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Os espaços da casa e a cama de casal: um estudo atual sobre conjugalidades em dois municípos de Santa Catarina

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CURSO DE MESTRADO. OS ESPAÇOS DA CASA E A CAMA DE CASAL: UM ESTUDO ATUAL SOBRE CONJUGALIDADES EM DOIS MUNICÍPIOS DE SANTA CATARINA. Florianópolis 2005.

(2) KARIN BRUXEL. OS ESPAÇOS DA CASA E A CAMA DE CASAL: UM ESTUDO ATUAL SOBRE CONJUGALIDADES EM DOIS MUNICÍPIOS DE SANTA CATARINA. Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Curso de Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Orientadora: Profª. Drª. Mara C. de Souza Lago. FLORIANÓPOLIS 2005.

(3) TERMO DE APROVAÇÃO. KARIN BRUXEL. A CAMA DE CASAL: UM ESTUDO SOBRE CONJUGALIDADES EM SANTA CATARINA. Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Curso de Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, pela seguinte banca examinadora:. Orientadora:. ______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mara Coelho de Souza Lago Departamento de Psicologia, UFSC _____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Santos Cunha Departamento de História, UDESC _____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Juracy Filgueiras Toneli Departamento de Psicologia, UFSC. Suplente:. _____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Dulce Helena Penna Soares Departamento de Psicologia, UFSC. Florianópolis, abril de 2005.

(4) Dedico esse trabalho ao meu filho Pedro e a meus pais..

(5) Esse não é um caminho que se trilhe sozinho. Agradeço a todos, que de uma forma ou outra, serviram de interlocutores e suporte, nesse trabalho. Agradeço especialmente aos meus pais, minha madrinha, orientadora, aos amigos, demais professores e familiares. Agradeço também aos entrevistados..

(6) Juramento Matrimonial Eu te recebo por minha/meu esposa/o e te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida..

(7) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................11 1. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA........................................................................................19 O Trabalho de Campo.........................................................................................................26 Os Sujeitos da Pesquisa ......................................................................................................28 2. AS CIDADES PESQUISADAS ................................................................................................47 Algumas Histórias da Imigração Alemã no Sul do Brasil..................................................48 Uma Outra Migração: A História de Diana........................................................................53 Joinville...........................................................................................................................60 Itapiranga ........................................................................................................................65 3. REFLEXÕES TEÓRICAS NA ARTICULAÇÃO COM A ANÁLISE DAS ENTREVISTAS .......................................................................................................................78 Estudos de Gênero ..............................................................................................................78 Conjugalidade .....................................................................................................................93 Família ..............................................................................................................................132 4. NA CASA, UMA CAMA PARA O CASAL ..........................................................................141 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................171 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................178 Anexo 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................................184 Anexo 2 - Entrevista com Fernanda e Fabrício............................................................................185.

(8) ÍNDICE DE FIGURAS. Figura 1: A casa dos entrevistados, em Joinville. ..........................................................................39 Figura 2: Propriedade rural típica da região de Itapiranga, na atualidade. Observa-se a moradia e, aos fundos, benfeitorias como galpões e criadouros, cercados pelas roças com diferentes culturas. Fonte: Prefeitura Municipal de Itapiranga...............................................................51 Figura 3: Essa casa foi construída para receber os Príncipes de Joinville, que nunca chegaram até o local. Hoje abriga o Museu do Imigrante. Acervo da Prefeitura Municipal de Joinville....61 Figura 4: Estação Ferroviária de Joinville, hoje patrimônio histórico. Acervo da Prefeitura Municipal de Joinville. ............................................................................................................................63 Figura 5: Casa em estilo enxaimel. Joinville – SC. Acervo da Prefeitura Municipal de Joinville.64 Figura 6: Vista do centro da Cidade de Itapiranga, o Rio Uruguai e aos fundos o Estado do Rio Grande do Sul. Acervo da Prefeitura Municipal de Itapiranga. .............................................65 Figura 7: Balsa sobre o Rio Uruguai, na época da colonização. Acervo da Prefeitura Municipal de Itapiranga................................................................................................................................66 Figura 8: Pescadores artesanais sobre o Rio Uruguai. Fotografia tirada pela administração municipal no período 2000 - 2004. ........................................................................................67 Figura 9: Sociedade Kolping. Edificação de madeira da época da colonização. No andar inferior funcionava um bar com bolão. No segundo pavimento ainda há um salão de bailes com mezzanino, cujo palco se prestava também a apresentações de teatro e dança. Acervo da Prefeitura Municipal de Itapiranga.........................................................................................68 Figura 10: Primeira igreja de Itapiranga. Acervo da Prefeitura Municipal de Itapiranga..............70 Figura 11: O casamento por amor. História da Vida Privada. .......................................................93 Figura 12: O amor cortês. A dama estende os braços para o cavaleiro. Aos fundos, a alcova. História da Vida Privada. .....................................................................................................100 Figura 13: A alcova. História da Vida Privada. ...........................................................................141 Figura 14: Cama de casal encontrada no Museu Comunitário de Itapiranga. Foto da autora. ....148 Figura 15: Uma cama para crianças, no Museu Comunitário de Itapiranga. Observe, dependurada à direita, uma calça típica alemã, confeccionada em couro. Foto da autora. .......................149 Figura 16: O quarto de casal, com amplo guarda-roupas e a televisão........................................149 Figura 17: O quarto de casal com penteadeira e a porta que dá para o banheiro exclusivo do casal. ..............................................................................................................................................150 Figura 18: A penteadeira do quarto de Elisa e Evandro. Ao centro, a imagem de Santo Antônio. ..............................................................................................................................................150 Figura 19: Espaço de mulheres: o quarto de tecer. História da Vida Privada..............................152.

(9) Figura 20: Uma cozinha com elementos da época da colonização. Museu Comunitário de Itapiranga. Fotos da autora. ..................................................................................................153 Figura 21: Um espaço masculino: o quarto de estudos. História da Vida Privada. .....................155 Figura 22: A cama com espelhos, a porta para o closet e um colchão encostado na parede. ......162 Figura 23: O banheiro do closet, espaço de proximidade do casal, para Elisa. ...........................163.

(10) BRUXEL, Karin. Os espaços da casa e a cama de casal: um estudo atual sobre conjugalidades em dois municípios de Santa Catarina. Florianópolis, 2005. 208 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Mara Coelho de Souza Lago. Defesa: 18/04/2005. RESUMO. Tendo em vista que, em nossa cultura, a cama de casal ocupa um espaço de convivência diária para a maioria dos casais, pode ser considerada como um demarcador privilegiado de relações conjugais. Essa pesquisa procura conhecer como casais heterossexuais vivenciam o compartilhar da cama de casal. O amor romântico, as relações de gênero, os espaços de convivência e a intimidade são aportes teóricos para esse trabalho. O tema foi abordado de forma qualitativa, utilizando práticas da pesquisa etnográfica, como o estranhamento, a relativização, o diário de campo e a escolha dos informantes. Foram realizadas entrevistas livres, gravadas, com quatro casais, dois em Joinville e dois em Itapiranga, ambos municípios de colonização alemã. Em Joinville, foram realizadas também duas entrevistas com apenas um dos cônjuges. A cama de casal mostrou-se para os entrevistados um espaço que tem como função principal o descanso. A aproximação física foi apontada como propiciadora de momentos de intimidade, de aconchego, de construção do relacionamento e de diálogo. A cama de casal não é o único espaço para o sexo, nem para o descanso. A possibilidade de momentos de individualidade foi destacada por alguns casais para a saúde do relacionamento. Outros casais optavam por compartilhar todos os momentos. Sair da cama para dormir na sala ou em outro quarto é uma prática de alguns casais, em casos de desentendimentos ou problemas de saúde. Geralmente foram as mulheres entrevistadas a sair da cama de casal.. Palavras-chave: conjugalidade, relações de gênero, espaços domésticos, cama de casal..

(11) ABSTRACT. The couple bed represents a space of daily family life for the majority of couples in our culture, for this reason it can be considered as a privileged delimitation of conjugal relations. This research intent to know how heterosexual couples get the couple bed sharing. The romantic love, the gender relations, family life space and privacy are the theoretical basis for this research. The subject has a qualitative approach through an ethnographical research, like the strange way, the relativity, the field work dairy and the interviewers selection. The research was done by nonstructured interviews with four couples, two from Joinville and two from Itapiranga, both cities characterized by their German settling. In Joinville, two interviews with only one of the spouses had been also done. The couple bed was revealed for the interviewed couples basically as a space for resting. The physical approach was pointed as propitiatory of privacy moments, comfort, relationship construction and dialogue. The couple bed is not the only space for sex nor for rest. Individuality moments were detached by some couples as a factor that contributes for the relationship’s health. Some couples choose share all the moments. Leaving the bed to sleep in the living-room or another room is the option for some of the interviewed couples in cases of misunderstandings or problems of health (generally the woman leaves the couple bed). Key-words: conjugality, gender relations, domestic spaces, couple bed..

(12) INTRODUÇÃO. Essa piada de almanaque pode ilustrar a discussão a que nos propomos nesse estudo: O destino do papai1 Logo depois de se mudar, Joãozinho liga para seu avô: - Oi vô! Sabia que a gente já mudou para a casa nova? - É mesmo? – interessa-se o avô – E aí, vocês estão gostando? - É o maior barato! Tem um quarto só para mim e outro só para minha irmã. Só o coitado do papai é que tem que continuar dormindo com a mamãe!. A minha própria experiência, juntamente com o convívio com outras mulheres casadas, mostrou-me o quanto a relação conjugal é paradoxal. Os cônjuges uniram-se porque apaixonaram-se um pelo outro. A intensa convivência dos casais modernos, no entanto, pode fazer com que a pessoa que mais queremos ter ao nosso lado, possa ser aquela de quem queremos mais distância, quando ela está por perto. Muitas vezes escutei histórias contadas por mulheres, de terem se aborrecido com o marido e ido dormir em outro espaço. Isso servia, por um lado, para separar-se daquele que lhes causava indignação, mas por outro, servia como uma espécie de castigo, um exercício de poder que. 1. Encontrado no guia Óia! Joinville Almanaque mensal de Joinville – SC. Grupo DEZ Comunicação, ano 4 – nº 42, Ago. 2002, p.19..

(13) 12. levava o outro a rever suas atitudes. Outras histórias já fazem parte de nosso anedotário, e dizem respeito às dores de cabeça e cansaço da mulher, muitas vezes evocados em resposta ao desejo sexual do marido. As doenças, o ronco, os filhos ou a idade, às vezes impõem ao casal outros arranjos para dormir ou para o sexo. Quando criança, lembro-me da estranheza que me causava, ver meus avós paternos e maternos dormindo em camas de solteiro, porém no mesmo quarto. Mais tarde, durante um período que passei na Alemanha, percebi que as camas de casal pareciam-se com duas camas de solteiro, uma ao lado da outra. Os colchões eram altos, com uma camada única mais abaixo, e outra composta de dois colchões paralelos, acima dessa. Os cobertores também eram individuais, diferentemente dos cobertores de casal que temos aqui no Brasil. Isso me fez questionar o costume de dormir em camas de casal. Pessoalmente, preferiria ter na cama de casal um espaço opcional de convivência. Em meu casamento, essa idéia não foi aceita. Algumas vezes dormimos separados, seja por uma discussão, por causa do ronco ou por termos adormecido no sofá, assistindo televisão. Esses momentos, no entanto, eram exceção. Quando iniciei o mestrado, procurava conciliar o trabalho de meio período com as leituras e viagens para as aulas. Costumava ler na cama, até tarde da noite, adormecendo bem depois de meu marido. Pensei assim em trocar de quarto com nosso filho, pois ali poderia ler sem incomodar ninguém com a luz e meu sono agitado. A proposta foi aceita por todos, mas após alguns dias, percebi que havia uma certa preocupação no ar, sobre quanto tempo eu ficaria dormindo sozinha. Esse fato chamou-me a atenção para a importância atribuída à cama de casal como espaço de conjugalidade, em nossa sociedade. Fala-se em nosso meio que, no casamento, é “natural” que o casal durma junto, dividindo não somente uma mesma cama, mas também compartilhando sua intimidade, usufruindo.

(14) 13. momentos de prazer sensual, e algo que vai além disso: a amizade. Esta tem sido a tônica dos relacionamentos modernos, segundo Heilborn (1995). A conjugalidade não é mais a mesma do século passado. As lutas pelos direitos das mulheres, seu ingresso na esfera pública, o direito de querer, acirrados no final do século XX, relacionam-se com as mudanças nas relações entre os casais. O casal ocidental moderno livra-se pouco a pouco dos ditames dos papéis sexuais. Algumas dessas mudanças têm a ver com o estranhamento de algumas práticas. Temos hoje em nosso meio homens donos-de-casa2, mulheres participando cada vez mais das tomadas de decisões e da “vida pública”3, casais optando por não compartilhar o mesmo teto, o mesmo quarto ou a mesma cama. Temos, assim, outras práticas também com relação à cama de casal. Que discursos sustentam essas práticas? Quais as condições de possibilidade para esses discursos? A cama de casal ganha popularidade. Ela está em quartos de solteiros, como sofá em programas de televisão, como palco para entrevistas. A presença da cama de casal nas casas das civilizações ocidentais parece naturalizada. Não se pensa em pessoas casando sem uma “cama de casal”, em seus “quartos de casal”. No entanto, se olharmos mais demoradamente para esse mobiliário, vemos que ele tem um lugar na história e na cultura. Ele não é, portanto, um objeto “natural”, mas um objeto cultural, cuja emergência está relacionada com o fortalecimento do amor romântico.. 2. Conforme Juracy Toneli (1998), que fez um estudo etnográfico com homem de camadas populares, que cuidava da lida doméstica enquanto sua esposa trabalhava fora. 3 Ver CASTELLS, M. O poder da identidade. Vol.II, 2.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000..

(15) 14. Pascal Dibie (1988) mostra como o local de dormir do ser humano vem se modificando ao longo do tempo e em diferentes culturas. Construída com diferentes materiais e ligada a diferentes práticas e funções, aquilo que veio a ser a cama vem acompanhando o ser humano há pelo menos 130 mil anos. Desde espaços delimitados com presas de mamute, palha, algas secas e peles de animais até os suntuosos dosséis, várias práticas estão associadas a esses diferentes leitos. Essas práticas estão também ligadas à delimitação dos espaços na casa, tendo cada cultura e época suas particularidades. O autor nos mostra como essas particularidades estão ligadas às necessidades dos sujeitos, aos materiais à disposição, ao clima e ambiente em que está inserido, junto com sua cultura (crenças, religiões, saberes em comum, etc.). Ariès e Duby (1989, 1990, 1991a, 1991), organizaram um primoroso estudo sobre a emergência daquilo que hoje denominamos a Vida Privada. Os autores mostram a transformação do espaço doméstico e o desabrochar do individual e de um imaginário que enfatizava valores ligados à família, ao amor romântico e à intimidade. Nesse momento de afirmação do privado, a cama foi deslocada dos cantos dos quartos, da função de espaço de repouso, em direção ao centro do aposento. Ela tornou-se o mobiliário principal do quarto. O quarto fazia parte do espaço social da casa e, somente mais tarde, ganhou importância como espaço privado e de conjugalidade. (Ariès, 1990) À medida em que ocupa um lugar privilegiado no espaço da casa para o amor romântico, a cama de casal se institui, em nossa cultura, em espaço de convivência diária para o casal. Nesse sentido ela pode ser, no momento, um demarcador privilegiado de diferentes relações na.

(16) 15. conjugalidade. Dentre essas, além do pressuposto de amor romântico, as relações de gênero e poder. Alguns estudos sobre o Amor Romântico (Costa 1998, Giddens 1993, Rosa 2003), apontam para o modo como esse ideário foi construído. Costa (1998, p.19), ressalta a existência de um discurso sobre a universalidade e naturalidade do amor, um sentimento independente da vontade, condição para a felicidade suprema. Isso fez do amor um bem extremamente desejável, uma das marcas da cultura ocidental. O amor deixa “de ser um meio de acesso à felicidade para tornar-se seu atributo essencial”, alcançável por qualquer pessoa. Se, como vimos, o amor romântico - aquele que tem no outro um objeto idealizado e perfeito - é uma construção, sabemos também que é recorrente que a vida conjugal seja perpassada por sentimentos menos ternos. Rosana Galina4, em sua experiência clínica e em pesquisa sobre o espaço relacional, observou a “(...) dificuldade que os casais têm de desenvolverem seus espaços individuais na proporção satisfatória ao desenvolvimento do espaço da relação conjugal. Tem sido uma constante a queixa tanto da mulher como do homem, do quanto se sentem insatisfeitos no espaço relacional.” De acordo com a autora, o espaço relacional é desenvolvido a partir do que cada cônjuge conhece de si e do outro, e do quanto cada um quer e pode negociar consigo mesmo e com o outro, em prol deste espaço comum. Já o espaço individual é onde o indivíduo se desenvolve a partir do que conhece de si e investe para alicerçar coisas que lhe dão prazer e que lhe enriquecem o cotidiano. A conjugalidade abarca tanto os espaços individuais, quanto os espaços relacionais, pois quando não se está com o cônjuge não se deixa de estar casado.. 4. GALINA, Rosana. A construção do espaço relacional: uma experiência de negociação afetiva. In: Revista Catharsis – s/l, s/d. www.revistapsicologia.com.br/materias/abordagens/const_espaco_Relacional. htm (acessado em 04/04/03).

(17) 16. A cama de casal pode cumprir o papel desses dois espaços, pois ela pode servir para a intimidade do casal, mas também para o repouso e a intimidade individual. No entanto, essa possibilidade nem sempre existe. Nesse sentido, de acordo com Anthony Giddens (1993, p. 11), a intimidade pode ser opressiva, se encarada como exigência constante de relação emocional. Ela “implica uma total democratização do domínio interpessoal, de uma maneira plenamente compatível com a democracia na esfera pública”. A esse respeito, os estudos de Carole Pateman (1993) sobre os contratos sociais mostram como a esfera política e pública se imbricam na esfera do privado, regulamentando-o através de discursos implícitos no contrato social. O casamento é uma instituição contratual, assim como as relações sociais e de trabalho. Para a autora, o homem se agrega através do contrato, para sobreviver. O contrato original funda a sociedade, mas deixa o contrato sexual de fora, como se ele fosse exclusivo do privado, e a-político. Assim, na concepção da autora, enquanto o contrato social serve para regular a liberdade, o contrato sexual regula a dominação da mulher, pelo homem. Para Joan Scott (1995), o poder é constitutivo das relações de gênero. Segundo a autora, o gênero enquanto categoria analítica referente aos sistemas de relações sociais ou sexuais emergiu no século XX. Ele passa a reivindicar outras respostas além das oferecidas até então, para as permanentes desigualdades entre homens e mulheres. De acordo com a autora, gênero é uma categoria articulada em torno de dois núcleos. O primeiro, de que o gênero é construído nas relações sociais através das diferenças percebidas entre os sexos. Essas diferenças são marcadas por símbolos culturalmente disponíveis (a virgem Maria para a mulher, por exemplo). Há, portanto, uma certa normatização da interpretação desses símbolos. Dentre elas, a idéia da oposição binária entre os sexos e de uma identidade subjetiva.

(18) 17. (masculino ou feminino) universal e a-histórica. O segundo núcleo de articulação da categoria gênero é o poder. Ou seja, o gênero “é um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado.” (Scott, 1995, p.88). Antes da Constituição brasileira de 1988, que garante que “todos são iguais perante a lei”, o poder jurídico era baseado na ordem patriarcal, com hierarquia sexual e geracional. Os estudos feministas, além de outras conquistas, sempre denunciaram a subjugação da mulher por seus maridos, daí decorrentes. Lutam ainda hoje, não somente contra a violência física a que dava direito a ordem familiar patriarcal, mas também contra a violência simbólica presente no discurso da inferioridade feminina. Michel Foucault (1979) mostrou como as relações sociais estão impregnadas de um poder sutil, um poder que não se apresenta como coerção, mas disfarçado entre os “drapeados” das práticas, produzindo a docilidade e utilidade dos corpos. A cama de casal também pode ser vista como um espaço de circulação de poder. No momento em que os estudos de gênero avançam no sentido de desconstrução de discursos, é preciso “estranhar” as práticas instituídas. Para mim, colocou-se o estranhamento do uso da cama de casal. Ela também está ligada aos espaços da casa, aos “domínios” de cada um. Nesse caso, aos domínios do casal. Ela é tomada como objeto histórico multifacetado, já que admite ser vista como parte do mobiliário, como espaço privado, como espaço individual para os cônjuges, como espaço de convivência para o casal, atravessado por relações de gênero, cultura, sexualidade, poder. Considerando esses aspectos, formulei a seguinte questão de pesquisa: - O que dizem pessoas casadas, sobre o uso da cama de casal ?.

(19) 18. O objetivo geral desse trabalho foi estudar a cama de casal como espaço de conjugalidade, considerando seu contexto histórico-cultural. Nesse caso, conjugalidades contemporâneas em camadas médias e populares de Joinville e Itapiranga - SC. Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos. No primeiro capítulo temos a discussão das escolhas metodológicas para esse trabalho, a descrição dos sujeitos entrevistados, bem como alguma contextualização mais genérica da imigração alemã ao sul do Brasil, que é aprofundada no segundo capítulo. A seguir, são discutidos alguns temas que se relacionam com o objeto dessa pesquisa, como os Estudos de Gênero, Conjugalidade e Família. Nessa discussão, as falas dos entrevistados servem tanto para ilustração, quanto para contraponto. A Cama de Casal mereceu um capítulo à parte, onde são apresentados principalmente os discursos dos casais sobre esse tema..

(20) 1. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA. Neste capítulo são descritos os caminhos percorridos na ida a campo, bem como a perspectiva epistemológica desse trabalho. A descrição do trabalho de campo dá uma idéia do contexto em que as entrevistas foram realizadas, para que fiquem claras as posições do entrevistador e dos entrevistados no diálogo que se propôs construir. Esse cuidado possibilita ao leitor pensar de forma mais abrangente sobre aquilo que se conseguiu colher de material para esse estudo. O conhecimento científico é construído seguindo algumas normas, constituindo o método científico. Esse deve estar dotado de coerência interna ao definir o problema a ser investigado, o campo da investigação e os procedimentos de pesquisa, processo que se fundamentou em referencial teórico, demarcando todo um conjunto de concepções de mundo, de sujeito, de verdade, que possibilitam a pesquisa. Renato Mezan (2002, p. 437), explica que A investigação epistemológica se preocupa com o modo de produção dos conceitos, com o funcionamento dos dispositivos teóricos estabelecidos pela disciplina, como a forma pela qual ela constrói, valida ou refuta suas hipóteses. Seu objeto é, portanto, a teoria concebida como armação racional, enquanto o objeto da teoria é o campo de fenômenos do qual ela deve dar conta. (...) A epistemologia é um discurso sobre outro discurso, e não um discurso sobre as próprias coisas..

(21) 20. A emergência do que se entende por ciência e a permanente discussão de seus fundamentos desde então, confirmam a idéia de Michel Foucault, de que a ciência é correlata do modo de pensar de um tempo, fazendo parte da história do pensamento. “O próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma história.” (Foucault, 1996, p.8). O autor destaca a idéia de Friedrich Nietzsche, de que o conhecimento foi inventado, que ele “não está em absoluto inscrito na natureza humana.” (Foucault, 1996, p.16). Assim se coloca a questão sobre o que é, afinal, o conhecimento. O autor indica: Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos aproximar, não dos filósofos mas dos políticos, devemos compreender quais são as relações de luta e poder. E é somente nessas relações de luta e de poder – na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que consiste o conhecimento. (Foucault, 1996, p.23). Uma preocupação de Michel Foucault é com a subjetividade que esse saber produz. A constituição do sujeito, segundo ele, é histórica e marcada por “um discurso como um conjunto de estratégias que fazem parte das práticas sociais.” (Veyne, 1998, p.11). Michel Foucault explicita: Meu objetivo será mostrar-lhes como as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos do conhecimento.” (Foucault, 1996, p.8)..

(22) 21. Michel Foucault5 aponta que historicamente distinguimos diferentes formas de conhecimento, cada uma delas rompendo com o modo de pensar anterior. Dentre essas, destaca as epistemes cristã, renascentista e moderna. No cristianismo, os acontecimentos eram explicados pela existência de Deus e sua vontade soberana. No renascimento, o homem racional é reificado, o que é contestado pela psicanálise e sua teoria do inconsciente, e por Michel Foucault, que afirma que não somos sujeitos de nós mesmos. Somos, isso sim, subjetivados por práticas e discursos. Os pensadores da idade moderna se preocupavam com o uso da razão para o desenvolvimento da ciência e o “progresso” humano. Essas crenças, centradas num eu racional estável e coerente, deveriam produzir um conhecimento neutro, verdadeiro e benéfico à sociedade. David Harvey (1993), mostra como o pensamento moderno, ou pensamento iluminista, atravessa não somente o campo da ciência, mas também os campos estético e arquitetônico. No cotidiano das pessoas, esse ideário se traduziu na praticidade e democratização dos objetos e espaços. Para isso foram desenvolvidos projetos que não conseguiram se furtar a uma certa massificação. No campo da estética, o modernismo se preocupa com a linguagem, com diferentes formas de representação. São desenvolvidas as experimentações que rompem com antigos padrões de expressão artística e cultural. Uma importante crítica feita aos modernistas, é com relação ao significado da palavra, tomada por eles de forma direta. Os modernistas desconsideravam o fato de que as palavras possuem uma história, uma ideologia e que elas constituem o sujeito. Assim, a. 5. Conforme o Prof. Dr. Kleber Prado Filho, em aula aos alunos do mestrado em Psicologia da UFSC, em 19/03/2003..

(23) 22. pessoa supõe que diz o que quer, quando na verdade “a linguagem opera através de nós.” (Harvey 1993, p.54) . A razão iluminista é colocada em perspectiva e os críticos da modernidade destituem o sujeito do lugar central que ocupava. Com relação à modernidade, Jane Flax (1992, p.217) afirma que esse “modo de vida da civilização ocidental está envelhecendo.” Segundo a autora, na contemporaneidade os estudos sobre a constituição do sujeito buscam afastar-se do modo linear, binário e hierárquico de pensar e fazer, da ciência moderna. O sujeito moderno, com uma essência ou características a priori, e um caráter identitário que o fixava em uma norma, é entendido hoje como um sujeito multifacetado e em constante metamorfose. David Harvey (1993), ao escrever sobre a cultura contemporânea, aponta a emergência do pós-modernismo por volta dos anos 70, como crítica ao modernismo. O pós-modernismo caracteriza-se pela “total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico” (Harvey, 1993, p.49), sem tentativa de transcendência. Não há preocupação com a universalização de verdades, já que elas são postas em questão. Michel Foucault e Friedrich Nietzsche são referência nesses estudos. O sujeito pós-moderno, de acordo com Juracy Toneli6, é descentrado. Esse sujeito está preocupado com o “aqui e agora”, busca mais o prazer e não faz projetos a longo prazo. Ele é múltiplo, se constitui a partir da lógica da diferença. Esse sujeito sofre, segundo Boaventura Santos (1995), uma “crise de identidade”. O autor afirma que uma vez que o sujeito é múltiplo e se constitui nas relações, só é possível falar de “identificações em curso”. Essas identificações são plurais e relativas aos diferentes lugares sociais ocupados por. 6. Em explanação na disciplina de Gênero e Psicologia, no curso de pós-graduação em psicologia, da UFSC. Data: 11.11.2003..

(24) 23. uma mesma pessoa (por ex. como esposa, mulher, mãe, profissional, etc.). Os discursos pós-modernos são todos “desconstrutivos”, já que buscam nos distanciar de crenças relacionadas à verdade, conhecimento, poder, o eu e a linguagem, que são geralmente aceitos e servem de legitimação para a cultura ocidental contemporânea, e nos torna cépticos em relação a tais crenças. (Flax, 1992, p.221) De acordo com a autora, as teóricas feministas, fazendo eco a outros teóricos pósmodernistas, colocaram em questão as afirmações transcendentais do pensamento moderno ao denunciarem seu caráter androcêntrico e ocidental. As teorias feministas, como outras formas de pós-modernismo, deviam nos estimular a tolerar e interpretar a ambivalência, a ambigüidade e a multiplicidade, bem como a expor as origens de nossas necessidades de impor ordem e estrutura, não importa quão arbitrárias e opressivas essas necessidades possam ser. (Flax, 1992, p. 249-250) Os estudos de gênero questionam, por exemplo, as dicotomias herdadas da modernidade, em que homens e mulheres são colocados em oposição, principalmente no que implica em relações de poder. Este é estudado muitas vezes como pertencente aos homens, desconsiderando que as mulheres também o exercem. Nessa perspectiva, a mulher muitas vezes é colocada no lugar de vítima dos homens, quando na verdade “o poder está em toda parte, não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares.” (Foucault, 1985, p.89). O sujeito ocidental contemporâneo é diferente daquele sujeito universal da modernidade. Esses sujeitos não podem ser vistos isoladamente, mas fazendo parte de um contexto que diz respeito ao seu mundo material, objetivo e de um contexto subjetivo. Ambos se encontram amparados nas práticas desses sujeitos. (Veyne, 1998)..

(25) 24. Paul Veyne explica que a idéia de Foucault foi considerar as práticas numa perspectiva histórica e relacional: Toda história é arqueológica por natureza e não por escolha: explicar e explicitar a história consiste, primeiramente, em vê-la em seu conjunto, em correlacionar os pretensos objetos naturais às práticas datadas e raras que os objetivizam, e em explicar essas práticas não a partir de uma causa única, mas a partir de todas as práticas vizinhas nas quais se ancoram. Esse método pictórico produz quadros estranhos, onde as relações substituem os objetos. (Veyne, 1978, p.280). O método arqueológico desenvolvido por Michel Foucault não pretende em absoluto dar conta de revelar a realidade. Ela mesma não passa de uma seqüência de arbitrariedades que se estabeleceram pelas “condições de possibilidade” de sua existência. Assim como a arqueologia não vasculha toda a extensão do campo estudado, os pesquisadores “limitam-se a cavar algumas valas de referência.” (Veyne, 1989, p.9). Não podemos deixar de considerar também que Michel Foucault salienta a idéia de Friedrich Nietzsche, de que o conhecimento é sempre perspectivo. Isso porque Só há conhecimento sob a forma de um certo número de atos que são diferentes entre si e múltiplos em sua essência, atos pelos quais o ser humano se apodera violentamente de um certo número de coisas, reage a um certo número de situações, lhes impõe relações de força. Ou seja, o conhecimento é sempre uma certa relação estratégica em que o homem se encontra situado. (Foucault, 1996, p.25). Assim, é importante conhecer o pesquisador, os sujeitos pesquisados e os locais onde foi realizada a pesquisa, na construção desse conhecimento. A forma como as informações foram colhidas, analisadas e trabalhadas também devem estar explicitadas. Isso mostra, por um lado, que esse estudo é perspectivo. Por outro, assume que há outras “verdades” além das interpretadas na pesquisa. “Devido a isso, o conhecimento é sempre um desconhecimento”. (Idem, ibidem)..

(26) 25. Para essa pesquisa, lanço mão de algumas práticas da pesquisa etnográfica (Fonseca, 1999, p.66): o estranhamento, a relativização, o diário de campo para registro das observações realizadas, e a escolha dos informantes. Entendo estranhamento no sentido que lhe é dado por Roberto Da Matta, quando não tomamos algo como natural: “De tal modo que vestir a capa de etnólogo é aprender a realizar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente contida nas seguintes fórmulas: (a) transformar o exótico no familiar e/ou (b) transformar o familiar em exótico.” (Da Matta, 1978, p.28, grifos do autor). Segundo o autor, desta forma o pesquisador se move em dois universos de significação sem, no entanto, conseguir alcançar totalmente essas duas transformações. “O que realmente vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido.” (Velho, 1978, p.39, grifos do autor). Esse estranhamento pode ser relacionado à preocupação de Michel Foucault em “desvendar os drapeados” das práticas. “É preciso desviar os olhos dos objetos naturais para perceber uma certa prática, muito bem datada, que os objetivou sob um aspecto datado como ela; (...) porque esquecemos a prática para não mais ver senão os objetos que a reificam a nossos olhos.” (Veyne,1998, p.243). Margareth Rago (1995) diz que, para Michel Foucault, a história nada mais é do que um discurso que precisa ser desvelado partindo das práticas, para os objetos. A relativização (Fonseca 1999, Da Mata 1978, Velho, 1978) está presente em um estudo quando o pesquisador questiona os estereótipos de sua própria cultura, acatando a possibilidade de diferentes realidades em diferentes contextos, a partir das significações das falas dos seus informantes. Ele busca, assim, relacionar-se com a cultura do informante. Esse movimento inclui o distanciamento de sua própria cultura. “Sendo o pesquisador membro da sociedade, coloca-se,.

(27) 26. inevitavelmente, a questão de seu lugar e de suas possibilidades de relativizá-lo ou transcendê-lo e poder ‘por-se no lugar do outro’.” (Velho, 1978, p.40). A entrevista em profundidade, no método etnográfico, (Fonseca 1999, Oliveira 2000), merece um cuidado especial. Os autores alertam para a modulação do discurso do interlocutor, levando o informante a dizer o que ele imagina que o pesquisador quer ouvir. Uma tarefa do pesquisador é, assim, minimizar o impacto de sua presença e sua cultura sobre a fala do entrevistado, através da busca de interação com o outro, num interesse em estabelecer uma relação dialógica de trocas simbólicas com ele.. O Trabalho de Campo. Essa pesquisa foi realizada através de entrevistas livres, em Joinville e Itapiranga, duas cidades de Santa Catarina, uma no norte do estado, a segunda no extremo oeste, possuindo em comum a origem germânica de seus colonizadores. Todos os entrevistados foram contatados por mim. Alguns eram do meu círculo de conhecidos, outros do círculo de trabalho. Explicava o meu projeto de pesquisa sobre a cama de casal na conjugalidade para o mestrado em psicologia e a pertinência de sua fala no estudo em questão. Geralmente a pessoa se colocava à disposição. Houve um caso em Itapiranga, de um marido não aceitar gravar a entrevista e a mulher então declinar do convite e outro em Joinville, em que uma mulher contatada alegou que não gostava de dar entrevistas por ser tímida. Quando a resposta era afirmativa, a pessoa já decidia se a entrevista seria com o cônjuge ou não. Um entrevistado afirmou que sua esposa era professora e não teria tempo para conceder a entrevista..

(28) 27. No dia da entrevista, explicava novamente minha questão de pesquisa, o objetivo do trabalho, seus parâmetros éticos e meus compromissos enquanto pesquisadora. Além disso, informava que o entrevistado poderia interromper a entrevista a qualquer momento. Apresentava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 1), para que eles o lessem e assinassem. Houve uma preocupação em comum, entre os entrevistados, quanto ao quê seria perguntado, se havia algum questionário. Nesse momento, explicava, em termos gerais, que se tratava de um estudo sobre as relações entre homens e mulheres no casamento de hoje em dia. Para isso, seria tomado como objeto de estudo a cama de casal. As entrevistas iniciaram de formas diferentes. Em Joinville, as entrevistas começaram com a fala sobre a cama de casal e seu significado em suas vidas. Em Itapiranga iniciamos os depoimentos com o momento em que se conheceram, a evolução do namoro e preparação para o casamento, até a atualidade. Solicitava que falassem livremente e as perguntas seriam feitas conforme nosso diálogo. As entrevistas foram gravadas em fita-cassete e literalmente transcritas.7 Elas se deram nos locais escolhidos pelos informantes: duas no CENEF8, por ser um ambiente que compartilhávamos, e as demais na residência dos entrevistados, nos dois municípios. Foram registrados num caderno de campo alguns aspectos observados no contexto de realização das entrevistas, bem como as minhas impressões. Em Itapiranga foram realizados registros fotográficos de quartos de casal contemporâneos e antigos.. 7. De acordo com Mara Lago (1996, p.23), isso significa “reproduzir literalmente na redação a linguagem do informante, com toda as suas características, seus erros, fusões de sílabas, omissões de letras, etc.”. Isso vale também para a fala do entrevistador.. 8. CENEF8 - Centro de Estudos e Orientação da Família, entidade sem fins lucrativos que presta serviços voluntários em psicoterapia, psiquiatria, fonoaudiologia, fisioterapia e advocacia à população sem recursos financeiros de Joinville..

(29) 28. O estudo do material de campo iniciou com a leitura exaustiva das transcrições das entrevistas. Alguns temas que se repetiram durante as entrevistas foram elencados e colocados em diálogo com outras pesquisas já realizadas e com as reflexões teóricas que fundamentam essa dissertação. As falas dos entrevistados são apresentadas, nesse trabalho, escritas em itálico, para melhor diferenciação das citações dos diferentes autores. Algumas falas foram retiradas de outras pesquisas já realizadas. Nesses casos, os nomes dos entrevistados são apresentados pelas iniciais, conforme constam nos escritos originais.. Os Sujeitos da Pesquisa. Quando projetei essa pesquisa, residia em Joinville. Planejei realizá-la nessa cidade, mas, após ter feito quatro entrevistas, mudei-me para Itapiranga, onde complementei o trabalho de campo, entrevistando mais dois casais. Para a escolha dos informantes, parti de pessoas conhecidas, buscando alcançar alguma variedade nos aspectos étnicos, sociais e de geração entre elas. Em Joinville foram entrevistados dois casais heterossexuais, uma pessoa casada do sexo masculino e uma senhora viúva. Em Itapiranga foram realizadas entrevistas com dois casais heterossexuais. Dos casais entrevistados, um em Joinville e um em Itapiranga não oficializaram o casamento, mantendo união estável, reconhecida atualmente pelo novo Código Civil brasileiro. Foram ouvidos ao todo dez sujeitos, sendo cinco homens e cinco mulheres. As idades variaram entre 30 e 80 anos, abarcando diferentes gerações..

(30) 29. Para situar socialmente os entrevistados, lançamos mão da descrição de Cristina Bruschini (1990), para camadas médias e populares. A autora não se limita aos bens materiais para essa tarefa, mas utiliza-se também dos valores simbólicos compartilhados por um grupo. Assim, alguns teóricos incorporam à renda familiar indicadores como nível de instrução, natureza do trabalho (manual ou não manual), padrões de consumo, estilos de vida e gosto pessoal. Considerando o nível superior e uma renda mensal entre 10 a 30 salários mínimos por um trabalho não manual como sendo características de camadas médias (Bruschini, 1990, p.78)9, podemos considerar que entre os entrevistados de Joinville, dois eram de camadas médias, enquanto em Itapiranga foi entrevistado um casal com essas características. Em Joinville dois casais e em Itapiranga um casal entrevistado, pertenciam às camadas populares. Em Joinville, todos os entrevistados possuíam casa própria e automóvel. Um casal morava na casa herdada da avó, os demais a haviam adquirido com seu trabalho. O tempo de casados foi de 10, 12, 16 e 27 anos para a senhora viúva. As origens étnicas dos entrevistados foram a alemã, a italiana, a portuguesa e a indígena. Apenas dois entrevistados nasceram em Joinville, os demais imigraram do oeste do Paraná, do interior de São Paulo, oeste do Mato Grosso e norte de Santa Catarina. Em Itapiranga, o casal de camada média não possui casa própria, mas tem dois carros, enquanto o casal de camada popular tem casa própria e um carro. O tempo de casados foi de 3 e 9 anos. As origens étnicas dos casais são: alemã e brasileira para um casal e alemã e italiana para o outro. Um casal é formado por mulher natural de Itapiranga e homem do noroeste do Rio Grande. 9. Gilberto Velho ( ), que realiza pesquisas com camadas médias urbanas no Rio de Janeiro, usa outros critérios para caracterizá-las. A psicologização é citada por esse autor como característica de camadas médias..

(31) 30. do Sul, o outro casal configurou-se por homem vindo do interior do Rio Grande do Sul e mulher proveniente do oeste de Santa Catarina. A seguir farei uma apresentação mais minuciosa dos entrevistados, conforme relatado nas entrevistas e anotações feitas no diário de campo. Os nomes utilizados são fictícios. A primeira letra do nome indica a ordem em que o casal foi entrevistado, ou seja, em Joinville, Amanda e Antônio concederam a primeira entrevista; Bernardo, a segunda entrevista, Catarina a terceira e por último Diana e Diogo. Em Itapiranga, Elisa e Evandro, Fernanda e Fabrício.. Casais de Joinville. - Amanda e Antônio Amanda é irmã de uma amiga minha. Conheci-a rapidamente num momento em que fui me despedir da amiga na rodoviária de Joinville e Amanda estava presente. Naquele encontro não chegamos a conversar. Antônio, seu esposo, estava trabalhando. Ao comentar sobre meu tema de pesquisa com minha amiga, esta citou a irmã, que poderia me ceder uma entrevista. Forneceu-me seu telefone e fiz o contato. Conversamos várias vezes sobre outros assuntos, comentando sempre sobre a realização da entrevista, que ficou dependendo apenas do acerto da data. Marcamos para um domingo, no final da tarde. A entrevista foi realizada na churrasqueira, que fica numa edícula da casa dos entrevistados, nos fundos do terreno. As crianças foram brincar dentro de casa, enquanto conversávamos. O casal vem da mesma cidade, do interior do Paraná. Mudaram-se para Joinville depois de casados. Antônio é mestre de obras, trabalha na construção civil há muitos anos. Sua casa fica no andar superior de um sobrado. O andar térreo é dividido em duas salas que são alugadas para fins.

(32) 31. comerciais. Essas salas não possuem aberturas para os fundos do terreno, onde ficam a piscina, a garagem e a churrasqueira. Antônio é uma pessoa simples e comunicativa. Fala o que pensa, sem rodeios. Amanda no momento é dona de casa. Seu pai é taxista e sua mãe também é dona de casa. Sua família lidava com um orçamento apertado, por isso Amanda começou a trabalhar desde cedo, ainda solteira. Depois de casada também trabalhou, cuidando de uma lanchonete e sorveteria de propriedade do casal, que no momento estava alugada para terceiros, já que optou por se dedicar aos filhos. É a filha mais velha de quatro irmãos, sendo as três primeiras do sexo feminino e o mais novo do sexo masculino. Demonstra um modo de pensar tradicional e conservador, bastante diferente de seus irmãos, que tive a oportunidade de conhecer. Amanda e Antônio estão com 37 anos de idade. Ela completou o ensino fundamental, enquanto ele estudou somente até a quarta série. Eles possuem quatro filhos, dos quais um é adotivo. São todos meninos, o mais velho está com 12 anos de idade, o adotivo com dez e os mais novos são gêmeos, com sete anos. Os filhos são bastante disciplinados. Estive novamente em sua casa após a entrevista, quando pude observá-los chegando em casa. Era sábado e eles haviam ajudado o pai na construção civil que este estava executando. Assim que chegaram, foram direto à lavanderia lavar os chinelos, para depois tomar banho e juntar-se a nós. Fizeram isso sem que nenhum dos pais tivesse manifestado qualquer recomendação. Durante a entrevista o casal mostrou-se bastante aberto, foi uma conversa descontraída, em que ríamos muito. Acredito que o tema suscitou algumas reflexões para o casal, que pôde também conhecer alguns aspectos um do outro, que até então não haviam explicitado. Após a entrevista, fui convidada a permanecer para comer um churrasco, que haviam planejado previamente. Fiquei surpresa e lisonjeada. Decidi ficar para estreitar a relação, já que.

(33) 32. tinha amizade com a irmã da entrevistada. Esse churrasco foi bastante interessante, porque o tema da entrevista voltava à baila seguidamente. Amanda comentou, por exemplo, que acreditava que o apetite sexual vinha de família, que segundo sua mãe, seu pai até hoje é bastante ativo sexualmente. Ela acredita ter herdado isso, uma vez que é mais disponível para o sexo que seu marido. Outro aspecto que foi debatido pelo casal, foi o fato de ela relacionar a cama de casal com a atividade sexual, enquanto ele enfatizava a companhia que a cama propicia. Amanda contou que Antônio foi seu único parceiro sexual, o que ela lamenta, já que ele já teve um relacionamento extra-conjugal. Ele, no entanto, nega o fato. Ela disse que reagiu a isso de forma firme, o que foi comentado na entrevista como o episódio em que ela saiu do quarto de casal e ele comprou alianças novas, mandou flores e mensagem com carro de som, para tê-la de volta. De vez em quando Amanda se queixa que o marido bebe. Isso se dá na volta do trabalho, quando ele passa por um bar com os amigos, gente que, segundo ela, “não presta”. Interessante que ao indagar ao casal, na entrevista, se compartilham dos programas sociais, estes dizem que fazem tudo juntos. A passagem pelo bar parece não ser vista por ambos como uma atividade de lazer exclusiva do marido.. - Bernardo Conheci Bernardo no CENEF. Bernardo é psicólogo e presta serviço voluntário naquela instituição. Sua trajetória profissional aconteceu na psicologia organizacional, principalmente com palestras a funcionários. Também dedica-se à docência de disciplinas ligadas à psicologia, em escolas de Joinville..

(34) 33. Em alguns intervalos de trabalho ou momentos em que nossos pacientes não compareciam à sessão, conversávamos tomando sol no pátio, ou em sua sala de atendimento. Nesses momentos em que expúnhamos nosso percurso profissional, projetos em curso, etc., falei da pesquisa de mestrado que estava realizando. Por várias outras vezes conversamos sobre esse projeto, quando indaguei se ele poderia me ceder uma entrevista. Inicialmente dei preferência por uma entrevista com o casal. Ele, no entanto, alegou que a esposa, por ser professora, trabalhava em 3 turnos, estando sempre muito ocupada e com agenda apertada. Marcamos a entrevista para um momento em que nossos pacientes coincidentemente não viessem no mesmo horário. Isso aconteceu na semana seguinte. O entrevistado nasceu em uma cidade pequena, no interior do Estado de São Paulo. Veio a Joinville para estudar, morando em casa de parentes. Conheceu sua esposa em Joinville. Ambos contam com 42 anos de idade. O casal tem dois filhos, um rapaz de 15 anos e uma menina de 11. Seu casamento dura 16 anos e foi realizado na Igreja Evangélica Batista. Ambos estão em seu primeiro casamento. O entrevistado cita como valores principais no casamento o respeito, fidelidade e amor. Bernardo tem descendência italiana pelo lado paterno, porém não soube dizer a etnia de sua mãe. Sua esposa é descendente de alemães. Ambos têm nível superior, possuem casa própria e estão construindo uma casa de veraneio em São Francisco do Sul, município vizinho a Joinville. O casal se organiza na utilização do automóvel, necessário aos dois, para o deslocamento aos locais de trabalho. O que de início me entusiasmou, foi a perspectiva de ouvir um profissional da área “Psi”. Em nossas conversas, sempre mostrava-se aberto, apesar de gostar mais de ouvir e perguntar do que de falar. Pensei que ao ceder a entrevista falaria bastante, ou pelo menos aprofundaria os.

(35) 34. temas propostos. Isso, no entanto, não se confirmou. As respostas foram sucintas, os temas não foram aprofundados. De minha parte, acredito que essa frustração me deixou um pouco indignada, impossibilitando-me um incentivo maior para o aprofundamento das questões. Essa entrevista foi a mais breve das que realizei, deixando-me com a sensação de não ter ouvido o que de fato representava a realidade daquele casal. O que me foi mostrado, foi a imagem de uma família bastante harmônica, com capacidade de resolver muito bem suas dificuldades de relacionamento (que, por sinal, quase não existiam). A sensação de não ter ouvido a realidade talvez tenha vindo do pouco aprofundamento das respostas, de uma atitude de não querer mexer no que aparentemente era tão perfeito. Outro procedimento após a entrevista, era solicitar a indicação de um casal para ser entrevistado. Novamente Bernardo mostrou-se bastante reticente. Em nossas conversas informais disse-me que conhecia muita gente na cidade. No entanto, respondeu que não teria nenhum casal para indicar. Insisti um pouco mais, talvez do círculo da esposa houvesse alguém disponível, mas mesmo assim a resposta foi negativa: “é difícil”. Talvez possa considerar o fato de Bernardo ser do sexo masculino e, como é da nossa cultura, não estar tão disponível para falar de “coisas íntimas” a uma mulher.. - Catarina A entrevista com Catarina também aconteceu no CENEF, em Joinville. No primeiro semestre do 2004 eu prestava serviços em psicologia clínica nessa instituição, quando vim a conhecer Catarina numa das reuniões mensais..

(36) 35. Nessa ocasião foi apresentado o seu livro autobiográfico, cuja renda de vendagem se destinava exclusivamente ao CENEF. Ela comentara, nesse dia, que seu livro não falava somente de sua vida, mas se relacionava também a alguns acontecimentos históricos de Joinville. Isso me despertou o interesse em conhecer o livro e entrevistá-la para a minha pesquisa. Em outra ocasião em que nos encontramos na instituição, falei-lhe de meu objeto de pesquisa e manifestei minha intenção de entrevistá-la. Ela atendeu prontamente, deixando a meu cargo marcar a data e o horário. O agendamento da entrevista se deu por telefone. Inicialmente ela ofereceu sua residência, mas depois optou por realizá-la no CENEF, pois era um espaço que compartilhávamos. Surpreendeu-me sua fluência verbal, sua capacidade intelectual e de articulação de idéias. É uma pessoa bastante falante, acessível e direta, mostrando-se sempre pronta a expor seus posicionamentos frente aos temas abordados. A entrevista fluiu agradavelmente, pontuada pelo seu senso de humor e vitalidade. Catarina tem oitenta anos e uma trajetória de vida diferenciada para a sua época. Seu avô materno migrara para Joinville ainda solteiro, mas voltou à Alemanha em 1880, para buscar aquela que se tornaria sua esposa, na época empregada doméstica de seus pais. O casal possuía uma pousada, no interior de Joinville. A mãe de Catarina era filha desse casal e acabou casandose com um caixeiro-viajante que se hospedava ali. Foi uma união atípica, por ser entre duas etnias, a alemã com a “cabocla”, como ela denomina seu pai. Além disso, havia a barreira da língua, pois ela falava somente alemão, e ele somente o português. Após o casamento, seu pai mudou de profissão, passando a gerenciar uma indústria ervateira. Era também defensor de idéias políticas, estudioso de homeopatia e pessoa de fortes princípios morais cristãos..

(37) 36. Catarina foi a filha mais nova do casal. Assim como cinco de seus irmãos, foi professora. Seus pais e irmãos a incentivavam, para que pudesse estudar em escola particular. Aos 15 anos dava algumas aulas particulares, o que possibilitou que adquirisse uma bicicleta para seu deslocamento. Após o curso ginasial, desejava cursar o magistério. Necessitou mudar-se para Florianópolis, já que em Joinville não havia o curso. Morou então na casa de sua irmã, já casada na época. Retornando a Joinville, passou a lecionar. Ingressou como voluntária no Curso de Samaritanas da Cruz Vermelha. Aos 24 anos, fez uma especialização de magistério no Rio de Janeiro, no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e, mais tarde, o Curso Básico de Educação Social, no SESI, em Florianópolis. Em Joinville, dedicava suas horas vagas como educadora social do SESI. Em 1951 participou de uma instituição filantrópica, o Fraterno Auxílio Cristão, que distribuía mantimentos a famílias carentes. Mais tarde, Catarina prestou concurso e foi aprovada como funcionária do serviço público na Receita Federal. Aos 31 anos, junto com uma amiga, fundou a Associação Santa Zita das Empregadas Domésticas de Joinville. O objetivo da associação era alfabetizar, ensinar trabalhos manuais, “dar ensinamentos morais, relacionamento e boas maneiras” (Gelbke, p.58) às empregadas domésticas de Joinville, geralmente negras e mulatas. Essas atividades se prolongaram até seu casamento, em 1962, quando a Associação também fechou. Quando Catarina conheceu Celso, seu futuro marido, era “solteirona assumida”, com 38 anos de idade. Possuía seu carro e sua casa, adquiridos com seu trabalho. Inicialmente se relacionava com as irmãs de Celso, sem tomar conhecimento de sua existência, já que na época ele residia em Blumenau. Por questões de trabalho, Celso mudou-se para Joinville, após 17 anos.

(38) 37. de viuvez. Por obra de algumas amigas, os dois vieram a se conhecer em uma festa de casamento da sobrinha de Celso. Este já tinha três filhos do primeiro casamento, um deles casado e com uma filha. Ao falar do casamento, Catarina relatou em sua biografia: Para mim e para o Celso, aquele dia foi o ponto de partida para uma vida a dois de criaturas amadurecidas pelo tempo e pelos embates da vida. Criaturas que souberam amar, compreender, aceitar, perdoar, respeitar e aproveitar todos os momentos, mesmo os mais insignificantes e pequenos, transformando-os em graças e dizer um ao outro: “é tão fácil ser feliz”. (Gelbke, 2004, p.67) Celso e Catarina não tiveram filhos. Quando casaram, foram morar na casa da família de Celso, em Joinville. Essa casa foi comprada dos demais irmãos de Celso e reformada para abrigar o casal. A parte da frente da casa foi destinada ao consultório odontológico do filho do meio de Celso. A sogra de Catarina ficou morando com eles. Logo após o casamento, o casal foi convidado a ingressar no MFC - Movimento Familiar Cristão, assumindo mais tarde a coordenação dos trabalhos desta instituição na cidade, no Estado e na Região Sul. Segundo Catarina, essas atividades fortaleceram sua união. “Na minha vida com o Celso, a gente não se separou em nada.” (Gelbke, p.69). Participavam também dos Encontros de Preparação para o Casamento desenvolvidos pelo MFC. Em 1964 ingressou na União Cívica Feminina. Em 1980, casais do MFC criaram o CENEF, dentre eles Catarina e Celso. Após 27 anos de união, Catarina enviuvou, mas continua envolvida com o CENEF e as causas sociais da cidade de Joinville. Após a transcrição da entrevista, enviei-a pelo correio a Catarina, para que autorizasse o seu uso. A entrevista foi devolvida a mim quase totalmente reescrita pela entrevistada. Não houve.

(39) 38. grande modificação dos dados, mas uma reelaboração do texto, agora em linguagem mais literária e limpa de todas as interjeições comuns na linguagem falada. Além disso, a entrevistada aprofundou alguns temas que ficaram de lado, ao nos desviarmos do assunto na conversa que tivemos. As perguntas feitas por mim, no entanto, foram todas mantidas e respondidas.. - Diana e Diogo Diogo criava cães de guarda na época em que nos conhecemos. Na época, morava sozinho na casa que havia sido de seus avós. Trata-se de uma construção em enxaimel, característica das construções germânicas da época da colonização. Na parte da frente da casa ficava a sala e a cozinha, com os quartos localizados no andar superior. Há alguns anos, sua casa incendiou por causa de um curto-circuito, já que a instalação elétrica era muito antiga. Ficou preservada apenas a parte da casa localizada aos fundos, que ainda conserva a estrutura em enxaimel. No lugar da parte da frente que incendiou, foi construída recentemente uma varanda, dentro do estilo que ainda vemos em construções do interior: tijolos maciços aparentes e madeira. Além disso, a casa foi ampliada na lateral, com dois quartos novos e um banheiro..

(40) 39. Figura 1: A casa dos entrevistados, em Joinville.. A casa fica próxima da estação rodoviária, bairro tão antigo quanto a cidade. Ao lado fica o cemitério municipal, com as lápides de pessoas ilustres da cidade, com projeção na área da indústria e política nacionais. Nessa região também encontramos atrações gastronômicas, com comidas típicas variadas, desde a pizza, chopp, comidas alemãs e delícias do mar cultivadas pela cultura açoriana. Atualmente, Diogo trabalha em uma fábrica de gelo, de propriedade da família. Teve passagem de três anos e meio pelo exército. Pretendia seguir carreira militar, mas por problemas familiares não pôde prosseguir. Guarda valores que aprendeu nesse período: a disciplina rígida, o esforço físico e o gosto pelas armas de fogo. É bastante ligado à natureza, o que é apontado como afinidade entre o casal, já que Diana é indígena e cultiva esse traço cultural de sua origem étnica. Seu relacionamento com Diana aconteceu quando já conhecia Diogo há algum tempo. Os dois já estiveram casados anteriormente. Diogo permaneceu na primeira união por um ano e meio,.

(41) 40. enquanto Diana ficou mais tempo. Ela tem dois filhos de seu primeiro casamento, um menino e uma menina. O menino não é seu filho biológico, mas de seu primeiro marido com outra mulher, que ela acabou adotando. Ele está com 16 anos de idade. A menina é mais nova, filha de Diana com seu ex-marido, agora com 12 anos de idade. Na época em que Diana foi morar com Diogo, a menina era cuidada por outra família, sob pagamento de pensão, enquanto o menino permaneceu um tempo com a avó paterna e depois no Abrigo Municipal de Joinville, já que Diana não tinha condições financeiras de mantê-lo. Diogo relutou por um tempo, até aceitar que Diana trouxesse seus filhos para morar com eles. O menino permaneceu por algum tempo na casa, mas acabou reclamando da disciplina que Diogo impunha a ele, e voltou a morar com a avó paterna, em São Francisco do Sul, cidade próxima a Joinville. Diana e Diogo tiveram um filho juntos, agora com sete anos de idade. Diogo tem 36 anos de idade e retomou os estudos há dois anos. Está matriculado no ensino médio regular e tem planos de cursar o ensino superior em história. Diana está com 38 anos. Havia iniciado o ensino superior em letras, numa universidade boliviana, na época em que morou com seus pais adotivos. Ao conhecer Diana, senti-me privilegiada pela oportunidade de conhecer uma índia, já que sempre tive interesse em conhecer pessoas de outras culturas. Nos momentos em que nos encontrávamos, Diana comentava alguns aspectos de sua vida em companhia da avó, uma espécie de curandeira; bem como alguns costumes da nação indígena em que viveu. Em sua casa sempre via cestos confeccionados com rolinhos de papel jornal, já que na cidade não tinha acesso à palha. Além disso, mostrava outros trabalhos manuais, como o crochê, recortes em papel dobrado, enxertos de flores, salgadinhos que fazia para vender. Ajudava os filhos com as tarefas.

(42) 41. de casa e mantém intensa a relação com a escola em que estudam. As crianças levam flores, desenhos e recortes de papel como presentes para a professora. A casa em que moram, apesar de simples, é bem cuidada e ajardinada, com eletrodomésticos modernos, como microondas, freezer, batedeira, telefone sem fio, etc. Diana sempre demonstrou gosto pelo conforto, por roupas e perfumes caros. Para isso, sempre trabalhou muito, como diarista e cuidadora de pessoas idosas, descendentes de alemães, moradores próximos de sua casa. Um diferencial de seu trabalho é o conhecimento de enfermagem, pois mede a pressão, aplica injeções, cuida das medicações quando alguém está doente. Por saber dirigir, costuma levar essas senhoras ao banco, ao shopping, aos cafés da cidade. Vai sempre bem arrumada, pois participa como convidada, apesar de ser remunerada para estar ali.. Casais de Itapiranga. -. Elisa e Evandro. Elisa é minha prima, alguns anos mais nova do que eu. Havia comentado com ela a respeito do meu tema de pesquisa e esta se interessou, oferecendo-se para ser entrevistada. Inicialmente relutei, imaginado que nossa proximidade impediria o distanciamento necessário para a análise de sua fala. Por outro lado, sabia das dificuldades do casal para simplesmente dormir à noite, por causa do filho mais novo, que tem diagnóstico de hiperatividade. Isso poderia trazer uma outra perspectiva a esse trabalho, no que toca ao uso da cama de casal e às significações que ela pode adquirir, nos arranjos cotidianos do casal. No dia marcado para a entrevista, o casal estava animado. Fizeram ajustes para que a entrevista pudesse transcorrer sem interrupções: os filhos foram brincar na casa da vizinha. Havia.

Referências

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