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Conselho Editorial Prof. Me. Gil Barreto Ribeiro (PUC Goiás) Diretor Editorial Presidente do Conselho Editorial

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Academic year: 2022

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Prof. Me. Gil Barreto Ribeiro (PUC Goiás) Diretor Editorial

Presidente do Conselho Editorial Dr. Cristiano S. Araujo

Assessor

Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira Diretora Administrativa

Presidente da Editora CONSELHO EDITORIAL

Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães (UFG) Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG)

Profa. Dra. Helenides Mendonça (PUC Goiás) Prof. Dr. Henryk Siewierski (UnB)

Prof. Dr. João Batista Cardoso (UFG Catalão) Prof. Dr. Luiz Carlos Santana (UNESP) Profa. Me. Margareth Leber Macedo (UFT) Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG) Prof. Dr. Nivaldo dos Santos (PUC Goiás) Profa. Dra. Leila Bijos (UnB)

Prof. Dr. Ricardo Antunes de Sá (UFPR) Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG) Profa. Dra. Terezinha Camargo Magalhães (UNEB)

Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG)

Profa. Dra. Elisangela Aparecida Pereira de Melo (UFT)

Prof. Ms. Euvaldo de Sousa Costa Junior (UFPI)

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T143 Talento e ensino [livro eletrônico] / Organizador Wanderley Alves dos Santos. – Goiânia : Editora Espaço Acadêmico, 2020.

139 p. ; E-book.

Inclui referências bibliográficas.

ISBN: 978-65-00-04404-1

1. Educação. I. Santos, Wanderley Alves dos (org.).

CDU 37

Índice para catálogo sistemático

1. Educação ...37

© Editora Espaço Acadêmico, 2020

Os artigos e as informações neles contidas são de completa responsabilidade dos autores. Não podendo publicar nenhuma nova versão sem autorização dos mesmos.

Investindo em novos talentos da rede educacional pública par inclusão social e desenvolvimento da cultura científica - Projeto submetido ao Edital CAPES/DEB nº 033/2010.

Projeto gráfico, diagramação e finalização da capa: Franco Jr.

Revisão ortográfica: Suellen Carina Lopes Ilustração da capa: Carolina Cruvinel

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Talento e Ensino

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A Educação deve ser tratada como um compromisso social, po- lítico e de todos para todos, devendo, portanto, ser inclusiva. Para isto, deve-se considerar a existência de diversos talentos no contexto esco- lar, que necessitam ser identificados e trabalhados para que se desen- volvam em sua plenitude. O aluno com alta habilidade ou talentoso, necessita de uma educação diferenciada e sistematizada para desen- volver o seu potencial.

Ao ler os artigos contidos neste livro você irá adquirir conhe- cimentos gerais e específicos sobre inclusão, em especial, sobre a in- clusão do aluno com altas habilidades no contexto social, familiar e escolar. Trata-se de artigos das diversas áreas de conhecimento e de diferentes profissionais. O conteúdo explanado nos textos possui uma riqueza e profundidade dignos de serem absorvidos e utilizados em nossa atuação profissional. Assim, peço licença aos autores para apre- sentar um pouco deste conteúdo.

Muito se discute, pesquisa e estuda sobre o tema “alta habilida- de”, porém pouco consegue ser aplicado à prática da educação. Este tema traz em seus estudos, a falta de conhecimento e clareza dos con- ceitos básicos, dificultando o planejamento educacional e a tomada de decisões na prática. O artigo “Educação para dotados e talentosos – conceituação e terminologia”, de Zenita Cunha Guenther, apresenta a definição de diversos conceitos como: aptidão, desempenho, capa- cidade, dotação, inteligência, talento, entre outros, esclarecendo e sa- nando alguns problemas na compreensão teórica.

Outro aspecto importante a ser considerado é o papel do profes- sor, fundamental para o desenvolvimento do aluno com altas habili- dades. É necessário que o docente compreenda que o aluno talentoso não apresenta, normalmente, habilidade em todas as áreas, mas pos- sui uma área em que se destaca com maior desempenho. Além disso, muitas vezes, o aluno talentoso é descriminado. O artigo “Educação

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afetadas emocionalmente em nossa sociedade ocidental, muitas vezes

“machista”, ao serem subestimadas. O talento feminino deve ser igual- mente considerado, visto que a sua capacidade se mostra com clareza ao receber o espaço para ser desenvolvida e reconhecida.

A alta habilidade também aparece em destaque nas artes. A arte é uma das atividades mais antigas da humanidade, onde o homem se coloca como um “ser no mundo”. Ela possibilita a aproximação do eu ao outro. O encontro com o outro e o reconhecimento do meu eu na representação expressa pela arte, levam à formação do sujeito. Assim, a arte contribui para o desenvolvimento de múltiplas habilidades em todas as pessoas que a experimentam. O fazer artístico trabalha as competências mentais, físicas, as sensações e as relações sociais.

O teatro é uma das formas de expressão da arte que pode ser utilizado como instrumento de inclusão, conforme constatamos no artigo de Simone Aparecida Passos e Elisabeth Francisca de Oliveira Pereira: “Teatro na escola: inclusão”. O teatro é uma área de conheci- mento que estimula o desenvolvimento do potencial e a formação glo- bal do indivíduo. Ele possibilita que o homem se coloque no lugar do outro e que ele internalize o outro em si.

O talento musical também deve ser considerado na área das ar- tes. O ser humano é musical, porém algumas pessoas possuem um talento musical acima da média. Estes talentosos necessitam ser re- conhecidos para que possam desenvolver o seu potencial. Para isto, deve-se primeiro conhecer a relação entre sociedade, processos cultu- rais, educação, cognição e música, conforme aponta o artigo de Flavia Maria Cruvinel: “Talento musical: orientações para educação básica”.

O homem expressa suas emoções, seus valores e ideias por meio da música.

A tecnologia e informática é outra área em que se aponta de forma diferenciada o saber daqueles que possui alta habilidade como bem aponta o artigo: “Dom, talento, genialidade ou criticidade digital na e-Arte/Educação?”, de Fernanda Pereira da Cunha. Na atualidade, todos possuem ou necessitam ter o acesso às tecnologias, em especial à informática, porém alguns (em especial adultos) ainda resistem a es- ta realidade, enquanto outros almejam e possuem potenciais além da média geral da população. A informática se tornou mais uma forma de comunicação social, de troca de informação e de envolvimento afeti-

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humano.

O artigo de Carlos Eduardo Enunciação: “Talento científico na escola – implementando experiências com kits educativos” discute a importância em desenvolver os potenciais criativos dos alunos utili- zando a ciência como caminho. Para que isto seja possível, os profes- sores necessitam estar buscando constantemente a capacitação teórica e prática que o leva a produzir materiais mediadores da aprendizagem para o aluno, assim como a capacidade para a identificação do aluno com alta habilidade e suas necessidades.

Ao entrar em contato com a literatura científica sobre altas ha- bilidades, se percebe que ainda pouco se sabe e se trabalha em relação a este assunto, porém os grupos de alunos com alta habilidade e suas necessidades se mostram no dia-a-dia e precisam ser vistas. Para isto é necessário ir além dos estudos e do senso comum, é preciso aproxi- mar do portador de alta habilidade e conhecer o seu universo cheio limites, inseguranças e capacidades, para assim, compreende-lo e in- centivá-lo a se desenvolver de maneira positiva para ele e para a so- ciedade. Você leitor é convidado a fazer parte desta rede de estudos e práticas inclusivas!

Danielle de Paula Mendonça Mestre em Psicologia pela PUC-Goiás Psicóloga da UFG

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Mais Algumas Palavras

Sob o patrocínio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) do Governo Federal, surge esse traba- lho de coletâneas de experiências e reflexões pedagógicas de profes- sores das Universidades Federais (Projeto Talento/CAPES-UFG, Edital CAPS/DEB nº 033/2010). Aqui se reúnem diversos especialistas, de di- versas áreas, para discutir o tema talento, dotação e ensino.

Considerando a grande capacidade humana, cabe à educação escolar, aos profissionais da educação, pais e responsáveis, a tarefa de estimular valores e capacidades cognitivas avançadas. Aqui poder- se-á perceber diversos olhares sobre o tema Talento e Ensino, cada au- tor procura dar sua melhor contribuição, seja na abordagem teórica seja no relato de experiências pedagógicas e sugestões didáticas, seja em considerações crítico-reflexivas.

Uma grande nação se faz com inteligências aplicadas, criativi- dade, solidariedade e justiça, educação de qualidade. Nesta perspec- tiva, a Educação Inclusiva da infância e juventude talentosa é tarefa urgente. Um talento perdido significa o fracasso da sociedade organi- zada, o talento transviado resulta em grandes prejuízos sociais.

Na escola pública existem estudantes com necessidades educa- tivas especiais, que devem ser localizados e auxiliados no desenvolvi- mento de suas capacidades elevadas. Grandes pesquisadores da edu- cação, psicólogos educacionais e da criatividade, mostram, através de suas pesquisas, a existência desses jovens e crianças, num quantitati- vo maior que se imagina, e que necessitam de uma atenção pedagógi- ca diferenciada, considerando suas capacidades cognitivas acima da média, e essas crianças e jovens estão presentes em todas as classes sociais. Portanto, exigindo ação didática sistemática, inclusiva, na re- de de ensino público brasileiro.

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importância social.

Prof. Dr. Wanderley Alves dos Santos Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação /

Universidade Federal de Goiás

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EDUCAÇÃO PARA DOTADOS E TALENTOSOS –

CONCEITUAÇÃO E TERMINOLOGIA ...13 Zenita Cunha Guenther

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O CAMPO DA VISUALIDADE ...33 Cleomar Rocha

TALENTO ARTÍSTICO VISUAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA ...43 Wanderley Alves dos Santos

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: IDENTIFICAÇÃO E APOIO AO TALENTO FEMININO ...52

Wanderley Alves dos Santos

TEATRO NA ESCOLA: INCLUSÃO ...61 Simone Aparecida dos Passos

Elizabete Francisca de Oliveira Pereira

TALENTO CIENTIFICO NA ESCOLA – IMPLEMENTANDO

EXPERIÊNCIAS COM KITS EDUCATIVOS ...79 Carlos Eduardo Enunciação

TALENTO MUSICAL: ORIENTAÇÕES PARA EDUCAÇÃO BÁSICA ...107

Flavia Maria Cruvinel

DOM, TALENTO, GENIALIDADE OU CRITICIDADE DIGITAL NA E-ARTE/EDUCAÇÃO? ...124

Fernanda Pereira da Cunha

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– CONCEITUAÇÃO E TERMINOLOGIA

Zenita Cunha Guenther

Um cenário conceitual confuso

Um problema permanente na área da Educação, em nossos meios, é a desconfortável diferença entre o conhecimento existente e a prática diária nas escolas. A maior parte do saber acumulado por estudos e pesquisas científicas, mesmo quando disponível aos profis- sionais da Educação, permanece amplamente ao nível de discussão, publicações e comunicação em meios acadêmicos, sem chegar ao des- tino final, que necessariamente tem que ser a escola. Nesse contexto os professores, geralmente, não conseguem ver relação entre o que se estuda em “Ciência da Educação”, e o que acontece, de fato, no seu trabalho diário com os alunos.

Atualmente, em todo o mundo, é notável o interesse pela pesqui- sa na área de educação especial para desenvolver capacidade e poten- cial nos escolares, com a literatura aumentando ano a ano. Entretanto, esse conhecimento não parece estar influenciando a prática educacio- nal no Brasil. Mesmo educadores bem intencionados que buscam na literatura internacional bases científicas para sua prática, encontram dificuldade em lidar com conceitos demasiadamente amplos e super- postos, como “dotação”, “capacidade elevada”, ou “talento”.

Em nossos meios, além dessa dificuldade geral, adotam-se ter- mos e combinações locais de definição própria, como superdotação/

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altas habilidades, em documentos oficiais, publicações e traduções, que daí vazam para a mídia. Talvez seja o multiuso que os mantenha arraigados ao pensamento popular, regularmente adubado com farta cobertura jornalística, geralmente enviesada, sem muita preocupação com conhecimento científico, como é por natureza o jornalismo: um noticiário. Esse cenário confuso e barulhento dificulta aos educadores a compreensão dos construtos e dos conceitos que os baseiam, o que se reflete no dia-a-dia escolar, inibindo e baralhando os esforços para identificação e provisão de condições educacionais favoráveis aos alu- nos dotados e talentosos.

Em busca das raízes Indefinições

A temática envolvendo conceituação de dotação humana vem se arrastando desde os meados do século passado, ao redor da di- cotomia hereditariedade e/ou ambiente. Mas o agonizante debate

“hereditariedade versus ambiente”, lidando com argumentos emba- sados mais em ideologia que conhecimento, não resiste à autorida- de do saber construído nas áreas da genética e neurociência. Por via desses estudos amplia-se e aprofunda-se a área, abordando diferen- ças de desempenho que somente podem ser compreendidas com base em diferenças individuais enraizadas no plano genético, pe- la combinação única de grupos de genes, pessoal e própria de cada indivíduo.

Crawford (1979) observou que muitas pessoas associavam ca- racterísticas genéticas com determinismo, e ambientais com liberda- de de escolha, mesmo após haver estabelecido que existem hábitos e atitudes extremamente resistentes à mudança, adquiridos no ambien- te cultural. O geneticista Robert Plomin (1983) ao demonstrar como muitas características herdadas são modificáveis, e outras adquiridas no ambiente são profundamente resistentes a mudança, desvendou a dificuldade em sacudir a falsa noção de que diferenças genéticas co- meçam antes do nascer e permanecem imutáveis.

No cenário geral, três autores se completam nos estudos para deslindar essa questão, especificamente no que se refere à presença de capacidade elevada: William Angoff, Michael Howe (e associados) e Françoys Gagné. Em grande maioria, os estudos revistos e analisados

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por esses pesquisadores focalizam o construto Aptidão – para indicar capacidade natural própria do individuo, originada no plano genéti- co, e Desempenho – para competências adquiridas no ambiente, por aprendizagem intencional, ensino e treino.

Aptidão e desempenho

O termo “aptidão” (em inglês aptitude), geralmente vem acom- panhado do advérbio “para” acrescido de um campo de ação, e impli- ca, necessariamente, a noção de potencialidade, por exemplo, aptidão para línguas, para futebol, para matemática, para oratória. Uma im- portante dimensão do conceito de aptidão tem a ver com a diferencia- ção entre os construtos aptidão – e desempenho.

William Angoff, segundo Gagné (2007), o mais articulado entre os autores que aprofundaram estudos sobre aptidão e desempenho, encarou a dificuldade em estabelecer distinções entre esses dois con- ceitos. Após estudar a variada literatura existente, Angoff concentrou- se em analisar a maneira como os construtos aptidão e desempenho são medidos, partindo do princípio de que aí está a base efetiva da conceituação. Feita a análise dos resultados alcançados por medidas de aptidão, e por medidas de desempenho, indica as seguintes diferen- ças entre esses construtos (ANGOFF, 1988):

a) Crescimento lento – (aptidão) - rápido (desempenho).

b) Aprendizagem informal (aptidão) - ensino formal (desempenho).

c) Resistência a estímulos (aptidão) - susceptibilidade a estí- mulos (desempenho).

d) Maior substrato genético (aptidão) - maior componente de prática (desempenho).

e) Maior conteúdo geral (aptidão) - maior conteúdo circunscri- to (desempenho).

f) Mais aprendizagem “sedimentada” (aptidão) - mais aquisi- ções “novas” (desempenho).

g) Maior faixa de generalização (aptidão) - estreita faixa de transferência (desempenho).

h) Maior poder de prospecção e previsão (aptidão) - maior uso retrospectivo (desempenho).

i) Maior utilidade para avaliação ampla (aptidão) - limitada ao conteúdo ensinado (desempenho).

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Esse autor enfatiza que, tanto aptidão como desempenho são, em essência, capacidades passíveis de serem desenvolvidas, aliás, co- mo qualquer traço mental que se modifica com ao passar do tempo.

Na sequência de extensa revisão da pesquisa básica e experimental re- lacionada ao tema, Angoff identifica as diferenças entre os processos e meios de desenvolvimento associados a cada um desses construtos:

1. Melhoria no desempenho é alcançada, imediatamente, por exposição a um conteúdo ou área; aptidão cresce vagarosa- mente, como consequência da vida diária, seja ou não relacio- nada a aprendizagem formal, mas o desenvolvimento acon- tece por vias de aprendizagem informal e não controlada.

2. Aptidão tende a resistir a esforços para apressar o desenvol- vimento; desempenho responde a tais esforços.

3. Notas em provas de desempenho medem quantidade de aprendizagem passada; testes de aptidão buscam previsão de possibilidades para aprendizagem futura.

4. Medidas de aptidão podem ser generalizadas para uma fai- xa ampla da população; medidas de conhecimento e habi- lidades, associados a desempenho, se aplicam a uma área restrita.

5. Medidas de desempenho são baseadas em faixas estreitas de conteúdo conhecido, ou estudado; medidas de aptidão explo- ram domínios mais ampliados, presumivelmente dentro de um contexto cultural comum acessível a todos os indivíduos.

6. Aptidão é por natureza orientada para a prospecção, com im- plicações para aprendizagens futuras; desempenho é, por na- tureza, retrospectivo voltado para aprendizagens passadas.

Outro estudo compreensivo envolvendo essa conceituação vem de Michael Howe, Jane Davidson, and John Sloboda (1998), que tam- bém em revisão de literatura conceitual, põem em dúvida a existên- cia de “dotes”, ou “dons” naturais, mas propõem características do que chamam “talento inato”, que são muito parecidos com capacida- de natural:

1. Originado em estruturas geneticamente constituídas.

2. Efeitos completos podem não se evidenciar ao inicio da vida.

3. Indicações de talento na infância podem dar base para pre- visão de excelência futura.

4. Existe somente em uma minoria da população.

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Finalmente, Françoys Gagné integra esses resultados aos seus estudos preparatórios à proposição do modelo DMGT (Developmental Model for Giftedness and Talent) para transformação de capacidade natural (dotação) em competências (talentos), com conceituação dife- renciada a cada construto.

Capacidade natural – o construto

Gagné é o autor que melhor conseguiu, até agora, esclarecer com profundidade e abrangência a configuração diferenciada desses conceitos, e assim estabelecer distinção entre os construtos “dotação”

e “talento”. Estudou com admirável dedicação toda a literatura básica na área e áreas adjacentes, e sua escolha de termos prima por um prís- tino cuidado em estabelecer o sentido exato para cada termo referente a cada conceito.

Gagné reconhece na expressão Capacidade natural (em inglês natural ability) um construto básico à compreensão profunda das “di- ferenças individuais”: capacidade refere-se ao poder físico ou men- tal de “fazer alguma coisa”, aprender e agir; não é o mesmo que tra- ços pessoais, os quais indicam outros atributos, e configuram a área de construtos de personalidade. Assim diferencia as seguintes carac- terísticas de capacidade alta (em inglês high ability), a que chama

“dotes” (em inglês gifts)1, expressos em domínios traçáveis a funções cerebrais:

1. Capacidade natural tem fortes raízes originadas na dota- ção genética da pessoa, todavia, a influência genética nas diversas capacidades não denota efeitos de um gene especí- fico, e sim a propensão probabilística de sistemas multi-gens (PLOMIN, 1998).

2. Capacidade natural antecede ao desempenho e atua como potencial para ação e provê os elementos que vão constituir as competências.

3. As capacidades naturais se desenvolvem informal e lenta- mente, tanto pelo processo de maturação como pelo uso na vida diária, portanto, são mais resistentes a mudanças que competências; maturação é um processo relacionado a raí- zes genéticas; o viver diário explica, ao mesmo tempo, o de- senvolvimento espontâneo e o ritmo interno próprio em que isso acontece.

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4. Capacidade natural atua em qualquer campo de ação, inde- pendente de áreas ou conteúdos, e está disponível para os ramos de atividade propiciados no ambiente. Portanto, não seria apropriado dizer “dotação musical”, “dotação atlética”,

“dotação acadêmica”, porque indicam campos específicos de atividade presentes no meio, e dependem de aprendiza- gem, exercício, e treino.

5. Capacidade natural tem poder de previsão em relação aos níveis de desempenho sistematicamente desenvolvido; o pa- ralelismo entre “pares de palavras”, como dotação e talento, aptidão e desempenho, potencial e produção, traz em si a implicação de correlação entre eles, por exemplo, alto poten- cial (dotação) leva a alto nível de produção (talento).

6. Como consequência, o nível de capacidade natural impõe, necessariamente, restrições ao nível esperado de competên- cia, ou seja, altos níveis de capacidade (dotes), aumentam a probabilidade de alto nível de desempenho, e vice-versa.

De acordo com essa conceituação, não se deve dizer “capacida- de e talento”, porque essa expressão sugere que talentos não são capa- cidades, o que é falso. Por outro lado, o termo capacidade não subs- titui diretamente, nem o termo potencial, e nem desempenho, porque é necessário especificar o tipo de capacidade, adicionando um adjeti- vo descritivo (capacidade intelectual, capacidade física). Essa noção constitui a base da diferenciação da capacidade humana em domínios específicos.

Há autores que se opõem à ideia de que alguns tipos de capa- cidade sejam “capacidade natural” – (CHARNESS, 1998; ERICSSON, 2003; LEHMANN, 1998; STARKES & HELSEN, 1998; TESCH-RÖMER, 1998); e ainda outros (ERICSSON, RORING, & NANDAGOPAL, 2007;

HOWE, DAVIDSON, & SLOBODA, 1998), chamam “dotação” de “ta- lento inato”, o que parece ser o mesmo conceito com outra palavra, agravando o já denominado “caos conceitual” (GAGNÉ, 2009).

Dotação (em inglês giftedness)

Plomin (1998) aponta que, uma vez estabelecida uma respos- ta para as questões iniciais sobre se e quanto à constituição genética contribui para a existência de capacidade (resposta - sim, e muito!), a

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pesquisa está se movendo para além dessas questões, aprofundando a exploração dos diferentes graus da capacidade enraizada na consti- tuição genética, que, ao extremo da curva de distribuição, inaugura o estudo da “dotação”.

Nesse particular Gagné (2005) alerta para o perigo de se alargar, demasiadamente, o construto “dotação”, o que pode diluir a signifi- cação do conceito, como vem acontecendo com o construto de inte- ligência: inteligências múltiplas de Gardner (1983), inteligência emo- cional de Goleman, (1995) ou inteligência do sucesso de Sternberg (2005). Embora seja fácil compreender capacidade natural como pre- disposição ou tendência, não parece existir um termo apropriado pa- ra dotação, dom, dote, o que Gagné (2005) confessa: “Infelizmente, não achei um termo apropriado para substituir dotação, embora seja fácil encontrar um equivalente para capacidade natural, em termos como‘predisposição’, ou ‘propensão’”. Em seus comentários diz que faz algum sentido que umas pessoas pensem em dotação como “ca- pacidade para raciocinar”, que no mundo das publicações se pense em dotação como a “capacidade de criar” dos autores de ficção, e no mundo dos esportes dotação seja vista como “capacidade física” dos atletas.

O que isso nos diz é que, a não ser pela visibilidade do de- sempenho notavelmente acima da média, tanto dotação como talentos compartilham um conceito de ordem superior, o conceito de capaci- dade, compreendido como o poder de aprender e fazer alguma coisa física ou mental. Capacidade, por ser um termo mais abrangente, se refere a ambos – dotes e talentos. Por exemplo, não dizemos “veículos e carros”, quando queremos dizer “caminhões e carros”, porque am- bos são veículos. Um “dote” se refere a uma capacidade natural notá- vel, situada na parte final da curva de distribuição. A etimologia do termo “dom”, como “dote”, traz a ideia de um presente dado àquele indivíduo, pelos deuses, pelos ancestrais, ou pela natureza.

Outra dificuldade de conceituação é estender o termo “dota- ção” para características humanas que não se referem a uma capaci- dade. Capacidade indica poder de aprender diretamente associado à ação, ou potencial para ação. Existem outras características humanas, mas pertencem a gama de “construtos de personalidade”, que corres- pondem aos estilos de comportamento (MCCREA et al., 2000). Assim, expressões como “o dom do otimismo”, ou o “dom da religiosidade”

(PIECHOWISKI, 2003), ou preferências pessoais, tais como “gostar de

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conviver”, “preferir matemática”, tomados como sinais de capacidade, podem gerar ambiguidades desnecessárias.

Dotação e Inteligência

Os construtos de “inteligência” e de “dotação” parecem estar as- sociados na mente de muitos especialistas em educação para dotados.

Plomin (1998) aponta que há mais pesquisa sobre o domínio intelec- tual do que todos os outros domínios combinados. Mas tal limitação é amplamente demonstrada na literatura da área, com preocupação ge- ral sobre a distorção conceitual que acarreta.

Prodígios

Crianças prodígios recebem muita atenção por exibirem extre- mos de facilidade em aprender uma determinada habilidade, o que leva a associar prodígios com dotação, cuja marca é notável facilida- de e rapidez de aprendizagem. Porém, estudos longitudinais mostram que prodígio pode ser uma expressão simples de precocidade, o que não é, efetivamente, sinônimo de dotação, pois há mais crianças pre- coces que a probabilidade esperada de dotação, e muitas pessoas do- tadas não foram prodígios, ou sequer precoces. Embora seja um fenô- meno de importância, a ideia do prodígio seria considerada melhor sob a noção de extrema precocidade, em termos de grau e ritmo de maturação do aparelho nervoso central, do que como sinal de poten- cial elevado.

Talento

A confusão conceitual observada sobre o significado do termo talento parece ser devida à ambiguidade associada ao significado co- mum da palavra para descrever ambos: alto potencial e alto desem- penho. Etimologicamente, “talento” se referia a uma medida de peso, portanto, sem associação com capacidade humana. Curiosamente, ta- lento como uma medida de peso não tinha um valor constante, e as- sim pode-se pensar que os talentos eram distribuídos com base no desempenho do indivíduo em uma dada atividade, o que depende da sua capacidade interna para desempenhar. Essa ideia é compatível com o construto atual talento (GAGNÉ, 2008).

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O termo talento tem, constantemente, criado ambiguidades, pe- la falta de distinção clara entre capacidade (dotação) e o desempenho observado. Ericsson et al. (2007) tentam resumir o conceito de exce- lência, também associado a desempenho superior, em dois compo- nentes básicos, vontade e exercício intencional, que de fato têm o mais alto papel na emergência e desenvolvimento de um talento. Portanto, pode-se compreender o uso de talento e excelência sob o mesmo con- ceito: alto nível de desempenho em um campo de atividade.

Competência

Competência é um termo mais abrangente para expressar aqui- sição de conhecimento acoplado a habilidades operacionais; tanto co- mo um substantivo (competência) como adjetivo (competente), o ter- mo descreve um nível de desempenho que alcança ou ultrapassa o mínimo requerido para a ação comum. Competência se refere a um amplo universo de capacidades, intencional e diretamente treinadas em habilidades. A noção de “raízes genéticas diretas e indiretas”, de Plomin (2003), expressa a diferença entre capacidade natural e com- petências. As raízes genéticas de competência acadêmica, por exem- plo, são indiretas: elas se originam nas relações entre inteligência (um domínio de capacidade natural) e desempenho acadêmico, uma com- petência adquirida (PLOMIN & PRICE, 2003). Assim, as diferenças in- dividuais em capacidade natural dão origem às diferenças individuais em desempenho acadêmico. Desenvolver uma competência vem a ser transformar, progressivamente, uma ou mais aptidões específicas em desempenho superior, ou seja, em uma “capacidade treinada”.

“Expertise” (usado em português sem tradução)

Ericsson et al. (2007) definem expert como um termo usado pa- ra identificar pessoas que desempenham, confiavelmente, a níveis elevados de qualidade. Assim pode-se pensar em experts em mecâni- ca, em jardinagem, em enfermagem, em artes gráficas Mas, para fa- lar em um expert jornalista, ou professor, ou psicólogo, por exemplo, haveria dificuldade em manter a condição de “desempenho superior constante e reproduzível”, apontado pelos autores. Quanto mais se- letivo for o conceito, maior a dificuldade em fazer previsões sobre aplicabilidade.

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Habilidade/s (em inglês - skill/s)

Esse é um termo empregado para descrever um leque de com- petências treinadas: habilidade verbal, habilidades culinárias, habili- dades sociais, habilidades de ensino, enfim, há centenas de tipos di- ferenciados de habilidades. Como vem explicitado nos tradicionais exemplares do “Manual de Habilidades” (habilidade mecânica, de en- fermagem, do pianista, do jardineiro, etc.), seria possível estender o sentido comum do termo, quase sempre associado a desempenho de uma ação concreta e física, para o domínio das operações mentais e, por exemplo, falar em habilidades de raciocínio, de memória, ou mes- mo de perceptividade social. Mas o importante é manter em mente que esse termo se refere a resultados de algo aprendido, ou treinado, intencionalmente.

O termo “habilidade”, porém, não expressa facilmente a noção de “conhecimento”, um elemento necessário a situações de aprendiza- gem mais complexa. Se fosse possível definir capacidade natural em termos de “habilidades” esse termo não se aplicaria ao desempenho aprendido.

Talvez seja possível entender o termo (habilidades) em um con- ceito geral, incluindo dois componentes: conhecimento e habilidade, ou seja, fatos e ações. Nesse caso seria possível aferir um elemento de capacidade natura (aptidão) e outro de capacidade treinada (com- petência), e assim, possivelmente, aceitar a inclusão do termo habili- dade no conceito de dotação como capacidade natural expressa em desempenho treinado. Mas, aprofundando essa análise, esbarra-se na questão de que “conhecimento” não é uma “capacidade natural”, mas algo adquirido. Assim, competência pode ser um sinônimo de capaci- dade treinada (habilidade) e aptidão um sinônimo para a capacidade natural, não treinada.

O fato de que eu não concordo com a figura usada por Renzulli para descrever a concepção de dotação em três argolas entrela- çadas, não me impede de ver ali minha própria concepção da relação entre dotação e talento: dotação como o potencial de ca- racterísticas que se expressam em uma diversidade de talentos.

(GAGNÉ, p.?, 2007)

Tanto dotação como talento representa notáveis manifestações de capacidade. Dotação representa, essencialmente, “capacidades em

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potencial”, e o melhor termo para expressar essa noção parece ser “ca- pacidade natural”. No caso dos talentos, estamos olhando para capa- cidades desenvolvidas, que resultam de períodos intensos de apren- dizado e prática. O termo habilidade é melhor conceituado como uma

“capacidade treinada”.

Peculiaridades do cenário brasileiro Traduções e interpretações

Ao que se pode inferir, a confusão na terminologia brasileira parece ter se iniciado pela decisão de inserir o prefixo “super” em traduções dos termos utilizados na literatura americana – giftedness e gifted – que significam literalmente: dotação (gift: prenda, presen- te; ness: essência, natureza), e dotado (tem dotação). O termo super- dotação caiu mal e foi rejeitado nos meios educacionais. Para ame- nizar o efeito, buscou-se outra expressão em inglês, “high ability”, mais utilizada na Europa, que em português significa capacidade ele- vada; mas, ao se traduzir hihg ability como “altas habilidades”, per- deu-se de uma vez tanto a essência do conceito como a leveza da expressão.

Na prática escolar pode-se observar como esse caos é um com- plicador maior que simples dissidência semântica, pois conceitos mal assentados e termos imprecisos, geram insegurança e dificultam as iniciativas no trabalho educativo com as crianças. Essa dificuldade é apontada por autores brasileiros, que indicam a área como: “predomi- nantemente ignorada, quando se trata da prática educacional... (em- bora presente em documentos legais) ...salvo em casos isolados muito raros” (CUPERTINO, p.?, 2008). Curiosamente, isso não é visto como carência de conhecimento, mas por reinarem “mitos” com mais força que o saber: “uma possível explicação para este cenário são os vários mitos sobre o superdotado (sic) freqüentes em nossa sociedade, que constituem entrave à provisão de condições favoráveis à sua educa- ção” (MONTE e SANTOS, p.?, 2004).

Nota-se também na literatura certa esperança de uma impro- vável “adoção” de um conceito geral, incluindo não só construtos as- sociados à capacidade e aptidão, como também atributos pessoais e aprendizagens adquiridas

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Importa adotar um conceito de sobredotação (sic) que não se confina à inteligência abstrata ou à aprendizagem escolar, pas- sando, por exemplo, a incluir-se também, as habilidades so- ciais, a liderança ou a criatividade, variáveis mais associadas à personalidade, à motivação e aos próprios contextos de vida (POCINHO, p.?, 2009).

Pelo que se constata no corpo de pesquisa internacional, tal es- perança parece, cientificamente, improvável, por não haver referen- cial teórico para tal, e inexequível por ser impossível minimizar a aceitação cada vez mais difundida à clara conceituação fundamenta- da por Gagné (1993; 2008): dotação – designa posse e uso de notável capacidade natural, em pelo menos um domínio de capacidade hu- mana; talento – designa desempenho superior, conhecimento apren- dido, mestria, habilidades treinadas e desenvolvidas sistematicamen- te, implicando alto nível de realização em algum campo de atividade humana.

Desde Angoff (1988), sabe-se que esses dois conceitos têm ca- racterísticas em comum:

a) Ambos se referem a capacidades humanas.

b) Ambos são normativos, por apontar indivíduos que diferem da norma.

c) Ambos indicam pessoas “fora do normal” por produção superior.

Tais características ajudam a entender porque alguns dicionários, às vezes, definem “dotação” como “talento” e vice-versa, mas a diferen- ciação na caracterização é, suficientemente, ampla para evitar que se- jam tomados como um só conceito, ou como sinônimos situacionais.

Palavreado

A preocupação com precisão de termos para expressar constru- tos científicos é uma questão relevante, e delicada, em todas as áreas do saber, pois o conhecimento é produzido em diversas culturas, pu- blicado em diversas línguas, e as traduções e interpretações são, ge- ralmente, um empecilho para comunicação precisa. Além disso, há ocorrências em que o mesmo assunto é estudado, simultaneamente, em vários lugares, cada autor sente que está “descobrindo” algo novo e atribui-lhe um nome, para depois verificar que as palavras são dife- rentes, mas a noção conceitual é a mesma.

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No Brasil, Helena Antipoff, desde que aqui chegou, em 1929, já com publicações e estudos em russo, francês, inglês, alemão, e certa- mente português, deu exemplo de extremo cuidado na escolha de ter- mos educacionais, mormente na área da Educação Especial. Foi ela quem introduziu o termo “excepcional”, hoje usado em todo o mundo para designar pessoas com necessidades especiais diferentes da nor- ma do grupo. Por sua influência, as primeiras menções à educação pa- ra alunos mais capazes, em nosso país, empregaram o termo “supra- normal”, como um oposto linguístico a “infranormal”, então uma das alternativas para substituir termos pejorativos como “idiota” ou “re- tardado”. Todavia, em vista de infranormal ter sido abandonado, tam- bém foi o supranormal.

Nas décadas de 50 e 60, com a expansão trazida da educação para dotados nos Estados Unidos, na sequência da guerra fria, hou- ve alguns números de publicações espalhadas por todo o mundo, e as traduções entraram fortemente no cenário educacional. Localiza-se por aí a introdução dos termos superdotado e superdotação, em nos- sos meios.

SUPERDOTAÇÃO – tanto quanto se pode verificar, não exis- te uma concepção teórica à base desse termo, não está em nenhuma definição abalizada em estudos científicos ou na literatura da área, e não é empregada em nenhum lugar do mundo, a não ser no Brasil, e algumas versões de publicações brasileiras em espanhol. No cenário brasileiro o termo é uma peculiaridade, pois está definido em instru- ções oficiais e publicações nelas apoiadas, umas citadas para abaliza- rem as outras, inexplicavelmente, acoplando conceitos teoricamen- te diferentes por meio de barras (/), como em “superdotação / altas habilidades”.

BOA DOTAÇÃO – essa expressão foi sugerida por Helena Antipoff, na década de 70, na tentativa de amenizar o impacto da re- jeição levantada pela superdotação. No cenário teórico essa expres- são é usada em estudos focalizando diferentes graus de dotação, sobre as mesmas bases conceituais de dotação. Como seguidora de Helena Antipoff, empreguei esse termo por vários anos (provavelmente até 2005), porém abandonei, definitivamente, o uso dessa expressão ao perceber que a raiz do problema não estava em conceituar um possí- vel grau de dotação, mas na tradução imprópria do termo giftedness.

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ALTAS HABILIDADES – é uma expressão que, nessa combi- nação de palavras, também não tem qualquer referencial teórico e não é usada em nenhum outro lugar do mundo associado à dotação.

Conceitualmente, o termo habilidade/s (em inglês - skill/s) refere-se a resultados de algo aprendido e/ou treinado intencionalmente. É, geral- mente, associado a bom desempenho no domínio da capacidade físi- ca, mas, como observa Gagné (?), pode ser estendido a operações men- tais. Todavia a inserção do qualificativo “altas”, no plural, realmente altera o alcance do conceito estabelecido, e indica um possível soluço na tradução da expressão inglesa high ability, que em português signi- fica literalmente alta capacidade.

ALTA CAPACIDADE – tradução literal e correspondentemente conceitual da expressão inglesa high ability. Alta capacidade se refe- re à presença de elevado grau de capacidade natural, na constituição do plano genético do indivíduo, estando, assim, à base das diferenças individuais. Capacidade como conceito indica poder físico ou mental de aprender e fazer alguma coisa. A qualificação “alta” ou “elevada”, é necessária ao conceito, porque o grau de capacidade é relacionado ao grau de profundidade e rapidez com que se opera o poder de apren- der. Quando esse grau alcança pelo menos dois desvios padrões acima da média, na curva de probabilidade da distribuição, existe base para compreender o construto dotação.

DOTAÇÃO – teoricamente é um construto representativo do ex- tremo superior na distribuição de capacidades humanas, nos diver- sos domínios, portanto, é um termo diretamente relacionado à concei- tuação de “capacidade natural”. A etimologia da palavra, nas várias línguas, como também em português (“dom” ou “dote”), traz à mente a ideia de um presente (em inglês gift), diferente de enxoval, em in- glês dowry, que originou endowment, traduzido na linguagem popular também como dote.

TALENTO – é um termo muito utilizado na mídia e na educa- ção, com algumas vantagens, mas com a desvantagem de ter uma con- ceituação difusa, mesmo na literatura técnica, onde pode ser visto, ao mesmo tempo, como uma “capacidade natural”, o que, efetivamen- te, está à sua base, e como uma expressão de “desempenho superior”, aprendido, treinado, que é a sua raiz conceitual. Deve-se a Gagné a

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proposição de diferenciar o construto “talento” (desempenho supe- rior) de “dotação” (capacidade superior).

A preferência por essa conceituação, cada vez mais sólida no cenário geral, tem razões perfeitamente compreensíveis: capacidade humana faz parte da constituição genética, portanto, está naturalmen- te em toda a humanidade, em domínios identificáveis, em todas as culturas e todos os tempos, em diferentes graus ao nível do indivíduo.

Talento é uma expressão externa, diretamente relacionada ao que está disponível no ambiente cultural; portanto, apesar de haver somente alguns domínios identificáveis de capacidade (Gagné fala em seis: in- teligência, criatividade, capacidade socioafetiva, perceptual e física), há literalmente inúmeros talentos, como se vê no uso comum da pala- vra: talento musical, talento informático, talento mecânico, artístico, acadêmico, matemático, indicando áreas concretas de desempenho;

encontra-se também em certas combinações não diretamente relacio- nadas a um campo diferenciado de desempenho, tais como em “talen- to social” ou “talento criativo”, mas ainda carregando a implicação de que existe algum tipo de desempenho em grau notavelmente superior, que pode ser treinado.

Instruções, leis e documentos oficiais

Pode-se notar que existe em âmbito internacional relativa obs- curidade na conceituação de dois construtos básicos à área de educa- ção para alunos mais capazes – dotação e talento –, o que levou Gagné (2005) a qualificar como caótica tal situação. Realmente causa espé- cie, a quem está tentando aprender um assunto, verificar que a utili- zação de duas palavras diferentes não significa presença de dois con- ceitos diferentes. Mas ao que parece, o caos é agravado no cenário brasileiro com instruções oficiais, publicações, e excessivo jornalis- mo dificultando o aprofundamento dos conceitos, por usar, indiscri- minadamente, termos vagos, unidos entre si por barras que não indi- cam diferenciação conceitual, tais como em “superdotação/altas habi- lidades” (sic), no mínimo dificultando a compreensão dos construtos estabelecidos.

Pelo que foi discutido, Talento é um construto diferenciado que não deve ser usado como complemento, ou sinônimo de dotação, po- rém, aceitável em algumas situações. Mas adotar habilidade/s como substitutivo para capacidade natural é um erro sério, pois essa pala-

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vra tem conceituação oposta à dotação. Em nossos meios observa-se que os legisladores tomam a liberdade de usar termos técnicos a seu próprio juízo, como se verifica na Lei nº 10.172/2001: “...educação es- pecial se destina às pessoas com necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdo- tação (sic) ou talentos”. Também não é raro deparar-se com instâncias em que a legislação dita procedimentos de natureza pedagógica, como se vê no CNE/CEB 2009: “O AEE é destinado aos alunos... altas habili- dades (sic), superdotação (sic) ou talentos deve... envolver a família e articular-se com as demais políticas públicas”. Sente-se aí a implica- ção de que, sem ajuda do legislador, os educadores e especialistas da área são incapazes de reconhecer o aluno que necessita de atenção es- pecializada e planejar como essa atenção deve ser dispensada. Isso é não confiar em quem estuda o assunto, e sim, a quem se delega o tra- balho educativo concreto na sociedade.

Uma sondagem empírica

Apesar de estimativas otimistas feitas, principalmente, em noti- ciário jornalístico, a verdade é que após sólida dieta de cursos, eventos e palestras por iniciativa do sistema público, acompanhada de ampla divulgação na mídia, e justa demanda por parte das famílias, não se consegue notar diferença na posição da escola, nos últimos 20 anos. O cenário geral foi captado no contexto maior da Educação Especial, le- vando a perceptível rejeição por essa subárea. Assim, pela necessida- de e interesse em compreender o ideário conceitual de efetivo domínio dos professores, eternamente acusados de “falta de preparo” seja lá pa- ra o que for, tentamos um levantamento de informações que ajudassem a localizar, nos meios escolares, pontos de resistência a esse tema.

A impressão inicial é de que, para a escola, educação para alu- nos dotados não é um assunto muito sério, não desperta grande inte- resse além de aparecer na internet, jornais e televisão, e se dissolve nos números de projetos, programas, “capacitações” e “instruções”, que brotam de todo lado e caem na sala de aula, formatadas como im- posição aos professores. Mas numa visão panorâmica, é possível visu- alizar dois pontos de resistência:

1. Rejeição generalizada levando à negação de capacidade su- perior nos alunos.

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2. Críticas à superficialidade, incoerência e repetição nas pu- blicações e terminologia.

Em arejamento informal dessas questões com colegas especia- listas, principalmente quanto à fragilidade dos conceitos, dificuldades de tradução e “terminologia” costurada com barras e siglas, foram de- senhados alguns padrões de reação, aparentemente, não relacionados ao que é captado entre os professores:

1. Fidelidade pessoal a autores, sem muita preocupação com a pesquisa básica.

2. Aceitação passiva, às vezes, levemente ironizada ao que “re- za a legislação”, sem maiores preocupações com validação de definições ali explicitadas.

3. Preferência própria, ou alegadamente “cultural”, por um ou outro termo.

4. Opinião própria, ou alegadamente “cultural” de que um, ou outro termo causa rejeição.

Em resumo, ao que é possível captar, não parece haver entre os especialistas da área, consciência de necessidade de um referen- cial conceitual mais amplo, com base na pesquisa acumulada exis- tente e em desenvolvimento. O foco de atenção privilegia “debate” e não “estudo”, acima e além de fidelidade e preferência por um ou ou- tro autor.

Analisando o conjunto dessas impressões foi realizado um estu- do exploratório-descritivo envolvendo grupos de professores do siste- ma público e educadores de outros níveis interessados na área, orien- tado para uma sondagem relacionada aos seguintes pontos:

1. Que noções associadas a que termos e expressões são de uso dos professores, com que significados, e em que situações?

2. Qual o nível de consenso no uso dos diversos termos, em di- ferentes contextos?

3. Que nível de rejeição é associado a que termos específicos?

O padrão geral dos resultados indica falta de clareza na concei- tuação do termo superdotação, e certo grau de sensibilidade expresso por incoerência rondando a expressão altas habilidades, que, mesmo se conceituada como habilidade, é uma noção pouco clara para os professores. Essa é uma evidência de confusão conceitual associada à

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tradução do inglês ability. O resultado mais visível em todo o estudo, e o maior nível de consenso encontrado está ao redor do termo super- dotação que, na visão do professorado, apesar de usado na legislação, é o mais explorado pela mídia, não é um termo claro, leva à rotulação e traz mais rejeição.

Tais resultados embasam a corrente dificuldade em aceitar que o termo superdotação, notavelmente representado como sem clareza de conceituação e sem aceitação no ambiente educacional seja, ampla- mente, empregado nas leis que regulamentam o contexto escolar, difun- dido para a mídia e cultivado em meios acadêmicos. Evidentemente, a estranha combinação “altas habilidades” deve ser reconhecida como um erro de tradução e seu uso imediatamente abandonado.

Por ser uma discussão ainda ativa no cenário mundial, a concei- tuação ambígua do termo “talento” causa pouca preocupação, Há que se reconhecer que a obscuridade rondando esse termo está na falta de diferenciação clara entre os conceitos de dotação e de talento. Mas, para a prática em educação, a consequência é séria e de aplicação ime- diata: a falta de diferenciação entre os conceitos básicos dificulta o planejamento educacional, pontualmente na tomada de decisão sobre que planos educativos devem ser desenhados:

a) Se com base em educação formal – apropriada para desen- volver talento, como expressão de desempenho que carrega valoração no ambiente; ou

b) Se com base em ambiente educativo informal – necessário para desenvolver a fonte de capacidade natural que torna possível desenvolver os talentos.

Nota

1 Em português gift significa presente, dádiva; no sentido usado em inglês uma tradu- ção literal seria “dom”.

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ZENITA CUNHA GUENTHER - Doctor of Philosophy in Educational Foundations - Psychology - University of Florida, 1977. Doutor em Psicologia da Educação - UFMG. Doutor em Psicologia da Educação. Ph. D. University of Florida. Mestre em Guidance and Counseling. MA. University os South Florida. Bacharel em Psicologia, B.A. University of South Florida. Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Post Doctorate em Educação de Alunos Dotados, Purdue University.

Curso de Especialização em Educação Humanista. University of Florida. Curso de Especialização em Educação de Dotados e Talentosos, USF - Florida. Curso Especialização em Psicologia da Criança e Educação Pré-escolar, Indiana University.

Técnico em Administração Escolar pelo Instituto de Educação Minas Gerais.

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CAMPO DA VISUALIDADE

Cleomar Rocha

Introdução

É lugar comum verificar que as novas gerações crescem em meio às tecnologias computacionais, no que elas se sentem absolutamente à vontade em realizar as mais variadas tarefas nestes dispositivos e apli- cações. É possível verificar, também, que boa parte das empresas que mudaram o conceito de economia e sociabilidade contemporâneas fo- ram fundadas por jovens empreendedores, que se tornaram grandes empresários em pouquíssimo tempo. Pouco se discute, contudo, sobre o papel da visualidade, ou mais precisamente das interfaces gráficas computacionais, neste contexto, buscando compreender de que modo as artes visuais e o design colaboram com estes avanços. Mais ainda, co- mo os talentos1 podem ser ampliados neste campo, em que criatividade e inovação formam a dupla de ouro na sociedade contemporânea.

Neste texto eu me debruço sobre estes temas, buscando fomen- tar a discussão, mais que esgotá-la, pontuando algumas ideias e ideais da indústria criativa, articulando-as com o incentivo de novos talen- tos em tecnologias avançadas, na perspectiva do campo da visualida- de, notadamente das artes visuais e do design. O esforço também será no sentido de aproximação do desenvolvimento destes talentos desde a educação básica, tendo como campo de articulação a epistemologia da complexidade e teoria das inteligências múltiplas.

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Economia criativa e inovação tecnológica

A contemporaneidade aponta para uma época em que a criati- vidade (MASI, 2000), o aspecto lúdico (HUIZINGA, 2000) e a informa- ção (LYOTARD, 2008) ganham espaço, ao tempo em que, na prática, empresas que articulam estas características em seus produtos, a cha- mada indústria criativa, perseveram e conquistam o planeta. Ao fazê- lo, o mundo enxerga nos jovens uma revolução que acompanha a evo- lução digital. Bastaria lembrar que grandes empresas da área tecnoló- gica foram fundadas por jovens visionários, que acreditaram em seus sonhos e ousaram recriar padrões de comportamento, de vida.

Bill Gates (com 19 anos) e Paul Gardner Allen (com 22 anos) criaram a Microsoft. A Apple foi fundada por Steve Gary Wozniak (com 25 anos) e Steve Paul Jobs (com 21 anos). A Google surgiu de um projeto de pesquisa de Lawrence Edward Page e Sergey Mihailovich Brin (ambos com 22 anos). O YouTube foi fundado por Chad Meredith Hurley (com 28 anos), Steven Shih “Steve” Chen (26 anos) e Jawed Karim (com 25 anos). O Facebook foi fundado por Mark Zuckerberg (com 19 anos), Dustin Moskovitz (também com 19 anos), Eduardo Saverin (com 21 anos) e Chris Hughes (com 20 anos). Em poucos exemplos se pode verificar que grandes empresas de tecnologia e co- municação tiveram como mentores/fundadores jovens universitários ou em idade universitária.

Certamente tal aspecto encontra razão de ser pelo ambiente propício ao desenvolvimento de talentos. Se se verificar, nestes exem- plos, a relação do surgimento de novos empreendimentos com a pes- quisa e a criatividade gestadas no ambiente universitário e mesmo no Vale do Silício, não tardará a concluirmos que o ambiente adequado, ainda que não determine o campo da criatividade, certamente atua em auxílio a este, exercendo grande influência no desenvolvimento cog- nitivo daqueles que ali convivem, e privilegiam a inovação.

Em inovação tecnológica, poder-se-ia buscar um fundamento que caracteriza a área, e que permeia todas as conquistas e avanços computacionais: a experiência. Se John Dewey (2010) advoga em prol da experiência enquanto fator decisivo para a vida e o aprendizado, é também na experiência, compreendida enquanto o foco na tarefa, que Donald Norman (2006) discute aspectos interativos do sistema com- putacional, igualmente creditando valor aos sistemas que privilegiam a experiência.

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De outra sorte, e neste mesmo direcionamento, seria de todo pertinente nos lembrar da epistemologia da complexidade, de Edgar Morin (1996), quando ele retoma a ideia do conjunto, destituindo a fragmentação cartesiana em favor da completude relacional. Se a frag- mentação tornou-se marca da modernidade, separando tudo por cate- gorias e especialidades, buscando fugir da complexidade, Morin pro- põe como primordial em sua teoria a retomada da compreensão do as- pecto relacional, o não ser ou estar isoladamente. Deixa-se o modelo do objeto e assume-se o modelo do sistema. E a relação com o meio ou seu todo acaba por garantir características de um em outro, de mo- do que tudo está em tudo e reciprocamente. O homem é de nature- za multidimensional, não se esgotando nas classificações biológico- culturais. Assim, o homem possui um pensamento duplo: racional e simbólico. Cada ser é um verdadeiro cosmos, quer pela produção de interações em seu cérebro, quer por levar em si um mundo fabulo- so e desconhecido. E a literatura soube bem explorar a complexida- de humana, como exemplificam obras de Balzac, Stendhal, Tolstoi e Dostoiévski, ensina Morin. A epistemologia da complexidade abando- na a noção de onisciência, conhecimento a partir de fora, externo, e abre caminho para o interno, admitindo-se a incerteza e incompletu- de do próprio conhecimento. Uma das modificações necessárias pa- ra um pensamento complexo diz da compreensão da inexistência da onisciência. Uma característica básica para se compreender o sistema é conhecer-se dentro dele, agente e reagente dele. Neste sentido cons- tituir um meta-ponto de vista é condição para pesquisas melhores co- locadas, exatamente por colocar o pesquisador enquanto um elemen- to pesquisado. Ainda que no humano coabitam a razão e o místico, mágico, no que desconsiderar uma das partes significa observar não o humano, mas parte dele. E, como disse Morin, o todo é mais e menos que a soma das partes, simultaneamente. Neste sentido, retoma-se o acaso e a incerteza enquanto elementos partícipes do conhecimento, pela própria condição do humano.

Em busca da complexidade, Gardner (1995) nos convida a pen- sar no que denominou de inteligências múltiplas, definindo sete gran- des áreas em que estamos propensos a desenvolver nossos talentos ou inteligências: linguística (sensibilidade para sons, ritmos e significado das palavras, é a habilidade para, pela linguagem, convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias); musical (sensibilidade para apreciar, compor ou reproduzir peças musicais); lógico-matemática (sensibili-

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dade para padrões, ordem e sistematização, lidar com séries de racio- cínios, para reconhecer problemas e resolvê-los); espacial (habilida- de para manipular formas ou objetos mentalmente, criando tensões, equilíbrio e composição em representações visuais ou espaciais); ci- nestésica (habilidade para resolver problemas ou criar produtos, usan- do a coordenação corporal); interpessoal (habilidade para responder ou entender, habilmente, humores, temperamentos, motivações e de- sejos de outras pessoas) e intrapessoal (habilidade para reconhecer necessidades, desejos, habilidades e inteligências próprias). Importa, neste caso, ampliar os repertórios, exercitando todas as inteligências e habilidades, promovendo o desenvolvimento de todas elas e identifi- cando a que mais se mostra acentuada em cada indivíduo, reforçando seu desenvolvimento.

Todos estes aspectos dizem, de um ou outro modo, da amplia- ção de repertórios que fomentem a condução do pensamento para a experiência, a busca de consolidação de ambientes favoráveis ao fres- cor de novas ideias em que a tecnologia seja objeto e não sujeito do pensamento. Ela é forjada para o atendimento de nossas necessidades e ideais, e não o elemento balizador que cerceia a criatividade, como defende Flusser (1985). Em outras palavras, criatividade e inovação são proposições desenvolvidas a partir do estímulo das múltiplas in- teligências, compreendendo a complexidade do mundo e do sujeito contemporâneos em busca de novas e completas experiências com o mundo. E a tecnologia avançará se estiver a serviço desta orientação, e não como elementos limitador das possibilidades interativas ou in- teracionais com o mundo e os elementos do mundo.

Se a tecnologia computacional nos apresenta novos campos de conhecimento e métodos para alcançá-lo, enxergando não o que ela nos possibilita, mas sim o que ela poderia possibilitar em função de nossos anseios, desejos e motivações, abre caminho para o desenvol- vimento do talento, do pensar criativo, para a inovação não apenas tecnológica, mas de um modus operandi universal.

Talentos em desenvolvimento

Conceber a facilidade de manipulação computacional aos jo- vens, simplesmente, significa negar todo o desenvolvimento de pa- drões de usabilidade de interfaces computacionais e mesmo a cultura instaurada com tais dispositivos. De fato, se as crianças não tem medo

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de experimentar, antes estão prontas para apreender o mundo e ter su- as experiências, observa-se, também, que muito evoluíram as interfa- ces, tornando-se mais intuitivas e próximas da realidade cotidiana. Ao fazeram isto, tornaram-se de fato atividades cotidianas. A interativida- de com sistemas computacionais é, hoje, tão natural quanto qualquer outra atividade. Os aparelhos e sistemas estão em toda parte, seja nas residências, trabalho ou escola. Mas ainda são colocadas como algo para se aprender, e não para atender a nossas necessidades e anseios.

Ao tomar tal partido, de aprender a lidar com os sistemas computacio- nais, como se este fora o objetivo final, elimina-se qualquer possibili- dade de ir além, de pensar à frente.

Isto não significa deixar de compreender e aprender sobre tais sistemas, mas de não pensar o aprendizado em função deles. Antes, o objetivo deve estar na tarefa a ser realizada com o auxílio dos sistemas computacionais, e não definido por estes. Em outras palavras, a ins- trumentalização em aplicativos computacionais, por si, mostra-se in- suficiente e nada criativo, porque se aprende o que já está posto, com suas limitações. Será preciso ir além. Usar os aplicativos em função das tarefas que eles facilitam a feitura, tendo a tarefa como elemento final, e não o aprendizado instrumental, de modo a poder pensar no- vas tarefas, independentemente da capacidade computacional de re- solvê-las por completo. Neste caso força-se um avanço, uma busca, a existência de uma potencialidade de aprendizado e desenvolvimen- to. Usa-se o aparato tecnológico para realizar tarefas, ter experiências, e não para aprender a lidar com o aparato tecnológico, como se isto bastasse.

E, de maneira geral, a experiência é conseguida a partir das per- cepções, base fenomenológica da experiência. A percepção é o reco- nhecimento individual que se tem das sensações, impressões físicas causadas pelo mundo natural no sujeito, a partir dos órgãos sensórios e base cognitiva. Dentre os órgãos sensórios humanos, a visão detém um percentual mais aguçado, embora ela mesma evoque os demais, com base na experiência do mundo, que não é fragmentada. Ao ver- mos, tocamos, ouvimos, cheiramos, a experiência se dá e se faz por completo. Tal aspecto não elimina um primado da visualidade, moti- vo pelo qual, por exemplo, as interfaces computacionais são confun- didas com as interfaces gráficas computacionais, esta última apenas uma das primeiras, ainda que seja a maior responsável pela revolução computacional, ao lado dos computadores pessoais e da Internet.

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E é a maior responsável em função da proximidade que apre- senta com o mundo natural, seus elementos visuais, sonoros e táteis.

Ao privilegiar a experiência com o mundo, as interfaces gráficas tor- naram-se mais intuitivas, conduzindo o usuário para a experiência.

Aliem-se a ela o deslumbramento e o encantamento provocados pelo automatismo computacional e pelas interfaces gráficas e suas cores vi- brantes, iluminadas. O automatismo computacional encanta pela efe- tividade da realização da tarefa com esforços físicos minorados e pela personalização dos sistemas interativos. Se se toma ações remotas ou no ciberespaço, o reconhecimento que se tem da tarefa realizada é, de fato, algo que impressiona ainda, principalmente os neófitos da tecno- logia. Já as interfaces aliam a cor-luz dos monitores e demais disposi- tivos com os campos interativos, ou simplesmente a entrada e saída de informação dos sistemas. Imagens vibrantes, moventes e interativas captam a atenção do olhar, demandando maior atenção, maior con- centração e, por conseguinte, formando experiências sensórias mais completas, significativas. Se tais aspectos não explicam, por si, a pre- dileção dos jovens pelos sistemas computacionais, auxiliam inegavel- mente nesta condução, tornando lícita a fala do encantamento dos jo- vens pelos sistemas computacionais.

Finalmente, tais aspectos se coadunam com a orientação inter- trans-poli-disciplinar no trato com a criatividade e inovação tecnoló- gicas. A completude da experiência se acomoda de maneira inegável nas estruturas computacionais, por meio de suas interfaces, sejam físi- cas, perceptivas e/ou cognitivas (ROCHA, 2008), envolvendo um con- junto de ações/reações físicas e cognitivas do usuário, que o conduz para suas várias habilidades ou inteligências, em um sistema comple- xo de interação e interatividade, entendidas enquanto relações huma- nas e relações usuário-sistema, respectivamente.

Compreende-se que os sistemas computacionais possibilitam um rearranjo da matéria informacional, criando e simulando proces- sos que estimulam experiências em sua base complexa, relacional, promovendo articulações das várias habilidades, vencendo as barrei- ras disciplinares criadas no século XIX e consolidadas no século XX, com a delimitação do domínio de competências e uma quase “coisi- ficação” do objeto estudado, percebido como uma coisa em si, fora de seu contexto funcional. Estes processos simulados reestabelecem a base fenomenológica da experiência perceptiva, e cognitiva por con- seguinte, restaurando o nível relacional da vida.

Referências

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