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CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA

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Academic year: 2021

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CURSO DE BACHARELADO EM HISTÓRIA

CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA

OS EMPATES COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA

Rio Branco – Acre Agosto / 2011

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OS EMPATES COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA

Monografia apresentada ao curso de Bacharelado em História da Universidade Federal do Acre - UFAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História, sob a orientação do Prof. Dr. Airton Chaves da Rocha.

Rio Branco – Acre Agosto / 2011

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Acre, Rio Branco. 2011.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC

Bibliotecária:Vivyanne Ribeiro das Mercês Neves CRB-11/600

S729e Souza, Carlos Jerônimo de, 1982-

Os Empates como estratégia de sobrevivência. / Carlos Jerônimo de Souza. – 2011.

63 f.; 30 cm.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Acre, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Curso de Bacharel em História. Rio Branco, 2011.

Inclui Referências bibliográficas

Orientador: Prof. Dr. Airton Chaves da Rocha.

1. Posse de terra – Conflitos – História – Acre. 2. Seringueiros – Resistência – Acre. 2. Posseiros – Resistência – Acre. 3. Posse de terras – Lutas – Memórias – Acre. I. Título.

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OS EMPATES COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA

Monografia apresentada ao curso de Bacharelado em História da Universidade Federal do Acre - UFAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História.

Aprovada em ____ / ____ / 2011 Média: _______

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________ Prof. Dr. Airton Chaves da Rocha

Orientador

______________________________________ Prof. Dr. José Dourado de Souza

Examinador

_______________________________________ Profª. Msc. Ormifran Pessoa Cavalcante

Examinadora

Rio Branco – Acre Agosto / 2011

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Aos meus pais, Luiz Chagas de Souza e Maria Jerônimo de Souza, os maiores incentivadores da minha carreira estudantil e acadêmica. A minha esposa, Maria Elinemária da Silva e Silva, pelo exemplo de dedicação aos estudos e apoio tão precioso durante a elaboração desta pesquisa. Ao meu filho, Luiz Antônio Jerônimo da Silva, por ter-me presenteado com o seu nascimento durante a fase de redação desta pesquisa.

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Primeiramente a Deus, pela dádiva da vida e oportunidade de ter concluído este trabalho.

Aos meus pais, Luiz Chagas de Souza e Maria Jerônimo de Souza, por todo amor e incentivos que dispensam a mim.

A minha esposa, Maria Elinemária da Silva e Silva, por todo o incentivo e compreensão quando de minhas angustias e ausências, principalmente, na fase final de escrita deste trabalho.

Ao meu pequeno Luiz Antônio Jerônimo da Silva, pelos sorrisos ofertados tão graciosamente nos momentos em que me via mais preocupado com os prazos da pesquisa.

A todos os meus familiares, pelos incentivos tão necessários para continuar com êxito na rotina exaustiva de conclusão do curso.

Ao meu irmão, Leudimar de Souza, pela companhia nos deslocamentos realizados a Xapuri e Brasiléia, durante os trabalhos de campo desta pesquisa; as minhas sobrinhas, pelo apoio com as pesquisas em jornais e transcrições das entrevistas.

Ao meu orientador, o professor Dr. Airton Chaves da Rocha, não só pelos ensinamentos, más, principalmente, pela paciência e compreensão quando de minhas faltas nos exaustivos encontros de orientação.

A todos os professores do curso de Historia Bacharelado da UFAC, especialmente ao professor Dr. José Dourado de Souza e a professora Drª Maria José Bezerra, pela dedicação e contribuição que me dispuseram durante todo o curso e apresentação/defesa da monografia.

A todos os entrevistados que, gentilmente, contribuíram com as suas memórias

(lembranças e esquecimentos), fontes primordiais desse trabalho de

reconstrução/representação de um passado de luta e de resistência vivido nos Empates, por seringueiros e posseiros, em defesa de um modo de vida criado nos seringais.

A todos os colegas da 1º turma de História Bacharelado (2006), particularmente: Capstana, Éssio, Huenderson, Iolânda, Emilânia, Francisco Assis, José Weliton (Tom), Silvana, Adriana, Ronaldo, José Roberto e Maria Zenaide, pela relação de amizade e aprendizado que desenvolvemos ao longo de todo o curso.

E por último, a todos aqueles que, de forma direta ou indiretamente, contribuíram com esta pesquisa.

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O objetivo central deste trabalho é elaborar uma representação sobre os aspectos mais gerais da luta de resistência vivida nos Empates, pelos seringueiros e posseiros acreanos, principalmente, durante as décadas de 1970 e 80, ao lutarem em defesa do seu modo de vida e posse definitiva de suas terras. Assim, ao longo dos três capítulos que compõe este trabalho, procuramos, a partir de uma perspectiva que (re) coloca o seringueiro como sujeito da história, buscar compreender quais os significados atribuídos por estes sujeitos e quais os resultados alcançados. Para isso, adotamos como metodologia principal, a análise das entrevistas com pessoas que vivenciaram diretamente as experiências dos Empates, problematizando também com outras fontes do conhecimento.

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The central goal of this work and prepare a representation on the broader aspects of the struggle of resistance lived in Draws by rubber tappers and by squatters, mainly during the decades of 1970 and 80, to fight in defense of their livelihood and the definitive possession of their lands. Thus, throughout the three chapters that compose this work, we seek, under a perspective that places the rubber Tapper as subject from history, understand what the meanings assigned by these subjects and that the results achieved. To do this, we have adopted as the main methodology, analysis of interviews with people who experienced directly the experiences of draws, problematizando also with other sources of knowledge.

KEYWORDS:Memory, Earth, Confrontation, Resistance, Draws, History.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS, 09

CAPÍTULO 1: EMPATES, A BUSCA DE SEUS SIGNIFICADOS, 11

1.1. Empate, um conceito em discussão, 11

1.2. Resistência individual, o prelúdio de uma ação coletiva, 18

CAPÍTULO 2: EMPATE COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA, 24

2.1. Memórias de experiências e de resistência, 24

CAPÍTULO 3: POSIÇÕES INSTITUCIONAIS SOBRE A LUTA PELA TERRA NO ACRE, 42

3.1. Governo estadual: “Quem é o cabeça?”, 42

3.2. Empate: A atuação da CONTAG e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais na consolidação da resistência dos seringueiros, 49

3.3. A Igreja Católica: “Pela necessidade que a gente tinha nós aprendemos rápido”, 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 59

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente monografia é o resultado de uma reflexão sobre uma experiência vivida por trabalhadores rurais do/no Estado do Acre, quando na segunda metade da década de 1970 e meados da década seguinte, organizaram uma forma de resistência, elaborada a partir de seus modos de vida, que ficou conhecida como Empates.

Os Empates constituídos por posseiros e seringueiros podem ser caracterizados como uma das formas de reação desses sujeitos à ameaça que visava transformar suas colocações de seringa em fazenda de gado. Em contra partida a esses interesses, esses sujeitos criaram os Empates como forma de defesa de seu modo de vida e das tentativas de expulsão da terra onde moravam há décadas.

Não existe uma única justificativa para a escolha desse tema como objeto de pesquisa. Várias são as razões; A motivação pessoal que muito contribuiu para a definição do tema como estudo de conclusão de curso, se deve ao fato de me identificar com o assunto. Escolhi trabalhar a problemática dos Empates, pela necessidade de investigar um objeto de estudo para realizar esta monografia, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em História. Assim, passei a pesquisar em nossa história regional uma temática que me chamasse à atenção.

Dessa forma, senti-me atraído pela temática dos Empates por ser uma estratégia de luta e de resistência forjada em nossa cultura regional, na qual seringueiros e posseiros lutaram para manter preservado o seu modo de vida.

Por ser acreano, filho de colonos nordestino que, assim como muitos seringueiros, migraram para o Acre na esperança de dias melhores, me vejo fortemente representado na história desses sujeitos vivida nos Empates, que ajudaram a manter preservados certos valores morais e culturais, ainda hoje, fortemente manifestados em nossa cultura.

Outra justificativa para a definição do tema em discussão como objeto de pesquisa, diz respeito a sua originalidade e importância social, acadêmica e científica.

A problemática geral de estudo que orientou a realização da pesquisa e a escrita da monografia consiste em tentar compreender os Empates como estratégia de sobrevivência e de luta, expressada por posseiros e seringueiros para manterem preservado seu modo de vida na floresta.

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O texto problematiza, a partir de memórias de trabalhadores que vivenciaram as experiências dos Empates e de outros registros, os diversos significados atribuídos, posteriormente, às experiências vividas.

A fundamentação teórica que orientou a escrita dos capítulos se constituiu a partir de autores que desenvolveram reflexões a respeito ou relacionado ao tema, como Michel de Certeau, Loiva Otero Félix, Verena Alberti e, também autores regionais que contribuíram com o diálogo da temática: Élio Duarte, Adalberto Ferreira, Ormifran Cavalcante, Manoel Calaça, Élder Andrade, entre outros.

A Metodologia utilizada para problematizar as questões mencionadas e alcançar os objetivos propostos foi à seguinte: Pesquisa do tipo exploratória, o método de abordagem foi o indutivo e o dedutivo, as técnicas de coletas de dados ou “material empírico” foram realizadas através de entrevistas com diversos atores sociais.

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CAPÍTULO 1: EMPATE, ABUSCA DE SEUS SIGNIFICADOS

1.1. Empate, um conceito em discussão.

De acordo com Ormifran Pessoa Cavalcante (2002, p. 92), os Empates foi uma das formas de luta organizada que os seringueiros construíram para barrar os desmatamentos promovidos pelos fazendeiros em suas colocações de seringa. Não obstante a essa opinião, Carlos Alberto Alves de Souza (1996, p. 50), destaca que foi nas colocações de Seringa que os seringueiros vão criar a experiência dos Empates quando buscaram, a todo preço, defender os seus direitos à posse definitiva dessas áreas.

Como podemos inferir do exposto acima, neste trabalho, o termo Empate divergirá do sentido que normalmente lhe é atribuído como igualdade de resultados. O que ocorre principalmente nos eventos esportivos, em que empatar significa que nenhum dos lados em disputa sai vencedor.

Já para os seringueiros, empatar significava vitória à medida que conseguiam impedir, mesmo parcialmente, que os fazendeiros destruíssem o habitat em que moravam, deixando-os sem meios para continuarem sobrevivendo como trabalhadores extrativistas.

Foi contrapondo esses interesses que os trabalhadores rurais criaram e desenvolveram ao longo dos anos a estratégia dos Empates. Uma ação concretizada a parir das experiências sociais construídas no cotidiano dos seringais e fortemente influenciadas por sucessivos laços de solidariedade e companheirismo.

De um modo geral podemos conceituar os Empates como sendo uma das formas de resistência organizada, pela qual os seringueiros acreanos manifestavam toda capacidade de luta e de resistência contra aqueles que queriam lhe retirar o direito a terra.

No entanto, entendemos que apenas a análise conceitual não é o suficiente para explicarmos como se processou essa forma de resistência vivida intensamente por homens e mulheres para não continuarem, na maioria dos casos, sendo expulsos de suas posses e irem viver miseravelmente nas periferias urbanas.

É importante termos em mente o contexto social e político pelo qual passou o Estado do Acre, ao ser inserido dentro de um projeto político modernizante, que visava integrar o Acre e os demais Estados amazônicos ao restante do país. Durante essa fase que se inicia na década de 1970 e se consolida nos anos 80, dois seguimentos de classe vão se destacar no processo de luta pela posse da terra e vivenciar experiências de lutas de maneira antagônica.

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Desta forma, contando com um poder de força superior, os fazendeiros vão se colocar em um polo oposto aos seringueiros, que buscaram na ação coletiva a base de sua resistência.

Por uma questão metodológica, durante o desenvolvimento deste trabalho, definiremos de “fazendeiro ou paulista” todo aquele que, vindo de outras regiões, adquiriram terras no Acre durante essa fase e, de seringueiro, todo aquele trabalhador que tinha na extração de seringa a sua principal fonte de sobrevivência. Parâmetro que também se incluía o seringueiro-posseiro, que iremos tratar mais detalhadamente em outro momento de nossa pesquisa.

Assim, durante a década de 1970, o Acre teve a sua base econômica transplantada de forma brusca do extrativismo para o agro-negócio, atividade essa escolhida por políticos locais como sendo o modelo de desenvolvimento que traria progresso e crescimento econômico para o Estado.

A opção por este modelo de desenvolvimento ia ao encontro do que estabelecia a Política Nacional de Integração da Amazônia, adotada pelos governos militares (1964 a 1986), que tinha como discurso o lema “integrar para não entregar”. De acordo com Manoel Calaça (1993, p. 207), dentre os políticos locais que defendiam esta proposta, destacou-se o governador Francisco Vanderley Dantas, que governou o Acre entre os anos de 1971 a 1975.

A respeito da postura desse governo, Élio Garcia Duarte destaca que:

Além dos inúmeros incentivos fiscais instituídos pela legislação federal, o governador Dantas oferecia ainda os serviços dos órgãos estatais para elaboração de projetos agropastoris e a necessária estrutura de apoio a implantação dos projetos. Como apoio financeiro, oferecia recursos do BANACRE, (Banco do Estado do Acre), Banco do Brasil, BASA, além de recursos alocados pela SUDHEVEA, com juros baixíssimos e longo prazo de carência e pagamento.1

Devido a facilidades como estas, um grande contingente de aproveitadores, vindos, sobretudo do Centro-Sul do país, adquiriu grandes áreas de seringais, principalmente aqueles que se encontravam as margens da BR-364 e 317, respectivamente ao longo dos trechos Rio Branco – Sena Madureira e Rio Branco - Assis Brasil.

Estas áreas foram às preferidas devido à garantia de investimentos por parte dos governos (federal e estadual), possibilitando assim uma valorização imediata da terra que na maioria dos casos, acabou sendo destinada à especulação fundiária. Por esta razão é que vai ocorrer ali um maior número de confrontos pela posse da terra entre fazendeiros e

1 DUARTE, Élio Garcia: Conflitos pela terra no Acre: resistência dos seringueiros de Xapuri. Rio Branco, Casa

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seringueiros e, consequentemente a maioria das ações caracterizadas de Empates. (CALAÇA, 1993, p. 167).

Verifica-se assim que os seringais mais atingidos nessas áreas foram: Santa Fé, Guanabara, Porvir, Porvir Velho, Carmo, Quixadá, Belmonte, São João, São Pedro, São Francisco, Paraguaçu, Santa Quitéria e Sacado. (SOUZA, 1990, p. 73).

Da forma como foi implantada, a pecuária ao invés de trazer progresso e crescimento econômico para o Estado acarretou dentre outros problemas, graves prejuízos sociais. Dos

quais destacamos a expropriação dos camponeses2, um alto indicie de concentração da terra

aliado a um forte êxodo rural e irreparáveis danos ao meio ambiente.

Durante essa fase, a população local que era composta basicamente por pessoas residentes na zona rural, seringueiros e posseiros na maioria, passou a taxar pejorativamente de “paulista” todo aquele que vinha de fora com o intuito de adquirir terras no Acre.

Na avaliação de Adalberto Ferreira da Silva (1982), a expressão “paulista” pode ser explicada devido ao fato da maioria desses sujeitos terem vindo de São Paulo. Logo a expressão tornou-se comum a todos que vinham de outras regiões do país e não necessariamente de São Paulo.

Verifica-se assim a caracterização e identificação de um inimigo comum, de um sujeito que além de se vestir e falar de forma diferenciada empregava outro sentido a terra: a terra como mercadoria. Para o paulista, o que determinava o grau de valorização da terra era o tamanho que a mesma apresentava e não a quantidade de seringueiras e outras árvores significativas que possuía, traçando assim uma nova dinâmica na forma de uso e destinação da terra.

A partir dessa nova perspectiva, várias modificações estranhas à realidade local foram bruscamente sendo colocadas em prática. Dentre elas a demarcação da terra adotando como sistema de medida o hectare, onde o topógrafo realizava o serviço de metragem da terra, substituindo, pelo menos em parte, a função que no período de apogeu da borracha era

realizada pelo mateiro.3

Outra mudança distintiva ocorreu com a construção de cercas de arames que passaram a impor limites demasiados ao livre acesso do seringueiro, que outrora podia caçar ou pescar,

2 Neste trabalho, o camponês que nos referimos trata-se de um trabalhador rural residente nos seringais acreanos

e da Amazônia, que tem na atividade extrativista da borracha a sua principal fonte de sobrevivência. A este tipo especifico de camponês deu-se o nome de seringueiro.

3 Pessoa que durante o apogeu da borracha no Acre, era encarregado de identificar e traçar na floresta os locais

de implantação das estradas de seringa e conseqüente instalação das colocações. O que era estipulado pela qualidade e quantidade das seringueiras existentes na área.

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por exemplo, em quase toda a extensão do seringal em que morava. Placas com a informação: “Proibido caça e pesca”, foram fixadas nas cercas revelando que um novo tempo estava sendo imposto.

Mesmo nos dias atuais, placas com estas informações ainda podem ser vistas fixadas nas cercas de muitas fazendas quando nos deslocamos nas principais rodovias de nosso Estado. Vale lembrar que muitos seringueiros (que foram excluídos de suas posses) ou seus descendentes, moram nas periferias de nossa cidade e como expressão de sua cultura possui como habito de lazer ou mesmo por necessidade, a prática da caça e da pesca. Assim, adentram clandestinamente em áreas de fazendas onde existam porções de floresta e igarapés para caçar ou pescar. O que nos leva a avaliar que mesmo de forma surda, ainda existe nos dias atuais, certa resistência desses sujeitos contra a apropriação da terra pelos fazendeiros.

Ocorre que ao adquirir a maioria das terras localizadas as margens das rodovias de nosso Estado, os paulistas passaram a limitar hábitos culturais, como os que acabamos de citar, praticados há décadas pelos trabalhadores extrativistas e repassados de geração para geração.

Baseado nas afirmações de Benedita Esteves (1999), os fazendeiros além de não respeitarem os valores locais, ao desmatarem os seringais acabaram destruindo também certos valores sócio-culturais ali existentes. Valores estes criados em um ambiente os quais mitos e lendas serviam para sacralizar o grau de pertencimento de um grupo social pelo local onde viviam.

Visto por muitos representantes do estado e da aristocracia local como portadores do progresso, os paulistas logo passaram a subjugar os camponeses com sua cultura. Traçando assim o antagonismo entre acreanos e paulistas, ou seja, entre seringueiros e fazendeiros, num duelo de forças desproporcional ao seringueiro na maioria dos casos. (ESTEVES, 1999, p. 130).

Mesmo os que se encontravam abandonados por seus proprietários, os seringais acreanos comprados ou simplesmente grilados pelos paulistas não se caracterizavam em vazios demográficos, conforme apregoava o discurso produzido pela política nacional da época. Diferentemente do que poderia ocorrer em outras regiões da Amazônia, os seringais acreanos sempre foram ocupados por famílias de seringueiros, que viviam e trabalhavam naquele espaço há décadas. (CALAÇA, 1993, p. 206).

Como não houve preocupação de início por parte dos governos em inserir os seringueiros e posseiros nesse modelo de desenvolvimento adotado para a região, estes

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passaram a se constituir em um empecilho à medida que passaram a reivindicar o seu direito a terra. (CALAÇA, 1993, p. 205).

Após adquirir o seringal, o paulista via-se diante de uma situação embaraçosa. Pois mesmo tendo em muitos casos, comprado e possuir um documento de compra e venda legitimando em tese o seu direito a terra, isso não lhes garantia a posse efetiva do mesmo, uma vez que, como já mencionamos a terra encontrava-se ocupada por famílias de seringueiros.

É a partir desse momento que se inicia a etapa denominada de “limpeza da terra”, que consistia em retirar os seringueiros e outras categorias sociais da terra, para torná-la um investimento seguro e disponível para outras negociatas, inclusive a aquisição de incentivos por parte dos governos.

No entanto, como prova do fracasso desse projeto, a maioria dos incentivos destinados a promoção do agro-negócio na região, acabou sendo desviado e aplicado em setores mais lucrativos fora do Estado. (SILVA, 1982).

Na opinião de Elder Andrade de Paula (1991), inicialmente o método mais empregado pelos fazendeiros para retirar os trabalhadores rurais da terra, foi à prática da coação física e moral. Poucos foram os recursos judiciais impetrados pelos fazendeiros durante essa fase. A respeito dessa afirmação, podemos deduzir que a demora e o altíssimo custo dispensado a esse recurso, aliado a falta de resistência organizada dos seringueiros num primeiro momento, tenham sido motivos suficientes para que os fazendeiros optassem por um método mais barato e já utilizado com sucesso em outras regiões brasileiras: o uso de milícias particulares.

Essas milícias eram constituídas por homens armados (jagunços e pistoleiros), contratados pelos fazendeiros, normalmente, em Estados como Mato Grosso e Pará, para coagirem/forçarem, por meio da violência física e psicológica, os seringueiros a abandonarem as suas posses.

Fato que nos chama a atenção é que os primeiros jagunços trazidos para o Acre, durante essa fase, receberam tratamento diferenciado aos que recebiam em outras regiões do Brasil. Normalmente, chegavam de avião, hospedavam-se nos melhores hotéis da cidade e não era raro andarem acompanhados por policiais e outros agentes púbicos, além de serem tratados como gerente de fazenda. (CALAÇA, 1993, p. 231).

Segundo o jornal alternativo, O Varadouro, de grande circulação na época, o primeiro paulista a empregar o uso de jagunços no Acre foi o fazendeiro Benedito Tavares do Couto,

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para coagir trabalhadores no seringal Riozinho em 19734. Devido à conivência do Estado em muitos desses casos o método tornou-se bastante comum na região.

A cerca das coações praticadas por fazendeiros contra os trabalhadores rurais, Osmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e sindicalista da região de Brasiléia, em entrevista que nos concedeu em 2007, afirmou que normalmente:

Eles [fazendeiros] usavam a imprensa, sabe? Mandava carta para a gente, ameaçava a gente, a nossa família, sabe? Fazia estupro, sabe? Teve seringais ai, que teve fazendeiro que entrou com o pistoleiro em jipe [veículo], pegou as filhas, amarrou o marido [seringueiro] e fez os pistoleiros ter relações sexuais com a mulher, com as filhas, pro marido vê a desmoralização.5

Outro caso de grave violência empregado por fazendeiro contra trabalhadores rurais nos foi revelado pela presidente do Sindicato desta categoria em Xapuri, Dercy Teles de Carvalho Cunha. Em entrevista que nos concedeu em 2010, na cede do próprio sindicato, ela nos relatou fatos ocorridos no seringal São Francisco do Iracema, localizado em Xapuri. Nesta área, o preposto de fazendeiro conhecido por Vilela, além de queimar as casas dos produtores rurais, promovendo tiroteios e espancamentos, chegou ao ponto de laçar um seringueiro e sair

arrastando o mesmo amarrado na “chincha” de um cavalo.6

Por meio dessas e de outras formas de violência, nomes como os de Sidney, Gaúcho, Pedro Clementino, Edson, Carlos Sérgio, Andirá, Mato Grosso e Paraguai, tornaram-se famosos na época, deixando apavorados muitos seringueiros só de ouvirem falar que estas pessoas estavam por perto. (CALAÇA, 1993, p. 230).

Muitas dessas coações, também foram praticadas por aqueles que tinham por profissão zelar pela legalidade e pela moralidade. Um desses casos foi denunciado pelo jornal Varadouro, envolvendo um Delegado de Polícia de Xapuri, Enoch Pessoa de Araújo.

Conforme consta na matéria, o Delegado era temido por envolver-se em casos de litígio de terras favorecendo os interesses dos fazendeiros, intimando e prendendo trabalhadores rurais sem uma motivação legal.

Em um desses casos, o seringueiro identificado por Adalberto, foi intimado a comparecer na delegacia da localidade e posteriormente foi escoltado para fora da cidade por três policiais conhecidos por Aurélio Teodósio, Zequinha e José Almerindo. No caminho

4 Varadouro, nº 20, Rio Branco, abril de 1981: A qualquer sinal os jagunços podem sair da toca. p. 11.

5 RODRIGUES, Osmarino Amâncio [2007]. Depoimento oral cedido ao autor.

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testemunhas deram conta que o mesmo foi espancado pelos policiais e desde então não mais foi visto.7

Fato da mesma natureza também ocorreu em Brasiléia, quando chegou à casa de um seringueiro, um policial militar a paisana, acompanhado de alguns capangas. Que não encontrando o seringueiro dono da casa, acabou espancando a sua mulher, que no momento estava amamentando uma criança, jogando-a no chão. Em seguida a amarrou e ficou por certo tempo a espera do seu marido. Devido à demora do seringueiro em retornar do serviço, os malfeitores, cientes do “recado dado”, decidiram ir embora. (SOUZA, 1990, p. 91).

Mediante estes expedientes, muitos seringueiros abandonaram suas posses por meio de indenizações forçosas, que ocorriam, principalmente, com o emprego de violência psicológica praticada por jagunços, que coagiam os trabalhadores a realizarem acordos em condições desfavoráveis com os fazendeiros.

Outros, no entanto, abandonavam a terra sem receber nenhuma indenização, apenas pela coação sofrida. Na maioria desses casos, os trabalhadores expulsos migravam para as periferias de centros urbanos para viverem em condições impróprias ou para seringais bolivianos em busca de melhores oportunidades.

Numa tentativa de resolver esses problemas, muitos trabalhadores rurais recorreram às autoridades instituídas denunciando e pedindo providências. Porém, a inércia do Estado para esses casos era tamanha que muitos desses fatos nem se quer resultaram em um boletim policial noticiando o ocorrido, muito menos na instauração de um inquérito policial para apurar a autoria e materialidade destes ilícitos.

A esse respeito, salutar se torna as palavras do seringueiro aposentado, morador da cidade de Brasiléia, Cícero Galdino de Araújo. Assim, em entrevista que nos concedeu em 2007, Cícero Galdino nos relatou que durante anos de sua vida, morou e trabalhou em uma colocação de seringa do seringal Carmem, localizado ali mesmo na região de Brasiléia.

Quanto ao esforço empreendido por ele e os demais seringueiros do seringal Carmem no sentido de resolver as ameaças de expulsão que vinham sofrendo, afirmou que por várias vezes recorreu aos órgãos instituídos denunciando os problemas que estavam enfrentando: - “Fui lá, fiz parte do que estava acontecendo, na 4° Companhia de Fronteira [exército],

Delegacia de Polícia, INCRA, tudo quanto era de órgãos do governo nós fumo lá”.8

No entanto, a resposta do Estado para a maioria desses casos era de insatisfação para os trabalhadores.

7 Varadouro, ano II, nº 11, Rio Branco, agosto de 1978: Delegado Enoch, cadê o preso? 8

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Outro relato que evidencia a tentativa dos seringueiros em buscar uma solução pacífica para os casos de violência praticados por fazendeiros é manifestado no depoimento do posseiro Antônio Caetano de Souza, residente no seringal Nova Empresa: “A gente quase já

nem trabalhava só procurando as autoridades para resolver o nosso problema”.9

Essa tentativa de procurar o poder público para denunciar as arbitrariedades sofridas, demonstra, dentre outras coisas, certa confiança por parte dos seringueiros na figura do Estado. Confiança que aos poucos foi sendo rompida à medida que os casos de expulsão de seringueiros iam se re-interando com a conivência dos próprios governantes.

Foi vivenciando atos desta natureza, que seringueiros como Cícero Galdino e Antônio Caetano, foram se dando conta da posição do Estado naquele momento em favor dos paulistas. Decidindo, a luz da própria necessidade, pelo enfrentamento, mesmo que aquela decisão representasse conseqüências trágicas, conforme tentaremos demonstrar no tópico seguinte.

1.2. Resistência individual, o prelúdio de uma ação coletiva.

Na visão de Calaça (1993), as primeiras formas de resistência empregada pelos trabalhadores rurais, contra a ação dos fazendeiros, se deram através de atitudes classificadas como individuais ou isoladas. Concordando com esta afirmação, Paula (1991, p. 68) destaca que foram os posseiros os primeiros a reagirem às ofensivas dos paulistas e não os seringueiros, que só vão impor resistência em um momento posterior.

A respeito dessa afirmação, vale destacar que durante os períodos de crise do extrativismo, muitos seringais foram abandonados por seus proprietários, ficando o seringueiro ali existente na condição de posseiro. Assim, para resguardar a sua sobrevivência no seringal sem o aviamento tradicional do seringalista, este sujeito passou a diversificar sua produção praticando outras atividades econômicas e assessorias a produção de borracha.

Dentre essas atividades, destacou-se a agricultura de subsistência, o comércio de peles de animais e a venda de óleos vegetais. Produtos que, via de regra, eram vendidos a novos

parceiros comerciais, como o marreteiro10, e até mesmo a certos comerciantes da zona urbana,

aumentando assim a sua expectativa de ganhos. (SOUZA, 1996, p. 54).

9 Varadouro, ano I, nº 3, Rio Branco, agosto de 1977: O posseiro reage. p. 11.

10 Vendedor ambulante que durante a década de 1960, após a abertura das rodovias federais, tornou-se comum

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Deste modo, os seringais que foram abandonados por seus proprietários, ficaram os seringueiros ali existente livre da obrigação da renda, que culturalmente pagavam ao seringalista. Por esse motivo, passam a ser denominados, por alguns autores, como

seringueiros autônomos ou libertos11. Assim, o seringueiro que se enquadrava nestas

condições de existência, passou a ser denominado de posseiro. Esse tipo de seringueiro vai ser mais comum na região do Alto-Acre, principalmente nos municípios de Xapuri, Brasiléia, Assis Brasil e Sena Madureira, áreas que vão dar origem aos primeiros Empates.

Ratificando o exposto por Paula (1991), entendemos que um dos fatores que motivou o posseiro a sair na frente no processo de resistência contra o fazendeiro em relação ao

seringueiro tradicional ou cativo12, tenha sido a angustia de perder a autonomia que havia

adquirido no processo de falência da empresa seringalista. Autonomia esta que só vai ser adquirida pelos seringueiros cativos com a criação dos Sindicados dos Trabalhadores Rurais em 1975. Data em que de fato eles vão deixar de pagar a renda, cobrada inclusive por alguns paulistas que adquiriram o seringal posteriormente.

Além disso, para muitos seringueiros cativos, o entendimento era que a colocação em que viviam pertencia ao patrão seringalista, e se este a havia vendido para o fazendeiro, o que lhes restava era sair da área e procurar outro local para trabalhar e criar sua família.

Portanto, o posseiro que nos referimos neste trabalho, trata-se do seringueiro que permaneceu ou passou a ocupar as colocações de seringa dos seringais abandonados pelos seringalistas. Conceito que se fundamentava juridicamente na Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra), sancionado pelo Presidente Castelo Branco, que tinha como princípio básico à fixação do homem a terra.

De acordo com essa lei, todo trabalhador rural que morasse e cultivasse a terra habitualmente por um ano e um dia era o devido posseiro, ou seja, teria o direito de nela permanecer. Foi baseado nesta lei que os advogados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura – CONTAG passaram, a partir de meados da década de 1970, a defender na justiça o direito de posse dos seringueiros.

Vale salientar que durante as conversas informais que tivemos com alguns trabalhadores extrativistas, que moraram em seringais abandonados por seus patrões, não percebemos, por parte deles, esse reconhecimento próprio de posseiro. O que nos leva a

11

Sobre este assunto ver PAULA, Elder Andrade. Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca da liberdade. Itaguaí, 1991. p. 86.

12 Seringueiro que continuava pagando a renda, uma espécie de aluguel pela sua permanência e utilização da

colocação, ao patrão seringalista e, em alguns casos, também aos paulistas que adquiriram posteriormente essas terras.

(21)

avaliar que essa definição de posseiro só coexiste no campo conceitual e não na prática diária desses trabalhadores.

Deste modo, foi através de atitudes individuais e isoladas que muitos seringueiros, caracterizados na condição jurídica de posseiro, deram início ao processo de resistência contra as expropriações e violência promovida pelos fazendeiros. Resistência que logo depois foi aderida por muitos seringueiros cativos, cujos patrões haviam vendido os seringais em que moravam para os paulistas, os deixando sem expectativas de trabalho e moradia.

É nas paginas do Jornal Varadouro que vamos encontrar informações sobre essas primeiras manifestações de resistências. A primeira delas ocorreu no seringal Catuaba, localizado em Rio Branco, onde desde 1974, os posseiros vinham sofrendo constantes tentativas de expulsão. Em uma dessas tentativas, o posseiro Raul Veras, decidiu resistir e na imprevisão do confronto acabou ceifando a tiros de espingarda a vida do gerente do seringal e ferindo um fiscal.13

Outra manifestação de resistência desta natureza ocorreu no seringal Nova Empresa, em 1977, onde o capataz de fazenda, Carlos Sérgio Saparoli Sena, tornou-se famoso por promover reiterados atos de violência contra posseiros. Em resposta a essas atitudes, um grupo de posseiros, liderados por Antônio Caetano, matou a tiros de espingarda Carlos Sérgio

e o seu auxiliar, Osvaldo Gondim.14

Sobre este fato, assim se justificou o posseiro acusado pelo crime, Antônio Caetano:

Eu atirei seguro para ele não escapar, e se não faço isso ele me matava [...]. Várias vezes fui ameaçado por Carlos Sérgio e procurei as autoridades em Rio Branco. Pedi garantia de vida ao diretor de Polícia judiciária, ao governador [Geraldo Mesquita] ao INCRA.15

Não obstante a esses exemplos, em Assis Brasil, a empresa Coapai, de propriedade de empresários paulistas, após adquirir terras no Acre, compreendendo os seringais Icurian, Guanabara e São Francisco, passou a coagir os posseiros que ali existiam para que saíssem da área. Em função disso, um grupo de seringueiros armados, decidiu impedir os trabalhos de topografia realizados pela Empresa, que recorreu à autoridade policial da localidade.

Devido a este fato, os posseiros implicados foram intimados a comparecer na delegacia, advertidos de que o delegado da região, conhecido por Jeová, havia prometido prendê-los e espancá-los. Diante dessas ameaças praticadas pela autoridade policial, um grupo

13 DUARTE, Élio Garcia Duarte. Conflitos pela terra no Acre: a resistência dos seringueiros de Xapuri. Rio

Branco - Acre. Casa da Amazônia, 1987. p. 68.

14 Varadouro, ano I, nº 3, A briga pela posse, Rio Branco, agosto de 1977, p. 11. 15

(22)

de 63 seringueiros liderado por Antônio Jacinto Gomes, foi tirar satisfação com o delegado

que, na ocasião, não teve como cumprir o prometido. 16

Observa-se assim, que a decisão de irem a delegacia em grupo, demonstra a disposição de luta e a capacidade de união destes trabalhadores à medida que iam percebendo a realidade posta.

Mesmo assim, essas primeiras formas de resistência, por serem individuais e isoladas, foram combatidas com certa facilidade pelos fazendeiros, dispondo de suas milícias particulares e do apoio do poder público em muitos desses casos. Desta maneira, durante certo tempo, os paulistas foram conseguindo realizar os seus intentos sem maiores dificuldades, desmatando vários seringais e expulsando centenas de famílias de trabalhadores de suas posses.

No entanto, ao analisarmos a nossa historiografia regional, podemos constatar que este processo de resistência esboçado pelos trabalhadores rurais acreanos, não se inicia apenas, a partir da década de 1970, com a chegada dos fazendeiros/paulistas. Historicamente, desde que migraram para os seringais da Amazônia onde se fizeram seringueiros, estes sujeitos sociais iniciaram um processo de resistência manifestado de diferentes formas em busca de melhores condições de vida e de trabalho.

Como exemplo de formas anteriores de resistência, Pedro Vicente Costa Sobrinho (1992, p. 132), esclarece que foram muitos os casos de conflitos, envolvendo seringalistas e seringueiros, sobretudo, na região de Xapuri. Essas manifestações de resistência ocorriam, principalmente, devido a ações desonestas praticadas por muitos seringalistas contra os seringueiros. Tais como: roubo no peso e nas contas, referentes à produção de borracha, atraso no fornecimento de mercadorias, falta de uma assistência mais imediata em casos de doença e até maus tratos físicos.

Buscando solucionar estes problemas, os seringueiros chegaram ao ponto de paralisar os serviços de extração de borracha, numa atitude, considerada por alguns autores, de grevista. O próprio Sobrinho (1992) considera que:

O movimento grevista mais importante ocorreu [...] no seringal Alagoas, [...] um dos maiores seringais do Acre, que ocupava quase 500 seringueiros em suas colocações. [...] Em 1966 o seringal foi arrendado para outro patrão. [...] Se antes havia sido pago 1.000 cruzeiros ao quilo da borracha, agora o novo [patrão] oferecia apenas 850 cruzeiros por quilo da borracha. Os trabalhadores não aceitaram e suspenderam a entrega da borracha. Formaram grupos para deter os possíveis fura-greve. Logo em

16

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seguida dirigiram-se a margem cerca de 60 trabalhadores, para negociarem com o patrão. Diante da pressão dos trabalhadores o patrão cedeu [...].17

Souza (1996, p. 88), também destaca outras formas de resistência engendrada por seringueiros acreanos, no sentido de contraporem as atitudes desonestas praticadas por muitos patrões seringalistas. Para ele, isso ocorria, por exemplo, quando um seringueiro colocava barro e outras impurezas na borracha que produzia, para agregar mais peso ao produto. Assim, se, por um lado, o patrão o enganava nas contas, este também lhe enganava através de espertezas como esta.

Outra manifestação de resistência acontecia quando um seringueiro comercializava sua

produção de borracha clandestinamente com o Regatão18. Tal atitude revelava, desde então,

uma ruptura com o monopólio do sistema de aviamento, que obrigava o seringueiro a entregar sua produção ao patrão seringalista. Através deste ato clandestino, o seringueiro adquiria melhores expectativas de lucros, porém poderia ser punido caso fosse descoberto pelo seringalista. (WEINSTEIN, apude SOUZA, 1996, p. 53).

Como podemos perceber, muito antes dos Empates, os seringueiros já vinham manifestando variadas formas de resistência contra aqueles que os explorava e subjugavam de maneiras, também, diversas. Assim, a estratégia dos Empates foi marcante, à medida que caracterizou uma fase de resistência organizada desses sujeitos contra os fazendeiros, representantes de um modelo de exploração capitalista mais moderno que se processou (ou se processa) na região a partir de meados da década de 1970.

Contudo, avaliamos que foi através das experiências adquirida no processo de luta e de resistência como um todo, que esses trabalhadores passaram a perceber que a resistência só se consolidaria por meio da ação coletiva. Por esse entendimento, aos poucos as ações que antes eram empreendidas individualmente, passaram a dar lugar a formas cada vez mais coletivas e organizadas.

Assim, à medida que os exemplos de seringueiros expulsos vivendo miseravelmente nas cidades foram se tornando flagrante, os trabalhadores rurais foram manifestando formas mais elaboradas de resistência, como a dos Empates. Uma tática criada a partir das experiências vividas pelos seringueiros no cotidiano dos seringais.

No cerne dessas práticas, destacamos a experiência adquirida nos chamados adjuntos como sendo um dos fatores que muito influenciou os seringueiros a promoverem a estratégia

17

SOBRINHO, Pedro Vicente Costa. Capital e Trabalho na Amazônia Ocidental: Contribuição a Historia social e das lutas sindicais no Acre. São Paulo: Cortez: Rio Branco, AC: Universidade Federal do Acre, 1992. p. 133.

18 Comerciante ambulante de origem Círio-Libanês, que navegava em pequena embarcação pelos Rios e igarapés

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dos Empates. Para os seringueiros, os adjuntos era uma técnica que consistia em reunir um grupo de pessoas para realizarem trabalhos coletivos e organizados, como por exemplo, a construção de roçados, limpeza de estradas de seringa, construção de moradias, até mesmo, para ajudar um seringueiro enfermo.

Através dos adjuntos, os seringueiros alcançavam uma maior capacidade produtiva, reduzindo assim os esforços individuais. Dessa maneira, verifica-se que os serviços realizados coletivamente tornavam-se muito mais rápidos do que aqueles executados individualmente, mesmo levando-se em consideração a proporção de pessoa por hora trabalhada.

Foi nos adjuntos que muitos seringueiros aperfeiçoaram a prática do trabalho coletivo, o que propiciou não apenas uma capacidade maior de produção, mas também, momentos de sociabilidade e cumplicidade, elementos fortemente manifestados no cotidiano dos Empates.

Mesmo para o trabalhador extrativista o seringal também representava um lugar de dificuldades, as quais eram em parte superadas pela capacidade que possuíam de se ajudarem mutuamente. Para se ter uma dimensão de como isso ocorria na prática, era muito comum, entre os trabalhadores rurais, os mesmos dividirem a carne de um animal abatido em uma caçada com o vizinho, que retribuía a gentileza em outro momento oportuno.

Outra manifestação de solidariedade ocorria quando um seringueiro precisava ser levado com urgência à cidade para atendimento médico. Como forma de superar a dificuldade de acesso dentro da floresta, os seringueiros saiam convidando vizinhos para realizarem esse ato de companheirismo. Rapidamente, reuniam-se dezenas de trabalhadores que carregavam o doente em uma rede, armada nas extremidades de uma vara de madeira, carregada nos ombros por duas pessoas, que iam se revezando com os demais companheiros até chegar a um ponto em que fosse possível um transporte mais eficiente.

Através da realização de atividades como estas, os seringueiros foram adquirindo experiências que, com o passar do tempo, foram sendo canalizadas para a construção da estratégia dos Empates. Uma forma de resistência que, por seus resultados, foi capaz de projetar a luta dos seringueiros para além dos limites do seringal, tornando-se símbolo da luta organizada dos seringueiros contra os fazendeiros.

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CAPÍTULO 2: EMPATE COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA

Neste capítulo discutiremos as memórias de alguns sujeitos sociais que participaram diretamente da luta em defesa de seus modos de vida, conhecida como Empates. Problematizando as memórias de pessoas que viveram os Empates a partir dos conceitos de memória e sua relação com a produção do conhecimento histórico, dos conceitos de representação do passado, experiência de vida, estratégias de sobrevivência, significados atribuídos, entre outros. Dialogando também com outras fontes além das memórias de meus entrevistados.

De acordo com o historiador francês, Michel de Certeau (1994, p. 99), o conceito de estratégia é definido como a postulação de “um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio de ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaça.

2.1. Memórias de experiências e de resistência.

Na compreensão de Loiva Otero Felix (1998), a história além de captar e estudar memórias, também se constrói com elas:

Estudar memória [...] é falar não apenas de vida e de perpetuação da vida através da historia; é falar também, de seu reverso, do esquecimento, dos silêncios, dos ditos - não ditos, e, ainda [...] da permanência de memórias subterrâneas entre o esquecimento e a memória social.19

É nessa perspectiva que entendemos a concepção de memória e a sua importância para construção do estudo historiográfico e, nessa mesma perspectiva, buscaremos representar os movimentos sociais denominados de Empates, a partir das memórias (lembranças e esquecimentos) daqueles que de forma direta ou indiretamente foram testemunhos desse passado.

Assim, em entrevista realizada com o seringueiro aposentado, Sebastião Marinho do Nascimento (Sabá Marinho), este nos relatou que durante anos de sua vida atuou como membro sindical do STR de Xapuri, participando da execução e organização de muitos Empates que ali ocorreram. A partir dessas experiências, ele define os Empates da seguinte forma:

19 FELIX, Loiva Otero. Historia e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf, 1998, FELIX, 1998, p.

(26)

Os Empates foram muito importantes pra nós. Quando a gente fazia os Empates, era no sentido de defender a posse da nossa terra. A posse da terra, que nós vivia lá no seringal, nós não sabia ler, vamos dizer, nem escrever na época. A própria juventude toda era analfabeta. E nós, exatamente lutava pra gente permanecer lá na floresta, junto com a nossa família, criando nossos filhos lá. Com aquele medo da gente vim pra cidade, chegar aqui num ter emprego, as filhas se prostituir, os filhos entrar nas drogas. Então a gente brigava por isso.20

Para este seringueiro, o significado dos Empates era de defesa. De defesa do local em que morava e do medo de expor sua família ao risco de acabar sendo marginalizadas nas periferias urbanas como tantas outras. Uma briga travada diretamente contra os fazendeiros, numa luta que parecia interminável à medida que a cada Empate os fazendeiros realizavam outra derrubada, às vezes no mesmo lugar.

Falando sobre as conseqüências da migração de seringueiros do campo para a cidade, Duarte (1987, p. 67) destaca que:

[...] depois de expulsos dos seringais, [os seringueiros] passaram a ser ameaçados de expulsão dos terrenos que passaram a ocupar na periferia da cidade [...]. Outro problema que os migrantes enfrentavam era o desemprego. Geralmente analfabetos e desqualificados, se não para os serviços braçais, dificilmente encontravam empregos na cidade. Quando encontravam é temporário e mal remunerado. Por isso, neste período aumentou a delinqüência e a prostituição, principalmente de menores.21 Diante desta realidade, resistir às expulsões empregando a estratégia dos Empates parecia uma decisão acertada e não inconsequente para os seringueiros. Era uma questão muito mais de necessidade do que de opção, pois os riscos enfrentados pelos seringueiros que foram parar nas cidades eram tão aterradores quantos os que poderia enfrentar resistido para permanecer na terra.

Ao questionarmos o sentido dos Empates para o seringueiro Cícero Galdino, este nos respondeu que:

Os Empates pra mim num foi uma coisa muito boa, porque era muito sacrificouso. A gente estava sujeito a perder a vida, ficar sem a família, ficar sem o lugar. Mas o que me encorajou muito foi o que queriam fazer de nós. Os brasileiros fazendo dos outros brasileiros, como que fosse qualquer uma coisa que eu num sei nem como comparar. O que as autoridades nossas, queria fazer de nós. Porque já que o Brasil possuía autoridade, era pra manter uma população.22

Fica evidenciado nesse relato que a representação que Cícero Galdino faz dos Empates é de revolta e indignação. Um sentimento manifestado não só contra os fazendeiros, mais também contra o Estado. Pois na sua percepção, ao preterir os seringueiros em relação aos fazendeiros, o Estado estava ignorando a condição de brasileiro dos trabalhadores

20 NASCIMENTO, Sebastião Marinho [2010]. Depoimento oral cedido ao autor.

21 DUARTE, Élio Garcia Duarte: Conflitos pela terra no Acre: a resistência dos seringueiros de Xapuri. Rio

Branco-Acre. Casa da Amazônia, 1987. p. 67.

22

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extrativistas, um distintivo que ele faz questão de afirmar em vários momentos de sua entrevista. Assim, podemos inferir que, para este sujeito o sentido dos Empates representou mais que uma resistência pela permanência na terra, representou acima de tudo a disposição de luta destes trabalhadores por justiça social.

Por essa razão, não restava outra saída a não ser lutar contra o inimigo comum: o Estado e os fazendeiros. Posicionamento que fica mais evidente quando ele afirma em outro momento de sua entrevista: “Nós tava brigando com os fazendeiros, com poder público, com poder judiciário, nós trava brigando com todo mundo”.

Já para a sindicalista Dercy Teles, os Empates:

Foi um instrumento utilizado pelos trabalhadores no sentido de frear o desmatamento que naquela época ameaçava a posse daqueles que sempre viveram nos seringais como extrativista. A partir dos anos 70 com a mudança de atividade econômica no Estado os seringueiros foram obrigados a utilizar dessa metodologia, que a gente denominou de Empates, pra poder garantir a posse da terra.23

Para esta sindicalista, os Empates ocorreram como conseqüência de uma política instituída onde os seringueiros, tornando-se vitimas desse processo, criaram mecanismos para subverter a ordem dos fatos. No sentido empregado por Dercy, os Empates podem ser representados como uma metodologia de resistência carregada com certo conteúdo

revolucionário24, se considerado que foram realizados por sujeitos sociais que estavam à

margem da sociedade.

Quanto ao surgimento dos Empates, Sabá Marinho explica que:

[...] a prática do Empate ela foi se montando nas discussões do Sindicato, quando a gente sentava, as lideranças ia pra comunidade, reunia lá. Como é que nós podemos fazer pra gente [...] permanecer aqui. Então a gente vai fazer o que? Vai se reunir um bocado de gente? Vamos lá experimentar. Vamos lá pra empatar. Começou exatamente assim, nas discussões [...]. Na hora que nós fundemos o Sindicato, exatamente, já foi pensando nisso.25

Na compreensão do seringueiro Sabá Marinho, os Empates foi uma construção social criada pelos próprios seringueiros, que passaram a discutir no âmbito sindical formas para resolverem os problemas que estavam enfrentando. Nesse sentido, a criação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, a partir 1975, foi fundamental à medida que possibilitou aos

23 CUNHA, Dercy Teles de Carvalho [2010]. Depoimento oral cedida ao autor.

24 Ao mencionarmos que os Empates possuíam certo conteúdo revolucionário, não estamos nos referindo que,

através dessa estratégia, os seringueiros lutaram por uma ruptura radical com a estrutura de poder vigente. Pois concordando com as convicções de Calaça (1993), entendemos que por meio dos Empates os seringueiros lutaram pela defesa do seu modo de vida que estava ameaçado pela nova estrutura de exploração capitalista imposto na região.

25

(28)

seringueiros as condições que faltavam para articularem de forma organizada a sua resistência pela posse da terra.

Assim, a primeira forma de resistência organizada denominada de Empate, ocorreu em Brasiléia, mais precisamente no seringal Carmem, em 1976. Nesta região, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi durante muito tempo (1975 a 1980) o mais atuante, conduzindo com eficiência a direção do movimento de resistência dos trabalhadores rurais de todo o Estado. (PAULA, 1991, p. 118).

Falando-nos sobre sua participação nessa primeira experiência de resistência, Cícero Galdino destaca que: “Nós tinha um batalhão de homem, um batalhão de homem, igualmente você vai fazer uma guerra, que você vai brigar com a Bolívia. Um batalhão de homem aqui são os soldados, vamos enfrentar os outros soldados de lá”.

Para este seringueiro a leitura que ele faz da experiência vivida no primeiro Empate é de ter participado de uma guerra. Uma guerra onde os seringueiros formavam um exército armado, disposto às últimas conseqüências para defender a sua pátria contra o inimigo comum. Na sua forma de compreender o processo de resistência desencadeado nos Empates, a pátria dos seringueiros era a colocação de seringa, e o inimigo comum eram os fazendeiros e seus aliados.

A partir dessa representação feita por Cícero Galdino, podemos perceber os moldes que se deram os primeiros Empates naquela região. Algo muito próximo de um conflito acirrado entre os lados em questão, o qual o emprego das armas foi ostensivo e demasiado também pelos seringueiros.

Na opinião do jornalista acreano, Élson Martins, que durante anos de sua carreira profissional cobriu várias matérias sobre conflitos rurais envolvendo seringueiros e fazendeiros, ele define os Empates da seguinte forma:

[...] Os Empates eles começaram não como depois ficou conhecido, com mulheres, crianças, pessoas rezando, uma coisa organizada. Não. Ali era uma resistência de risco mesmo, eles iam dispostos pra tudo, não podiam sair armados como o exército, mas tinha uns que levavam espingardas, outros que levavam revolveres, uns levavam facão. Eles iam preparado pra tudo. [...] Ate a morte de Wilson pinheiro não havia esses Empates ortodoxo, era de luta mesmo. Se os caras reagissem [os fazendeiros e seus contratados] ia ter mortes. 26

A partir desse depoimento, podemos inferir que os Empates foram vivenciados em dois momentos. No primeiro, os seringueiros empregavam uma postura mais coercitiva e

26

(29)

ameaçadora aos jagunços e aos peões, utilizando-se para isso, de suas espingardas. Uma prática que foi mais comum em Brasiléia.

O segundo momento pode ser definido depois da morte de Wilson de Souza Pinheiro (1980), situação em que os Empates passou a ser conduzido pelo STR de Xapuri e, realizado, concordando com a opinião do nosso entrevistado, de forma mais ortodoxa. Nessa prática/modelo de Empate, os seringueiros já iam mais conscientes do seu desfecho e, por isso, o emprego das armas era mais velado. Quanto a esse modelo de Empate, que podemos classificar de instituído ou profissionalizado, Chico Mendes destaca:

Os Empates são feitos através de multidões dos seringueiros. À medida que os seringueiros tomam conhecimento de que tem companheiros ameaçados pelo desmatamento, que uma área está sendo ameaçada pelo desmatamento dos fazendeiros. Se reúnem varias comunidades, principalmente a comunidade afetada, organizam-se assembléias no meio da mata mesmo e tiram-se lideranças, grupos de resistências que vão se colocar diante das foices e motosserras de maneira pacífica, mas organizada.27

Depois da criação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (1975), nos seringais em que os trabalhadores encontravam-se sindicalizados, passou a existir a presença do delegado sindical. Função que era exercida por um seringueiro residente na localidade, responsável por discutir, com os demais companheiros, os problemas que estavam ocorrendo na comunidade e encaminhar as reivindicações para serem apreciadas pela diretoria sindical, localizada na cidade.

De acordo com as memórias dos seringueiros entrevistados, era a partir do mês de maio que os Empates se intensificavam. Época que se iniciava a estiagem das chuvas na região, dando condições para que os fazendeiros realizassem as grandes derrubadas e, consequentemente, ateassem fogo na vegetação. Dessa forma, não restavam mais condições para que o seringueiro continuasse sobrevivendo, naquele espaço, do extrativismo nos moldes que praticavam secularmente.

[...] às vezes eu era o delegado sindical, aqui do seringal Nazaré. E quando tinha uma derrubada, às vezes eu sabia primeiro, mandava avisar o pessoal e às vezes o povo lá já sabia primeiro do que eu, que tava acontecendo uma derribada. Quando eu dava fé já chegava aquele grupo de 20, 30 companheiros na minha casa. Às vezes eu tava no roçado trabalhando nessa hora, quando dava fé o menino chegava: - papai

tem um bocado de homem lá chamando o senhor.28

27GRZYBOWSKI, Cândido (Org.). O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo. Rio de

Janeiro, Fase, 1989. p. 18.

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A partir dessa denúncia, o delegado sindical reunia-se com os trabalhadores e discutia ali mesmo em sua casa a forma de como proceder naquele Empate. Essa postura era definida pelo sindicato que discutia essas questões em assembléias gerais com todos os delegados sindicais e decidia por uma linha de ação específica.

Observa-se que era comum um grupo de seringueiros irem à casa do delegado sindical para comunicar-lhe sobre a ocorrência de uma derrubada e, de lá mesmo, já partirem para a realização do Empate. Essa agilidade se dava, devido à urgência em empatar a derrubada, pois quanto mais tempo levasse, mais grave seria o dano à subsistência do seringueiro.

Podemos observar que a casa do Delegado sindical acabava se tornando uma extensão do próprio sindicato. O que nos ajuda a entender como a distância existente entre o seringal e a sede sindical era reduzida, permitindo que os seringueiros tivessem uma boa integração entre campo e cidade, pois o delegado sindical participava periodicamente das reuniões do sindicato, levando os problemas de cada comunidade sobre sua jurisdição.

Tamanha era a capacidade de influência do delegado sindical junto a sua comunidade, que alguns fazendeiros, percebendo isso, passaram a aliciar estes representantes para que persuadissem os seus companheiros, para que aceitassem trocar as suas colocações por outro lote de terra oferecido nos arredores das fazendas.

Relembrando um desses casos, Dercy Teles afirma que:

Teve algumas situações aonde o delegado sindical da comunidade ele foi corrompido. Como foi o caso dessa dita Santa Esperança, que é duas grandes fazendas que tem aqui na estrada de Xapuri, aonde o delegado sindical da comunidade [Manezinho do Cavaco], ele foi corrompido a facilitar a negociação do fazendeiro com os seringueiros [...]. Porque essa negociação aconteceu em troca de um lote, que o fazendeiro tirou uma área e loteou pra [...] assentar os seringueiros e esse cidadão que era o delegado sindical ele foi privilegiado com dois ou três lotes em troca dessa facilidade que ele promoveu [...].29

Ao lotear uma parcela do seringal para assentar os seringueiros, geralmente uma área desprivilegiada para a atividade da pecuária, o fazendeiro sabia que desmatando a outra parte, tornaria inviável a sobrevivência dos mesmos naquele local. Pois os lotes não apresentavam as mesmas condições extrativas que existiam nas colocações. Além do que, eram localizados normalmente nos fundos da fazenda, onde era difícil o acesso à cidade. Por todos esses motivos, aliados ao fato de muitos seringueiros não terem conseguido se adaptar a vida de agricultor, acabavam vendendo (ou abandonando o lote), na maioria dos casos, para o próprio fazendeiro.

29

(31)

Depois que os sindicatos passaram a perceber essa forma de agir dos fazendeiros, e que os acordos não estavam resultado progresso para os seringueiros, houve um trabalho de orientação para que se evitasse esse tipo de acordo. Pois os mesmos estavam levando a desagregação social e econômica desses trabalhadores.

Tendo, a parir do STR de Xapuri, os Empates proporcionados a luta dos trabalhadores rurais uma projeção política, nacional e internacional, os seringueiros passam a reivindicar a sua permanência definitiva na colocação. Buscando assim, continuar, a partir do extrativismo, se reproduzindo social e economicamente na floresta. (PAULA, 1991, p. 164).

Outra providencia adotada pelo STR de Xapuri, a partir do momento em que Chico Mendes assumiu a presidência daquele sindicato em 1982, foi procurar construir uma imagem pacífica para os Empates, orientando os trabalhadores para que realizassem os Empates desarmados e sem o recurso da violência.

Na maneira de pesar desta liderança: “O importante para nós, como tática, é criar sempre fatos políticos, porque [...] com a pressão da imprensa, das entidades, hoje a nível internacional, é possível resistir. Nós avaliamos que não é o caso de partir para um

confronto”.30

Mesmo existindo a orientação do Sindicato para que os seringueiros evitassem irem armados para os Empates, o que poderia ensejar um confronto mais acirrado contra os fazendeiros, Osmarino Amâncio afirma que: “em todos os empates que ocorriam ninguém

deixava suas espingardas. Agora também não podia ser exposta”.31

Aquela altura dos acontecimentos, os seringueiros já haviam percebido que não possuíam força suficiente para partirem para um confronto armado abertamente contra os fazendeiros. Por isso, decidiram por uma estratégia que permitisse a eles continuarem dispondo de suas armas nos Empates, porém, sem agregar ao movimento a imagem de subversivos armados. Atitude que poderia dar a legitimação necessária para que o Estado e os fazendeiros agissem com o emprego de forte repressão contra os trabalhadores. O que seria desastroso para o movimento de resistência como um todo.

Explicando melhor essa tática de uso mais velado das armas nos Empates, Francisco Ramalho de Souza (Chico Ramalho), seringueiro aposentado, membro fundador do STR de Xapuri e, a época das duas entrevistas que nos concedeu (2007 e 2010), membro atuante da

30 GRZYBOWSKI, Cândido (Org.). O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo. Rio de

Janeiro, Fase, 1989. p. 40.

31

(32)

Cooperativa Extrativista daquele município – CAEX, recorrendo as suas lembranças da vasta participação que teve nos Empates daquela localidade, firma que:

Quando a gente ia a gente levava as nossas espingardas, todo mundo levava. Só que quando a gente chegava perto do barraco uns 100, 200 metros, nós deixava duas pessoas guarnecendo as armas, escondida atrás dum pau. E só ia pessoas com terçado de bainha.32

Essa mudança de estratégia adotada nos Empates pelos seringueiros, quanto ao uso mais velado das armas, foi uma necessidade adotada dentro da necessidade e da previsão do confronto. Assim, durante os primeiros anos de realização dos Empates (1976 a 80), podemos avaliar que o uso das armas foi mais ostensivo e demasiado pelos seringueiros. Porém, depois desse momento, seu uso tornou-se mais cauteloso. Tendo, ao nosso ver, dois motivos principais contribuíram para isso:

Primeiro, o esforço para se construir uma imagem pacífica para o movimento dos Empates, buscando sensibilizar a opinião pública para apoiarem à luta dos seringueiros. O que

foi necessário, dentre outros motivos, devido boa parte da comunidade urbana33, se deixar

influenciar pela versão da grande imprensa, apoiando o projeto de pecuarização, achando que o extrativismo emperrava o progresso do Estado.

Recordando o posicionamento da grande imprensa da época, Chico Ramalho, explica que:

Olha, por exemplo, nós hoje estamos aqui neste debate, nessa interrogação. Já estamos aqui bem 15 minutos ou mais. Então, saia uma manchetezinha nos jornais de 1 minuto. Quando muito era de 1 minuto. Quando se tratava da parte do latifundiário, era uma folha de papel inteira. A notícia em favor do seringueiro era bem pequenininha, 20%, e a do latifundiário 80 %.34

Durante bom tempo, a grande imprensa, representada no Acre, principalmente, pelo Jornal O Rio Branco, limitou-se essencialmente a noticiar os fatos que eram interessantes aos paulistas. Dessa forma influenciava muitos desavisados, legitimando a ação dos paulistas na região.

Esse quadro só começou a se reverter quando, em 1977, surge no Acre o Jornal alternativo o Varadouro, que passou a denunciar as barbaridades cometidas por muitos

32

SOUZA, Francisco Ramalho [2010]. Depoimento oral cedido ao autor.

33 Tentando fugir a afirmações generalizantes, queremos destacar que a população urbana da época,

principalmente, a da capital Rio Branco, era bastante diversificada enquanto grupo social e em sua maneira de interpretar os conflitos por terra no campo. Enquanto existia parcela social que era a favor dos paulistas, existiam outras que eram solidárias a causa dos seringueiros suscitada nos Empates. Há exemplo dos dias atuais, a imprensa da época também exercia forte poder de influência sobre parcela significativa desse conjunto social. E dessa forma, legitimava, sobremaneira, a idéia de progresso implantada por meio do agro-negócio na região.

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