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Subjetividade jurídica internacional nas doutrinas italiana e brasileira: os conceitos de Nação e Estado nos compêndios jurídicos na segunda metade do século XIX

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Guilherme Bedin

Subjetividade jurídica internacional nas doutrinas italiana e brasileira: os conceitos de

Nação e Estado nos compêndios jurídicos na segunda metade do século XIX

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito

Orientador: Prof. Dr. Arno Dal Ri Júnior

Florianópolis 2019

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Guilherme Bedin

Subjetividade jurídica internacional nas doutrinas italiana e brasileira: os conceitos de

Nação e Estado nos compêndios jurídicos na segunda metade do século XIX

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a) Arno Dal Ri Júnior, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.(a) Diego Nunes, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.(a) Lucas Carlos Lima, Dr. Universidade Federal de Minas Gerais

Prof.(a) Airton Ribeiro da Silva Júnior, Dr. Faculdade Paraíso do Ceará

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Direito.

____________________________ Prof. Dr.(a) Claudio Ladeira de Oliveira

Coordenador do Programa

____________________________ Prof. Dr. Arno Dal Ri Júnior

Orientador(a)

Florianópolis, 10 de outubro de 2019. Assinado de forma digital por Arno Dal Ri

Junior:95323040963

Dados: 2019.10.10 16:02:58 -03'00'

Claudio Ladeira de Oliveira:59406666120

Assinado de forma digital por Claudio Ladeira de Oliveira:59406666120 Dados: 2019.10.10 16:37:22 -03'00'

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AGRADECIMENTOS

Às minhas famílias, pois são duas:

Por ser esta uma obra de caráter acadêmico, inicio pelo capo della famiglia da Sala 313, Professor Arno Dal Ri Júnior, que ao longo destes anos foi mais que um Orientador e modelo de jurista, sobretudo um verdadeiro amigo que expandiu meus horizontes: não apenas intelectuais, mas até geográficos. Após estes anos dedicados à pesquisa, fortunados os discípulos que, assim como eu, podem contar, após reconhecer a importância e raridade, com um verdadeiro Mestre.

Ao Professor Ricardo Sontag, que teve contato com este trabalho ainda em sua fase monográfica e, mesmo assim, acreditou no potencial da pesquisa e presenteou-me com preciosas contribuições. Também agradeço em antecipado pelos novos desafios cuja única certeza que possuo é que contribuirão imensamente ao meu crescimento pessoal e acadêmico.

Ao Professor Diego Nunes, de quem pude me aproximar ainda no primeiro ano de mestrado e, para além de dicas valiosas, teve a coragem e generosidade de supervisionar meus primeiros contatos com a docência.

Ao Professor Caetano, que, superabundante em compreensão, conhecimento e bom humor, compartilhando-os sem cerimônias, muito me auxiliou ao longo desta incessante caminhada acadêmica.

Ao Sagrado, que marcou profundamente o início da minha formação, tornou-se um importante amigo, especialmente presente nas dificuldades e, ainda que ora distante, segue em nossas memórias.

Ao Professor Lucas Lima, que conheci ainda nos bancos da graduação e pude, em alguma medida, acompanhar a epopeia do seu crescimento pessoal e acadêmico. Ícone do Ius Gentium, é também importante parte da História, minha e da 313.

Á Anna, pelos cafés aqui e ali, pelas conversas infindáveis; acima de tudo, por toda candura nos momentos em que mais precisei. Decerto que, somente por aquilo de nós aturou, não seria surpresa se a qualquer momento surgisse um círculo de luz dourada na sua cabeça.

Ao Pante, que, sendo uma dessas pessoas feitas de um tecido único nos teares da vida, tornou-se um verdadeiro amigo, companheiro nas conquistas e desgraças da vida (quando poucos ficam ao seu lado), por tornar possível minha jornada ao Além-mar e pelos momentos que não podem ser descritos e principalmente registrados por escrito!

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Ao Airton, que apesar de não termos desenvolvido tamanha proximidade, a jornada serviu de inspiração para que trilhasse meus passos. Também pelos diálogos e contribuição para pesquisa.

Aos colegas e “calouros” do mestrado, Bárbara, Gustavo, Mayessa, Kelly e Krystal, pela companhia ao longo deste último ano, principalmente pelas risadas.

Aos demais colegas do Ius Commune, pelo crescimento mútuo que tivemos neste Grupo, em especial Alice, Marjorie e Pietra.

Aos meus novos colegas do Grupo Studium Iuris, em especial ao Arthur que mesmo pouco me conhecendo, ajudou-me em demasia. Também pelos trocadilhos passados e futuros.

À minha família, base por sobre a qual podemos juntos crescer e nutrir uns aos outros com apoio e afeto. Sem vocês, este excepcional período da minha vida jamais seria possível. Que continuemos a nos desenvolver individualmente e entrelaçados.

Aos meus amigos, Matheus, João Batista e Raul, estes são o que a vida tem de melhor! A todos aqueles cujo abraço da minha memória porventura não tenha alcançado, muito embora tenham um espaço especial em meu coração e espírito.

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RESUMO

Com o objetivo de observar de que maneira a pergunta “quem é o sujeito de direitos na comunidade internacional” foi respondida no século XIX, parte-se do pensamento de Pasquale Stanislao Mancini. Utilizando por fundamento do direito internacional o Princípio da Nacionalidade, o jurista italiano propõe a exclusividade da Nação como sujeito de direito internacional, em oposição ao Estado, proposta que influenciou os autores da Escola Italiana de Direito Internacional. Posteriormente, foram examinadas as definições dos termos Nação e Estado utilizadas pelos juristas ao longo do Brasil Império e como cada um deles se relaciona com o conceito de subjetividade jurídica internacional. Para tanto, foram analisados os principais compêndios utilizados no ensino do direito internacional nos cursos jurídicos brasileiros. O problema não se limita a reunir as aparições dos termos “Nação” e “Estado” enquanto simples vocábulos, mas sim se aprofundar no sentido que a eles é atribuído por cada autor no período e, assim, verificar a correlação deste com a temática da subjetividade jurídica internacional. Percebe-se que os autores brasileiros, mesmo que se ocupem de definir os termos, não atribuem a eles especial relevância jurídica, com exceção de Carlos Vidal de Oliveira Freitas, que defende o Estado como único sujeito de direito internacional. Já no início do período republicano, é possível constatar que outros autores, José Soriano de Souza e Lafayette Rodrigues Pereira defendem a exclusividade do Estado e da Nação como sujeito, respectivamente.

Palavras-chave: Nação. Estado. Subjetividade jurídica internacional. Brasil Império. História

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ABSTRACT

In order to observe how the question “who is the subject of rights in the international community” was answered, focusing on the contrasts between Nation and State, the present study investigated the thought of Pasquale Stanislao Mancini, describing how, using the Principle of Nationality as the basis of international law, the Italian jurist proposes the exclusivity of the Nation as a subject of international law in opposition to the State and how it influenced the authors of the Italian School of International Law. Furthermore, the present work studies the definition of the terms Nation and State used by jurists throughout the period of the Brazilian Empire and assesses which of them relates to the idea of international legal subjectivity. We analyze the main compendiums used in the teaching of international law during the second half of the nineteenth century in Brazilian Law schools. The problem tackled is not limited to collecting the occurrences of the terms "Nation" and "State" as simple words, but to delve into the meaning attributed to them and thus verify its correlation with the international legal subjectivity. It is noted that, when reflecting on the concepts presented, the Brazilian authors, even if concerned with defining the terms, do not attribute a special legal relevance to them. The exception is Carlos Vidal de Oliveira Freitas, who refers to the State as the subject of international law. Already in the beginning of the Republic, it is possible to be verified that other authors, Jose Soriano de Souza and Lafayette Rodrigues defend the exclusivity of the State and of the Nation like subject, respectively.

Keywords: Nation. State. International legal subjectivity. Brazilian Empire. History of

Brazilian law.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

1.1 OBJETIVOS ... 16

1.1.1 Objetivo Geral ... 17

1.1.2 Objetivos Específicos ... 17

2 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ACERCA DE UMA HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL ENTRE ITÁLIA E BRASIL ... 18

2.1 CONCEITOS E HISTÓRIA ... 19

2.2 HISTORICIDADE E DIREITO ... 29

2.2.1 O Direito enquanto fenômeno histórico e social: uma abordagem a partir de Paolo Grossi e António Manoel Hespanha ... 30

2.2.2 Breves considerações acerca de um esforço comparativo em história do direito 38 2.2.3 Desafios de uma análise da história do direito internacional no Brasil do século XIX 39 3 SUBJETIVIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL NO CENÁRIO ITALIANO DO SÉCULO XIX: OPOSIÇÕES ENTRE ESTADO E NAÇÃO E O PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE DE PASQUALE STANISLAO MANCINI ... 42

3.1 A NACIONALIDADE ENQUANTO ELEMENTO DO DISCURSO POLÍTICO ITALIANO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX ... 44

3.2 O PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE DE PASQUALE STANISLAO MANCINI E A EMERGÊNCIA DA NAÇÃO COMO SUJEITO ... 47

3.3 DEBATES ACERCA DO PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE NA ESCOLA ITALIANA DE DIREITO INTERNACIONAL ... 56

3.3.1 A Escola Italiana de Direito Internacional... 57

3.3.2 Nação e Estado nas Lições de Ludovico Casanova ... 60

3.3.3 Conciliação entre o Princípio da Nacionalidade e o Estado em Terenzio Mamiani 64 3.3.4 Contribuições ao Princípio da Nacionalidade por Luigi Palma... 67

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3.3.5 Críticas e considerações ao Princípio da Nacionalidade em Pasquale Fiore ... 72

3.4 FUSTEL DE COULANGES E O PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE NA DISPUTA FRANCO-PRUSSIANA PELA ALSÁCIA-LORENA ... 80

4 O USO DOS CONCEITOS “NAÇÃO” E “ESTADO” NOS COMPÊNDIOS DE

DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIROS AO LONGO DO SEGUNDO

IMPÉRIO ... 82

4.1 A FORMAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NACIONAL: O SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES E O PROJETO VISCONDE DA CACHOEIRA ... 82

4.1.1 Breves antecedentes: a formação do jurista no Brasil Colônia e a fundação das universidades nacionais ... 83 4.1.2 A formação das universidades: o projeto visconde de cachoeira e a lei de 11 de agosto de 1827 ... 87 4.1.3 Continuidades e rupturas ao longo do Império: da Lei de 11 de agosto de 1827 ao Decreto nº 1.386, de 28 de abril de 1854 ... 93

4.2 INDISTINÇÃO DOS CONCEITOS DE NAÇÃO E ESTADO ... 95

4.2.1 Nação e Estado no primeiro compêndio escrito por um brasileiro sobre a Constituição Imperial por José Antonio Pimenta Bueno ... 95

4.3 OPOSIÇÕES ENTRE “NAÇÃO” E “ESTADO” E SUA NÃO APLICAÇÃO AO CENÁRIO JURÍDICO ... 101

4.3.1 Nação enquanto pessoa moral e Estado enquanto agente de ralações internas e externas no pensamento de José Maria Avellar Brotero ... 101 4.3.2 O Estado sem Nação: um conceito de Estado por Joaquim Rodrigues de Souza

105

4.3.3 Nação enquanto conjunto de cidadãos e Estado enquanto relação social e política no pensamento de José Maria Correia de Sá e Benevides ... 110

4.4 EXCLUSIVISMO DA “NAÇÃO” E DO “ESTADO” COMO SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL ... 114

4.4.1 Uma interpretação brasileira para o Princípio da Nacionalidade: Nação como ente moral e Estado como ente jurídico e político em José Soriano de Souza ... 114

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5 O USO DOS CONCEITOS “NAÇÃO” E “ESTADO” NA DOUTRINA JURÍDICA INTERNACIONALISTA BRASILEIRA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX ... 123

5.1 INDISTINÇÃO DOS CONCEITOS DE “NAÇÃO” E DE “ESTADO”... 124

5.1.1 “Nação” e “Estado” nos usos da diplomacia brasileira: Uma análise do Compêndio de Antonio Pereira Pinto ... 124

5.2 OPOSIÇÕES ENTRE “NAÇÃO” E “ESTADO” E SUA NÃO APLICAÇÃO AO CENÁRIO JURÍDICO ... 128

5.2.1 “Nação” e “Estado” no primeiro compêndio brasileiro de direito internacional: Pedro Autran da Matta e Albuquerque ... 128 5.2.2 “Nação” e “Estado” enquanto corpos políticos distintos pelos vínculos entre indivíduos no pensamento de Antonio de Vasconcellos Menezes de Drummond ... 130 5.2.3 Oposições entre “Nação” e “Estado” no plano extrajurídico: Uma releitura de Pedro Autran da Matta e Albuquerque por João Silveira de Souza ... 134

5.3 EXCLUSIVISMO DA “NAÇÃO” E DO “ESTADO” COMO SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL ... 137

5.3.1 “Estado” enquanto ente político e jurídico e “Nação” como manifestação da lei da Sociabilidade: Compêndio para uso da Escola de Marinha de Carlos Vidal de Oliveira Freitas 138

5.3.2 Nação enquanto sujeito de direito internacional e Estado enquanto manifestação do poder político em Lafayette Rodrigues Pereira ... 142 6 CONCLUSÃO ... 155 REFERÊNCIAS ... 159

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1 INTRODUÇÃO

O ano de 1851 é marcante na história do direito internacional, enquanto, na Itália, Pasquale Stanislao Mancini realizou a sua célebre preleção “A Nacionalidade como Fundamento do Direito das Gentes”, Proferida na Real Universidade de Turim e, por meio do Princípio da Nacionalidade, propõe ser a Nação o único sujeito de direito nas relações internacionais, em oposição ao Estado de inspiração contratualista, no Brasil, Pedro Autran da Matta Albuquerque publica o primeiro compêndio de direito internacional a ser empregado nos cursos jurídicos nacionais.

Mancini, para além de trazer a Nação para o âmbito jurídico, ao conceder-lhe o lugar central no direito internacional, assumindo a papel que antes pertenceu ao Estado, fomentou um forte debate que se fez sentir não apenas na Itália, na qual sua teoria foi utilizada como fundamento para o processo de unificação, mas em toda Europa, de modo que o Princípio da Nacionalidade e as diversas formas de conceber a Nação enquanto ente político e jurídico capaz de se opor ao Estado também se fez presente nos embates intelectuais concomitantes aos conflitos armados como a disputa franco-prussiana pela Alsácia-Lorena.

Partindo para outro contexto, conforme mencionado, na segunda metade do século XIX, juristas brasileiros já se debruçavam sobre o fenômeno do direito internacional, inclusive por meio de compêndios acerca desta matéria. Fez-se, ainda, notar que um dos temas recorrentes à época – especialmente no contexto europeu, em que as oposições entre Nação e Estado já apresentava fortes consequências jurídicas e políticas –, trata-se da subjetividade jurídica: qual é (ou quais são) o sujeito de direitos e obrigações no plano internacional.

No cenário nacional, os principais autores a tratar desta temática podem ser divididos em três grupos: (I) aqueles que não observam distinções entre Nação e Estado; (II) aqueles que observam distinções, porém externas ao âmbito jurídico; (III) aqueles que observam distinções e atribuem consequências jurídicas – como a exclusividade da subjetividade jurídica internacional – a elas.

Pretende-se, portanto, após um delineamento preliminar de cada um desses autores (1) demostrar quais as suas concepções acerca dos fenômenos jurídicos internacionais, a fim de analisar se, (2) do ponto de vista teórico, o modo de cada um deles conceber o sujeito de direitos

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e possíveis causas – históricas, jurídicas e políticas – pela escolha – ou omissão da escolha – do Estado ou da Nação.

Destaca-se que o debate acerca dos conceitos de Nação e Estado é significativo no contexto brasileiro, inicialmente pela simples necessidade de conhecer as suas implicações mesmo que fora do contexto nacional.

Em síntese, o objeto desta pesquisa é o instituto da subjetividade jurídica internacional, com especial atenção ao emprego dos termos Nação e Estado. As principais fontes utilizadas serão os compêndios jurídicos, em especial aqueles utilizados nas universidades, referentes ao Direito Internacional. Os recortes espaciais correspondem à Itália e ao Brasil e o recorte temporal aos anos de 1851 (Proposição do Princípio da Nacionalidade por Mancini na Itália e publicação do primeiro compêndio de Direito Internacional escrito por um brasileiro) à 1889 (proclamação da República no Brasil).

O problema tratado é como se realizou o debate na doutrina brasileira ao longo da segunda metade do século XIX acerca da titularidade do sujeito de direito internacional, especialmente entre Estado e Nação e quais suas semelhanças e oposições com o contexto europeu, principalmente em relação à experiência italiana?

Ademais, a análise da doutrina jurídica é apropriada para compreender o fenômeno da subjetividade jurídica internacional, pois contém os elementos para definição e diferenciação dos conceitos. Do ponto de vista prático, isto pode se refletir, por exemplo, nos requisitos para formação e reconhecimento dos demais sujeitos na esfera internacional – a adoção de abordagens finalistas e voluntaristas, como no caso brasileiro, permite maior discricionariedade por parte dos agentes da burocracia nacional, cuja elite recebia sua formação nos cursos jurídicos.

Nota-se, ainda, que o debate acerca da subjetividade jurídica ressurge de forma inflamada, em especial nas situações em que ocorrem fenômenos como o “reconhecimento” de um novo sujeito por parte da comunidade internacional, particularmente quando se fundamentam na oposição entre os princípios da “Soberania” e “Autodeterminação dos Povos”, ainda que os vocábulos “Estado” e “Nação” possam não estar diretamente presentes ou receber a devida ênfase, por vezes suas bases encontram correspondência – ou, ao menos, semelhança – naquelas do século XIX.

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Nas seções abaixo estão descritos o objetivo geral e os objetivos específicos.

1.1.1 Objetivo Geral

Este trabalho possui por objetivo apresentar uma narrativa histórico-jurídica do instituto da subjetividade jurídica internacional no Brasil e na Itália ao longo do Século XIX, com ênfase nos conceitos de Nação e Estado.

1.1.2 Objetivos Específicos

No primeiro capítulo serão apresentados os critérios metodológicos que utilizados na execução do trabalho. Buscou-se demonstrar a compatibilidade do objeto desta pesquisa com uma abordagem a partir da história dos conceitos, da história da cultura jurídica e da história do direito comparada.

No segundo capítulo, serão expostos os elementos do discurso acerca da subjetividade jurídica internacional no contexto europeu, com ênfase na experiência italiana. Pretende-se demonstrar que a partir da proposta de Pasquale Stanislao Mancini a Nação adquire autonomia jurídica e conceitual em relação ao Estado e como este fenômeno impactou a ciência do direito internacional.

No terceiro capítulo, serão analisados os compêndios brasileiros de autores que não escrevem obras específicas sobre o direito internacional, mas lecionaram a disciplina, a fim de se verificar como estes autores tratavam os conceitos de Nação e Estado, bem como se havia relação entre estes conceitos e a subjetividade jurídica internacional.

No quarto capítulo, serão analisados os compêndios brasileiros de autores que escrevem obras específicas sobre o direito internacional e que foram utilizadas nos cursos jurídicos, tendo ou não ocupado o cargo de Lente, para observar como estes autores tratavam os conceitos de Nação e Estado, se apontam uma relação com a subjetividade jurídica internacional e possíveis relações de continuidades e rupturas com os autores dos capítulos anteriores.

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2 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ACERCA DE UMA HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL ENTRE ITÁLIA E BRASIL

É o objetivo deste capítulo introdutório fornecer critérios metodológicos que serão utilizados na execução do trabalho. Não se pretende aqui abordar diretamente a questão de o conhecimento histórico ser ou não científico. Registra-se apenas que, desde Marc Bloch a noção de ciência, de inspiração comtiana, proposta no século XIX já se encontrava diante de alguma relativização, sendo possível à história atingir certo grau de certeza e universalismo1. Sabe-se

também que não são poucas as críticas em sentido contrário, mesmo dentre os historiadores, especialmente ao tratar da escola tradicional ou positivista2.

O foco será, pois, a abordagem empregada ao tratar das fontes – que, deve-se lembrar, não representam o passado em si, mas são a base para uma operação de reconstrução3. Neste

1 Acerca do conhecimento científico e sua relação com o conhecimento histórico: “Ora, nossa atmosfera mental não é mais a mesma. A teoria cinética dos gases, a mecânica einsteiniana, a teoria dos quanta alteraram profundamente a noção que ainda ontem qualquer um formava sobre a ciência. Não a diminuíram. Mas a flexibilizaram. [...] Estamos portanto agora bem melhor preparados para admitir que, mesmo sem se mostrar capaz de demonstrações euclidianas ou de imutáveis leis de repetição, um conhecimento possa contudo pretender ao nome de científico. Aceitamos muito mais facilmente fazer da certeza e do universalismo uma questão de grau. Não sentimos mais a obrigação de buscar impor a todos os objetos do conhecimento um modelo intelectual uniforme, inspirado nas ciências da natureza física, uma vez que até nelas esse gabarito deixou de ser integralmente aplicado.” (BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História ou o Ofício de Historiador. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2001, p. 49).

2 Pode-se encontrar uma crítica ao dito método histórico, e a uma história que se pretenda única e capaz de “explicar” o passado em Paul Veyne: “[...] Não, a história não tem método: tentem pedir que lhes demonstrem seu método. Não, ela não explica coisa alguma, se é que a palavra explicar tem sentido; quanto ao que chama suas teorias, será preciso examiná-las de perto.” (VEYNE, Paul - Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Tradução de Alda Baltar e Maria Auxiadora Kneipp. 4ª ed – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 11); com relação ao método positivista aplicado a história: “A história não é uma ciência e não tem muito a esperar das ciências; ela não explica e não tem método; melhor ainda, a História, da qual muito se tem falado nesses dois últimos séculos, não existe.” (VEYNE, op. cit., p.12); ainda no tocante às oposições entre a doutrina positivista e a história, aponta Marc Bloch: “Ninguém, imagino, ousaria mais dizer hoje em dia, como os positivistas de estrita observância, que o valor de uma investigação se mede, em tudo e para tudo, por sua aptidão a servir à ação. A experiência não apenas nos ensinou que é impossível decidir previamente se as especulações aparentemente as mais desinteressadas não se revelarão, um dia, espantosamente úteis à prática” (BLOCH, Apologia da História ou o Ofício de Historiador, p. 44-45); e complementa: “Independentemente até de qualquer eventualidade de aplicação à conduta, a história terá portanto o direito de reivindicar seu lugar entre os conhecimentos verdadeiramente dignos de esforço apenas na medida em que, em lugar de uma simples enumeração, sem vínculos e quase sem limites, nos permitir uma classificação racional e uma progressiva inteligibilidade.” (BLOCH, op. cit., p. 45).

3 Acerca do conhecimento do passado enquanto reconstrução: “A historiografia, em resumo, não dispõe nunca de um encontro face a face, não é uma análise direta da realidade, não é um discurso de primeiro grau, mas um discurso sobre um discurso, ou ao menos um discurso através de um discurso: entre a realidade e o historiador se interpõe um estratificado e complexo mundo de sinais, palavras, de testes que constituem, para o historiador, a demora habitual. Quando também o historiador entre em contato com objetos materiais (um antigo edifício, um instrumento de trabalho), eles contarão para ele como sinais, testemunhos de alguma coisa que ele não alcança “em uma tomada direta”, mas reconstrói através da via obliqua do indício.” (COSTA, Pietro. Soberania, Representação, Democracia: ensaios de história do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2010. p. 8-9). Já com relação à história enquanto interpretação: “A historiografia, portanto, não é a descrição de coisas ou estados de

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sentido, tendo em vista que o plano de atividade do historiador inclui atribuir sentido às fontes4,

esta atividade possui como limite a necessidade de atribuição de sentido aos textos examinados5.

Esta ressalva se faz especialmente relevante tendo em vista que as principais fontes utilizadas na presente pesquisa serão obras de caráter doutrinário (sobretudo, livros, tratados, manuais e artigos) que, por vezes, já têm por função justamente realizar uma operação hermenêutica de um texto ou instituto jurídico.

2.1 CONCEITOS E HISTÓRIA

Haja vista o interesse específico em dois termos, Nação e Estado, será utilizada a metodologia da história dos conceitos de Reinhart Koselleck a fim de explicar primeiramente o que é um conceito, para então verificar de que forma pode ser historicizado. A seguir, serão explicadas as categorias de evento e estrutura, com o fim de demonstrar como interagem e se afetam mutuamente conceito e contexto. Será, ainda, feita uma demonstração de compatibilidade entre a história dos conceitos e a história social, a fim de demostrar a adequação em utilizar este método em conjunto com uma história da cultura jurídica. Por fim, serão explicadas as categorias “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” e sua importância para a determinação do tempo histórico.

Como ponto de partida, para determinar se a metodologia da história dos conceitos de Reinhart Koselleck é compatível com a presente pesquisa, faz-se necessário avaliar se (ou

coisas, mas atribuição de sentido: portanto interpretação. Uma relação entre historiografia e hermenêutica é uma relação de espécie e gênero: aquela operação intelectual que chamamos historiografia é compreensível enquanto reconduzível à lógica da interpretação.” (COSTA, Soberania, Representação, Democracia, p. 9).

4 Sobre a atribuição de sentido às fontes por parte do historiador: “Dado um texto, portanto, não há uma e uma só interpretação “verdadeira” porque não há um e um só significado já dado no texto: porque a interpretação é justamente não registramento do significado, mas atribuição de sentido ao texto, necessariamente varia e mutável segundo os sujeitos e os contextos históricos pelos quais o texto produz significados [...]” (COSTA, op. cit., p. 10). 5 Com relação aos limites da operação hermenêutica: “Não se encontra o significado, ele é atribuído a um texto: mas se joga sempre sobre um texto que tem uma sua precisa configuração. A liberdade da interpretação é ampla tanto quanto é extenso o campo da indeterminação do texto, mas não ilimitada: o vínculo é dado pela constitutiva “alteridade” do texto, pela necessidade de dar conta daquele texto, da sua coerência, da sua unidade. A arbitrariedade da interpretação não é então absoluta, mas relativa ao procedimento de análise que vê de qualquer forma o texto interpretante empenhado em dar conta do texto interpretado, orientado sobre ele.” (COSTA, op. cit., p. 12, grifo do autor).

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ainda, como) os principais termos aqui investigados, Nação e Estado, podem ser considerados “conceitos” a partir dos quais seja possível realizar uma história6.

Acredita-se que, muito embora os termos aqui analisados possam ser considerados mutáveis, no período de investigação proposto (século XIX), é bastante seguro afirmar que uma leitura preliminar das fontes já permite classificar Nação e Estado como palavras teorizáveis e não apenas reflexivas7 – apesar da forte discussão que se realizava acerca de suas definições e

consequências no campo do direito internacional8.

Neste mesmo sentido, não parece constituir um problema a contextualização e a variação dos termos no léxico9 do italiano e do português no século XIX, os termos Nação e

Estado – bem como seus principais elementos constitutivos – já se encontravam sedimentados na linguagem comum e da ciência, sofrendo críticas e transfigurações. Descarta-se, pois, a possiblidade de que a confusão conceitual presente em alguns autores brasileiros estivesse diretamente associada a fenômenos da linguagem.

Muito mais complexa é a premissa, ainda que relativizada, de que a formulação de todo conceito corresponde a um momento ou, mais precisamente, a um acontecimento específico10. Contudo, esta hipótese se demonstra interessante quando se observam as

diferenças entre as experiências italiana, em que o conceito jurídico de Nação teve relação direta com o processo de unificação política (situação concreta mais facilmente visualizável) e a

6 Deve-se destacar que o próprio Koselleck alerta que este procedimento de seleção dos conceitos historicisáveis possui algo de aleatório: “A certa altura temos que nos interrogar acerca dos limites e fronteiras que separariam palavras em si teorizáveis, e acerca de que palavras seriam em si reflexivas. Trata-se na verdade de uma determinação aleatória.” In: KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 134-146, jul. 1992. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1945>. Acesso em: 21/09/2018, p. 135. Isso não implica, por óbvio, em uma ausência de método ao distinguir palavras de conceitos.

7 Acerca da classificação das palavras em teorizáveis e reflexivas e sua especial relevância para a história dos conceitos, KOSELLECK, Uma história dos conceitos, p. 135-136.

8 No sentido específico da utilização/emprego dos conceitos, a experiência italiana, especialmente no que diz respeito à Nação, é um bom exemplo da “relação entre o conceito e o conteúdo a ser compreendido” que não se limita a “um fenômeno da linguagem” ou ao “puro campo da hermenêutica” KOSELLECK, op. cit., p. 136. 9 KOSELLECK, op. cit., p. 136-137.

10 “[...] todo conceito só pode enquanto tal ser pensado e falado/expressado uma única vez. O que significa dizer que sua formulação teórica/abstrata relaciona-se a uma situação concreta que é única.” KOSELLECK, op. cit., p. 138.

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brasileira, na qual os juristas escrevem sobre o direito internacional após o reconhecimento do Brasil por diversos países europeus e americanos e pela Santa Sé11

Desta premissa é derivada a hipótese de que, para um dado conceito, em toda sincronia está contida uma diacronia, entendida da distinção entre o momento ou evento no qual o conceito se formou e o período/contexto no qual se está sendo utilizado12. Para avaliar esta

diacronia é sugerido recorrer a três conjuntos de fontes.

O primeiro conjunto diz respeito às fontes que se relacionam diretamente com a vida cotidiana, como cartas e jornais13. Estas fontes não serão focadas especialmente por dois

motivos: primeiro, o conjunto destas narrativas fragmentadas já constituiria, por si só, objeto de um trabalho específico; segundo, embora sejam uma excelente forma de apresentar o contexto no qual os conceitos serão analisados, acredita-se que muito pouco de jurídico poderia se extrair delas, pois estas fontes possuem por característica o fato de se esgotarem em si mesmas e de não se repetirem, situação praticamente oposta daquela das fontes normativas, que buscam estabelecer padrões.

No segundo conjunto de fontes, “a relação entre repetição e unicidade/singularidade aparece de forma clara”, composto principalmente por dicionários e enciclopédias e cujos melhores resultados podem ser obtidos por meio da comparação14. Os manuais de direito

carregam, neste sentido, uma função se não semelhante, algo próxima das enciclopédias, pois objetivam definir e fixar conceitos – dentre os quais podemos encontrar Nação, Estado e subjetividade jurídica internacional – cuja análise, mesmo que sincrônica, permite perceber uma diacronia ao se comparar conceito/texto e contexto.

11 O processo de reconhecimento do Brasil pela Santa Sé se inicia com os relatos do Núncio Monsenhor Franzoni acerca das negociações entre Brasil, Portugal e Inglaterra e o reconhecimento do Brasil primeiro por este e depois por aquele (ACCIOLY, Hildebrando. Os primeiros núncios no Brasil. São Paulo: Instituto progresso editorial, 1949. p. 202-204; 207-208). Juridicamente, o reconhecimento por parte da Santa Sé do padroado brasileiro foi dado por Leão XII através da Bula Praeclara Portugalliae (15 de Maio de 1827) a qual não recebeu o Beneplácito devido a parecer da Câmara dos Deputados que a considerou inconstitucional, pois o Padroado seria inerente à Soberania e não uma concessão do Santo Padre; factualmente, o reconhecimento se consolida com a nomeação do Núncio no Brasil, Monsenhor Pietro Ostini (ACCIOLY , Os primeiros núncios no Brasil, p. 213-249; 312-325). 12 KOSELLECK, Uma história dos conceitos, p. 143.

13 KOSELLECK, op. cit., p. 143. 14 KOSELLECK, op. cit., p. 143.

(20)

O terceiro conjunto de fontes diz respeito aqueles textos que não se alteram ao longo do tempo, os Clássicos de determinados ramos do saber15. Alguns elementos desta diacronia

são verificáveis justamente no emprego do pensamento de autores clássicos, que escrevem na realidade de uma Europa pré-moderna e são trazidos sem maiores ressalvas para os compêndios jurídicos brasileiros – em especial Grotius e Vattel. Isso ajuda e explicar porque ao longo do século XIX e mesmo no início do XX prevalece na doutrina jurídica do Brasil a dicotomia entre direito natural e positivo, com prevalência do primeiro (ao menos na disciplina de direito internacional).

Deve-se, ainda, considerar que o exercício de (re)construção da história passa por duas atividades: em um primeiro momento, o texto da fonte deve ser lido levando em consideração o contexto (história concreta) em que foi escrito; só então torna-se possível avaliar como os textos puderam (ou não) impactar na realidade histórica na qual se inserem (ou posteriormente)16.

Estas duas etapas podem ser melhor percebidas ao se observar a relação entre a história dos conceitos e a história social17. O primeiro passo para esta análise consiste em avaliar até

que ponto a história dos conceitos pode ser realizada com os métodos “clássicos” e se, ao proceder deste modo, alguma contribuição é feita à historiografia social18.

Defende-se que a história dos conceitos presta auxílio à história social, inicialmente, ao se considerar que mesmo em uma análise exegética do texto, compreender a realidade social em que os conceitos se encontram, bem como àquela que se referem (passado, presente ou mesmo uma expectativa de futuro) é essencial para a correta apreensão dos conceitos19. Do

15 KOSELLECK, op. cit., p. 144.

16 “A separação analítica entre cada afirmação lingüística presente em todas as fontes textuais e a história concreta, o que deveria ser ou supostamente é, deve ser obrigatoriamente realizada de forma rigorosa do ponto de vista teórico. Só então posso perguntar às fontes textuais o que elas indiciam em relação à história concreta e que qualidades possuiriam para coproduzirem história enquanto textos.” KOSELLECK, op. cit., p. 145.

17 Acerca da relação entre história dos conceitos e história social: “Sem conceitos comuns não pode haver uma sociedade e, sobretudo, não pode haver unidade de ação política. Por outro lado, os conceitos fundamentam-se em sistemas político-sociais que são, de longe, mais complexos do que faz supor sua compreensão como comunidades lingüísticas organizadas sob determinados conceitos-chave.” KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patricia Maas, Carlos Almeida Pereira – Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC-Rio, 2006, p. 98.

18 KOSELLECK Futuro Passado, p. 98.

19 “Na exegese do texto, o interesse especial pelo emprego de conceitos político-sociais e a análise de suas significações ganham, portanto, uma importância de caráter social e histórico. Os momentos de duração, alteração e futuridade contidos em uma situação política concreta são apreendidos por sua realização no nível lingüístico.

(21)

mesmo modo, conhecer quando os conceitos possuem uma certa “estabilidade” ou se encontram em um processo de “luta pelos conceitos adequados” também pode ser um forte indicativo de transformações políticas e sociais20.

Koselleck aponta, ainda, que as disputas pelos conceitos podem servir de termômetro para as crises políticas e socias. Nos termos do autor: “A batalha semântica para definir, manter ou impor posições políticas e sociais em virtude das definições está presente, sem dúvida, em todas as épocas de crise registradas em fontes escritas”21.

Esta “batalha semântica” pode ser visualizada no contexto italiano, em especial quando se observam as tentativas, por diversos autores, de construir um conceito de Nação que fosse compatível com o Princípio da Nacionalidade, muitas vezes ressaltando que Nação se trata de algo diverso do Estado, ainda que nem sempre atribuíssem à Nação autonomia jurídica em relação ao Estado.

Ressalta-se, ainda, a co-dependência entre texto e contexto na relação entre linguagem e realidade política e social, concluindo, neste sentido, pelo mútuo auxílio prestado pela história dos conceitos à história social e vice-versa22.

Compreendida a contribuição dada à história social, o segundo questionamento diz respeito à autonomia da história dos conceitos enquanto disciplina, seus métodos específicos e seu alcance23.

Com isso, ainda falando de modo geral, as situações sociais e respectivas alterações já são problematizadas no próprio instante dessa realização lingüística.” KOSELLECK, op. cit., p. 101.

20 “Torna-se, portanto, igualmente relevante, tanto do ponto de vista da história dos conceitos quanto da história social, saber a partir de quando os conceitos passam a poder ser empregados de forma tão rigorosa como indicadores de transformações políticas e sociais de profundidade histórica, [...] Sem questionar a prioridade "pragmática" ou "conceitual" no processo as mudanças, o resultado permanece suficientemente elucidativo. A luta pelos conceitos "adequados" ganha relevância social e política.” KOSELLECK, op. cit., p. 101.

21 KOSELLECK op. cit., p. 102, e segue: “Desde a Revolução Francesa [...] Privilégios políticos ainda por serem conquistados foram formulados primeiro na linguagem, justamente para que pudessem ser conquistados e para que fosse possível denomina-los. Com esse procedimento, diminuiu o conteúdo empírico presente no significado de muitos conceitos, enquanto aumentava proporcionalmente a exigência de realização futura contida neles.” (loc.

cit.).

22 KOSELLECK op. cit., p. 103-104. 23 KOSELLECK op. cit., p. 98.

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A história dos conceitos constituiu-se primeiro enquanto crítica a traduções fora do devido contexto semântico na história social, posteriormente, também como crítica a pretensões imutáveis (ou essencialistas) da história das ideias24. Refinou seu método até que “ao longo da

investigação da história de um conceito, tornou-se possível investigar também o espaço da experiência e o horizonte de expectativa associados a um determinado período, ao mesmo tempo em que se investigava também a função política e social” 25.

Este procedimento objetiva, antes de mais nada, tornar compreensível na época contemporânea o uso de conceitos no passado que, quando realizado de forma metodologicamente correta, permite que a análise sincrônica do passado seja completada por uma diacronia26.

Já em uma segunda etapa, separam-se os conceitos de seu contexto situacional, e seus significados são comparados ao longo de uma cadeia temporal e ordenados um em relação aos outros, até que as diversas histórias da cada conceito isolado se juntam em uma história do conceito, neste estágio, finalmente, a história dos conceitos deixa de ser mero subsídio em relação à história social27.

Seguindo esta premissa, após realizar a leitura das fontes e reunir as definições de Nação e Estado, notou-se que na Itália houve cerca homogeneidade na discussão doutrinária, na qual os autores normalmente tratam do Princípio da Nacionalidade, apontam características da Nação e do Estado e se manifestam a favor de um deles enquanto detentor da subjetividade jurídica internacional.

Contudo, ao realizar o mesmo com as fontes brasileiras, notou-se que a apresentação em ordem cronológica permitia apenas contemplar características muito gerais, como certa ênfase nos elementos volitivo e finalístico na definição dos termos.

Por isso, os capítulos que tratam do cenário brasileiro foram divididos por meio de diferentes situações envolvendo os conceitos aqui analisados: (1) indistinção entre conceitos; (2) relevância exclusivamente aos elementos exógenos ao Direito; relevância jurídica dos

24 KOSELLECK, op. cit., p. 104. 25 KOSELLECK, op. cit., p. 104. 26 KOSELLECK, op. cit., p. 104. 27 KOSELLECK, op. cit., p. 105.

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conceitos (3). Ainda que estas três formas coexistissem na doutrina nacional, organizá-las por este tipo de semelhança permite observar em detalhes características que poderiam ficar desapercebidas em uma disposição puramente cronológica.

Não se ignorou que o tipo de argumento que poderia ser considerado jurídico ou “não-jurídico” em um conceito também varia com o tempo, entretanto, podemos notar que alguns autores se manifestam expressamente acerca da definição ou distinção não ser jurídica, razão que apoia a divisão realizada.

É justamente a análise da manutenção ou transformação de um conceito em perspectiva diacrônica que permite extrair os melhores resultados da história dos conceitos, somente a partir desta perspectiva se faz possível avaliar a duração e o impacto do conceito político ou social – e jurídico – bem como as suas referentes estruturas28. Vale recordar que este

procedimento diacrônico se divide em duas etapas, na primeira, “isola-se” o conceito dos conteúdos extralinguísticos – que são objeto da história social – para analisá-lo em perspectiva diacrônica e, só então, comparar continuidade ou alteração do seu significado com os conteúdos extralinguísticos e seu mútuo impacto29.

Por isso, os autores e conceitos foram, posteriormente, organizados cronologicamente dentro de cada uma das três classificações propostas, a fim de que se pudessem resgatar os elementos de contexto.

Os conceitos podem, ainda, pelo critério temporal, ser divididos em três categorias: primeiro, aqueles considerados tradicionais, que quase não se alteram ao longo do tempo; segundo, aqueles que se alteram de forma tão significativa que seu conteúdo somente pode ser compreendido historicamente e; terceiro, os neologismos, cuja inovação tentam expressar ou mesmo realizar30. É possível que haja, ademais, transições ou sobreposições destas categorias

em um mesmo conceito. Este é mais um dos motivos pelos quais se optou por estruturar este

28 KOSELLECK, op. cit., p. 105. 29 KOSELLECK, op. cit., p. 106. 30 KOSELLECK, op. cit., p. 107.

(24)

trabalho com base na relação entre os conceitos de Nação e Estado e não pela ordem cronológica dos autores.

Assim, como resultado da aplicação deste método, os “processos de permanência, transformações e inovação” podem ser percebidos por meio da análise diacrônica dos diversos usos de um determinado termo31.

Quanto aos limites de sua aplicação, para além da já realizada distinção entre conceito e palavras, deve-se lembrar que a história dos conceitos “não é um fim em si mesma”, portanto, embora possua uma metodologia e resultado próprios, estes resultados são melhor apreendidos quando, em uma segunda etapa, são observados em conjunto com a história social32.

O terceiro ponto, portando, diz respeito aos limites da própria historiografia social quando não atende aos pressupostos teóricos comuns com a história dos conceitos. Uma importante ressalva é que não existe uma relação necessária entre a continuidade ou alteração de um conceito e da realidade fática, deste modo, a história dos conceitos se coloca não como ponto de chegada, mas sim como condição sine qua non para que se interpretem corretamente as fontes escritas na história social33.

Outro aspecto a ser considerado é que a história de um conceito não se limita à sucessão cronológica dos significados, pois que seus resultados dependem de uma análise sistêmica (advinda da possibilidade de coexistirem significados que se referem a circunstâncias que não mais existem, ou que ainda não se realizaram), na qual se busca confrontar “permanência e alteração” em uma situação de mútua referência, procedimento metodológico que deveria também ser levado em conta pela história social, especialmente quando ocorrem lentas transformações34.

Um exemplo aplicado à realidade brasileira diz respeito ao conceito de Código que, concomitantemente, já era uma realidade (experiência) no campo do direito penal – o Código Criminal do Império data de 1830 – enquanto não passava de expectativa para o direito civil, que ao longo de todo Império, conheceu apenas a Consolidação de Teixeira de Freitas (para

31 KOSELLECK, op. cit., p. 107. 32 KOSELLECK, op. cit., p. 114. 33 KOSELLECK, op. cit., p. 114. 34 KOSELLECK, op. cit., p. 115-116.

(25)

além dos demais esboços e projetos), sendo o primeiro Código Civil brasileiro de 1914. Outro exemplo surge ao observar juristas brasileiros que não apenas reproduzem o conceito europeu de Nação, mas afirmam que ele se concretiza no Brasil, referindo-se a uma realidade que objetivamente nunca existiu no país35.

Deslocar conceitos da linguagem científica do presente para o passado, bem como do passado para o presente – evidentemente, seguindo os critérios metodológicos descritos – também pode permitir novas perspectivas que não seriam possíveis por meio da historiografia social, sobretudo quando se estão analisando as estruturas da sociedade36 – como é o caso dos

conceitos de Nação e Estado. Este recurso precisou por vezes ser utilizado especialmente com a categoria “subjetividade jurídica internacional”, pois, por vezes, este conceito nem sempre poderia ser observado nos autores analisados, sem recorrer a categorias não necessariamente por ele utilizadas.

No tocante à problemática das formas de representação, ou seja, de como a História narra eventos37 e descreve estruturas38 – e, consequentemente, das diversas dimensões

(recortes) temporais passíveis de análise –, esta pesquisa, terá maior ênfase em descrever como os juristas buscavam se referir às estruturas39 que se revelavam nos conceitos de Nação ou

Estado, do que em narrar eventos que em tese contribuíram para manifestação destes conceitos40

(tentando, dentro do possível, sopesar a relevância destes eventos, isoladamente ou em

35 Neste sentido, ver, por exemplo, a classificação do Brasil como estado individual pela identidade entre Nação e Estado realizada por José Maria Correia de Sá e Benevides (3.3.3).

36 KOSELLECK, op. cit., p. 117-118.

37 “1. Eventos, que são isolados ex post da infinidade dos acontecimentos ou, para usar uma linguagem burocrática, são retirados dos arquivos -, podem ser experimentados pelos próprios contemporâneos como um conjunto de fatos, como uma unidade de sentido que pode ser narrada.” KOSELLECK, op. cit., p. 133.

38 “2. Sob os preceitos das questões propostas pela história social, o termo “estrutura” foi admitido à história mais recente, especialmente por meio da expressão “história estrutural”. Desde então, são entendidas como estrutura – em relação à sua temporalidade – aquelas circunstâncias que não se organizam segundo a estrita sucessão dos eventos passados” KOSELLECK, op. cit., p. 135.

39 São utilizados por Koselleck como exemplos de estruturas “[...] os costumes e os sistemas jurídicos, que regulam os decursos da vida em sociedade e da vida dos Estados, a longo ou médio prazo.” KOSELLECK, op. cit., p. 136. 40 Ainda na relação entre evento e estrutura, vale destacar: “Ambos os níveis, o das estruturas e o dos eventos, remetem um ao outro, sem que um se dissolva no outro. Mais ainda, ambos os níveis alternam-se em importância, revezando-se na hierarquia de valores, dependendo da natureza do objeto investigado.” KOSELLECK op. cit., p. 137, e que “A distinção e delimitação entre evento e estrutura não deve conduzir a que se eliminem suas diferenças, de modo a conservar sua finalidade cognitiva: nos ajudar a decifrar as múltiplas camadas de toda história, [...]” (KOSELLECK, op. cit., p. 139).

(26)

conjunto, na formação dos conceitos e dos próprios juristas). A escolha por este objetivo possui relação direta com as fontes aqui analisadas – os compêndios em que os juristas, não necessariamente de forma ordenada, descreviam as estruturas nacionais ou internacionais nas quais o Direito se realizava.

São, ainda, fundamentais para a história dos conceitos “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” que – atuando sempre em conjunto, como ligação entre passado e futuro41 –, tratados como categorias formais42, possuem uma dupla função: fundamentar a

possibilidade de uma história, quando abordados de maneira meta-histórica43 e; demonstrar que

a própria noção de tempo histórico é relativa (em relação ao tempo calendário), ao se historicizarem estas categorias44.

Com relação à abordagem meta-histórica, experiência é o “passado atual”, reunindo os acontecimentos cuja lembrança se reflete tanto por meio de elaborações racionais quanto em comportamentos inconscientes45 – incluindo, ao se pensar na história, as experiências alheias46.

Ela se inicia e se conclui no passado, projetando seus efeitos no presente47. Sua dimensão

espacial surge justamente porque diversos passados se projetam no presente, não necessariamente de forma cronologicamente ordenada, não constituindo uma continuidade direta, daí a expressão “espaço de experiência”, na qual as diversas experiencias são superpostas e podem sofrer efeitos transformadores das expectativas do presente48. Neste mesmo contexto,

expectativa é o “futuro presente”, simultaneamente pessoal e impessoal, relaciona-se com os efeitos de um futuro que se considera previsto ou previsível em um determinado presente49.

Completando a expressão, “Horizonte quer dizer aquela linha por trás da qual se abre no futuro um novo espaço de experiência, mas um espaço que ainda não pode ser contemplado”50.

Ressalta-se que não existe relação necessária entre experiência (passado) e expectativa (futuro):

41 KOSELLECK, op. cit., p. 307-308. Ressalva-se, contudo, que: “Apesar de se relacionarem, não são conceitos simétricos complementares, que coordenem passado e futuro como se fossem imagens especulares recíprocas. Pelo contrário, experiência e expectativa possuem formas de ser diferentes.” (KOSELLECK, op. cit., p. 310).” 42 KOSELLECK, op. cit., p. 306.

43

KOSELLECK, op. cit., p. 309-314. 44 KOSELLECK, op. cit., p. 314-327. 45 KOSELLECK, op. cit., p. 309. 46

KOSELLECK, op. cit., p. 310. 47 KOSELLECK, op. cit., p. 310. 48 KOSELLECK, op. cit., p. 313. 49 KOSELLECK, op. cit., p. 310. 50 KOSELLECK, op. cit., p. 311.

(27)

enquanto a experiência está completa no passado, a expectativa se fragmenta em infinitos futuros51.

O tempo histórico surge, portanto, desta tensão entre “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”52, que advém da inteiração dinâmica entre experiência e expectativa,

na qual se complementam e se modificam constantemente, inserindo de forma desigual passado e futuro no presente53 e, com isso, ressignificando o “espaço de experiência” e deslocando o

“horizonte de expectativa”.

Esta tensão pode ser uma chave interpretativa para lidar com a seguinte hipótese: seriam os conceitos brasileiros de Nação e Estado orientados para o passado? Teria essa orientação dificultado o tratamento dos conceitos como pertencentes ao universo jurídico, em moldes próximos dos discutidos na Europa, que ocorre no Brasil somente depois de uma mudança filosófica na compreensão do Direito, de uma concepção jusnaturalista pré-moderna (ênfase na experiência) para outra de cunho positivista-evolucionista (ênfase na expectativa)?

Vale, ainda, observar que essa modificação (ou ruptura) não ocorreu de forma abrupta de modo que os diferentes horizontes de expectativas – e as tensões daí advindas – coexistiram ao longo do Império e mesmo durante a República.

2.2 HISTORICIDADE E DIREITO

Expostas as bases historiográficas gerais as quais se vincula a presente pesquisa, cabe, a seguir, explicitar como se dará este percurso no campo específico do trabalho, ou seja, a história do direito, por meio do pensamento de Paolo Grossi e António Manuel Hespanha. Apresentar-se-á o direito (1) enquanto fenômeno complexo, que interage com os demais feixes de relações que compõe a vida social, o que significa compreendê-lo em sua historicidade; (2) enquanto fenômeno unitário, o Direito deve ser entendido em suas diferentes manifestações,

51

KOSELLECK, op. cit., p. 310. Reforçando esta distinção: “Apesar de se relacionarem, não são conceitos simétricos complementares, que coordenem passado e futuro como se fossem imagens especulares recíprocas. Pelo contrário, experiência e expectativa possuem formas de ser diferentes.” (loc. cit.).

52 KOSELLECK, op. cit., p. 312. 53 KOSELLECK, op. cit., p. 313-314.

(28)

assim, o estudo de um determinado instituto jurídico não pode se guiar pelas artificiosas divisões da dogmática contemporânea e; (3) por meio do estranhamento, pode-se criticar a sacralidade de construções de uma determinada época, inclusive o presente, ao se considerar as experiências jurídicas de outros contextos históricos, fugindo das soluções prontas e supostamente incontestáveis.

Posteriormente, lançar-se-á mão dos conceitos cross-national, transnational e comparative history propostos por Deborah Cohen e Maura O’Connor, recorrendo-se, ainda, às considerações de Heikki Pihlajamäki acerca deste último para explicar como a presente pesquisa pretende determinar os conceitos de Nação e de Estado nos diferentes contextos jurídicos italiano e brasileiro e, posteriormente, como será feita a comparação do instituto da subjetividade jurídica internacional.

Por fim, serão compartilhadas algumas das reflexões presentes na recente pesquisa de Airton Ribeiro da Silva Júnior que apontam as especificidades ao tratar do direito internacional do Brasil do século XIX.

2.2.1 O Direito enquanto fenômeno histórico e social: uma abordagem a partir de Paolo Grossi e António Manoel Hespanha

Uma vez definida a história dos conceitos e sua relação com a história social, cabe demonstrar como essa metodologia pode ser aplicada à história do direito. Para tanto, recorrer-se-á a uma definição específica de Direito que somente pode ser adequadamente apreendida por meio da História da Cultura Jurídica.

Uma história da cultura jurídica pode beneficiar-se tanto da história dos conceitos, quanto da história social. Tendo em vista que a adequação da primeira já foi aqui explicitada, cabe, muito brevemente, demostrar como o modelo adotado também se relaciona com a historiografia social ao explicitar seu tributo à École des Annales e como suas premissas se relacionam com a história do direito. Esta tarefa se inicia em apontar que esta relação, bem como algumas de suas consequências, em alguma medida já foi estabelecida por um dos autores abordados neste tópico:

(29)

Esta linha de evolução, que domina a historiografia contemporânea a partir da École des Annales(com a sua ideia de uma “história total”) leva a uma história do direito intimamente ligada a história dos diversos contextos (cultura, tradições literárias, estruturas sociais, convicções religiosas) com os quais (e nos quais) o direito funciona54.

Utilizando-se o pensamento de Paolo Grossi55 e António Manoel Hespanha56

pretende-se deixar claro que os fenômenos jurídicos aprepretende-sentam continuidades e descontinuidades e não seguem, portanto, uma marcha evolutiva. Assim sendo, a atualidade não necessariamente representa o auge dos institutos jurídicos.

Deve-se, portanto, observar os acontecimentos históricos atendo-se aos pressupostos e discursos nos quais se fundava cada instituto envolvido, evitando utilizar as lentes57 do

presente, para que se possa obter uma interpretação historicizada do fenômeno jurídico. Este método permite evitar abordagens universalistas e evolutivas58, as quais, muitas vezes, tratam

o passado de maneira pejorativa.

54 HESPANHA, António Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um Milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 35.

55 Paolo Grossi, Professor Emérito de História do Direito Medieval e Moderno na Faculdade de Direito da Universidade de Florença, fundador do Centro studi per la storia del pensiero giuridico moderno e da revista

Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno. Foi nomeado Ministro da Corte Constitucional da República Italiana em 2009 (GROSSI, Paolo. O direito entre poder e ordenamento. Tradução de Arno Dal Ri Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. x-xix).

56 “ANTÓNIO MANUEL HESPANHA, Professor Catedrático de História do Direito na Universidade Nova de Lisboa, foi Presidente da Comissão para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, docente em várias Faculdades portuguesas, de Direito, História e Ciências Sociais, e docente convidado nas Universidades de Toulouse, Madri, Messina, Macau, Yale e Pablo Olvide de Servilha, e na École des Hautes Én Sciences Sociales, em Paris. Fundou e dirigiu a revista Penélope. Fazer e desfazer a história e a revista Themis, da Faculdade a que agora pertence.” In: HESPANHA, Cultura Jurídica Europeia, grifo do autor [contracapa].

57 Com relação a “lentes”, Grossi expõe claramente: “Ali havia brotado a intuição elementar de que era hora de olhar a relação entre homem e coisas não mais do alto do sujeito, mas sim pondo-se ao nível das coisas e observando de baixo tal relação, sem preconceitos individualistas e com uma disponibilidade total para ler as coisas sem lentes deformantes. E as coisas haviam revelado serem estruturas não genéricas mas específicas, com disposições específicas e diversificadas que exigiam diversas e peculiares construções jurídicas [...]” (GROSSI, Paolo. Da Propriedade as Propriedades e outros ensaios. Tradução: Luis Ernani Fritoli e Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 4). Nesta passagem, o autor se utiliza deste raciocínio para tratar de um instituto específico (a propriedade), entende-se que seu pensamento pode, analogicamente, ser generalizado para quaisquer conceitos.

58 Um exemplo deste uso, já aplicado ao Direito Internacional, é apresentado e criticado por Nuzzo: “Molti anni piú tardi, da diversa prospettiva, David Kennedy segnalava come gli internazionalisti, avvertendo che

«history is on their side», avevano potuto immaginare una storia progressiva del diritto internazionale governata da principio evolutivo in grado di condurli naturalmente al diritto internazionale pragmatico, cosmopolita, umanitario e liberale del XX secolo.” (NUZZO, Luigi. Origini di uma Scienza: Diritto internazionale e colonialismo nel XIX secolo. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2012, p. 1).

(30)

Optou-se por seguir o pensamento de Grossi, que apresenta o direito enquanto dimensão da civilização59, ou seja, enquanto parte de uma série de elementos que compõem um

determinado contexto, relacionando-se mutuamente de modo a revelar que o estudo de um texto jurídico sem considerar tais influências advindas deste contexto pode ser enganoso.

Este modo de encarar o Direito consiste em resgatar sua complexidade, não se atendo apenas ao projeto simplificador da modernidade, que tenta limitar o fenômeno jurídico tão-somente à lei posta pela autoridade política60, desprezando as manifestações diferentes,

reduzindo o jurista a um mero exegeta61. O pensamento grossiano permite, portanto, reconhecer

o aspecto jurídico presente não exclusivamente na legislação – muito embora seja elemento de grande importância –, considerando os demais elementos do contexto em que o texto jurídico se insere, com isso, trazendo (também) a história para dentro do fenômeno jurídico62.

Sob esta perspectiva, não há como se conhecer o direito atendo-se tão somente aos textos normativos, faz-se necessário compreender os demais fenômenos culturais (economia,

59 Grossi busca tornar claro que o fenômeno jurídico é complexo e não se esgota apenas nos textos jurídicos e, neste sentido, deve-se combinar a sensibilidade do historiador com o conhecimento técnico do jurista: “Em primeiro lugar, a história do direito reforça ao jurista a persuasão crucial de que o direito pertence a uma dimensão de civilização. Para este propósito, compete ao historiador, muito mais do que ao filósofo ou ao comparatista, um papel exclusivo: civilização significa história, significa um contexto histórico determinado em toda a riqueza de suas expressões. E é a prática característica do historiador colocar o dado que diante de si no interior do contexto que o gerou e que lhe imprime vida. É ele, o historiador, quem pode e deve recordar aos privatistas e aos publicistas, todos eles presos nos próprios textos normativos, que o texto em si é sempre representação de uma realidade de fundo, uma representação parcial e artificiosa; que o texto é como o cume emergente de um continente submerso, sendo enganosa a observação da parte visível, pelo que se faz necessário o mergulho para poder apreciar a substância efetiva do fenômeno.” (GROSSI, O direito entre poder e ordenamento, p. 6, grifo nosso).

60 Acerca do reducionismo do fenômeno jurídico na modernidade: “Se olhar para trás, não será difícil sentir a presença de um universo jurídico constrangido entre as redes de uma operação consciente e bem lúcida de redução. Elevado ao centro das atenções constantes do poder burguês, o direito inclusive, o que regula as relações cotidianas que uma tradição plurissecular deixava à produção dos privados, assim, todo resulta ligado estreitamente a quem detém o poder político. O Estado não só pretende criar o direito, mas também se afirmar como o único sujeito produtor do mesmo, com a consequência imediata e grave de se afirmar também como o único ente em condições de conferir uma regra social genérica: a impressão e o privilégio da juridicidade, transformando-a em norma jurídica.” (GROSSI, op. cit., p. 2).

61 Com relação à atividade do jurista moderno: “A operação do poder burguês é rigidamente constringente e, portanto, extremamente redutora: os sujeitos produtores do direito reduzem-se a um só. Este é identificado com a mera manifestação da lei, à qual agora se torna fonte de qualidade superior, acedendo em consequência à posição hierarquicamente primária. O próprio ofício de jurista, um ofício que a tradição majestosa do direito comum havia elevado a condictor iuris, agora se identifica com os redutivos trajes do exegeta de um texto normativo que resulta inteiramente estranho ao próprio jurista, pois o mesmo de nenhum modo participou na sua produção.” (GROSSI, op. cit., p. 3).

62 Visualizar o rompimento entre uma rígida identificação do fenômeno jurídico com o ato estatal e concebê-lo enquanto fenômeno ligado à realidade social permite “[...] perceber que a essência do direito é sua historicidade, ou seja, o fato de consistir na própria dimensão da vida associativa, expressão natural e inseparável da comunidade que, ao produzir o direito, vive sua história em toda sua plenitude.” (GROSSI, A ordem jurídica medieval, p. 23).

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