com o toque ou o pressionar de um dedo. Miller e Horst (2015:99) apontam que “as ciências sociais têm demonstrado como o mundo real era virtual muito antes de percebermos o quão real é o mundo virtual”, pois, somos humanos de forma igual, independentemente do meio que estamos usando para nos comunicarmos. Os autores seguem com o debate e explanam:

“Somos igualmente humanos em cada uma das diferentes e diversas arenas de quadros comportamentais dento dos quais vivemos. Cada um pode, entretanto, trazer diferentes aspectos de nossa humanidade e, portanto, as sutilezas de nossa apreciação do que é ser um ser humano”. (Miller e Horst 2015:99).

Através de uma analogia, podemos pensar na tela do computador com o que Simmel (2013) chama de “moldura”. A moldura do espaço cibernético seria as telas dos computadores utilizadas pelo usuário para interagir com outros seres humanos. Simmel (2013) pontua:

“A moldura anuncia que em seu interior se encontra um mundo sujeito apenas às suas próprias normas, não envolvido nas determinações e movimentos do mundo circundante. Ao simbolizar a unidade autossuficiente da obra de arte, a moldura reforça simultaneamente por si própria a realidade e a impressão dessa mesma unidade”. (Simmel 2013:79).

Os "limites naturais" que encontramos no mundo digital, ao invés de montanhas, rios e lagos, são as línguas faladas no mundo todo. As barreiras linguísticas são um dos pontos que

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podem expressar a ruptura na comunicação e interação social, quando estamos lidando com computadores sendo utilizados como suporte para interações sociais globais. Simmel (2013:77) acrescenta: “Por essa razão, a proximidade ou a distância, a exclusividade ou a multiplicidade que a relação do grupo apresenta em relação a seu chão e sua terra, muitas vezes são a raiz e o símbolo da estrutura desse mesmo grupo”. Agora não encontramos mais o chão e a terra, acabamos encontrando o teclado e os pixels como representação de um território não palpável.

O espaço natural não é o único que sofre uma fixação arbitrária de seus limites, pois o espaço digital também não tem limites nitidamente fixados. O digital seria a criação de um espaço artificial formado por um conjunto de números binários que criam ambientes com linhas territoriais fluidas e não visíveis. Para Oliveira e Nunes (2015: 4) “O ciberespaço fornece novos referenciais simbólicos para a construção da narrativa dos grupos, novas maneiras de se sentir no mundo e (com) nele interagir (...) as relações que agora tem como cenário o mundo virtualizado ocorrem de um ponto local, a nível global”.

A cultura é dinâmica e cheia de significados que se transformam de acordo com as sociedades. As diferenças culturais dirão quais são as particularidades que essa tecnologia irá apresentar de um lugar para o outro e qual o impacto que a tecnologia representará para aquela cultura. De acordo com Miller e Horst (2015:97-98):

“Aqueles envolvidos no desenvolvimento ao redor de novas mídias e tecnologias da comunicação começaram a perceber que o que é necessário não é tanto a apropriação local de uma tecnologia, mas a importância de ouvir as diferenças na cultura que determinam o que uma tecnologia em particular se torna”. (Miller e Host 2015:97-98).

Com o advento dos meios de comunicação, a cultura também se modificou, alterando o território que esta ocupava. Agora não temos mais limites visíveis ou barreiras territoriais, expressamos a cultura através do meio digital, atrelando-a, por exemplo, aos jogos eletrônicos, pois, através deles podemos expressar grande parte das emoções humanas.

1.2 – A Importância dos Jogos

Através das coisas, vemos o mundo e nos relacionamos com ele. Nós apenas nos conhecemos através dessas coisas, pois estamos conectados, amalgamados e emaranhados a elas (Ingold 2012). As “coisas” (ou objetos) acabam tornando-se agentes que irão aparecer em relações sociais através da agência dessa materialidade. Ao pensarmos no objeto como algo transcendente da matéria, entendemos de que forma o criamos e como somos criados por ele.

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Pessoas e coisas estão interligadas, emaranhadas, tal qual uma linha de tricô que forma um tecido uniforme. Ao removermos uma das linhas que entrelaçam os fios do tricô, estaremos modificando tanto o fio individualmente retirado, quanto a natureza do tecido como um todo, descaracterizando o objeto inteiro (Miller 2010).

Para além das relações sociais, estamos entendendo o que nos faz humanos, portanto, conhecer e estudar os pixels e as ferramentas tecnológicas para entender as relações sociais presentes entre não humanos e humanos também é uma das diversas formas do fazer antropológico (e arqueológico!) (Latour 2009).

A cibercultura faz parte da dinâmica presente no ciberespaço, porém, todos esses elementos apresentam-se de forma abstrata no que concerne à sua materialidade. O microprocessador seria a parte material onde a cibercultura se apresenta. Santaella (2010) defende que:

“A fonte fundamental da cibercultura está no microprocessador (...) poucos instrumentos inventados pelo homem modificaram tanto as sociedades humanas. Seus efeitos repercutem por toda a economia. Sua onipresença se faz sentir dos telefones aos televisores, passando pelos aparelhos de videocassete, agora suplantados pelo DVD e, é claro, os microcomputadores portáteis”. (Santaella 2010:104).

Portanto, o microprocessador oferece subsídios para que a cibercultura se desenvolva e reverbere seus efeitos por toda a sociedade. Não podemos esquecer dos microcomputadores portáteis, pequenos suportes que guardam microprocessadores em seus núcleos. Estes objetos também são utilizados como meios para o desenvolvimento da cibercultura. Quais são os microcomputadores mais conhecidos? Aqueles que tornam a jogabilidade possível, que trazem o jogo para dentro das casas. Os diversos tipos de consoles (PlayStation, Xbox, Wii, dentre outros) fabricados para o mundo inteiro e que já ocupam os lares de diversos seres humanos.

Por que falamos em jogos? De acordo com Viktor Tatai (2003:1): “Os jogos de computador / entretenimento eletrônico representam atualmente um mercado mundial de bilhões de dólares. Este mercado tem sido pouco explorado tanto pela indústria como pelo mundo acadêmico”, portanto, é um assunto com um grande potencial para ser difundido e estudado com maior afinco pelos estudantes e profissionais da academia. L. Meghan Dennis (2016) relata que o: “Jogo é agora, dólar por dólar e hora por hora, a atividade de entretenimento mais lucrativa e utilizada nos Estados Unidos. Essa pesquisa está além do filme, além da

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televisão e além dos nossos melhores esforços, como arqueólogos, no engajamento da comunidade”7 (tradução da autora) (Dennis 2016:29).

Existem trabalhos acadêmicos que utilizam exclusivamente o termo “jogos digitais”

quando citam videogames como método de ensino, são as análises de Rafael Savi e Vania Ulbricht (2005), Reinhard (2016) e Dennis (2016). Porém, existem outros trabalhos acadêmicos que preferem a utilização exclusiva do termo “jogos eletrônicos”, são as análises de Ricardo Nakamura et al. (2004), Camila Santana et al. (2006) e Filomena Moita (2007).

Vale ressaltar que existem pesquisadores que não escolheram o uso exclusivo do termo

“jogos digitais” ou “jogos eletrônicos” e optaram pela utilização de ambos, como sinônimos.

Podemos perceber a utilização dos termos de forma sinônima nos trabalhos acadêmicos de Cláudia Castilho (2010) e Lynn Alves (2008).

O termo “jogo eletrônico”, pode ser definido como:

“...um sistema composto de três partes básicas: enredo, motor e interface interativa. O sucesso de um jogo está associado à combinação perfeita destes componentes. O enredo define o tema, a trama, o(s) objetivo(s) do jogo, o qual através de uma série de passos o usuário deve se esforçar para atingir. A definição da trama não envolve só criatividade e pesquisa sobre o assunto, mas também a interação com pedagogos, psicólogos e especialistas no assunto a ser enfocado pelo jogo”. (Reis 2009:21).

O termo “jogo digital”, pode ser definido como:

“Numa primeira análise, é evidente notar que os jogos digitais estão intimamente ligados aos computadores, numa visão mais abrangente, como PC’s, consoles de videogame e celulares (...) Assim, pode-se constatar que os jogos digitais são, não exclusivamente, representações de jogos, num nível mais abstrato, através dos recursos computacionais (...) É importante ressaltar que a existência de mundos fictícios deve-se a existência de um mundo lúdico único onde o jogo se desenvolve. De fato nos jogos não-digitais acaba surgindo um mundo fictício, mas esse fica limitado ao imaginário de cada participante e não é compartilhado e delimitado como nos jogos digitais”.

(Lucchese e Ribeiro 2009:9)

O trabalho em questão utilizou-se dos termos “jogos eletrônicos” e “jogos digitais” como sinônimos, semelhantes em seu significado, tendo em vista que ambos se apresentam com conceitos próximos em pesquisas com fontes bibliográficas distintas.

7 “Gaming is now, dollar for dollar and hour for hour, the most lucrative and utilized entertainment activity in the United States. Its reach is beyond film, beyond television, and beyond our best efforts, as archaeologists, at community engagement”. (Dennis 2016:29).

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Jogos eletrônicos mimetizam (ou não) o real, a vida humana, portanto, para que haja humanidade em um mundo digital, necessariamente deve haver interação entre seres humanos.

As relações sociais dentro de jogos podem acontecer em escala global, contanto que não haja a barreira linguística para impedir tal interação. Emoções podem ser compartilhadas e também aguçadas através da competitividade que os jogos trazem, de forma semelhante a que encontramos na vida real.

O grande diferencial dos jogos para o mundo real está no imaginário, dentro do jogo eletrônico o jogador pode adquirir a personalidade que lhe for mais agradável, não precisando encarar a sua identidade na vida real, portanto, a complexidade em relação às sociabilidades dentro do jogo é de extrema importância para os estudos antropológicos.

O território digital não nos disponibiliza apenas as redes sociais para interagirmos socialmente. Precisamos pontuar que os jogos, através de uma realidade virtual, nos oferecem outras formas de interação. As práticas comunicativas modificam-se com o tempo, juntamente com a forma que são expressadas. As relações sociais expandem-se de maneira global, portanto, jogadores podem conviver socialmente dentro do mundo virtual, mimetizando (ou não) o mundo real que o cerca.

1.3 – A Relação em Ambientes Virtuais

Os elementos rituais na interação sociais pontuados por Erving Goffman (2011) também se farão presentes no meio digital, através de uma linguagem diferenciada, própria do meio digital. Estaríamos vivendo uma ressignificação das relações sociais através do mundo digital?

Na visão de Sahlins (1997), os significados e valores não podem ser determinados através da matéria, portanto, as relações sociais que acontecem dentro da plataforma digital obedecem outro conjunto de regras, interações, significados e simbolismos que não são os mesmos quando comparamos às relações face a face. Brasilina Passareli (2009) pontua:

“A sociedade evoluiu paras as conexões instantâneas em rede, criou novos espaços e tempos diferenciados. Se espaço e tempo são categorias importantes para a etnografia tradicional, também o são para qualquer outra coisa que, por ventura, queira utilizar o verbete “etnografia” ou “etnográfico” consigo”.

(Passareli 2009:41).

Nos cabe enfatizar, portanto, que métodos ligados estritamente ao fazer antropológico também podem ser aplicados em plataformas digitais e com uma variedade de jogos eletrônicos que tenham como foco as relações e interações humanas. Tudo é aprendizado, repassado para

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as gerações futuras através do que culturalmente aprendemos. O mundo é ensinado, gerações anteriores ensinam as gerações vindouras e assim sucessivamente, Sahlins (1997) diz:

“As pessoas organizam sua experiência segundo suas tradições, suas visões de mundo, as quais carregam consigo também a moralidade e as emoções inerentes ao seu próprio processo de transmissão. As pessoas não descobrem simplesmente o mundo: ele lhes é ensinado (...) o ver também depende do ouvir, e, na sociologia do pensamento (...) a razão se entrelaça com o sentimento e está presa à imaginação”. (Sahlins 1997:48).

Com base no entendimento de que o aprendizado perpassa entre as gerações, podemos mencionar o fato de que as crianças que já nasceram em um mundo completamente tecnológico, não terão dificuldades e nem estranharão o fato de criarem relações sociais através desses dispositivos eletrônicos (Moita 2007). Tablets, smartphones e notebooks com conexão à internet são extremamente comuns para as crianças, portanto, podemos ter situações em que as próprias amizades formadas por esses meios de comunicação nunca tenham tido uma forma presencial de interação social.

Quando tratamos de jogos eletrônicos, em relação às “amizades virtuais”, precisamos pontuar dois elementos importantes: a competitividade e as emoções. Quando tratamos de amizades virtuais, estamos lidando com pessoas que provavelmente não tiveram contato físico algum, nunca interagiram face a face, mas interagem constantemente pelo meio digital. Quais seriam as diferenças? Utilizando o computador podemos nos comunicar com outros seres humanos ouvindo-os e vendo-os (tanto o personagem fictício quanto a imagem formada por uma câmera acoplada ao suporte), portanto, as relações virtuais tornam-se extremamente reais, levando em consideração que as emoções assumidas dentro dos jogos são as emoções mimetizadas na vida real.

Os sentimentos de felicidade, raiva, orgulho, gratidão, dentre outros, também estão presentes no mundo virtual e, de maneira prioritária nos jogos, pois estes contam com mecanismos diferenciados para que os personagens fiquem absortos à história que estão jogando naquele momento. Alguns jogos, inclusive, fazem com que os jogadores não consigam jogar sozinhos e precisem estabelecer círculos de amizades virtuais para prosseguir com prosperidade no determinado jogo.

As tecnologias comunicacionais estão em constante aprimoramento, cabe-nos como pesquisadores pensar nesse tipo de tecnologia aplicando-a a conceitos já renomados, redefinindo-os e criando novos paradigmas ao inseri-los no mundo digital contemporâneo.

Pensarmos sobre cultura, território e interação é também pensar de que forma a cultura muda e

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como o território é construído nesse processo, havendo a ressignificação a partir da interação entre as pessoas.

1.4 – Cultura Material, Máquinas e Arqueologia

O estudo da cultura material caracteriza-se como um campo de natureza transdisciplinar, constituindo-se de acordo com pesquisas que ultrapassam o sistema de aprendizado dividido em categorias e subcategorias (Lima 2011). Segundo Daniel Miller e Christopher Tilley (1996), podemos conceituar que:

“O estudo da cultura material pode ser amplamente definido como a investigação da relação entre pessoas e coisas, independentemente do tempo e do espaço. A perspectiva adotada pode ser global ou local, concernente ao passado ou ao presente, ou a mediação entre os dois8” (tradução da autora).

(Miller e Tilley 1996:5).

Portanto, a cultura material é constituída e constituinte, ela é construída, mas ao mesmo tempo constrói e mostra características do humano que interage com ela, mesmo que de forma inconsciente. Existe um permanente dinamismo na relação entre pessoas e coisas, independentemente do tempo e do espaço (Latour 2009).

Homens e máquinas estão interagindo de forma muito intensa, nunca vista anteriormente.

Portanto, novas teorias acerca da interação entre humanos e máquinas estão surgindo para que possamos entender de que forma acontece essa troca mútua de informações entre o indivíduo e o artefato inteligente. Através dos estudos de Lucy Suchman (2007), podemos auferir que, em relação às teorias relacionadas à interação entre humanos e máquinas:

“… sobre a questão das alternativas às abordagens teóricas da informação em relação às interações homem-máquina, acredito que o terreno mudou radicalmente nos últimos vinte anos. As mudanças envolvem reconceituações do social, do material e dos limites entre eles, com implicações associadas às práticas de design de sistemas”9 (tradução da autora). (Suchman 2007:259).

8 “The study of material culture may be most broadly defined as the investigation of the relationship between people and things irrespective of time and space. The perspective adopted may be global or local, concerned with the past or present, or the mediation between then two” (Miller e Tilley 1996:5).

9 “…on the question of alternatives to information theoretic approaches to human-machine interactions, that I believe the ground has shifted most radically over the past twenty years. The shifts involve reconceptualizations of the social and the material and the boundary between them, with associated implications for practices of system design”. (Suchman 2007:259).

Referências

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