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Ditaduramilitar

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Academic year: 2021

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Recife, 1964. Beira da praia, bri-sa da noite, mansões dos usineiros. As garrafas de champanha são aber-tas. Festa. Pessoas bonitas, perfume, olhares de fêmeas, dentes brancos de alegria. As risadas unem o gozo ao deboche. Vida longa para o novo go-verno! Que nunca mais se falem em greves nem nessa maldita terra para os camponeses! Morte aos inimigos da propriedade!

Um pouco longe dali, noite negra e silêncio. De repente, chegam os sol-dados. Vasculham os casebres. Procu-ram os inimigos da pátria. As pessoas simples têm medo. Precisam dormir cedo porque amanhã têm de ir para roça cortar cana. Mas o olho continua aberto. Só a boca é que permanece fechada.

No quartel, homens armados de fuzil automático arrastam o ancião. Espancado em praça pública. Maxilar quebrado por uma coronhada de rifle. Chutaram-lhe tanto os testículos, que arrebentou a bexiga. Vai urinar sangue por quase um mês, O velho ferido está algemado. Ao seu redor, caminhões do Exército, berros de oficiais, rádio, holofotes, metralhadoras,

Por que tanto aparato? Por que tantos homens, tantas armas, tanta força bruta? Por que o velhinho é tão perigoso?

Gregório Bezerra nasceu no sertão. Criancinha, viveu a fome e a prepotên-cia dos latifundiários. Foi quase um es-cravo. Brinquedo de menino era enxada e foice, sonho de um dia comer carne-seca. Nunca viu escola. Só aprendeu a ler e escrever com 24 anos, quando servia o Exército - e nunca mais deixa-ria o orgulho de ter sido militar. Pouca instrução, mas o conhecimento da vida e a argúcia do homem do povo.

A Ditadura Militar

“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio silêncio, de boca gelada e mur-múrio, palavra indireta, aviso na esquina.” CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE “Dormia. A nossa Pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações.” CHICO BUARQUE DE HOLLANDA Um dia, entrou em contato com

aquela gente estranha. Falavam coi-sas que ele nunca tinha ouvido mas que, extraordinariamente, parecia já saber. Alguns eram até doutores, mas o tratavam como igual. Muitos dos estranhos eram como Gregório, como Severino, como José, como tantos outros: mãos de calo, cara rasgada de sol, trabalho e sofrimento.

Ouviu, refletiu e juntou-se a eles. Voltava ao canavial, onde o homem perde a perna, ou o juízo, pela picada de cobra, o golpe errado do facão, o jeito doido de o capataz falar. Mas agora, era ele que tinha o que dizer para contar para os seus irmãos de labuta. Nos campos, nos mocambos miseráveis, nas portas das usinas e das fábricas, Gregório seria a voz da consciência dos que ainda não tinham consciência, a posse dos que nada possuíam. Ele era o homem do povo que descobre sua força e, finalmente, se levanta. Em vez de lamentar suas misérias, ergue-se para combatê-las.

Sabia falar a língua dos humildes e fazer as perguntas decisivas; a quem pertence? A quem é dado? O que se deve transformar? Os homens mais po-derosos de Pernambuco o temiam. Gre-gório Bezerra, velho quase analfabeto, ferido e enjaulado em 1964. Líder cam-ponês, ex-deputado federal, inimigo do latifúndio. E se um dia todos aque-les homens e mulheres com as mãos grossas e rosto queimado se transfor-massem em milhões de Gregórios? Era preciso evitar a qualquer custo.

Por isso, Gregório Bezerra tinha sido preso. Naquele momento, os grandes senhores da terra comemo-ravam sua vitória. O reveillon de 1964 acontecia em 31 de março.

Governo Castello Branco (1964

– 1967)

Bem que Leonel Brizola propôs ao presidente Jango resistir ao golpe de 1964 com armas na mão, a partir do Rio Grande do Sul. Mas o presidente, muito deprimido, não queria derrama-mento de sangue. Como milhares de brasileiros, os dois também se exila-ram no estrangeiro.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro - Copacabana e Ipanema -, a classe média se confraternizava com a bur-guesia. Chuva de papel picado, toalhas nas janelas, buzinaço, banda e chope. Abraços, choro de alegria, alívio pelo fim da desordem. O Brasil estava sal-vo do comunismo! Os crioulos não in-vadiriam mais as casas das pessoas de bem! As empregadinhas voltariam a ficar de cabeça baixa!

Mas nos subúrbios o medo substi-tuía o chope. Ali, a revolução iria pro-curar os “inimigos do Brasil”. E quem seriam esses monstros? Pessoas sim-ples, enrugadas pelo trabalho duro, mas que tinham ousado não se curvar; operários, camponeses, sindicalistas.

Nenhum banqueiro, nenhum me-gaempresário, nenhum tubarão foi sequer chamado para depor numa de-legacia, Eram todos homens de bem, pessoas que amavam o próximo... principalmente se o próximo fosse um bom parceiro de negócios.

Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: diri-gentes populares, intelectuais, políti-cos democratas. A UNE foi proibida e seu prédio, incendiado. A CGT, fecha-da. Sindicatos invadidos à bala. Nas escolas e universidades, professores e alunos progressistas expulsos. Os jornais foram ocupados por censores e muitos jornalistas postos na cadeia.

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A ordem era calar a boca de qualquer oposição.

Os políticos que não concordaram com o golpe, geralmente do PTB, tive-ram seus mandatos cassados. Ou seja, perderam seus direitos políticos por dez anos. O primeiro cassado, inimigo número um do regime, foi Luís Carlos Prestes. O segundo foi o ex-presidente João Goulart. Depois, veio uma lista de milhares de pessoas que foram de-mitidas de empregos públicos, presas, perseguidas, arruinadas em sua vida particular. Juscelino e Jânio também perderam seus direitos, para que não tentassem nenhuma aventura engra-çadinha na política. Só a UDN não teve punidos: coincidência, não?

Os comunistas, claro, eram per-seguidos como ratos. Muitos foram presos e espancados com brutalidade. O pior é que o xingamento de “comu-nista” servia para qualquer um que não concordasse com o regime. Seria o suficiente para ser instalado numa cela, Fariam a reforma agrária num cubículo 2 X 2 e socializariam a pro-priedade do buraco no chão que servia de privada.

Para espionar a vida de todos os cidadãos, foi criado em 1964 o SNI (Serviço Nacional de Informações). Havia agentes secretos do SNI em quase todos os cantos: escolas, re-dações de jornais, sindicatos, univer-sidades, estações de televisão. Mi-crofones, filmes, ouvidos aguçados. Bastava o agente do SNI apontar um suspeito para ele ser preso. Imagine o clima numa sala de aula, por exemplo. Eu mesmo perguntei, certa vez, a um professor de história, “o que ele acha-va” de algo que os militares haviam decretado. Ele, apavorado, respondeu algo como: “Não acho nada! Eu tinha um amigo que achava muito e hoje ninguém acha ele!” Eram muitos os “desaparecidos” naqueles tempos... O professore correndo o risco de ser detido caso fizesse uma crítica ao governo. Os alunos, falando baixinho, desconfiando de cada pessoa nova, apavorados com os dedos-duros. A di-tadura comprometia até as novas

ami-zades! O pior é que o SNI cresceu tanto que quase acabou tendo vida própria, independente do general-presidente, a quem estava ligado. Seu criador, o general Golbery do Couto e Silva, no final da vida, diria amargurado: “Criei um monstro.”

O novo governo passou a gover-nar por decreto, o chamado AI (Ato Institucional) O presidente baixava o AI sem consultar ninguém e todos tinham de obedecer. O AI-1 determi-nava que a eleição para presidente da República seria indireta. Ou seja, com O Congresso Nacional já sem os de-putados e senadores incômodos, devi-damente cassados, e um único candi-dato. Adivinha quem ganhou? Pois é, em 15 de abril de 1964 era anunciado o primeiro general-presidente, que iria nos governar o Brasil segundo interes-ses do grande capital estrangeiro nos próximos anos: Humberto de Alencar Castello Branco.

Castello tinha sido um dos figurões da Sorbonne, ou seja, dos intelectuais da ESG. A maioria de seus ministros também era oriunda da ESG, a “Escola Superior de Guerra”, réplica nacional do “War College” norte-americano. Tranqüilos com a vitória, os generais nem se importaram com as eleições diretas para governador em 1965. Esperavam que o povo brasileiro em massa votasse nos candidatos do re-gime. Estavam errados. Na Guanabara e em Minas Gerais venceram políticos ligados ao ex-presidente Juscelino Kubitschek. (Em São Paulo não houve eleições. Seriam depois.) Mostra clara de que alguns meses depois do golpe ainda tinha muita gente que não apoia-va o regime. Pois bem, os militares reagiram. Vinte e poucos dias depois das eleições desastrosas, foi baixado o AI-2, que acabava em definitivo com as eleições diretas para presidente da República. Agora, o presidente se-ria “eleito” indiretamente, ou seja, só votariam os deputados e senadores. Voto nominal e declarado, ou seja, o deputado era chamado lá na frente para dizer, no microfone, se votava ou não no candidato do regime. Quantos

teriam coragem de dizer, na cara dos ditadores, que não aprovavam aquela palhaçada? Muito poucos, inclusive porque os mais ousados eram suma-riamente cassados.

O AI-2 também acabou com os partidos políticos tradicionais. O PSD, o PTB, a UDN, tudo isso foi proibido de funcionar. Agora, só poderiam exis-tir dois partidos políticos: a Arena e o MDB.

A Arena (Aliança Renovadora Na-cional) era o partido do governo. Es-tavam ali todos os políticos de direita que apoiavam descaradamente a dita-dura. De onde vinham? Basicamente, da UDN. Mas também um bando de gente do PSD, do PSP de Adhemar de Barros e, por incrível que pareça, muitos da velha guarda integralista. Apoiavam o regime militar em tudo que ele fazia.

O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) era o partido da oposição consentida. A ditadura, querendo uma imagem de democrática, permitia a existência de um partido levemente contrário. Contanto que ninguém fizes-se uma oposição muito forte. O MDB era formado pelos que sobraram das cassações, um pessoal do PTB, al-guns do PSD. No começo, a oposição era muito tímida. Nos anos 70, porém o MDB conseguia votações cada vez maiores para deputados e senadores. Então seus políticos - muitos eram novos valores surgidos na década - começaram a fazer uma oposição importante ao regime, capitaneados pela figura do deputado paulista Ulis-ses Guimarães (1916-1992) . Naque-les tempos, brincando é que se diz a verdade, comentávamos que o MDB era o “Partido do Sim” e a ARENA era o “Partido do Sim Senhor!”

O AI-3, do começo de 1966, de-terminava que as eleições para go-vernador também seriam indiretas. Os únicos com direito a voto eram os deputados estaduais, que tinham de ir lá na frente e declarar para todo mun-do em quem votavam. Mais intimida-ção seria impossível, não é mesmo? O circo estava todo armado para que a

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ARENA governasse todos os setores da vida nacional.

A Constituição de 1967

No Brasil, os homens da ditadura faziam questão de criar uma imagem de que o país era um regime “demo-crático”. Alegavam que existia partido de oposição e eleições para deputado e senador. Vá lá, mas acontece que os políticos mais críticos estavam cassados e o MDB, sob vigilância. Além disso, o Congresso Nacional fi-cou com os poderes muito cerceados. Um deputado podia fazer pouca coisa além de elogiar as praias douradas do Brasil. No fundo, quem mandava mes-mo era o general-presidente e pronto. Dentro dessa preocupação de manter a aparência (só a aparência) de “de-mocrático”, o regime promulgou a Constituição de 1967, que vigorou até 1988, quando finalmente foi aprovada a Constituição atual. Promulgar não é bem a palavra. Porque não existiu sequer uma Assembléia Constituinte. Os militares fizeram um rascunho do texto constitucional e enviaram para o Congresso aprovar. Congresso mutila-do pelas cessações, nunca devemos esquecer. O trabalho era pouco mais do que aplaudir. Trabalhos regulados por um relógio que tocava corneta. Deputados obedientes como soldados em marcha.

Para começar, eleições indiretas para presidente da República e go-vernadores de Estado, Os prefeitos de capital e cidades consideradas de “se-gurança nacional” (como Santos, em São Paulo, o maior porto do país, ou Volta Redonda, no Rio de Janeiro, por causa da gigantesca Companhia Side-rúrgica Nacional) seriam nomeados pelo governador. Em outras palavras, a Arena governaria o país pela força da lei (e das armas, claro).

A Constituição de 1967 aumentava as atribuições do Executivo e a centra-lização do poder. É por isso que havia Congresso aberto. Pela Constituição, os deputados e senadores não podiam fazer quase nada, a não ser discursos.

Veja bem: a lei não permitia nem mes-mo que o Congresso pudesse contro-lar as despesas do Executivo. No país inteiro, governadores e prefeitos também podiam gastar à vontade no que quisessem - estradas para valori-zar latifúndios, estádios de futebol para enriquecer empreiteiras, teatros para a elite se divertir, prédios públicos enor-mes para os figurões ficarem sem fazer nada no ar condicionado. Os deputados estaduais e vereadores não tinham po-deres para impedir esses gastos.

Os governadores perderam a auto-nomia para gastar. Para qualquer obra importante, tinham de pedir dinheiro ao governo federal, ou seja, ao gene-ral-presidente. O mesmo valia para os prefeitos. Por exemplo, vamos imagi-nar que na cidade X, o Fulano do MDB fosse eleito prefeito. A maior parte do dinheiro dos impostos ficava com o governo federal, em Brasília. O prefeito Fulano quer fazer uma escola municipal para X. Não tem dinheiro. Tem de pedir para o governador, que é da Arena e, certamente, recebe ordens de Brasília para não dar nada. Agora, se o prefei-to fosse da Arena, as coisas mudavam de figura. Principalmente porque o pre-feito se lembraria de apoiar a eleição de deputados e senadores da Arena. Esqueminha montado e quase sem furos. Dá para entender por que o re-gime militar não teve medo de manter eleições para o Congresso e permitir a existência do MDB? Era como um jogo de futebol facílimo de ganhar, porque o juiz roubava escancarado para o lado de quem já estava no poder...

O pior de tudo é que o regime iria fechar mais ainda. O último ato do go-verno de Castello foi a LSN (Lei de Se-gurança Nacional). Reprimir passava a ser sinônimo de “defender a pátria”.

A Economia no Governo Castello

Branco

A primeira atitude do novo governo foi anular as reformas de base. Cria-ram um Estatuto da Terra, que previa uma tímida reforma agrária. Claro que jamais sairia do papel dos burocratas.

O latifúndio estava livre para engolir os camponeses.

A lei de 1962, que controlava re-messas de lucros para o estrangeiro, foi anulada. As multinacionais foram ofertadas com todas as facilidades.

Os mestres do PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo) foram os ministros Otávio Gouveia de Bu-lhões (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento).

Para diminuir a inflação, eles apli-caram receitas econômicas moneta-ristas. Trataram de tirar o dinheiro de circulação. Para começar, cortaram os gastos públicos, ou seja, o governo in-vestiria menos em hospitais e escolas – já se preparava a introdução do ensi-no pago nas universidades públicas e começava-se com a política de esva-ziamento na qualidade do ensino pú-blico gratuito de boa qualidade, valo-rizando mais as instituições privadas. Até antes da Ditadura Militar, estudar em colégios particulares era amesqui-nhante demonstração de incompetên-cia para acompanhar o elevadíssimo nível que então o ensino público man-tinha... Em 1964, tinha sido fundado o Banco Central para controlar todas as operações financeiras do país. Tam-bém foi criada uma nova moeda, o cruzeiro-novo.

Os salários foram considerados os grandes responsáveis pela crise eco-nômica do país. Claro, os operários deviam estar ganhando fortunas e o país não poderia suportar um soldador ou torneiro mecânico passando férias na Cote d’Azur, fazendo compras na Avenue Montaigne, em Paris. Assim, os aumentos salariais passaram a ser sempre menores do que a inflação. A idéia era fazer com que o aumento de preços, por causa do crescimento dos salários, fosse cada vez menor.

Acompanhe o raciocínio dos ca-ras. Por exemplo, se a inflação fosse de 30% naquele ano, a lei obrigava o patrão a conceder um aumento abaixo daquela inflação, de só, digamos, 20%. Claro que esse patrão iria compensar o prejuízo de ter de pagar mais salá-rios aumentando os preços de seus

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produtos e serviços. (Por isso mesmo, diziam, existia a inflação!) Mas, em quanto? Se o salário aumentava em 20%, o patrão poderia aumentar os preços em, digamos, 21%: teria até um pouquinho mais de lucro do que antes. Mas o aumento geral dos preços (por causa do salário maior em 20%, todos os empresários reagiriam aumentando os preços em 20% e quebrados) seria perto dos vinte e pouco por cento, e não mais os 30% anteriores, No ano seguinte, com inflação de, suponha-mos, uns 22%, o patrão poderia dar um aumento de salário de só uns 10%. Aí os preços, para compensar esse aumento salarial, subiriam uns 12%, por exemplo. E assim, num passe de mágica, a inflação teria caído de 30% para 12% ao ano. Claro que tudo isso está simplificado, mas a idéia básica era essa mesma. Agora, não sei se você se tocou: por essa receita, os sa-lários eram comidos pela inflação. Em outras palavras, a ditadura militar re-duziu a inflação arrochando os salários dos trabalhadores.

Um dos recursos para diminuir sa-lários foi a extinção da estabilidade. Pela lei antiga, depois de dez anos numa empresa, era quase impossível despedir um empregado. Isso acabou. No lugar, foi criado o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), em 1966, que ainda existe mas, com os ventos ainda mais conservadores que andam soprando neste país, tem ha-vido uma tendência a propor a sus-pensão até deste direito para os tra-balhadores. Funciona assim: a cada mês, o patrão deposita nos bancos uma parte do salário do empregado, formando uma espécie de caderneta de poupança (outra invenção do regi-me militar) chamada de FGTS, Acon-tece que o FGTS só pode ser sacado em momentos especiais, como na compra de uma casa própria ou, caso mais comum, quando o empregado é despedido. Essa lei facilitou a vida dos empresários. Agora, despedir era tran-qüilo. Os empregados, sabendo que podiam perder o emprego a qualquer momento, eram obrigados a aceitar

salários mixurucas.

Grandes empresas (como as auto-mobilísticas) chegaram a ser acusa-das de ter uma armação para, de vez em quando, despedir alguns operários (logo absorvidos por outra fábrica, tudo combinado secretamente). A rotativi-dade da mão-de-obra (rodando de em-prego em emem-prego) seria um excelente mecanismo para baixar salários.

Em princípio, o dinheiro do FGTS serviria para que o recém-criado BNH (Banco Nacional da Habitação) finan-ciasse casas populares. Na prática, o que aconteceu foi que o BNH acabou financiando a construção de condomí-nios de luxo para milionários. Ou seja, o pobrezinho pagando, indiretamente, a mansão do ricaço.

Não devemos esquecer que as greves estavam totalmente proibi-das. O peão tinha de engolir quieto a pancada salarial, senão haveria outra paulada mais dolorosa ainda. Para que os empréstimos do governo federal e os impostos devidos a ele fossem pa-gos decentemente, criou-se a corre-ção monetária. Antes, o sujeito podia esperar um ano para pagar impostos porque então ele pagaria uma quantia desvalorizada pela inflação. Agora, a correção monetária simplesmente au-mentava o valor da dívida no mesmo percentual da inflação.

Como o governo não queria emitir papel-moeda (estava combatendo a inflação), obviamente os empresários sofreram restrições ao crédito. Juros altos, dificuldade de obter emprésti-mos, poucos investimentos. A eco-nomia crescia pouco. Os ministros sabiam que estavam provocando esta recessão. Achavam que era um dos remédios para baixar a inflação. Real-mente, as compras diminuíram. Redu-zida a demanda (procura), caíram os preços: outro fator deflacionário.

Para agilizar o crescimento da eco-nomia, Roberto Campos e Otávio Gou-veia de Bulhões, os ministros-gurus do PAEG, criaram muitas facilidades para o investimento estrangeiro. Tinham-se ido os tempos do nacionalismo trabalhista.

Bem, e o PAEG deu certo? Para o

que ele se propunha, sim, foi bem-su-cedido. A inflação caiu. O preço social disso é que representa problema. Os economistas “iluminados” da época falavam pudicamente no “lado perver-so” das medidas econômicas.

Por que a economia voltou a se re-cuperar? Há várias explicações. Para começar, os investidores estrangeiros ficaram mais tranqüilos: não havia mais ameaça de nacionalismo, nem de greves e muito menos de socia-lismo. Além disso, o novo governo tinha eliminado as restrições ao capi-tal estrangeiro. Assim, as multinacio-nais começaram a investir em peso na construção de novas fábricas. O FMI, feliz com o Brasil militar, também emprestou dinheiro, E nós vimos que ajuda do FMI era uma espécie de ga-rantia para que outros banqueiros con-fiassem no país.

Uma das causas mais importantes da inflação é o descontrole da econo-mia: cada empresário tenta lucrar na marra, simplesmente aumentando os preços. Vira uma corrida histérica de preços e salários aumentando sem parar. Para reverter o quadro, deveria haver um acordo nacional dos em-presários entre si e dos emem-presários com os trabalhadores. Mas Jango, no seu tempo, encontrara dificuldade em montar o acordo. Ocorria o oposto: as lutas de classes se tornavam mais agudas.

Obviamente, a ditadura não re-solveu as coisas por consenso, pro-movendo um plano com que toda a sociedade concordasse. As coisas foram impostas na marra. Na marra principalmente sobre os trabalhado-res. Ou seja, o consenso foi obtido na base do “Ou você concorda comigo ou entra na porrada!” De qualquer modo, a estabilidade foi conseguida.

Quer dizer então que uma ditadura consegue estabilidade? Essa pergun-ta necessipergun-ta de outra: de que tipo de estabilidade estamos falando? Quando examinamos as estatísticas econômi-cas percebemos que a estabilidade teve um preço: o aumento de explora-ção da força de trabalho.

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Costa e Silva (1967 – 1969)

Os militares tinham indicado e o Congresso balançou a cabeça: o novo general-presidente era Arthur da Cos-ta e Silva. Só a Arena tinha voCos-tado na eleição indireta. Em vez de levantar o braço, batia continência. O MDB, em protesto (era minoria), havia se retira-do retira-do plenário. Com mãos ao alto.

Costa e Silva era tido como um homem de hábitos simples. Em vez da companhia dos livros, como gosta-va o pedante Castello Branco, preferia acompanhar as corridas de cavalos. Pessoalmente, diziam que era “gente boa”. Mas se Costa e Silva queria tran-qüilidade, tinha escolhido mal o empre-go. Melhor seria dar palpites no jockey. Depois do impacto de 64, com aquela onda de prisões e fechamentos, as oposições ao regime voltaram a se articular. Até mesmo Lacerda tinha virado oposição. É que ele tivera es-perança de se tornar presidente, mas aqueles a quem bajulara lhe viraram as costas. Magoado, procurou unir Jus-celino e Jango, exilados, numa Frente Ampla. Pouco resultado daria. Longe do país, tinham pouca influência.

Apesar do PAEG de Castello dimi-nuir a inflação e retomar o crescimento, a situação da classe operária vinha pio-rando. Em 1965, os operários paulistas ganhavam, em média, apenas 89% do que recebiam em 1960, em 1969, ape-nas 68%. Estava ficando feia a coisa.

Os anos 60 formaram a grande dé-cada revolucionária. Os anos da minis-saia, dos homens de cabelo comprido, da pílula anticoncepcional; da guerra do Vietnã, dos hippies, do feminismo; da Revolução Cultural na China, da

Primavera de Praga, dos Beatles, dos Rolling Stones, de Jimi Hendrix e Janis Joplin, do LSD, do psicodelismo, das viagens à Lua; de Kennedy, Krutchev e Mao Tsetung; do cinema de Godard, Pasolini e Antonioni; das idéias e dos livros de Sartre, Marcuse, Althusser, Hermann Hesse, Erich Fromm e Wi-lhelm Reich; dos transplantes de co-ração, dos computadores e do amor livre, de Bob Dylan, Jim Morrison e Martin Luther King; de “Paz e Amor”, Woodstock e Che Guevara.

Especialmente, 1968. Trabalha-dores e estudantes se levantaram no mundo inteiro. Em Paris, cidadela do tranqüilo capitalismo desenvolvido, os operários fizeram greve geral e os estudantes jogavam pedras na polí-cia. Nos muros da capital francesa, os grafites anunciavam o novo mundo: “É proibido proibir”, “A imaginação no po-der!”, “Amor e revolução andam jun-tos”. Nos EUA, atacava-se o racismo. Tempos de Martin Luther King e de Malcolm X, grandes líderes negros. Os estudantes norte-americanos também sonhavam com socialismo e milhares deles protestariam contra o absurdo de a máquina de guerra ianque agredir o povo do Vietnã. Na América Latina, sonhava-se com guerrilhas libertado-ras. Na Tcheco-Eslováquia, aconteceu a Primavera de Praga: os comunistas, liderados por Dubcek, tentaram cons-truir o socialismo humanista. Na China Popular, o camarada Mao Tsetung es-timulava a Revolução Cultural. A Cuba revolucionária de Fidel Castro e Che Guevara mostrava o caminho para os jovens latino-americanos: guerrilha, revolução popular, socialismo “Hasta la victoria compañeros!” (Até a vitória

companheiros!) No Brasil, a luta era contra uma ditadura militar e um capi-talismo troglodita. Desafiando aberta-mente o regime, os operários fizeram greve em Contagem (Minas Gerais). Pouco depois, pararam os metalúrgi-cos de Osasco (São Paulo).

O governo militar, através da Lei Suplicy, quis impedir que os estudan-tes se organizassem. O maldito acordo MEC-Usaid previa a colaboração dos técnicos americanos na reformula-ção do ensino brasileiro. E o que os ianques propunham? Acabar com as discussões políticas na universidade: estudante deveria apenas ser mão-de-obra qualificada para atender as multi-nacionais aqui instaladas. Além disso, o governo queria que o ensino superior fosse pago. Ou seja, faculdade só para minoria de classe média alta para cima.

Mas a UNE estava lá para lutar contra. Época gloriosa do movimento estudantil. Coragem, sonhos libertá-rios, utopia na alma. A juventude que-ria o poder no mundo! Os estudantes iam para a rua contra um governo que esculhambava a universidade pública, contra um regime militar. Apesar de proibidas, suas passeatas nas ruas atraíram cada vez mais participan-tes, de operários e boys a donas de casa e profissionais liberais. A grande imprensa chamava-os de “infantis”, “toxicômanos”, “desequilibrados”. A polícia atacava. Cassetetes, gás lacrimogêneo, caminhões brucutu. Eles respondiam com pedras, bolas de gude (contra a cavalaria da PM), coquetéis molotov e idealismo. Os principais líderes estudantis estavam no Rio de Janeiro: Vladimir Palmeira e Luís Travassos.

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