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A CULTURA DE WEIMAR, A CAUSALIDADE E A TEORIA QUÂNTICA, 1918-1927

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(1)

A

CUL,TLJRA DE WEIMAR, A CAUSALIDADE E A

TEORIA QUÂNTICA,

l9lat927

:

A

adaptação de físicos e matemáticæ alemães a

um

ambiente intelecrual

hostil

*

PAUL FORMAN

Smit hso nian

Institut

io n

"E inteftssante natat que mesmo a física, uma díscíplinø figotosomente comprcmetida com os resultados da expe-rimentaçîo, é levada a caminhos perfeitamente paralelas aos dos movimentos intelectudis de oufias dreas fda vída

modemol.

"

Gustav Mie, øula ínougurøI como Professor de

Ftsica, Unívercidade de Freíburg i.8., 26 de ianeiro de 1925.

Naquela que talvez seja a mais original e sugestiva dæ seções de seu

livro

The Concep' tuøl Devetopment

of

Qnntum

Mechanics, Max Jammer assegura "que certas ideiæ

fì-losóficæ

do século

XX

não apenas prcpararam o clima intelectual para a formação dæ novÍts concepções da modema

teoria

quântica, mas

contribuíram

decisivamente para

ela";l

especificamente,

"o

contingentismo,

o

existencialismo, o pragmatismo e o

em-pirismo

lógico surgiram em reação ao racionalismo

tradicional

e à metafísica

conven-cional.

(...)

A

afirmação que faziam de uma concepção concreta da vida e sua

rejei-ção

de

um

intelectualismo abstrato culminaram em sua

doutrina

de

livre-arbítrio,

na

recusa

do

determinismo mecanicista

ou

da causalidade

metafísica"

Unidæ na rejeição da causalidade, apesar de não o fazerem nas mesmas bæes, tais correntes de

pensamen-to

prcpararam,

por

assim dizs¡,

s

pano-de-fundo

filosófico

para a mecânica quântica

modema.

Elas

contribuíram com

sugestões

no

estágio

formativo

do

novo esquema conceitual e depois promoveram sua aceitação."2

* Noto editorial. Publicado originalmente ern Histoical Sudies in the Physical Sciences 3 (1971).

1M.

Jammer, The Conceptual Development

of

Quanrum Mechanics (Nova York: McGraw-Hill, 1966), seção

4.2,

"The Philosophical Background

of

Non-Clæsical Interpretations"; næ pp. 166-16',t.

2

lbid., p.180.

A

busca pbr influências e precedentes filosóficos realizada por outros autores fo-calizava-se quæe exclusivamente na douttina de complementa¡idade de Bohr. Recentemente, o assunto

-

de que não me ocupalei diætamenþ aqui

-

foi de novo examinado, e aliteraturare-pæsada, por Gerald Holton, "The Roots of Complementaty", Daedalus 99 (outono, 1970), pp.

1015 -1055.

(2)

6

Paul Forman

Essas são afirmações ambiciosas. No meu entender, se interpretadæ adequadamen-te, são essencialmente

conetæ.

Deve-se dizer, no entanto, que Jammer não se esforça

muito

em demonstrá-las. Ele aponta a presença de tais sentimentos anticausais em

di-venos filósofos

do

século pæsado

-

franceses, dinamarqueses e norte-americanos

-,

mas praticamente não reúne qualquer evidência para

cobrir

as extensas lacunas repre-sentadas

pelo

decorrer de

um quarto

de século, uma tradição

cultural

e as disciplinas da fìlosofìa e da física, que separam suas teses fìlosóficæ do desenvolvimento da

mecâ-nica

quântica

por

físicos centroæuropeus de língua alemã em

tomo

de

1925.

Meu

ob-jetivo

não é preencher tais lacunæ, mæ examinar detidamente o

território

que

consti-tui

seu

limite

mais

distante.

O resultado é, em primeiro lugar, a evidência esmagadora de que, nos anos que sucederam

o

fìm

da

I

Guerra Mundial, mas antes do

desenvolvi-mento

de uma mecânica quântica acausal,

um

grande número de cientistæ alemães, sob a influência de "correntes de pensamento" e

por

razões apenÍN incidentalmente re-lacionadæ ao desenvolvimento de sua

própria disciplin4

se distanciou da causalidade na física ou a repudiou explicitamente.

Desse modo, a tese mais importante de

Jammer

-

de que influênciæ extrínsecæ le-varam os físicos a desejar ardentemente, buscar ativamente e aderir com entusiæmo a

uma mecânica quântica acausal

-

é aqui demonstrada para a esfera

cultural

alemã, mæ apenas para

ela.

Essa restrição cultural é essencial; ela forma a'bæe de minha tentativa

de proporcionar, em segundo lugar, uma resposta à pergunta

-

que, na sua forma geral,

é

decisiva para toda a

história

intelectual

-

do por que e

do

como tais "correntes de

pensamento",

cujo efeito

sobre os físicos era evidentemente negligenciável na passa-gem do século, vieram a exercer uma

influência tão forte

sobre físicos alemães depois de

1918.

Pois me parece que o

historiador

não pode se contentar com expressões va-gas e equívocas do

tipo

"prepararam

o

clima

intelectual", ou

"prepararÍtm,

por

assim dizer, o pano-de-fundo

filosófìco",

mas deve

insistir

numa análise causal,

exibindo

æ circunetânciæ e æ interações através dæ quais os homens de ciência são arrastados

por

correntes intelectuais.

Tal

análise pode

tanto

ser

'þsicológica"

quanto

"sociolôgica".

Ou seja, tanto pode considerar a conformação

mental

de cada um dos cientistæ em questão, enfatizando o papel de ambientes intelectuais prévios e experiênciæ condicionantes na determinação de atitudes subseqüentes, quanto, ao

contrário,

pode

igrorar

esses fatores, tratando a

postura mental presente como uma reação socialmente determinada ao ambiente inte-lectual

imediato

e às experiênciæ vividæ no presente. A

linha

que escolhi

foi

a segun-da,

procurando

um

modelo

em que certas "variáveis de

campo"

e suas derivadas em

um

dado lugar e momento são encaradæ como representantes de atitudes

correspon-dentes.

Apesar de poder parecer ofensivo enfatizar æ pressões sociais e

igrorar

æ

do

res emocionais, e apesar de aparentemente ser insatisfatório interromper nossos esfor-ços explicativos

no

nível da decisão individual,

continuo ajulgar

que a abordagem

"sG

ciológica" é amais geral e

frutífera.

A

busca deve, então, se iniciar pela caracterizaçã'o do meio intelectual em que os

(3)

A

Cultura

de

lUeimar e ø Teoria

Quântica

7

problema formidável, sobretudo devido a dihculdades

metodolôgicæ.

E a ta¡efa é

es-pecialmente desinteressante para o

historiador

da

ciênciq

pois exige dele que trabalhe

não

apenæ

com

as "expressões" de cientistæ mæ

tamHm

com as de não-cientistæ,

forçandoo,

assim, a abandonar

o critério

de demarcação por meio do qual ele procura

identifica¡ e delimitar

seu campo de interesse. Não obstante, com a ajuda e orientação de estudos anteriores, realizados por historiadores da vida intelectual gera[

especialmen-te

o

trabalho de

Fritz K.

Ringer, abordo esse problema na Parte

I'

Af

mostro çlue,

a-pós a derrota alemã, a tendência

intelectual

dominante

no

mundo acadêmico de Wei-mar era uma

"filosofia

da

vida"

existencialista e neo-romântica, que se alimentava de crises e se caracterizava pelo antagonismo em relação à racionalidade analítica em geral e às ciências exatas e suæ aplicações técnicæ em

particular. Implícita

ou

explicitamen-te,

o cientista era o bode expiatório de incessantes exortações em favor de uma renova-ção espiritual, enquanto o conceito

-

ou meramente a palavra

-

"causalidade"

simbo

lizava tudo aquilo que era odioso na atividade científica.

Ora, se o interesse do lústoriador se prende exclusivamente às realizações

científicæ

substanciais

-

como em geral ocorre mesmo em nossos dras

-,

ele imediatamente se vê

perante um paradoxo apreciável: esse lugar e

período

de

profundahostilidade

à física e à matemática

foi

também

um

dos mais criativos de toda a história dessæ atividades. Confrontados com

tal

paradoxo,

muitos

de nós seríamos tentados a esfregar satisfeita-mente as mãos e a considerá-lo como uma bem-vinda refutação a qualquer tentativa de negar a autonomia dessæ ciênciæ e a adequação de sua história intelectualista-intema'

lista.

No

entanto,

tal

inferência seria demæiado apressada. Pressupondo a hostilidade

do ambiente

intelectual,

a questão

importante

conceme à nafitreza da reação do

cien-tista

nessæ circunstâncias. Em ocasião anterior eu mesmo assumi que, face a correntes

anticientíficæ,

a rcaçãLo predominante nessæ ciênciæ altamente profìssionalizadæ seria o entrincheiramento, a busca da proteção da ciência e da comunidade de seus pratican-tes, a reafirmação da ideologia tradicional da disciplina

-

isto é, suas noções a respeito do valor, função, motivações, objetivos e

futuro

da atividade

científica.3

,Se esse fosse de

fato

o caso, então qualquer tentativa de

atribuir

a esse mesmo ambiente intelectual uma

influência forte e

direta sobre

o

discurso

científìco

e sobre æ disposições dessæ mesmas pessoas pareceria, a

fortiori,

pouco plausível.

Contudo, o

historiador

que prestar mesmo a mais casual dæ atenções às avaliações que se fazem da física na sociedade norte-americana contemporâne4

por um

lado,

e

às tendências ideológicæ atuais nessa ciência,

por outro, dificilmente

poderia sustentar que a reação predominante a um ambiente intelectual hostil é o entrincheiramento.

Ao

contrário, à medida que ressentimentos e antagonismos com respeito à atividade

cientí-fica

-

associados ao

resurgimento

de uma Lebensphilosophie exrstencialista

-

foram se

tornando

proeminentes

nos últimos

anos, esses mesmos sentimentos encont¡aram expresão e concessões cada vez maiores

no

ârnbito dæ

prôpriæ

ciênciæ. Na verdade,

3

P.

Forman, The Envi¡onment and Practice of Atomic Physics ín tt)eimar Germany (dissertação de Ph.D., Berkeley, 1967; Ann A¡bor: University Microfilms, 1968), pp.

ll-24'

(4)

8

Paul Forman

testemunhamos hoje nos Estados Unidos uma ampla e profunda acomodação da ideo-logia

cientíhca

a

um

meio intelectual

hostil.

Como pôs recentemente o eminente físi-co-químico

Franklin

A.

Long,

ao mesmo tempo explicando e advogando essa tendên-cia:

"O

corpo docente, e especialmente os estudantes, é sensível aos problemæ sociais, ansioso em atacá-los e, freqüentemente, está preparado para alterar seu modo de vida anterior para consegui-lo. As pressões da orientação disciplinar e a tradição do saber individual são fortes entre os membros do corpo docente, mæ não o bastante para con-trabalançar as pressões da preocupação

social."

E, em toda essa

"disponibilidade",

uma

sinceridade estarrecedora, uma notável ausência de projeção de imagem cfnica e

calculada,

o

que é testemunho de uma participação surpreendente dos próprios físicos nesses sentimentos que são fundamentalmente, e com freqúência manifestamente, anti-científicos.a

Mas nossa experiência contemporânea não nos leva apenas a antecipar uma acomo-dação ideológica

por parte

dos físicos e matemáticos de

Weimar;

ela também sugere

um

rnodelo simples para as circunstânciæ sob as quais uma

tal

acomodação tende a

ocorer.

Podemos supor que, quando os cientistæ e sua atividade gozam de alto prestí-gio

no

ambiente social

imediato (ou,

então, naquele que é mais importante

por

algum

outro título),

tem

também relativa liberdade para ignorar as doutrinæ, simpatiæ e an' tipatias específicæ do

meio

cultural correspondente. Quando,a aprovação está æsegu' rada, eles ficam livres de pressões extemas, e livres para acompanhar as presões inter-nas da disciplina

-

o

que significa usualmente liberdade para agarrar-se à ideologia tra-dicional e a predisposíções

conceiluais. No entanto,

quando os cientistas e seu

traba-lho

experimentam uma perda de

prestígio,

vêem-se impelidos a

tomar

medidas para compensar esse

declínio.

Aproveitandose

da noção de

Karl

Hufbauer, de fatorização do prestígio em termos de imagem e valores, percebe-se que tais contramedidas toma-rão, em geral, a forma de tentativæ de modifltcar a imagem pública da ciência, de modo a trEzê-la outra vez à consonância

com

os valores alterados do

púbtco.

Mæ, quando não se resumem à mera projeçâo de inlagem, tais alteraçoes da imagem do cientista e de

sua atividade envolverão também uma mudança nos valores e na ideologia da ciência, podendo até mesmo afetar os fundamentos doutrinários da disciplina

-

como mostrou Theodore Brown

no

caso do College

of

Physicians

britânico,

sob cerco no

final

do

sé-culo

XVII.s

a F. A. Long, "Interdisciplinary Problem-Oriented Resea¡ch in the Univenity leditorial]", Science

l7l

(L2 de março de

lg'tl), p.g6L.

Marvin L. Goldberger, "Physics andEnvironment: How physicists Ca¡r Contribute",Physics Today (dezembro de 1970), pp.26-30, e a réplica de Joúrn

Boa¡dman, iófd. (fevereiro de 1971),

p.9.

A

nova disposição da comunidade cientíhca,

espe-cialmente quanto ao neo-splengferismo, é discutida por Bentley Glass em sua palestra

presiden-ciat à AAAS [Sociedade Norte-Americana para o Progresso da Ciência],28 de dezembro de 1970, "Science: Endless Horizons o¡ Golden. Agæ-?." Science

l7l

(8 de janeiro de 1971), pp. 23-29.

s K.Hufbauer, "social Support for Chemistry in Germany During the Eighteenth Century: How

andr'VhyDidItChange?",HistoricølStudiesinthePhysicalSciences 3(1971),pp.205-231;T, M. Brown, "The College of Physicians and the Acceptance ofIatromechanism in England, 1665-1695", Bulletin of The History of Medicine 44 (197 0), pp. 12-30.

(5)

I

I

1'

A

Culturu

de

lleimar

e

a

Teorit

Qtôntica

9 Nas Partes

II

e

III

aplico esse modelo aos cientistas exatos de língua alemã que tra-balhavam

no

ambiente acadêmico durante o

período

da República de

Weimar.

Man-tendo em mente a escala de valores radicalmente rearranjada em ascensão logo após a

denota alemã, exploro, naParte

II,

as reações desses cientistas aonível ideológico.

Pro-curei tais

reações preferencialmente

em

aulas inaugurais, comunicados, conferênciæ etc. føddresses] proferidos

por

cientistæ perante audiênciæ com educação acadêmica, e especialmente perante o

público

formado

por

su¿rs

própriæ univenidades.

O histo-riador conta com a vantagem de que as instituiç-oes da vida acadêmica alemã proporcio-navÍun freqüentes oportunidades para discursos desse

tipo,

e ainda mais pela circuns-tância de ser costumei¡a a publicação de tais

Reden.

Reciprocamente, a existência des-sas instituições era

tanto um

índice quanto

um

instrumento da pressão social extraor-dinariamente pesada que

o

ambiente acadêmico alemão podia exercer, e de fato exer-cia, sobre

o

cientista

ou

acadêmico

individual

nelæ

situado.

Como ilustro naParte

II,

entre os físicos e matemáticos alemães havia, rla verdade, uma

forte

tendência a

refor-mular

sua

própria

ideologia de

modo

a se

tomar

congruente aos valores

e

atmosfera desse ambiente

-

o

repúdio a concepções positivistæ com respeito à natureza da ciên-cia, a justificações

utilitárias

para seus objetivos e, em alguns casos, à própria

possibili-dade e valor da atividade científtca.

A

tendência para a acomodação, que predominou na reação que essa comunidade

científica

altamente profissionalizada ofereceu

ao

ambiente

intelectual hostil,

confi-nou-se ao nível ideológico ou éstendeu-se além deste e penetrou no conteúdo

doutriná-rio

substa¡tivo da própria ciência? Especificamente, existiriam indicações de que os

fí-sicos e matemáticos alemães ansiavam, e deliberadamente tentaram, alterar o caráter de suæ disciplinæ enquanto empreendimentos cognitivos e buscaram mudar conceitos

es-pecíficos nelas empregados, de

modo

a trazê-læ a uma conformidade mais estreita aos valores do meio

intelectual

de

lVeimar?

Suspeito fortemente que o movimento

intui-cionista na matemática, que ganhou tantos adeptos e causou tanto

furor

na Alemanha

desse período, representava originalmente uma expressão desses precisos objetivos e

in-clinações.

Estou convencido, e na Parte

III

procuro

demonstrá-lo, que

o

movimento para eliminar a causalidade na física, surgido tão bruscamente e que floresceu luxurian-temente na Alemanha após 1918,

exprimia

fundamentalmente

um

esforço dos físicos alemães em adaptar o conteúdo de sua ciência aos valores de serr amhiente intelectual.

Portanto,

a exptcação para a criatividade desse lugar e períorlo deve ser buscada, ao menos em parte, na própria hostilidade do meio intelectual de Wei¡nar. A prontidão, a ansiedade dos físicos alemães em reconstruir os fundamentos de sua ciência, deve æsim ser interpretada como reação a seu prestígio

negativo.

Além disso, a natureza dessa re-construção era virtualmente ditada

pelo

ambiente intelectual geral: caso o físico dese-jasse melhorar sua imagem

pública,

devia antes de

tudo

dispensar a causalidade, o

de-terminismo rigoroso,

esse aspecto universalmente detestado

da

descrição

física

do mundo.

E

isso, é claro, era precisamente o necessário para a solução dos problemas da física atômica que, naépoca, çonstituíam o

foco

de interesse do físico.

Agradecimenlos:

A

Stephen

G.

Brush, Stanley Goldberg,

Joh¡ L.

Heilbrol,

Karl

Huf-bauer, Hans Kangro,

Fritz K.

Ringer, Donald

E.

Strebel e ao

editor

desta revista

(6)

[I/ls-l0

Paul Formøn

torical

Studies

in

the Physical Sciencesl, Russel McCormmach,

por

sua

leitura crítica

e

atenta

do

original

e por

su¿ts numerosÍts questões, sugestões, objeções e correções' Também agradeço sinceramente a

Ann

Schertz e aos demais funcionários do

lÞparta-mento lnterbibliotecário

de Empréstimos

da Biblioteca

Rush Rhees, sem cuja ajuda constante não teria sido possível conduzir esta investigação em Rochester, Nova York.

I.

A

CTJLTURA DE WEIMAR COMO TIM

AMBIENTE INTELECTUAL HOSTIL

1.1. Visto pelos Físicos e Matemdticos

Durante o verão de 1918, os flsicos alemães, como o resto do

público

de seu país, con-tinuavam a antecipar

com

confiança e satisfação uma conclusão vitoriosa da guerra na qual estavam envolvidos há quatro

a¡os.

Talvez mais do que qualquer

outro

segmento

do

mundo

acadêmico alemão, eles também sentiam auto-confiança e auto-satrsfação por suas contribuições aos sucessos militares da Alemanha e por sua expectativa, para o após-guerra, de um ambiente

político

e intelectual altamente favorável à prosperidade e

progresso de suas

disciplinas.

O botânico que olhæse para seu

instituto

desolado e va-z,io era forçado a concluir que "provavelmente permaneceria desse

jeito

depois da

guer-ra, pois

a

juventude

se

voltará

para a tecnologia e deixará uma disciplina

tão

'inútil'

quanto

a

botânica abandonada à

matgem."ó

O

químico,

o

físico,

o matemático, po-rém, enfatizando a grande importância

prática

de suæ disciplinæ durante a guerra e a

conveniência e inevitabilidade de uma colaboração ainda mais estreita com a tecnologia

no

futuro,

aguardavam confìantes

por institutos

ainda maiores, mais bem equipados e

em maior número, e

por

estima

pûblica e

prestígio acadêmico substancialmente

au-mentados.

"Quanto

mais

perto

parecemos chegar da conclusão vito¡iosa da guerta", observou

Felix Klein

em

junho

de

1918 perante uma audiência que incluía lícleres da

indúst¡ia

alemã e do govemo prussiano, "mais nossos pensamentos são dominados pela questão do que deverá

vir

depois que a paz

for

conquistada com sucesso". Os

desidera-tos

de

Klein

variavam desde

um

instituto

de matemática para ele e sua universidade, pæsando

por

uma reorientação geral da pesquisa acadêmica næ ciênciæ exatæ de

mo

do

a alcançar uma "harmonia preestabelecida" com as exigênciæ da indústria e dos mi-lítares, até uma reorientação correspondente da educação alemã em todos os níveis.7 E

6 Karl v. Gocbel a Th. Herzog, lrlunique, 19 de julho de 1917, em Goebel, Ein deutsches Forsdter-Ieben

in

Biefen

aus sechs Jahrzehnten, 1870-1932, ed- por Ernst Bergdolt, 2a. ed. (Berlim, 1940),p. t70.

? F. Klein, "Festrede zwn 20. Stiftungstage [ZZ Oe 1'untro de 1918] der Göttinger Vereinigung zur Förderung der Angewandþn Physik und Mathematik", Jahresbericht det Deutschen Mathemati-ker-Vercinigtns27(1918),Pa¡æI,pp.217-228;næpp.217,219.

Duranteaguerra,oscientis-tas e matemáticos aumentâtam substancialmente suæ exigências quarito aos cur¡ículos daescola secundária, como os filólogos observaram algo amargamente: Robert Neumann, "Politik und Schulreform", Monatschrtft

fi)r

hahere Schulen

f8

(1919), pp. 93-106, "Vortrag, gehalten im Berliner Philologen-Verein Februar 1918"; Friedrich Poskc e R.von Hanstein, Der naturwissen-schøftliche Untenicht an den höheren Schulen, Schriften des Deutschen Ausschusses für den

(7)

A

Cultum de

ll)eimar e

a

Teorin

Quôntica 1l

ao

menos a

primeira

desas reivindicações parecia assegurada quando

o ministro

da Educação,

Friedrich

Schmidt, anunciou uma dotação de

300000

marcos. Quem,

par'

ticþando

dessæ festividades,

poderia

ter

previsto que

o instituto

de matemática de

Göitingen

ainda teria que esperar dez anos Pafa ser construído' e mesmo assim com di-nheiro norte-americano?

I

Quando aquéIe

"fim

vitorioso",

que parecia iminente

no

verão

de

1928, transfor-mou-se subitamente numa derrota completa no outono seguinte, os cientistæ exatos se

viram peranie uma alteração dramática na escala pública de valores e,

portanto,

diante de uma avaliação drasticamente diferente do seu campo de

trabalho.

Essa, certamente,

foi

a percepção que tiveram da situação. Cæo não contássemos com

tos

que o confirmassem, mesmo æsim poderfamos

inferi-lo

do tom nos discursos de cientistas exatos perante seu público, na ocasião de

Cæ. Enquanto, no

fim

da guerra, tais discunos transmitiam autaconfiança e Segutança na estima e boa-vontade da audiência, isso praticamente deixou de ocorrer no período de

Weimar. E,

apesar

da

dihculdade

em reproduzir

esse

tom, é

ao menos possível apontar passagens que aludem, de modo mais ou menos

explícito,

a censuras dirigidas às ciências exatas, [censuras essas] que

o

orador claramente supõe estar presentes na mente de sua audiência. Assim, em novembro de 1925, Wilhelm Wien descreve as gran-des descobertas

científicæ

do

início

do

período

modemo, especialmente a derivação newtoniana dos movimentos dos planetæ a

partir

dæ leis da meCânica, como "a primei-ra demonstração convincente da causalidade [n.

b.]

dos processos naturais, que revelo pela primeira vez

ro

homem a possibilidade de compreender a Natureza

por meio

d

força lógica de seu

intelecto".

Mas, imediatamente a seguir, Wien concede que tal pro-grama,

tão portentoso para

o

cientista

natural,

tem suas limitações

-

e passa a

citar

Schiller:

"Insensível mesmo à

honra

de seu

criador/

Como a batida

morta

do relógio de

pêntlulo/

Privada de Deus, a Natureza segue fraudulentamente a

lei

da gravidade."e Claramente, a citação é feita em resposta à exigência popular, como o ætrofísico Hans Rosenberg

torna

ainda mais evidente em seu comunicado acadêmico de 18 de

janeiro

de

1930:

,' 'Com

certeza, seu terreno é o mais sublime do espaço/ Mas, meu amigo, o sublime não reside no espaço', ouço Schiller-Goethe nos dizer." 10

6ùahrcsbeicht der D.M.-V.27 (19f 8), Pafie

2,p.47.

Em 1926, alntemationalEducation Board da Fundação Rockefeller destinou 2?5 000 dóla¡es a um instituto de matemática. (Geo. W. G¡ay, Education on an Intenational Scale, A

Hßtory

ucation Boørd, 1923-1938 [Nova York, 1941],

p.30;

Otto

Neugebauer,

des Mathematischen In-stitutes der

UniversitàtGöttingen",llfinerva-Ze

07-111.)

9 W.

Men,

Univenalttdt und Einzelfonchung. Rektorats-Antrittsrede, gehalten am 28. November 192å Münchener Universitàtsreden, Heft 5 (Munique, 1926), 19 pp., nap. 14.

r0 H. Rosenbe rg, Die Entwicklung des rdumlichen Weltbildes der Astronomie, Rede

iu¡

Reichs-gründungsÍeíer (...) am 18. fonuar 1930

(lliel,

Ig3O), 27 PP., na P. 26. Os mesmú versos são

citados

-

com ainda mais profunda 'leverência ante o segredo que o outro lado esconde de

nós"

-

por Hans Kienle,"Vom V/esen ast¡onomischer Fo¡schung. Rede, gehalten bei der Ve¡fæ-sungsfeier der Ilnivenität Guttingen am 29.

Júi

L932", Bremer Be¡ffage zur Natwwissenschaft

(8)

12

Puul Forman

Mas é

claro

que os sentimentos ouvidos

por \ilien,

Rosenberg e/ ø/. partem de sua

audiência;

e eles procuram escapar a parte da censura mostrando que também eles

es-tão familiarizados com as expressões literárias clássicæ do idealismo alemão. No

entan-to,

quando

o físico

ou matemático figurava na audiéncia, era obrigado a ouvir críticas mais severas.

Em

março de 1927, Friedrich Poske

retomou

dos funerais do poeta Carl Haupûnann

com

os ouvidos cheios dæ acusações contra as ciênciæ naturais exatæ que encontrou 1á, 11 acusações aþarentemente

muito

semelhantes às que o pobre Max Born era obrigado a

ouvir

diariamente de sua mulher, uma poeta e dramâturga frustrada. He-dwig

Bom extrala

un

prazer mæoquista da "sensação de

ter

sido lançada sobre uma superfície

lunar

gelada", que a companhia dos cientistæ naturais

"objetivos"

lhe des-pertava. 12

E

ela não hesitava em

tomar

claro para os colegas de seu marido que

"pata

mim

é sempre como uma revelação quando, por triis do

físico,

descubro subitamente o

serhumano; querodizer,há,também,

físicosinumanos". 13 Com certezanãohárazões para

julgar

que a explicação de Einstein

-

"o

que você chama de

'o

materialismo de

Max'é

simplesmente a maneira causal

[n.b.]

de considerar as coisas"14

-serviapara

aliviar a inquietação da Sra. Born.

Por

mais doloroso que a necessidade de conviver com essas atitudes pode

ter

sido para

o físico teórico,

a acusação de Entseelung, de destruição da alma do mundo, não era a

pior

com

que se

def¡ontava.

Como Max von Laue percebeu no verão de 1922, a

escola de

Rudolf

Steiner "levanta acusações seriíssimæ

contra

as ciênciæ naturais de

hoje.

Estas são representadæ

como

æ culpadæ pela crise mundial In,

b.]

que estamos atravessando,

e

toda a

miséria intelectual e material ligada a essa crise

é atribrfda

às

ciências naturais".

rs

O contra-ataque publicado por Laue

foi

lido

"com muito

prazer"

11

F.

foske, na Flauptversammlung da Deutscher Verein zur Förderung des mathematischen und natwwissenschaflichen Unterrichtes,3l de março de 1921. (tlnterichtsbl¿tter fitrMothematrk und Naturwissenschaft 27

Íl92ll,p'

34.).

12 H. Bom,..Altprt Einstein gurzpivat",HeIIe Zeit

-

dunkle Zeit. In Memoiøm Albert Einstein' ed. por C. Seelig (Zurique, 1956), pp. 35'39' nap' 36.

r 3 H. Bom a H. A. K¡amen, 29 de setembro de 1925 :"Offengestanden hatte ich früher fast etwas Angst vot lhnen! Abe¡ die ist ganz ve¡schwunden,, seit ich hier die W?irme, de¡1 Emst und dio

ungLkün.t"lt" Kraft Ihres Wesens kennenle¡nen durfte. Es ist mir immer wie eine Offenba-rung,'wenn ich neben dem Physiker plötzlich den Menschen finde; es gibt nämlich auch un-menschliche Physiker!" (Archive for History of Quantum Physics, Sources for History of Quan' tum Physics, Microfilme 8, Seção 2; para descrições e localizações neste arquivo, ver Thomas S' Kuhn ef al., Sources for History of Quantum Physics. An Inrvntory and Report, "ìlemoirs" da American Philosophical Society, Vol. 68 [fitatÉlfra, 19617.1

14 Einstein

aH.

Bom, 1o. de setembro rle 1919, em Albe¡tEinstein, Hedwig eMaxBom,Brief' wechsel, 1916-1955, editado e anotado por M. Born (Munique)'

rs

M. v. Laue,'steiner und die NaturwissenschaÍt",neul.sche Revue 47 (1922),pp.41-49;reedi-tado em Lalue, Aulsdae und Vortrdge =Gesammelte Schiften und Vortrdge, Band

III

(Braun-schweig, 1962), pp. 48-56, na p. 48.

(9)

i

I

A

Cltltura de

lileimar e

a

Teoriø

Quântica

13

por

seu mentor e colega Mo< Planck, que imaginou que o artigo "certamente produzirá bons efeitos em círculos mais amplos". 16

Evidentemente, para Planck,

Rudolf

Steiner proporcionava meramente a ocasião e o alvo ostensivo para rebater um

conjunto

de atitudes que ele e Laue sentiam ser dissemi-nado entre o

pribti.o

educado alemão. Algumas semanas mais tarde' o próprio Pla¡rck advertiu contra essæ atitudes, e seu

pefgo

para a ciência' em um comunicado à Acade-mia Prussiana de Ciênciæ.

u

No

início

do ano seguinte ele reclamou amargamente, nu-ma conferência

pública,

que "precisamente em nossa época, tão orgulhosa de seu

pro'

grcssismo, ut

.tit

diversas

formæ

de crença em milagres

-

ocultismo, espiritualismo, ieosofia e todas aS suÍts numerosas variedades, não

importa

como se charnem

-

pene-tram

amplos círculos do

público

educado e não-educado, mais enganosamente do que nun.u, uprru, dos teimosoi esforços defensivos que o lado

cientffico

drrige contra elæ." Em comparação com

ese

moyimento, a agitação dabête noíre

atúelgr

de Planck, a

Li-ga Monista, òonæguiu, como ele agora admite, "apenas um sucesso

muito restrito"'

l8 Assim, não

é

de surpreender que os restos desse movimento positivista'monista

quase

morto

concordassem enfaticamente com Planck, em que o ambiente intelectual

di

Weimar era fundarnental e explicitamente antagônico à

ciência.

Recorrendo à

ana-logia univenalmente

aceita, entre a Alemanha contemporânea e o

período

que se

se-guiu

à derrota para Napoleão, Wilhelm Ostwald julgava evidente que

"Na

Alemanha de

hoje sofremos outra vez de

um

misticismo desvairado, que' do mesmo modo como

no

pæsado, se volta contra a ciência e a tazão, Como seus inimigos mais perigosos'"le Mes-1ó Planck a Laue,8 dejulho del922:

ngen gelesen. Er

(...)

wird gewiss

"Ihren Aufsatz über R. Steiner habe ich mit vielem

Vergnü-in

weiteren K¡eisen gute Wirkung erzielen." (Hantlschriften-sammlung, Biblioteca do Deutsches Museum, Munique.)

1? M. Planck, "Ansprache des vorsitzenden Sekættirs, gehalten

in

der öffentlichen Sitzung zur Feier des Iæibnizischen Jahæstages, 29. Jr¡¡i 1922",Preuss.Akad. d. tntiss. Sítzungsber- (L922)' pp.

lxxv-lxxvii,

reeditado emMøxPlanckin seínen Akademie-Ansprachen; Erinnerungsschift der Deuischen AkademiederÍllissenschaftenzuBerlin @erlim, 1948),pp.41-48. Umacarac-terizaç{'o

seme

feita no outono de 19

Ùber

àilsemein

eåens [Rektoratsantritt

sit'¿ltsreden

XI

'

4:

'Em anos Écentes

vido cada vez mais uma hostilidade consciente ao modo natural-científico de pensamento.

(...)

O fato é que, com muita força e barulho, a nova maneira de pensar conquistou sucesso em tG

dos os ter¡enos

-

naWissenschaft e na arte, na literatura e na política, no que se escreve eno que se diz."

tE M. Planck, Kausalgesetz und Willensfreiheit. Òffenttichet l'ortTag gehalten in det Preuss. Akad.

d.

Wiss. am 17. Februar 1923 (Be:Jtm, 1923),52 pp; reeditado em Plancþ Vortage und

Ein-nerungen (Stuttgart, 1949), pp. 139-168; nas pp. 162-163. E de novo, oito anos mais tafde:

de estarrecer o modo como tantas pessoas, particularmente nos círculos educados,

('.')

caem sob a influÇncia dessas novas æligiões, entrando em irideséncia com todos os matizes, desde o misticismo mais confuso aÉ a superstição mais ctassa"" ("\ilissenschaft und Glaube.

weihnachtsartikel vom Jah¡e 1930", ibid.,pp. ?A6-?A9; também citado extensamente em Hans

Hartmann, Max Planck als Mensch und Denlær [1953; ¡eeditado emFranldturt, 196a], pp. 52-55, nas pp. 52-53.)

re

ril.

Ostwald, Lebenslinien. Eine Selbstbiographie (Betßm, 1926-L927) 3, p'

442.

E, de novo, ibid.,2,p. 309: ' Hoþ se considera modemo falar todo o mal concebível do intelecto."

(10)

74

Pøul Formsn

mo

quando havia grande interesse

público

em resultados particulares da pesquisa ffsi-ca, como na teoria da relatividade,

tal

interesse,

no

que é de meu conhecimento, nun-ca

foi

interpretado pelos físicos como evidência de aprovação e apreciação de sua

ati-vidade. Ao

contrário, pareceu a Einstein "especialmente

irônico

que

muita

gente

acre-dita

ser

posível

encontrar na

teoria

da relatividade apoio para

aiendência

anti-racio-nalista de nossos dias".2o

Desse modo,

A¡nold

Sommerfeld claramente falava em nome da maioria de seus

co-legas quando, ao responder à solicitação da mais prestigiosa revista mensal da Alema-nha

do

sul

para que escrevesse uma

contribuição

a um número especial sobre a ætro-logia, perguntou:

(11)

r

I I l ì l I

A

Cttltum de

lleimtr

e

a

Teoria

Qwântica

15 tâliuel-.22 Essa sensação de se estar encarando

um

ambiente antagônico dentro

e

fo

ra

da universidade era compartilhada tão geralmente

ente

os matemáticos que Gerhard Hessenberg pôde apelar para ela ao tentar persuadir

o físico teórico

Amold

Sommer'

feld

a

adotar uma

linha

de ação que antagonizaria

um ffsico

experimental

(Friedrich

Paschen)

a

quem Sommerfeld recorria para

obter

boa

parte

de seu

material bruto:

"Mas nós,

matemáticos, pobres bodes

expiatórios,

nOs acostumamos

a ouvir

tan'

to

mal dito

contra nós nestes dias

-

por

trás

de nossas costæ e jogado contra

nos

sos rostos

-,

que

diferença

faria

um pouquinho

a mais

ou

a menos

1...)".23

Com

efeito,

essas

"correntes

antimatemáticas", eSSe "aSSaltO COntra a matemátiCa" que Se

desencadeou após a guelra, parecia tão

forte

e ameaçador que, em 1920, os matemá'

ticos

alemães se reuniram

numa

organização de defesa, a Mathematischer Reichsver-band,

cuja atribuição

especial era

proteger

a posição dos matemáticos nas escolas.24

Desse modo, é

claro,

o resultado dessa primeira abordagem do problema de

estabe-lecer

o clima

do ambiente intelectual

em cujo âmbito

os cientistæ físicos de Weimar trabalhavam

tão

produtivamente: os

cientistas físicos percebiam

o

ambiente como marcadamente

hostil. É

necesário

proseguir

com

nossa investigação?

Afinai,

pode--se argumentar que seria

inútil

indagar se tais percepções correspondiam à "realidade"

e,

além disso, que a resposta não te¡ia conseqüências quanto ao comportamento dos

cientistas

físicos. Não

obsta¡rte, a precisão

ou

imprecisão dessas percepções

é

cefia-mente

um

dado

importante

acefca dessas pessoæ,

um

dado essencial para qualquer

tentativa

de

inferir

suas percepções e os efeitos de

um

dado ambiente intelectual

so-bre

sua

ciência.

Além

disso,

para

as fìnalidades deste artigo,

é importante

explorar mais extensamente as atitudes com respeito à ciência física na Alemanha de Weimar; se de;rcmos determinar

em

que medida

e

em

que sentido a ideologia e as idéias dos cientistas

físicos podem

ser consideradæ

como

reações

a

seu ambiente intelectual, precisamos de uma especificação mais detalhada dessæ atitudes.

22 Tlr.Vahlen, llertundWesenderMathematik.Festrede

(...)

am 15.V. 1923,GreifswalderUni-versitàtsreden9(Greifswald,L923),32PP.,naP. 1. EaomenosnissoKonradKnoppconcor-dava com Vahlen: "Nós, matemáticos,

(...)

nalo fomos capazes de conquistar, ou menos sim-plesmenb mant€r, a posição na vida pública que a matemática merece." ("Mathematk und Kultnr, Ein Vortuag", Prcussische .Iahrbücher

2ll

lL928l, pp. 283 -300, na p. 283.)

23 G. Hessenberg a A. Sommerfeld, 16 de junho de 1922: "Wir

{rmen

Sündenböcke von Ma-thematikem aber haben

in

diesen Tagen so viel Schlechtes, hintenherum, wie auchvorncher-um,

über

uns

zu

hö¡en bekommen, dæs es uns auf ein bischen mehr oder weniger nicht ankommt: der Geæchæ hat nun einmal viel zu leiden." (Sources

for

History

of

Quantum Physics, Microfilme 33, Seçâo 1.)

24 Georg Hamel, presidente, durante

a

primeira assembléia geral da Mathematischer Reichs-verband, Ienu 23 de setembro de l92l,Jahrcsbeicht der Deutschen Mathematiker-Vereinígung

3l

(L922), Pa¡te 2, p. 118.

E

na segunda assembléia geral, em

l*ipzig

a 22 de setembro de 1922, .o Arbeitsausschuss de novo sublinhou em seu relatório que, "Quanto ao seu lugar e

p¡estígio fGeltung) nas escolæ, a matemática se encontra em posiçâo defensiva. Dirigidæ con-tra o ihtelectualismo e o racionalismo, as conentes intelectuais contemporâneas sÍio decididamen-te desfavoráveis àmatemática." (Ibid. 12 [t923], larte 2,pp. lL-L2.)

(12)

16

Paul Form¿n

L2.

Confirmødo

por

Outros Obsemadores

Faltandome tanto

a inclinação quanto

a

competência para empreender independen-temente

uma

extensa exploração

e

reconstrução do ambiente

intelectual

de Weimar, voltei-me para

outros

observadores

-

primeiro

historiadores da

vida intelectual,

de-pois

comentadores contemporâneos

-,

em

busca de sua-s conclusões

e

de sua orien-tação.

sobre

nosso

período

e

tema existem estudos de Georg Lukács,2s

Kurt

sonthei-mer,2ó

Peter Gayzt

"

-

o

mais recente, detaihado

e

relevante

-

de

Fritz

Ringer.28

Apesar de esses historiadores da vida intelectual não estarem preocupados especifica-mente

com

as atitudes em relação àsciênciæexatas,as cancte.'jzaçõrus que traçam do

meio intelectual têm

implicações diretas sobre a questão. Em especial, o exame que

Rínger

laz da

ideologia

académica exibe

muitas

das atitudes perante

a

ciência que impregtavam o mundo acadêmico de Weimar, e nos leva a muitas fontes importantes.

E, não

obstante

a

divenidade

perspectivæ pessoais e profìssionais, métodos de

pesquisa

e

motivações

ético-políticas

desses

historiadores,

o

quadro geral

do

meio intelectual de weimar que eles traçam é bæicamente o mesmo: rejeição da razão como

instrumento

epistemológico,

por

ser inseparável do

positivismo-mecanicisrno-materia-lismo

e, sendo fundamentalmente desintegradora,

por

ser incapaz de satisfazer à

"fome

de

completude";2e glorificação

da

"vida",

da

intuição,

da experiência não-mediati-zada

e

nãcanalisada, com a apreensão imediata de valores, e não a dissecção de nexos causais,

como

o

objeto

adequado da atividade acadêmica e

científica.

Essa

"hlosofia

da

vida",

da

qual o existencialismo

foi

apenas uma variedade, é interpretada

por

Lu-kács

como

"a

ideologia dominante de

todo

o período imperalista alemão.

(...)

No

pe-ríodo do

pós-guena virtualmente

toda a

]lteltanschauungsliteratur burguesa, ampla-mente

lida,

era le bensphilosophisch." Ð

Contando com esses estudos de historiado¡es da vida intelectual para nos dar alguma segura4ça de que não estamos caminhando seriamente

na

direção enada,examinemos urn pouco mais de

perto

alguns dos slogøns pragmáticos dessa filosofìa da vida, confor-me resumidos

por

observadores contemporâneos da vida intelectual de lvVeimar. Penso

que

tais

cuacteizaç&s

do ambiente intelectual não apenæ sugerirão irresistivelmente uma certa valoração do cientista físico, como também nos forçarão a reconhecer o pa-pel crucial do conceito de causalidade.

2s G. Lukács, Die Zentörung der Vemunft. Der Weg des lrrationalismus von Schelling zu Hitler (Be¡lim, 1954).

26

K.

Sontheimer, Antidemokratisches Denlçcn

in

der

hreimarer Republik (Munique, 1962). 27 P-Gay,lileimorCulturc:TheOutsideraslnsider (NovaYorþ 1968). Umaversãoapenasligei-ramente resumida, mas em que falta a extensa bibliografia, apa¡€ceu sob o mesmo título em

Donald Fleming e Bemard Bailyn (eds.), The Intellecnal Migration (Cambridge, Mass.. 1969), pp. 11-93.

28 F.K. Èinger, 77re Decline of the GermanMandarins.

The Gennan Acodemic Communíty, 1890--1933 (Cambidge, Mass.: Ha¡vard University Press, 1969).

2e A frase é de Gay, ob.

cit

(nota 27). 30 Lukács, ob. cit. (nota 25), p. 318.

I

l

I

(13)

I

I

i

I

A

Cltltura de

Weimar e

a

Teoria

Quôntica

l7

Dentro

de

um

ano a

pætir

do

fim

da guerra, essas corentes intelectuais, que

passa-ram a monopolizar o movimento em

favor

da reforma educacional, floresciam

por

to'

da

parte.

Discutindo a "exigência sócio-pedagógia do presente" em

l92fl,.Alfred

Vier-kandt pôde

ver claramente

que

"De modo

geral

I

exPerimentamos,

hoje,

uma

rejei-ção completa do positivismo; há uma

nova necessidade de unidade,

uma

tendência sintética

em todo o

mundo

do

conhecimento

[I/issenschaftl-um modo

de pensal

lÛindenkenl

que enfatiza primariamente

o

orgânico em vez do mecânico,

o vivo

em vez do

morto,

os conceitos de valor,

propósito

e finalidade emvez dacausalidade".3l

Uma

análise

mais

aguda

e

penetrante

dese

apelo

Por uma

"revolução

na

ciência fWissenschøft'1"

no

inlcio

do

período

de Weimar é a de Emst Troeltsch, publicada em 1921.32

Aqui

a causalidade aparece repetidamente

como

o

termo

pejorativo

que

epi-tomiza

a tendência de Íilissenschaft que é rejeitada

pelo

novo

movimento:

"Os

méto-dos

dessas disciplinæ

científicæ

especializadas são aqueles da explicação causal, da causalidade

natural,

da causalidade psicofísica, psicológica

e

sociológica.

É

a

culmi

nância da intelectualização de nossa atitude perante o mundo,

o

desencantamento do mundo,

e a trilha

em

direção a uma aproximação

ilimitada

a

um

sistema totalmente

causal fGesamtkousalsy stem] dæ coisas".33

Em

comum com

muitos

outros obærvadores, Troeltsch

cita

Henri Bergson como a

fonte

talvez mais importante

-

e a única não-germânica

-

do movimento contra

"todq

determinismo

sufocante". "Um

suspiro geral de alívio acompanha quase audivelmente o estabelecimento cada vez mais

forte

desse

sistema."il

Se agora juntâmos tudo isso, a liberdade com respeito ao causalismo positivista e

ao dete¡minismo, a superação do formalismo neo-ka¡rtiano, ('. . ) a orientação no

sen-tido da experiência imediata de tenéncias culturais não'analisáveis mæ compreensí-veis, (. . .) um novo platonismo fenomenológico que, através de visões, apreende e

jus-tifica normæ e essênciæ, entâo se reúnem næ mãos todos os elementos da revolução wissenschaftlichen.

(...)

É um neo-¡omantismo, como anteriorment€ na Sturm und Drøg.ts

3t

A.Vierkandt, Die sozialpaedøgogische Forderung der Gegenwart (Berlim, 1920), p. 20, citado por F,K.Ringer, "The German Univenities and the Crisis of læarning f 918-1932"

(disserta-çã'o de Ph.D., Universidade de Harva¡d, 1960), p. 145.

32 E. Troe,ltsch, "Die Revolution in derWissenchaft",Schmoller! Jaltrbuch (Iahrbuch

fir

Gesen-sebuni,

Verwaltung

...),

+S (192L), pp. 1001-1030. Reeditado em Troeltsch, Gesammelte

Schriften,Yol. 4: Aufsatze zur Geistesgeschichte und Religionssoziologie, ed. por Hans Ba¡on (Täbingen, 1 925 ; reeditado em 1 96 1), pp. 6 53 - 67 7.

33

lbid.,

p,

1020. Cf. Max Weber, "science as a Vocation [1919]", From Max llteber: Essøysin Sociologlt, traduzido e editado po¡ H.H.Ge¡th e C.Wdght Mills (1946;,reeclitado em Nova Yo¡k, 1958), p. L42:

'E

hoje? Para a juventude, 'a ciência como o caminho para a Natu¡eza' soa¡ia como blasËmia. Hoje em

di4

a juventude proclama o oposto: rcdenção do intelectua' lismo da ciência, de modo a rctornar à própria natvÍeza e, com isso, àNaturezaem geral." 34 lbid., p.1005

3s lbid., p. 1007. Ou ainda,

"A

peculiaridade do pensamento alemão, na forma que hoje tanto se

enfaliza, der¡tro

e

fora da Alemanha, deriva primariamerúe do Movimento Romântico

(...)

(14)

18

Paul Forman

Essas correntes intelectuais, cujas origens se situam

no período

do pré-guerra, mas que se derramaram imediatamente após a denota alemã, continuaram a dominar o meio intelectual em meados da década

de

1920, como nos primeiros

a¡os

da República de

Weimar.

Em

1927,num levantamento sobre a fìlosofia contemporânea e sua influência

mão, toma tudo comparável, a

tudo disolve

em elementos

-

por outro

lado, (. . .

)

o

ra-cionalismo e formalismo de uma sistematização lógica que deduz tudo, classifica tudo, submete

tudo

a conceitos."36

Litt

prosseguia chamando a atenção para o paralelo

-

freqüentemente notado

-

en-sendo

hostil

à ciência

e à

razã.o. Reconhecendo que

é

.,fora de moda', levar em con_ sideração os resultados da ciência natural, e que ele seria identificado por

exibir

sua

ori-gem

de

cientista, mesmo æsim Driesch aceita

a

caractenzaçã.o de

ieu

método

pelo r:,píteto

difamatório

de "racional",

e sustenta que

..o

despreio modemo pela

ciêìcia

pa ocidental

(.'.)"

(Troeltsch, "The Idea

of

Natural Law and Humanity

in

World politics [1922]", em

otto

Gierke, Natuml Law and the Theory

of

society,

ls50l¿;ll,trad.

de E.

Bar-ker [cambridge, 7934; reeditado em Boston, rgsz], p-p.

iot-zzí,'nup.2i0.;

rroettsch enfati-za (ab. cit.

[nota:Z],

pp. 1003-1004, 1028-1029) que essa "Revolution

in

der Wissenschaft,, se limitava às Gcisteswíssenschaften, que as inovações ¡evolucioná¡ias na ciêncja natural não tinham qualquer sigrificação weltanschaulich; e ele insiste em que a estælta ligação entre æ ciências naturais e a tecnologia impediria que aquelæ ¡elaxassem o rigor de seus métodos, ou que esco[egassem para a 'Naturphilosophie" e para o diletantismo. No entanto, poder-se-ia

pergunta-r a Troeltsch: e se, sob a influência

dessæ mesmas cor¡entes intelecfuais, os cientistas exatos viessem a repudiar sua conexão com a tecnologia

-

como, de fato, ftzetaml. podería-mos, entâo, esperar algum paralelo com a flsica romântica do irucio clo século

xX?

36 Th.

Litt,

Die Philosophie der Gegenwart und

ihr

Einlluss auf das Bildungsideø\, 2a. ed. (læipzig,

1927), pp.32-33.

cf.

Friedrich Meinecke,

"über

spengler's Geschichtsbefiachtnng',, wíssen

und Leben 16 (1923), pp. 549-561, conforme reeditado em Meinecke, tuerke yor.4 (stuttgart, 1959)' pp. 181-195, caractedzando a atmosfera dos tempos que corriam: "Fica-se também can-sado de se ter apenas inte¡conexões de causa e efeito lflnache und

llirkungl,

demonst¡adæ e redemonstradæ em consonância com métodos ¡acionaii de cogniçäo,

"

,-r"ãb

de executa¡ tais

demonstrações; fitca-se com a opinião de que há muito mais na vida e na humanidade do que um aparato de causalidade lrKausatitatenl mecânica. Ficou-se cansado de conhecer, e sedento de viver

(...)."

3? Litt, loc. cit.

I T

(15)

i

r

I

t

A

Citltum de h)eimø

e

a

Teoria

Quântica

19

[natural]

se deve ao

fato

de seus campeões tomarem o conceito

num

sentido excessi-vamente estreito, ou seja, como denotando uma perspectiva mecaniCista do mundo"'3E

O historiador da ciência pode sentir-se compelido a objetar que se trata de um sério equívoco considerar a ciência a

partir

de

lg00como

"mecanicista";

mais, que igualar o mecanicismo,

o

maûerialismo e mesmo o racionalismo ao positivismo representa uma completa

falta

de compreensão deste

último.

Na verdade,

é

difícil

entender

como

os observadOres de então deixaram, em geral, de reConhecer em Mach, Ostwald e seus se' guidores

um

movimento quæe romântico, em diversos respeito paralelos

àLebensphi

losophie.e

No

entanto, todas esas objeções são, naturalmente,

supérfluæ.

A

questão relevante diz respeito apenas à imagem que o

público

educado alimentava sobre o cien' tista

físico

e sua visão de

mundo. A

imagem do mecanicista racionalista-causalista

le'

vava, inevitavelmente, a uma valoração negativa.

L3. Atiados Intelectuais: O Círculo de Viena e a Bauhaus

Mas é possível que essa descrição do meio intelectual em que vivia o cientista físico seja

precisa? Quandô dizemos

"cultufa

de Weimar", não nos lembramos também do

Clr'

c¡lo

de Viena e do positivismo

lógico,

da Bauhaus e do funcionalismo, como suas ex-pressões

típicas?

E

tais movimentos não eram inerentemente simpáticos à análise ra-cional e às conquistas modemæ da ciência física e da tecnologia?

Com

certeza

o

Círculo

de Viena, com seu

objetivo

de uma wissenschaftliche

ltlel'

tauffassung bæeada

no

empirismo e na aná'lise lógico-atomística dæ estruturas concei-tuais,

tinha

uma

atitude

bætante

'þositiva"

perante æ ciênciæ físicas e a matemática. Mas, quão característico eta seu estilo de

fìlosofìa?

Somos às vezes levados a crer que o

posiïvismo lógico,

que de

fato

só surgiu como

progama

coerente ern 792913O,en a õorrente

filosófìca

dominante na Alemanha durante toda a década de 1920. Assim é

que

H.

Stuart Hugþes

atribui

vigor

pleno

ao movimento

no início

da década e

con-"

fãre

ao

Tractatus Logico-Philosophias

de

Ludwig

Wittgenstein

-

cuja edição alemã

Qgzl)

permanecia

virtualmente

desconhecida,

no

número

final

dos extintos Annalen der

Naurphilosophie

de Ostwald

-

o papel de

"o

trabalho filosÓfìco mais importante

do

pós-guena

(...).

os

neo-positivistas

(...)

foram

capazes de

reabilitar

o

método

científico

na

ltlosofia

(...)

e,

por

mais duæ décadæ, a Europa viveu sem uma

filosofia

capaz de falar ao cidadão comum

(.'.)-'*

38 H. Driesch, Der Mensch und die \ate\(Leipzrg,1928), trad. para o inglês por W. J. Johnson sob o tíþtlo Man and the (Jnivene (Londres, 1929), pp. 5 -

I'

Cf. KarI Jaspers, Die geistige Sination der Gegenwøt (Berlim-læipzig, 1932\, trad. para o inglês por E. e C. Paul comoM¿n

in

the Modem.Áge (Nova York, 1933), p. 159: "Hoje, no estrangeilot a anti-ciência se esgueira por

to

dos os meios e seitas, manifesta¡rdo suainfluênciaentre pessoas das mais diversificadæ pe$pec-tivas e pulverizando a própria substância da exis6ncia humana racional'"

se stephen G. Brush, "Thermodynamics andHistory",The GraduøteJounalT (1967),pp.477-565' nap.530.

40

H.S

and Society. The Reorientation

of

European Socíal Thought,

(16)

-20

Paul Forman

Contudo,

basta olhar pÍua os manifestos do Círculo de Viena para perceber que

Hu-gþes

dá uma

imagem completamente distorcida das

coisas.

Na

lUissenschaftliche Ileltauffassung:

Der

Í|iener Kreis, a

brochura

com

que,

em

1929,

o

Círculo

veio

pela primeira vez

a público, "seu

tom"

-

como Ringer

acertadamente assinala

-"era

aquele dos intrusos desesperados".4r

E,

efetivamente, as linhas de abertura nos

dizem: "Muitos afirmam

que atualmente o pensamento metafísico e teologizador está crescendo, e não apenæ no dia-a-dia mas também na ciência e no saber

fin

der

llissens-chaftl(...).

Essa afirmação

é

facilmente confirmada

ao

examinarmos

os temæ

de

conferênciæ

universidades

e

os

títulos

de publicações

filosóficas."a2

Em

1931, escrevendo nos

Schriften

zur

Wssenschaftlichm rileltauffassung

do

Cfrculo,

Philipp

Frank,

o

único físico

do grupo, cita repetidamente a"Ganzheitsphilosophie" expressa na

Køtegoienlehre

de Othmar Spann (1924) como característica da valoração negativa de que eram objeto as ciênciæ naturais e a matemática na

"fìlosoûa

escolar" dominante.

Para a disciplina que representa æ coisæ meramente por meio de traços extemos (quantitativos), æ essências das coisæ permanecem etema¡nente escondidas. Nisso está a chave por que a ciência natural matemático-causal não é uma disciplina

abran-gente, mentalmente criativ4 como as GeisteswíssenschaÍten.

(...) A

investigação quantificadora, æsim chamada exata, consiste apenas em mensurações e, como iglora

a essência dæ coisas e precisa decompõlæ em magnitudes pafa ser czpaz de inventa-¡iá{æ, não merece o nome de l'lissenschaft no mesmo sentido elevado como merecem

u

Geisteswissenschaften.

(...) A

questão da utilidade e dos objetivos alcançados é

uma coisa, mas outra o vaTor fltltirdef das llíssenschaften genúnæ, ocupadæ com a

totalidadeeaes$ncia Talvaloraciêncianaturalmatemáticanãopossuihojeemdi¿.43 Longe de exerc€r

predomínio

sobre a

filosofia

alemã durante a década de 1920, o

Círculo

de Viena e

o

grupo correspondente em Berlim

-

o Gesellschaft

für

empirische

Phlosophie,

reunido em

torno

de Hans Reichenbach e Richa¡d von Mises

-,comsua

valofação altamente

positiva

da ciência natural matemática, representaram

um

movi-mento bætante

tardio

e nitidamente

marginal.

A

impressão que Sidney

Hook

levou rich Rickert tinha a dizer a esse respeito em 1920: "O conceito hoje dominante em gtau

espe-cialmente elevado na atmosfera intelectual

genlfdie

Durchschnittsmeinungenfnos parece ser

mais bem desigrrado pela expressão vidø. Desde algum tempo ela tem sido empregada mais e

mais freqüentemente, desempenhando papel importalte não apenæ entre os escritores popula-res mas também entre fiIósofos acadêrnicos. Palavras favorit¿s são 'Erlebnis'e 'lebendig', e não há opinião considerada tão modema como aquela que sustenta que é tarefa da filosofia fomecer uma doutrina da vida que, moldando-se vital e genuinamente a partir da experiência, seja capaz

de ser usada pelo ser humano

vivo."

(Dre Philosophíe des Lebens. Dørstellung und

Kitik

der philosophischen Mode s tÒ'mungen unser er Zeir. [fUbingen, lgZO), p. a.)

4l

Ringpr, ob. cit. (nota 28), p. 308.

42 Verein Emst Mach, úlissenschaftliche Íl)eltauffassung. Der lttiener K¡eis (Viena, 1929), 63 pp,, na p. 9.

a3 O. Spann, Kategoienlehre

(l9A),

citado por P. Franþ Dos Kausalgesetz und seine Grenzen,

(17)

(

A

Cultum de

lleimar

e ø Teorís

Quântica

2l

para os Estados Unidos em 1929, após um ano de estudos filosóficos na Alemanh,a,

foi

a

de

que quase

todæ

as escolæ de então eram "extraordina¡iamente indiferentes aos

métodos e

resultados da ciência

ffsica moderna".

Pior

ainda,

"A

atitude do

filóso-fo

alemão

quanto

à

ciência

não

é

sempre de indiferença. Freqüentemente

é

de

a-berta

hostilidade."

Hook

julgava

que

os escritos de Hans

Reichenbach poderiam

ser de

grande

interese

para

o leitor

norte-americano, mas, na Alemanha,

Reichen-bach

é

"ignorado pelos fìlósofos

acadêmicos,

como o

são

todos os da

sua estirpe

(...)".*

Duas décadas mais mais

tarde, ao

esboçar a

história do

Cfrculo

deViena,

Victor Kraft

descreveu a grande resonância que o

movimento

encontrou na Europa

ocidental

e

nos

EUA,

aduzindo

compæsivamente que

"foi

na Alemanha

que

a abordagem do

Círculo

de Viena não

foi,

de

modo

algo-,

levada em consideração".s

Quanto à Bauhaus,

o

caso

foi

um pouco

diferente, pois o movimento do qual

Wal-ter

Gropius

foi

o

principal

representante na verdade era, até certo

ponto,

caracterfs.

tico

da

cultura

de Weimar.aó Assim, neste caso devemos antes perguntar se a nova

ar-quitetura

e

o movimento

de design que

lhe

era æsociado

constituíam

a

expresão

de

um

impulso inerentemente peculiar aos métodos dæ ciênciæ exatas

ou

às conquistas da tecnologia

modema. No entanto,

quando se examinam os manifestos desse movi-mento, não se

pode

deixar de se surpreender com sua ambivalência.

Em primeiro

lu-gar,

a

concepção

inicial

e æ diretrizes artísticas da Bauhaus inscreyiam+e em grande medida nos

limites

da tradição de

Mlliam Morris,

de um

retomo

ao artesanato como reação contra a tecnologia

modema.

Quando Gropius

-

em boa parte devido a simples necessidades fìnanceiræ

-'começou

a reorientar a instituição em direção ao design

in-dustrial, teve que enfrentar uma tenaz resistência

interna.

"Rejeito

com absoluta con-vicção o

mote

'Arte

e Tecnologia

-

Uma Nova Unidade'

",

escreveu

Lyonel

Feininger

em

agosto

de

1923

em

correspondência

privada;

"essa interpretação equivocada da arte,

porém,

é um

sintoma de nossos

tempos.

E

a exigência de ligá-la à tecnologia é

.

absurda sob todos os

pontos

de

vista."

O antagonismo

com

respeito à ciência e à

tec-nologia era

ainda mais

explícito

no

manifesto redigido

por

Oskar Schlemmer para o

folheto publicitário

da

primeira

exposição da Bauhaus,

no

verão

de 1923.

"Fiazãô e

ciência, 'os maiores poderes do homem', são os regentes, e o engenheiro o plácido exe-aa S. Hook, "A Personal Impression of Contemporary German

Philosophy", ,/oumal of Philosophy 27 (1930), pp. 141-160, næ pp. 147, 159. A mesma impressão é afirmatla, menos rigorosamen-te, por Kurt Grelling, "Philosophy of the Exact Sciences [na Alemanha]',, em E. L. Schaub (ed.] Philosophy Today (Aiczgo, 1928),pp. 3 93-4 f 5.

4s V. Kraft, Der liliener Kreis. Der Ursprung des Neopositivismus. Ein Kapitel der jüngsten Philo-sophiegeschíchte,2a.ed' (Viena,1968),p. 8. Aprimeiraediçãofoipublicadaem 1950. 46 No que se ¡efere à arquitetura, isso é bem demonstrado por Barbara MilletLane,Architecfi¿rc

and Politics.in Germany, 1918-1945 (Cambrideg, Mass., 1968). Cf. o discu¡so de Gropius

pe-ranþ o Landlag da Turíngia em Weimar, em 9 de julho de 1920: "Bæeado em fatos inconstes-táveis, agora mostrarei convincentemente'que aquilo que a Bauhaus realizou é um

desenvolvi-mento lógico e inintemrpto, que deve acontecer, e que já está acontecendo, por todo o país." (Hans M. Wingler led.l, The Bauhøus, Weimor, Dessau, Berlin, Chicago, trad. para o ingtês por W. J¿bs e B. Gilbert [Camhiage, Mass., 1969], p.42.)

(18)

22

Paul Forman

cutor

de possibilidades

ilimitadas.

Matemática, estrutura e mecanização são os elemen-tos, poder e

dinheiro

os ditadores desses fenômenos modemos de aço, concreto, vidro e eletricidade (. .

.) o

cálculo toma de æsalto o mundo transcedente

:

a arte se

transfor-ma num logaritmo."a?

Além

disso, o

próprio

Gropius era profundamente ambivalente quanto a essa

ques-tão.

"Meu principal

objetivo"

no planejamento do

currfculo

da Bauhaus era

"treinar

as capacidades naturais do

indivíduo

de aba¡car a vida como

um todo,

uma entidade cósmica una.

(...)

Nosso

princípio

diretor

era

o

de

que o design

artístico

não

consti-tui

tarefa intelectual

ou

material,

mæ simplesmente uma parte

integral

do estofo da

vida."4

E assim retomamos, outra vez, à Lebensphibsophie.

I.

4.

Ideois e Reformas Educacionøis

Tendo

obtido

uma imagem mais clara dæ atitudes Derante a ciência física e a racionali-dade analítica que eram dominantes entre as ciæses médiæ educadæ, e que eram

espe-cialmente fortes

nò mundo

acadêmico do

período

de Weimar, podemos melhor avalia¡

a

grande apreensão

com

que matemáticos

e

flsicos

encararam o movimento em

prol

de

uma reforma

educacional, que acompanhou a revolução.

E

vale a pena examinar brevenente os ideais educacionais anunciados

por

aqueles que,

no Ministério

de Edu-cação prussiano, tinham poder para

instituir

e administrar f¿i,s

reformæ;

isso nos

per-mitirá

compreender a ressonância encontrada

por

tais atitudes em todos os quadrantes do espectro

político,

bem como a iminência da ameaça que elæ constituíam års ciênciæ físicas.

A

temática

anti'racionalista

foi

anunciada

no início

do perfodo

de Weimar pelo StøatsseJcretilr Carl

Heinrich Becker.

Becker, um islamista eminente, havia ingressado no

Ministério

da Educação prussiano durante a guerra e, como democrata,

foi

elevado ao

primeiro

escalão em novembro de 1918, quando os social-democratas dem¡baram o

Kultusminister Friedrich

schmidt.4e

"o

mal

básico", garantia Becker

em

l9l9

em

di-fundiåo

ensaio sobre

reformaunivenitária,

"é a supervão nzação do

punmente

intelec-tual

em

nossa atividade

cultural,

a predominância exclusiva do

modo

racionalista de pensamento, que

tinha

de levar, e levou, ao egoísmo e ao materialismo em suæ formas mais crassas."

E

mais umavez, em outro panfleto escrito na mesma época, Becker

sus-tentava

que

"todo noso

sistema'educacional é orientado

por

demais exclusivamente para o

intelecto.

Devemos aprender outra vez a reverenciar o

irracional."so

Isso talvez

41

la Bauhaus após ter sidoimpresso

-

não de-a racionalidade ou a tecrrologia, mas porque

da Bauhaus, "a construçâo da Catedral do 4E

w.

Gropius,The New Archirccture and the Bøuhaus,

tlad- paÌa oinglêsporp. M. shand(Lon-dres, 1935), pp. 52, 89.

ae E¡ich rrVende, G H. Becker, Mensch und Politiker (Stuttgar! 1959). Cf. Fried¡ich Schmirtt-Ott, Erle b tes un d E n te b te s, I 86 0 - 1950 (Wiesbaden, 1 95 2)

s0 c. H. Becker, Gedanken zur Hochschulreform (r*,ipzig 1919), p. ix;Kulturpolítische Aufgaben des Reiches (I*'ipzig, 1919), p.55: "Wir müssen wieder Ehrfurchtbekomen vor

demlrrationa-len."

PaJå outros exemplos, ver Adolf Grimme (ed-), Kutturverwaltung der zwanziger fahre:

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