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Rumo a falência ética da república brasileira: contribuições do político e do jurídico

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Academic year: 2021

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ROGÉRIO DE ALMEIDA DILKIN

RUMO A FALÊNCIA ÉTICA DA REPÚBLICA BRASILEIRA CONTRIBUIÇÕES DO POLÍTICO E DO JURÍDICO

Ijuí (RS) 2015

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ROGÉRIO DE ALMEIDA DILKIN

RUMO A FALÊNCIA ÉTICA DA REPÚBLICA BRASILEIRA CONTRIBUIÇÕES DO POLÍTICO E DO JURÍDICO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: MSc. Luiz Paulo Zeifert

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, viram potencial em mim, acreditando e investindo seu tempo, seus recursos e sua confiança para que meu progresso se tornasse possível. Espero sinceramente não tê-los desapontado e sim respondido à altura do mínimo que esperavam. Lisi, em especial a você, por aquele teu “sim”, que mudou toda a minha vida, meus projetos e ideais para o futuro, acredite quando te digo que sem você, eu não teria chegado nem na metade do caminho... Te amo!

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por jamais ter soltado minha mão e também pela oportunidade que me concedeu de ter vivido e chegado até esse momento com saúde, para fechar mais este ciclo abençoado em minha existência.

A este grande Mestre, Professor e amigo, que aceitou ser meu orientador, MSc. Luiz Paulo Zeifert, por ter se disposto a compartilhar comigo de sua imensa bagagem de conhecimento e de vivência, me encorajando e fazendo com que eu pudesse agregar valores tanto à pesquisa quanto a minha própria vida, valores os quais certamente levarei para muito além do que este trabalho se propôs, reafirmando com louvor o conceito que o mesmo há muito tempo já havia conquistado junto a este acadêmico, o de ser uma verdadeira “legenda” de conhecimentos tanto em sua atividade como docente desta instituição quanto no cotidiano, em nossas conversas rápidas pelos corredores ou intervalos.

Por fim, aos demais professores, colaboradores da Unijuí, colegas e amigos que fiz no seio desta universidade e que igualmente contribuíram no decorrer do curso para que meu aprendizado se desse numa atmosfera propícia ao encorajamento e preparação necessários aos novos desafios, a todos meu mais sincero obrigado!

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“O mundo é grande o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas sempre será muito pequeno para a ganância de alguns.”

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica dedica-se a uma análise para saber até que ponto as representações políticas e judiciárias do Brasil, contribuem para a falência ética da República Brasileira, quando da não observância de princípios éticos em suas condutas. Inicia-se com uma abordagem do que Inicia-seja ética, percorrendo o caminho cronológico de sua conceptualização através das diferentes épocas e pela ótica de renomados pensadores clássicos e modernos, responsáveis por sua construção filosófica, de forma que se possa obter um conceito atual e o mais próximo possível de sua definição enquanto ciência social. Em seguida abordará o tema República, sua conceituação seguida de um breve apanhado histórico que também abordará a República brasileira, tornando possível a compreensão e comparação de sua finalidade originária com a situação presente. Por fim, o estudo adentrará na contemporaneidade, onde buscará, em determinadas ações políticas e do poder judiciário, cometidas no país, a presença da ética ou a completa ausência desta, frente aos atuais acontecimentos envolvendo tais ações e a relação e/ou contribuição das mesmas para a falência ética da República brasileira.

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ABSTRACT

The present work consists of an analysis in order to discuss to what extent the political and judiciary representations in Brazil contribute to the ethical failure of the Brazilian Republic, when they do not observe the ethical principles in their procedures. It starts with an approach about what ethics is supposed to be, going through a chronological trajectory of its conceptualization in different periods by the viewpoint of renowned classical and modern thinkers, responsible for its philosophical construction, in order to obtain an up-to-date concept, as close as possible of its definition as a social science. After this, the work approaches the theme “Republic” and its conceptualization, followed by a brief historical overview which will also discuss the Brazilian Republic, enabling the comprehension and comparison between its original purpose and the current situation. To conclude, the study enters in the contemporary times, when it searches, in certain political and judiciary actions carried out in the country, the presence of the ethics or its complete absence, regarding current events involving such actions, and/or their contributions to the ethical failure of the Brazilian Republic.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1.O QUE É ÉTICA? ... 15

1.1 Ética na visão de Aristóteles ... 15

1.2 Ética na visão de Agostinho e Tomás de Aquino ... 20

1.3 Ética na visão de Kant ... 28

1.4 Ética na visão contemporânea ... 31

2 O QUE É REPÚBLICA? ... 46

2.1 República no sentido geral do termo : breve apanhado histórico ... 50

2.2 República brasileira ... 55

3 A FALÊNCIA ÉTICA DA REPÚBLICA BRASILEIRA ... 62

3.1 Fatores políticos ... 67

3.2 Fatores jurídicos ... 81

CONCLUSÃO ... 90

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INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira atualmente enfrenta uma crise épica em proporções jamais vistas até então, uma crise que se instaura desde seu mais alto escalão de governo, repassando todos os demais degraus e setores de seu sistema organizacional republicano, se espraiando pelas ramificações de seus três poderes e consequentemente “contaminando” também cada um de seus cidadãos, invadindo lares, famílias e causando reflexos diretos na vida destes, afetando seus hábitos, costumes, escala de valores, forma de agir, de encarar o outro e a sua importância na sociedade, enfim, deturpando em cada um o caráter mínimo necessário para uma vivência dentro de uma coletividade que almeja, enquanto coletividade, uma existência melhor no futuro.

Trata-se de uma crise ética, e seus reflexos se fazem notar mais do que nunca, a cada novo escândalo sobre corrupção, no qual se encontram envolvidos lideranças políticas, empresários famosos e até mesmo juízes. Tais escândalos são arremetidos “com força”, através da internet, rádios, jornais e noticiários televisivos, contra uma face já descrente de um povo que parece não mais acreditar na possibilidade real de mudanças significativas.

É uma crise ética que se manifesta também através da assimilação do repugnante “jeitinho brasileiro” através do qual se busca levar vantagem em tudo sem o devido mérito. Onde pessoas perfeitas estacionam seus veículos em vagas destinadas a condutores portadores de necessidade especial, onde se utiliza documentação falsificada de estudante para se pagar meio ingresso em eventos, onde se joga lixo no chão porque ninguém está olhando, onde se ensina uma criança a mentir a idade para que não precise pagar ingresso nos brinquedos de um parque de diversão, onde se vive uma vida na mais completa hipocrisia, desfaçatez e falsidade, mentindo-se o tempo todo, inclusive a si mesmo, por conta das benesses que tal

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forma de agir e encarar os problemas do dia a dia será capaz de prover a quem lançar mão de tais subterfúgios.

Essa crise fez com que cada pessoa deixasse simplesmente de considerar os reflexos de sua forma de agir, quando tais reflexos se dessem para além de sua esfera subjetiva, familiar e de amigos mais íntimos. Fez com que o “ter” substituísse o “ser” a ponto de um indivíduo não mais reconhecer no outro, um membro de sua própria espécie, não levando em conta a possibilidade de sofrimento causado pela dor e privação de algo nesse outro em detrimento de sua própria satisfação exclusiva e egoísta.

O trabalho de pesquisa apresenta análises que buscam evidenciar a colaboração de representantes políticos e do judiciário, através do cometimento por estes, de atos nos quais a inobservância de princípios éticos, fez com que os mesmos se configurassem em exemplos negativos, que contribuíram para a adoção, por parte de seus representados e da sociedade em geral, de postura semelhante, o que coloca a República Brasileira rumo a uma falência ética.

Para sua realização o presente trabalho utilizou o método de abordagem hipotético-dedutivo, o que exigiu além de pesquisas bibliográficas, também a pesquisa junto a sites, plataformas governamentais, periódicos e tabloides virtuais de grande acesso por parte dos internautas. Como inovação, trouxe também a possibilidade do acesso e aproveitamento, através da plataforma virtual denominada “YouTube”, de mais de trinta horas de palestras sobre a temática em questão, ministradas por autoridades de renome no universo acadêmico, na sociedade e com relevantes obras escritas a respeito do tema abordado.

Com toda a informação coletada pelos meios supracitados foi possível construir um referencial teórico coerente com o tema e necessário ao desenvolvimento daquilo que a pesquisa se propunha, ou seja, responder o problema proposto e corroborar ou refutar a hipótese levantada, atingindo assim os objetivos propostos pelo trabalho.

Buscou-se na organização da pesquisa do tema, desenvolver sua abordagem a partir de uma ordem que conduzisse o estudo através de uma linha cronológica sequencial, compreendendo pontualmente cada um dos tópicos e levando a uma reflexão e entendimento quanto a sua correlação com o tópico seguinte.

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A pesquisa se divide e se organiza através de três capítulos, os quais partem de uma abordagem sobre ética, seguindo pela compreensão do significado de república enquanto forma de governo, ressaltando-se ao final o enfoque quanto a responsabilidade e contribuição das representações políticas e do judiciário brasileiro, através do cometimento de determinados atos e suas implicações, em relação ao rumo que a sociedade como um todo parece ter adotado em direção a falência ética da República Brasileira.

No primeiro capítulo o presente trabalho busca responder o que é a ética, e para tanto, segue por uma linha singular, avançando cronologicamente e se detendo pontualmente em relação às construções teóricas e filosóficas sobre ética a partir da ótica de renomados pensadores, como Aristóteles (384 – 322 a.C), Agostinho (354 – 430 d.C), Tomás de Aquino (1225 – 1274), Immanuel Kant (1724-1804), e pensadores da atualidade, que se destacaram também pela abordagem do tema.

É possível perceber a evolução tanto na construção filosófica quanto na questão interpretativa em termos de aplicação prática sofridas pela ética no decorrer da abordagem cronológica, o destaque de alguns pontos em comum, como, por exemplo, o altruísmo, representado no consenso geral de dever cada ato passar por uma pré-racionalização, a fim de verificar-se nele o comprometimento e a preocupação do indivíduo com o bem estar coletivo, de forma universalizada, acima da preocupação egoísta e individual com o alcance de benefícios próprios. Também da compreensão que a razão quando utilizada de forma altruísta, está fadada ao agir ético. E por fim da necessidade da aplicação prática da ética para a evolução e desenvolvimento da sociedade de forma harmoniosa e de boas relações sociais entre os indivíduos, representada por um melhor convívio (bem viver).

Ao final, o primeiro capítulo busca ainda construir uma conceituação/definição aproximada para a ética em sua face atual, a partir de toda sua releitura cronológica, incorporando conceitos e definições clássicas e mesclando-as às construções filosóficas de pensadores da atualidade, dando principal destaque a necessidade de sua prática em todas as formas de relação entre os indivíduos, sendo considerada tal prática a razão de ser da ética enquanto ciência social.

O segundo capítulo, por sua vez, busca o significado de república, assim como também compreender o porquê de sua adoção em substituição da anterior forma de governo

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denominada de monarquia, possibilitando a partir de sua conceptualização, uma melhor visualização e compreensão dos motivos da atual forma de governo através da análise do que originariamente foi pensado e estabelecido ideologicamente como república, quando de sua construção e idealização teórica original.

Encerrando, por fim, o segundo capítulo, com atenção dirigida de forma específica sobre a República Brasileira, o trabalho aborda as distorções cometidas já na fase de transição dos regimes, identificando o desvirtuamento do objeto fim a que se destina a república já na sua fase de implantação no Brasil, sendo tal desvirtuamento uma realidade ainda perceptível até mesmo nos dias atuais.

O terceiro capítulo faz o “coroamento” e encerra a linha cronológica que se traçou para a construção do presente trabalho. Nesse ponto, já esclarecidos os conceitos, definições e necessidade das compreensões e aplicações práticas relativas à Ética e à República, torna-se possível analisar e concluir mais claramente quão negativos e gritantes alguns dos exemplos dados por representantes políticos e do poder judiciário do Brasil, ao restante da sociedade, quando decidem não adotar princípios éticos em seus atos e condutas.

Em relação aos políticos será abordada a situação indigna na qual os mesmos, de forma inescrupulosa e sem a mínima coerência e consideração pelo momento delicado de crise econômica pela qual o país está passando, decidem elevar seus salários muito acima dos índices de aumento concedidos ao salário mínimo do restante da população. Para piorar o quadro que já é caótico e revoltante, totalmente indiferentes aos grandes salários que percebem, incorrem os mesmos ainda na prática de crimes tipificados pelo código penal e que, anteriormente, eram praticados somente por criminosos de alta periculosidade e extenso envolvimento com condutas criminosas. Busca-se ressaltar também a representatividade desses políticos, no sentido de demonstrar o grau de influência negativa perpetuado pelos mesmos ao agir dessa forma, dado o elevado número de votos alcançados por eles nas últimas eleições.

Quanto ao poder judiciário e a nefasta influência de alguns de seus representantes ao cometerem atos de corrupção, se buscará trazer a baila sob a forma de exemplos, dois importantes e polêmicos pontos, focos de intensos debates nas mídias sociais e matéria continuamente perseguida nos bastidores dos principais veículos de imprensa.

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Trata-se o primeiro dos elevados salários recebidos por boa parte dos magistrados, os quais, muito embora respeitem o teto constitucional, tem como salvaguarda salarial uma série de “penduricalhos legislativos” sob a forma de vantagens e gratificações, os quais permitem realidades salariais surreais se comparados os totais dos proventos salariais com o teto salarial previsto pela constituição federal.

O segundo ponto, diz respeito a polêmica “pena máxima” aplicada aos magistrados em defesa da honra e da imagem do Poder Judiciário, quando seus representantes são condenados com trânsito em julgado pelo cometimento de crimes como corrupção, vendas de sentenças, majoração arbitrária dos honorários de advogados amigos do juiz, enfim, e recebem como “pena máxima” a aposentadoria compulsória com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

Seriam estes os melhores exemplos de conduta moral e ilibada esperados pela população dos representantes do judiciário? Estes magistrados estariam revestidos da necessária moralidade, integridade, honestidade e idoneidade, capaz de auferir aos mesmos a autoridade cabível para dizer o direito e para apontar em suas sentenças o caminho da correção, para aqueles que por ventura tenham se desviado das boas práticas segundo as leis, princípios e bons costumes?

Como se pode negar a contribuição por parte dos representantes do judiciário, para conduzir nossa República Brasileira rumo a uma falência ética, diante de realidades em que desembargadores do superior tribunal de justiça, vendem sentenças favoráveis a líderes da máfia dos bingos ou da máfia dos caça-níqueis? Ou então o que se pode referir em termos éticos quando esses mesmos desembargadores decidem majorar em trinta vezes os honorários advocatícios de advogados com os quais mantém estreito vínculo de amizade?

Até que ponto as instituições políticas e judiciais encontram-se realmente comprometidas em dar exemplos de conduta ética e manter em seus quadros de servidores pessoas de caráter, de boa índole e de conduta ilibada? Seria ainda a postura ética fator relevante às representações políticas e judiciárias da República Brasileira? Haveria interesse ainda da sociedade e de seus seguimentos, depois de tantos exemplos negativos de suas lideranças amplamente divulgados pelos meios de comunicação, em querer entender um pouco mais sobre a importância da ética?

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Mas então, o que seria ética afinal? Qual sua importância e qual o impacto de sua completa ausência no comportamento das pessoas dentro da sociedade? Seria esse o projeto original de uma República? Em que ponto se perdeu a direção e o foco do objeto fim que as pessoas deveriam buscar enquanto sociedade organizada? As ações de determinadas lideranças representativas no país, exercem alguma influência sobre o comportamento dos cidadãos? Até que ponto o não comprometimento ético em tomadas de decisões e nas ações das diferentes representações políticas e judiciárias do país é capaz de contribuir para que a nação seja conduzida rumo à uma falência ética?

Estas são, portanto, algumas das questões que o presente estudo buscará responder, sem pretensões, no entanto, de esgotar por completo o tema, exemplos e situações, haja vista o histórico prolongado de sua existência, bem como a construção constante e dinâmica pela qual a sociedade pauta suas relações e seu desenvolvimento evolutivo. Mas almejando também, além do objetivo perseguido, tornar claras algumas das causas e consequências da problemática, afastando um pouco a ideia de um caráter imutável para as situações de corrupção e de ausência ética.

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1 O QUE É ÉTICA?

Tratando-se, portanto, de uma crise ética, de que ética se estaria mesmo falando? Qual sua origem? Como sua conceptualização evoluiu através da história? Qual era sua fundamentação originária e de que forma deveria ser a mesma universalizada e aplicada para nortear as relações entre os indivíduos de qualquer organismo social?

Este capítulo visa analisar conceitualmente essa ética através dos seus pontos historicamente determinantes, partindo de sua criação, de seu rompimento com paradigmas ultrapassados, de sua nova propositura e concepção atual, através da análise de pensadores que se destacaram justamente por sua abordagem relativa ao tema, possibilitando a base necessária para que se avance no caminho rumo ao objeto fim a que se destina o presente trabalho.

1.1 Ética na visão de Aristóteles

Aristóteles, filósofo grego, nascido em Estagira, na Grécia, em 384 a. C. e falecido em Atenas,em 322 a.C., era filho de médico, foi aluno de Platão e professor de Alexandre, o grande. A Filosofia o tem como um de seus “fundadores” e em seus escritos encontram-se várias abordagens que vão desde a música, a lógica, a retórica, o governo, a biologia, a zoologia, enfim, muitos temas, sendo que o que interessa a pesquisa é destacar de forma mais pontual, a sua visão sobre a ética.

Primeiramente, é necessário ater-se ao fato de que buscamos apontamentos éticos a partir do pensar de um filósofo que viveu em uma Grécia eticamente “atrasada” se analisada pelo viés atual, onde escravidão e machismo eram aceitos com normalidade também por ele, buscamos, portanto, a visão ética de Aristóteles no que diga respeito ao mais essencial do agir humano, a partir das conjecturas, conclusões e construções filosóficas realizadas por ele e que também encontrem enquadramento em outras épocas, inclusive na atualidade.

De forma sucinta, para Aristóteles, o “bem viver” e o “bem agir” eram determinantes para que o homem alcançasse a felicidade, em sua interpretação, o mais alto bem possível de ser alcançado. Isso se confirma quando em seu livro Ética a Nicômaco ele diz:

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Retomemos a nossa investigação e procuremos determinar, à luz deste fato de que que todo conhecimento e todo trabalho visa a algum bem, quais afirmamos ser os objetivos da ciência política e qual é o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação. Verbalmente, quase todos estão de acordo, pois tanto vulgo como os homens de cultura superior dizem ser esse fim a felicidade e identificam o bem viver e o bem agir como ser feliz. (apud PESSANHA, 1991, p. 51).

O bem na compreensão da ética aristotélica, sob todas as suas formas, revela-se desde o início de seu trabalho sobre o tema, como sendo o objetivo fim, que fomentava as decisões humanas, colocando-se ao mesmo tempo como meta a ser alcançada. Isso se confirma nas palavras do próprio Aristóteles quando o mesmo declara já no primeiro parágrafo de Ética a Nicômaco que: “Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem.” (apud PESSANHA, 1991, p. 5).

Prosseguindo na mesma obra, Aristóteles também deixou claro sua ideia de que o bem agir era algo que, além da felicidade (eudaimonia), manifestada em um “bom viver”, possibilitaria também a prática da justiça, daquilo que é bom e moral, dentro de uma sociedade. Ele tece “vínculos” interessantes entre a propensão de agir de forma justa e o caráter das pessoas, nos dando talvez uma visão aproximada de sua compreensão sobre essa ótica quando escreve:

Vemos que todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo; e do mesmo modo, por injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto. (apud PESSANHA, 1991, p. 121).

A felicidade mencionada por Aristóteles, no entanto, para ser alcançada, exigia que os homens (animais políticos e racionais) se valessem de sua razão para ingressar no caminho da virtude (ética) ao invés de se desviar pelo caminho do prazer (paixões/apetites). Para conseguir êxito nesse caminho, ele refere sobre a necessidade do equilíbrio, do agir com moderação, entre as paixões e apetites humanos, buscando nortear as ações nem pelo excesso e nem pela ausência total de apetites, mas sim pelo bom senso.

A respeito do caminhar em virtude, declara ele em seu Livro II da Ética a Nicômaco, que o homem não nasce com virtude, ou seja, ela não é algo natural no ser humano, e para que se desenvolva é necessário antes, que o homem busque torná-la um hábito. Quanto a isso,

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menciona que há duas espécies de virtude, a intelectual que se gera e cresce pelo ensino e que, portanto, exige tempo e experiência, e a virtude moral [ética], que por sua vez é

[...] adquirida em resultado do hábito [...] Por tudo isso, também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestra-la jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza comporte-se de certa maneira a comportar-se de outra. Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós. Diga-se antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornarmos perfeitos pelo hábito. (apud PESSANHA, 1991, p. 121).

Justiça, equilíbrio, bom senso e moderação são qualidades que segundo Aristóteles deveriam ser perseguidas e desenvolvidas como hábito na vida do homem, pois juntas compõe o que se poderia chamar de virtudes éticas. Estas virtudes, por sua vez, seriam capazes de conduzir o homem à felicidade, garantindo ao mesmo o seu bem viver de forma completa, ou seja, na esfera racional, emocional e social, configurando-se em uma felicidade plena, “eudaimonicamente” falando.

Pela ótica aristotélica, ética apresenta um condão bem nítido no que se refere ao agir moral do homem e ao esforço demandado por esse agir na luta que o mesmo trava internamente contra sua própria natureza/paixões/apetites, aplicando a partir da razão, os preceitos que julga necessários para alcançar a vida virtuosa, até que os mesmos convertam-se em hábitos. Coelho (2013) explica esse “tornar” a virtude moral no homem um hábito, proposto por Aristóteles ao considerar que

[...] Os objetos da ética são sempre coisas que dependem do homem, coisas cuja existência liga-se essencialmente à sua decisão e à sua vontade. O desejo se dirige para o que é possível ao homem alcançar. O modo como o homem deseja não está definido de antemão e de uma vez por todas. Esta parte da alma no humano testemunha a sua abertura, como inacabamento que reclama uma definição que se dá por força do próprio agir do homem. O modo como o homem deseja – isto é, o modo como assume um fim, e a ele tende – apenas se determina por meio de sua própria história pessoal. A cada vez em que deseja, o homem modela o seu próprio desejo, influenciando desta maneira o modo como desejará em outras situações. Este é o sentido da habituação [...] (COELHO, 2013, p. 26).

Assim a ética aristotélica baseia-se no princípio de existência pelo homem e para o homem, dependendo dele para existir e encontrando apenas nele e em sua racionalidade aplicada, o “eco” que lhe fundamenta e lhe dá igualmente razão de ser. Aristóteles concebe a possibilidade da ética coexistindo paralelamente frente ao subjetivismo humano e sua

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necessidade/capacidade nata de socializar-se, ao considerar tanto o homem quanto a própria sociedade como um “animal” racional e político, influência certamente herdada de Platão que assim afirmava ao referir-se a sociedade (PEGORARO, 2006, p. 37).

Como toda ciência, que visa alcançar um bem, a ética, na visão aristotélica, persegue igualmente esse bem, existindo ela, portanto, para que tal objetivo seja alcançado a partir de um juízo ético, alimentado pela razão do próprio homem, razão esta que ao subordinar impulsos/instintos/apetites/paixões, espontâneos e naturais no homem, aufere aos mesmos um direcionamento moral, desconstruindo e reconstruindo o homem em suas virtudes na eterna batalha de vitórias e derrotas entre desejo e razão, entre egoísmo e altruísmo, entre prazer e dor, entre o gozo e a abstinência, onde

A ética diz do esforço de autoconstituição do homem pelo qual ele pode, por seu esforço, realizar a si mesmo, porque ele pode dispor de si mesmo. Mas esta incompletude está de certa forma sempre presente, e o humano está sempre aberto, para se autorrecuperar para a virtude ou para se perder. A cada situação, a cada vez em que deve agir, o homem põe o seu próprio ser em jogo. Ser sensato é sempre um desafio, tudo pode, a cada vez, ser posto a perder. (COELHO, 2012, p. 31).

Aristóteles deixa claro que sua visão sobre ética extrapola a dimensão da razão humana, abordando o homem para além dessa particularidade, em toda sua complexidade, haja vista ter discorrido em sua obra Ética a Nicômaco sobre as paixões como parte animal do homem e sua razão como qualidade que o torna semelhante aos deuses e nela ter igualmente abordado todas as demais variantes geradas pelos conflitos interiores do homem entre suas “virtudes” e seus “vícios”, tornando evidente que sua vontade e desejo, sua razão e linguagem compõe igualmente o agir ético do homem, o qual encontra-se em sua completude nesse agir (apud COELHO, 2012, p. 179).

Se para Aristóteles era a razão a principal distinção entre o homem e os demais seres vivos, acreditava ele ser necessário também que o homem vivesse de acordo com essa razão, aplicando-a corretamente, de forma equilibrada [bom senso], evitando “vícios” que na visão de Aristóteles tanto poderiam ser os excessos quanto a ausência total de desejos, conforme o que descreve no Capítulo II de sua obra Ética a Nicômaco, quando se refere à mediania,

[...] a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o

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meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao mais justo [...] (apud PESSANHA, 1991, p. 38).

Sendo assim, se pode concluir que ética para Aristóteles, visava a virtude do homem como ponto de conexão entre sua natureza instintiva e a lógica da razão que o distingue dos demais seres vivos, a qual o dotava de inteligência suficiente para subjugar suas vontades naturais de forma equilibrada, valendo-se para tanto da racionalidade como motor propulsor, para impor o comportamento moral/virtuoso em seu pensar e agir até que o mesmo se tornasse um hábito, alcançando a partir de então, o bem viver e juntamente com ele, o bem máximo que deveria buscar todo e qualquer cidadão da antiguidade de acordo com sua construção filosófica, a felicidade.

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1.2 Ética na visão de Agostinho e Tomás de Aquino

A pesquisa buscou abordar também, ainda que de forma breve, as filosofias cristãs, ou como Olinto Pegoraro convencionou chamar em sua obra “Etica dos maiores mestres

através da história” de verticalização da ética, onde aborda a temática central do presente

trabalho. Esta seção se dedica, portanto, a uma abordagem sobre ética pela ótica de Agostinho (354 – 430 d.C), considerado um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo e também pela ótica de Tomás de Aquino (1225 – 1274), o mais importante proponente clássico da teologia natural e o pai do tomismo1.

Agostinho não escreveu um tratado de ética, mas suas obras deixaram clara sua constante busca pela verdade como suprema felicidade, meta de sua filosofia e fé. Ele via em Platão um dos filósofos que mais próximo conseguiu chegar do cristianismo, por reconhecer a sabedoria manifesta na imitação e no amor dedicado a Deus. Platão foi de suma importância na história filosófica e na caminhada para a fé cristã de Agostinho (PEGORARO, 2006, p. 62).

Um dos exemplos dessa importância é ressaltado por Pegoraro (2006) nos elogios que Agostinho dirige a Platão e aos platônicos em sua obra A cidade de Deus, os quais são dirigidos por dois motivos principais, o primeiro, porque

Transcenderam todas as realidades corporais mutáveis e compreenderam que Deus é Espírito imutável e que tudo o que é, seja qual for sua natureza, não pode proceder senão de quem verdadeiramente é porque é imutável (AGOSTINHO apud PEGORARO, 2006, p. 62).

O segundo, porque os platônicos

1

Tomismo é a doutrina filosófico-cristã elaborada no século XIII pelo dominicano Tomás de Aquino, estudioso dos então polêmicos textos do filósofo grego Aristóteles, recém-chegados ao Ocidente. Tomás de Aquino dedicou-se ao esclarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão. Segundo sua interpretação, tais conceitos não se chocam nem se confundem, mas são distintos e harmônicos. A teologia é a ciência suprema, fundada na revelação divina, e a filosofia, sua auxiliar. À filosofia cabe demonstrar a existência e a natureza de Deus, de acordo com a razão. Só pode haver conflito entre filosofia e teologia caso a primeira, num uso incorreto da razão, se proponha explicar o mistério do dogma religioso sem auxílio da fé.O pensamento de Tomás de Aquino foi alvo de muita polêmica e violentas críticas dos teólogos de seu tempo, que o consideravam "excessivamente filosófico". No entanto, o racionalismo da doutrina foi justamente o traço que fez com que ela promovesse a sobrevivência do cristianismo nos tempos em que o pensamento filosófico passou a ser o saber dominante. (ESTUDANTE DE FILOSOFIA, 2015).

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[...] merecem glória e fama porque disseram não ser feliz o homem que goza do corpo nem o que goza da alma, mas o que goza de Deus. Platão estabeleceu que o fim do bem é viver de acordo com a virtude, o que pode conseguir apenas quem conhece e imita a Deus e que tal é a única fonte de sua felicidade (AGOSTINHO apud PEGORARO, 2006, p. 62).

Agostinho tinha a mesma paixão e “sede” de Platão em chegar à verdade, alcançá-la significaria para ele chegar à felicidade. Um pouco em imitação a Platão, Agostinho escreve seus textos na forma de diálogos coloquiais entre a alma e Deus, simbolismos do que se poderia considerar a interioridade humana e a transcendência divina, utilizando como “mediadora” de tal diálogo, as escrituras sagradas. (PEGORARO, 2006, p. 62-63).

Para “fechar” a “lacuna” existente entre a alma e Deus em seus diálogos construídos na busca constante pela verdade, Agostinho busca se valer da mesma dialética de Platão, com aplicação de ideias que apesar de conterem coerência no seu encadeamento interno, são apenas “prováveis”, com possibilidade de virem a ser refutadas. Para Agostinho a ética capaz de ser vista como correta em um mundo povoado por diversos e constantes conflitos, se resume a duas palavras: fruir e usar, as quais em sua construção teológica e filosófica, eram capazes de conciliar o comportamento moral com a felicidade em Deus, já que caberia ao homem apenas fruir e gozar dos bens eternos, e somente neles encontrar alegrias frente a realidade terrestre, cabendo portanto também a esse homem somente utilizá-las, porém, sem fruí-las, para que dessa forma alcance o gozo eterno. (PEGORARO, 2006, p. 68).

Em sua obra A cidade de Deus, Agostinho utiliza a ideia de “duas cidades” para simbolizar duas éticas na síntese, referindo-se a primeira como cidade terrestre, na qual o amor próprio levado ao desprezo de Deus e a segunda como cidade celeste, o amor a Deus levado ao desprezo de si mesmo. A primeira busca a glória dos homens e a segunda a glória de Deus. Na primeira prega-se a perversão do amor, com exemplos como avareza, luxúria, soberba, onde quem ama perversamente um bem se torna escravo desse bem, e na segunda as virtudes se manifestam como reflexos de “modalidades” do amor, ressaltando-se a prudência, a coragem, a justiça e a humildade (PEGORARO, 2006, p. 69).

Enfim o que Agostinho fez foi a adoção do pensamento platônico à fé cristã fazendo com que ambos enriquecessem a partir dessa adoção, pois para ele a liberdade era fundamento da ética, cabendo o homem decidir com sua inteligência e com liberdade o seu agir rumo então a “cidade celeste”. Agir conforme a razão buscando a verdade e a ordem significava ser

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feliz, obedecer esta ordem, que era inscrita por Deus na natureza das coisas era agir com virtude. Para Agostinho todas as coisas, todos os seres são criados bons, belos, harmoniosos, não havendo criaturas feias, indignas ou inferiores, todas são boas, belas e felizes em seu lugar de ordem determinado por Deus (Lei Natural nas coisas do mundo). A Lei Eterna (em Deus), por sua vez, é a vontade de Deus que manda conservar a ordem determinada por ele para todas as coisas e todos os seres e proíbe a perturbação da mesma. O mundo das realidades terrestres, foi, portanto, criado por Deus de forma bem ordenada, sendo que de ambas as leis, a natural e a eterna, é que se pode obter a síntese da ética e da moral cristã compreendidas por Agostinho (PEGORARO, 2006, p.70)

No início a ética de Agostinho tinha um único princípio: o amor, que deveria ser dedicado a Deus criador primeiramente e às suas criaturas, pois são suas obras, as quais permitiriam ver a amada imagem deste Deus através delas. A regra moral suprema seria o amor a Deus e às suas criaturas, tendo como oposto a idolatria, onde se amaria as criaturas sem referi-las a Deus. Mas aos quarenta e dois anos de idade Agostinho perdeu a confiança na razão, na liberdade, no poder de decisão humanos, ameaçados pelas constantes tentações oferecidas pela beleza das coisas e os prazeres da vida, o que ele chamava de perigos morais que tentavam afastar o homem de Deus (PEGORARO, 2006, p.72).

Relendo as cartas de Paulo na Bíblia, Agostinho se colocou a par da batalha travada entre o espírito e a carne e entre a matéria e o espírito, o que fez com que perdesse sua confiança na capacidade da razão e da liberdade do ser humano de permanecer no caminho ético sem a ajuda de Deus. O pecado “original” (introduzido no mundo por intermédio de Adão e Eva) passa então a ser visto por Agostinho, como o culpado por destruir a tenacidade das melhores qualidades intelectuais do ser humano, fazendo com que seu sonho da felicidade platônica, absorvido na essência em seus estudos e que poderia ser alcançada por aqueles que fossem virtuosos e disciplinados, se tornasse um pesadelo, convertendo sua ética do amor na ética do conflito (PEGORARO, 2006, p.73).

Passou a compreender que a ética do conflito do homem consigo mesmo e do conflito entre a cidade terrestre e celeste, também corria risco de fracassar sem a ajuda desse Deus para manter o ser humano com um comportamento digno, ignorando as coisas terrenas e buscando as coisas celestiais, (PEGORARO, 2006, p.79).

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Tomás de Aquino (1225 – 1274), foi um dos autores cujas obras também representaram a fusão do pensamento grego com a fé judeu-cristã, porém, contrariamente ao “pessimismo” de Agostinho, Tomás de Aquino alinhou-se a ética de Aristóteles, dando origem a ética do otimismo em relação ao homem, estabelecendo como eixo central de seu tomismo, o agir humano virtuoso em vista de um supremo bem na convivência política justa. Os gregos tinham como virtudes morais básicas a justiça, a temperança e a coragem. No agir moral do quotidiano se valiam também da sabedoria onde o intelecto humano desvendava os fundamentos metafísicos das coisas e aplicava a prudência nesse agir (PEGORARO, 2006, p. 80).

O que Tomás de Aquino “constrói” em termos de alteração ético cristã em relação à ética do “conflito” criada por Agostinho, entre a cidade celeste e a cidade terrestre existente no interior do subjetivismo humano, é a compreensão de que antes de ser cristãs, as pessoas são humanas, com inteligência e liberdade para aderir ou não aos apelos da fé, e as virtudes morais, comuns a todos os seres humanos são responsáveis por uma base de convivência tanto entre cristãos como não cristãos. Tudo que for humano não é estranho ao cristão que antes de ser cristão também é humano, devendo contribuir igualmente para que se preserve a dignidade humana também no mundo terrestre. (PEGORARO, 2006, p.81).

Assim como Aristóteles, Tomás de Aquino considera a justiça como a totalidade da virtude, resumindo toda a moral dos Dez Mandamentos de Moisés na prática da justiça. Essa foi a “ponte” criada por Tomás de Aquino para unir as duas cidades, a terrestre e a celeste, permitindo à comunidade cristã visualizar que a vida na comunidade de fé e a vida na sociedade política buscavam uma mesma meta, ou seja, uma vida justa e feliz, acrescendo à visão da fé cristã de seus devotos a perspectiva de uma vida na transcendência para além de uma vida justa e feliz na existência terrestre (PEGORARO, 2006, p.82).

A filosofia em sua melhor argumentação permitiu a Tomás de Aquino elaborar uma reflexão da ética do ser humano, do mundo, da felicidade, da lei natural, do bem e da justiça, temas centrais em Aristóteles e Platão, porém, abordando-os no horizonte de uma visão teológica, estabelecendo para tal reflexão a dependência direta de fatores como a transcendência, fé e esperança, o que por si só ultrapassa totalmente o discurso filosófico. Apesar de encontrar-se tal ética igualmente no âmbito da antropologia, da política e da própria metafísica, propõe a aceitação de uma reflexão estritamente fundada na ideia de um cosmos

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criado por Deus e orientado para a eternidade, o que encontra barreiras relevantes nos princípios filosóficos basilares (PEGORARO, 2006, p.83).

Tal resistência se deu porque a ética grega não exigia nenhum suporte transcendental, e o que Tomás de Aquino fez foi exatamente conciliar os preceitos teológicos com a ética filosófica, subordinando a ética filosófica à ética teológica. Com o esquema circular de “saída e retorno”, como faziam os neoplatônicos ao colocar o Uno no topo do universo do qual tudo emana e para o qual tudo retorna, valeu-se igualmente Tomás, do cenário bíblico o qual afirma ser Deus o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim de tudo, criando assim a sua Suma teológica2 (PEGORARO, 2006, p.84).

A partir de tal concepção, Tomás considera que o universo contempla céu e terra, tempo e eternidade, em uma ordem única, onde declara que o que a cidade é para o cidadão a igreja é para o cristão, onde, portanto, o bom cidadão e o bom cristão não são diversos entre si, complementando-se mutuamente. Ele também acredita que a finalidade seja igualmente integrada entre o mundo material da política e o mundo espiritual da fé cristã, cada uma se movendo em seu espaço e ambas subordinadas e tendendo ao Supremo Criador. Em sua Suma Tomás deixa claro que para ele a fé (objeto de revelação|) e a razão (construção filosófica) são dois caminhos que Deus deu ao homem para conhecer seu plano de eternidade contido na natureza e acessível a inteligência. (PEGORARO, 2006, p.86).

Partindo dessa lógica, a ética de Tomás de Aquino se baseia em duas leis, a lei eterna e a lei natural, a primeira determina o respeito a ordem e sua não transgressão, considerando que a mesma foi determinada por Deus, e a segunda compreende que tal ordem estabelece o lugar natural determinado para cada uma das criações de Deus, sendo eticamente dignos todos aqueles que permanecerem em seu lugar ordenado e pré-determinado pelo Criador. Tomás conclui a partir disso que na prática as leis humanas, políticas e religiosas, não devem contrapor-se às leis naturais, mas sim combater os vícios que distorcem a lei natural e que “clamam a Deus” e no plano social deve-se combater os vícios antinaturais como atentados

2 é o título da obra básica de São Tomás de Aquino, frade, teólogo e santo da Igreja Católica, um corpo de

doutrina que se constitui numa das bases da dogmática do catolicismo e considerada uma das principais obras filosóficas da escolástica. Foi escrita entre os anos de 1265 a 1273. Nesta obra Aquino trata da natureza de Deus, das questões morais e da natureza de Jesus.

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contra a vida, roubo de bens alheios e a violência sexual, sob pena da derrocada da sociedade humana rumo ao ocaso social completo. (PEGORARO, 2006, p.88).

Para Tomás, em relação a dimensão que a política assume na vida humana, faz dessa política a ciência prática de maior importância às pessoas, justamente por englobar todas as atividades humanas exercidas na polis. Ele chega à conclusão (com ajuda de Aristóteles) que o todo social é anterior às partes, sendo que os indivíduos estão para a sociedade assim como os membros estão para o corpo, sendo assim, o homem não vive sem a sociedade, pois o homem é dotado de palavra por sua constituição biológica e comunicar-se com os outros é essencial para suprir as necessidades que só a sociedade tem condições de satisfazê-lo.

Tomás de Aquino passa a compreender que a comunidade política não se trata de algo geral e difuso, mas caracteriza-se, principalmente, por regimes de governo que buscam as finalidades da sociedade como o bem comum, ou então, o seu contrário, os interesses subjetivos de quem a governa. O bem comum é visto por Tomás tal qual Aristóteles o via, sobrepondo-se aos interesses individuais, e valendo de base avaliativa a respeito do nível de justiça ou de injustiça adotado em suas práticas por um governo. Ele considerava aceitáveis três regimes políticos, pois para ele tanto a monarquia, a aristocracia ou a democracia seriam justas e legítimas desde que procurassem governar no interesse de todos, visando o bem comum de todos os cidadãos (PEGORARO, 2006, p.96).

Por outro lado, condenava a tirania, por ser essa capaz de qualquer crueldade para manter-se no poder, a oligarquia, onde o interesse de um grupo se sobrepunha ao interesse de todos e a demagogia, que se valia da democracia para perpetrar engodos, ludibriando cidadãos a fim de manter-se no poder em troca de coisas sem valor e sem real potencial de evolução em melhorias sociais. O combate a esses regimes era defendido por Tomás, inclusive com luta armada, até a deposição do governante caso não houvesse uma solução negociada ou se a deposição não resultasse num governo ainda mais opressor (PEGORARO, 2006, p.97).

Concluindo, portanto, a abordagem sobre a ética na visão desses dois teólogos e filósofos cristãos medievais, Agostinho e Tomás de Aquino, pode-se depreender que Agostinho via a ética como uma paixão insaciável pela verdade e pelo bem, onde a moral está em amar essa verdade, bondade e beleza de Deus que está impressa nas pessoas. Pensou assim até seus quarenta e dois anos de idade, quando então passa por uma crise na qual reconheceu

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o fator “pecado” como problema relevante enquanto possibilidade de afastar o homem do seu caminho justo e de seu amor a Deus e a ordem ética determinada às coisas divinas e perfeitas criadas por Ele, período em que houve a transição de sua ética do amor para a ética do conflito, representada pela batalha interna do ser humano, travada contra os vícios e desejos que levam a perversão do amor, numa luta constante entre a carne e o espírito, a qual somente poderia ser vencida recorrendo o ser humano ao seu Criador. Uma ética um pouco confusa para uma análise pelo viés filosófico, mas que por certo prestou sua justa contribuição em termos de harmonização, resignação e controle social das relações entre indivíduos e destes com o Estado (PEGORARO, 2006, p.76).

Tomás de Aquino, por sua vez, seguindo por linha semelhante de amor a Deus adotada por agostinho, aborda a ideia de um ser humano que se encontra em um universo criado por Deus e que deve durante sua existência terrena, pautar seu comportamento por um proceder espiritual e terreno de forma ética, lembrando que antes de cristão, primeiramente a pessoa é um ser humano, e deve, portanto, valer-se de sua razão associada a sua fé, contribuir para um melhor convívio junto a seus pares, atuando inclusive na vida política, e visando através de uma boa conduta e bons exemplos humanos e cristãos a conquista de sua transcendência para uma eternidade junto a Deus (PEGORARO, 2006, p.96).

Tanto a ética quanto a política pela visão de Tomás de Aquino exigem o emprego simultâneo da razão como base (influência grega) e a fé como esperança na eternidade, cabendo a ambas também a criação de normatização das condutas do ser humano, considerando sua estrutura metafísica e natureza de animal racional e animal político, onde a fé confirma e fundamenta a razão ética que busca a justiça em um universo criado por um plano de Deus (PEGORARO, 2006, p.98).

A parte de toda verticalidade proposta por ambos em relação a Deus como ser superior e criador do universo e do ser humano, sua criatura, diferenciam-se em pequenos detalhes, como, por exemplo, as conclusões de Agostinho sobre a separação da existência humana pela transcendência em duas cidades terrestre e celeste e o conflito entre carne e espírito decidindo qual delas será o destino do indivíduo a partir da liberdade de agir de cada pessoa e a constância ou não de sua busca pela ajuda divina e a “ponte” criada por Tomás de Aquino, a qual passa a unir as duas cidades, terrestre e celeste, localizando o indivíduo cristão como sujeito humano que deve atuar na esfera terrena, exigindo dele, também na existência

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terrena, uma postura ética, fazendo-o compreender a necessidade de seu envolvimento e de seu agir moral enquanto ser humano [anterior ao ser cristão], visando com isso alcançar a verdade e a felicidade através da demonstração de amor e interesse pelo outro, na esperança de transcender para uma eternidade, retornando a criatura ao seu criador. (PEGORARO, 2006, p.98).

Para Franklin Leopoldo e Silva (2013), ambos, tanto Augustinho quanto Tomás de Aquino, tinha em Deus um fundamento e um princípio ético claro e bem definido, além de ser Ele também o legislador que dita os mandamentos e as regras das ações humanas. Silva acredita que o fator dificultador para as filosofias cristãs, foi justamente o distanciamento existente entre o princípio supremo de legislação moral [Deus] e as ações humanas do cotidiano, o que gerava uma distância que ia do finito [ser humano] ao infinito [Deus], dificultando como se determinar a aplicação de princípios tão gerais e amplos nas ações corriqueiras do dia a dia (SILVA, 2013).

Por fim ambas as filosofias cristãs foram válidas e exerceram forte influência comportamental nas civilizações após elas, os teólogos sempre defenderam a fé sobrepondo-se à razão, verticalizando os temas de maior relevância para a filosofia, vinculando-os à uma fonte originária: Deus. Prova inconteste é de que a modernidade lutou muito para ver-se finalmente livre das cadeias teológicas, e para isso precisou contar com a ajuda da ciência, valendo-se pouco a pouco da física, da filosofia, da política e das demais, conforme foram se fortalecendo e se tornando independentes. A ética com Kant foi a última área a conquistar total autonomia a partir do imperativo categórico proposto por ele, onde a razão e a liberdade estabeleceram seus próprios limites e postulados, conforme veremos na sequência (PEGORARO, 2006, p.77).

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1.3 Ética na visão de Kant

Kant nasceu no século XVIII, mais precisamente em 22 de abril de 1727 na cidade de Künigsberg, na extinta Alemanha Oriental, antigo império da Prússia e morreu em 1804. É considerado um dos mais importantes filósofos da moral da modernidade. De acordo com Barros Filho (2013), o pensamento de Kant foi tão significativo que

[...] aquilo que de certa maneira a gente entende por ética, por certo e errado e etc., aquilo que a gente entende naquele “basicão” do senso comum, é a moral de Kant. Eu me atreveria a dizer que a moral de kant é o que todo mundo entende por moral, tamanha a influência deste pensador [...] (apud BARROS FILHO, 2013).

A ética kantiana tem como base a noção de dever. Seu imperativo categórico [imperativo por constituir-se em dever de agir eticamente e categórico por não se condicionar a nenhum fim] eternizou a sentença: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.” Mesmo sem pretensão alguma de estabelecer uma nova moral, Kant acabou criando um critério que definiria por sua vez, o agir moral.

Ao mencionar a “vontade”, Kant já considerava a razão do homem em pleno exercício decisório, e na “carona” desse exercício, ele “aponta” o que seria, em sua construção pratico filosófica, o “norte” onde se efetivaria o agir moral. Ora, ao estabelecer critérios de aplicação universal a uma decisão revestida de subjetivismos individuais, Kant convida o homem a uma maior reflexão quanto ao seu proceder e as consequências do mesmo ao coletivo, caso viesse a se tornar universalizável a partir de então (VALLS, 2015).

De acordo com Oliveira, em relação a essa nova proposta de agir moral,

A ética kantiana e uma das grandes tentativas – senão, a maior – de responder como podemos determinar as regras do agir correto. Segundo a ética de Kant, a ação moralmente correta esta totalmente desvinculada – melhor dizendo - independe da felicidade obtida através do ato [diferente da ética aristotélica]. O sistema ético kantiano elabora regras para averiguar a correção da máxima que orienta as ações humanas [...] Dito de outra forma, Kant estabelece que o ato deve ser realizado conforme o dever e, sobretudo, pelo dever [...]Por meio de um procedimento puramente racional, é possível formular-se o imperativo categórico, e posteriormente, determinar se nossas máximas morais – princípios práticos subjetivos – podem ser consideradas leis praticas, isto é, se tais máximas possuem validade no que se refere a vontade de todo ser dotado de racionalidade. Em outras palavras, segundo a ética kantiana, para considerarmos uma ação moralmente

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correta ou incorreta, faz-se necessário indagar se tal ação pode ser elevada a categoria de lei universal [...] (OLIVEIRA, 2010, p. 29).

Kant também buscou refletir sobre a felicidade e sobre a virtude, mas sempre em função do conceito de dever. Com seu imperativo, criando a análise racional do agir a partir de um plano universalista, ele trouxe as inclinações naturais do homem para o plano da reflexão, a qual indubitavelmente impõe ao homem, ainda que subjetivamente, o dever de fazer algo que naturalmente não lhe causa prazer, satisfação ou felicidade de forma imediata, mas que mesmo assim, lhe é imposto, em nome de sua liberdade de poder realizar, como ser inteligente, aquilo que ele próprio percebe e considera como algo bom, no sentido de tornar melhor sua convivência e em consequência disso, igualmente sua existência, enquanto ser social.

Percebe-se então que o imperativo categórico de Kant, em um só tempo, torna o homem legislador, ao perceber o mais correto a ser feito e ditar em sua razão de imediato esse preceito, e súdito, por sentir-se obrigado a cumprir aquilo que sua própria razão lhe impõe como norma ética (VALLS, 2015).

É notório em Kant, a ênfase que o mesmo busca dar a liberdade, onde parece querer inverter o fluxo do que seria uma lógica irracional [semelhante a que se vivencia atualmente], ou seja, a imagem que ele busca fundamentar com seu imperativo categórico é a de um homem com liberdade para agir moralmente, onde seu agir moral possa ser convertido em lei universal de igual aplicação a toda humanidade, durante todo o tempo, podendo se tornar uma lei natural imposta a ele por sua própria vontade, sem, no entanto, tratar a si mesmo ou outra pessoa como meio para cumprir tal norma, mas sim como fim a que se destina tal proceder [resumo “hibrido” das quatro expressões utilizadas por Kant para expressar seu imperativo categórico].

A liberdade de agir moralmente a partir de uma lei construída pelo homem racional a qual o mesmo se auto impõe por fruto de sua própria vontade, leva Kant a considerar que esse agir moralmente, ou agir de acordo com a “boa vontade”, parte de um homem metade razão e metade instinto natural, onde atuam sempre duas vontades, identificadas por ele como empírica [satisfação de instintos e desejos] e pura [submetida à razão] que em determinadas situações do mundo dos fatos apresentam-se completamente antagônicas, levando a uma

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problematização inevitável se o que Kant busca é a livre vontade do homem em cumprir um dever auto imposto, mas

O problema, no entanto, não e indissolúvel! O que Kant demonstra ao tratar do problema do dever, e ao analisar a representação da vontade como obrigação, e que o homem pode agir tanto se utilizando de uma vontade pura pratica, quanto por meio da vontade empírica. Sendo assim, se sua vontade estiver afetada por inclinações – vontade empírica – mesmo aqui, o homem, enquanto ser racional, é capaz de reconhecer a necessidade objetiva da ação moral. Desse modo, embora a vontade subjetiva do agente não corresponda a determinação objetiva da lei, isto não impede que o homem reconheça que sua ação, para ser moral, deve ser conforme a prescrição dessa lei. (OLIVEIRA, 2010, p. 37).

A ética, na visão kantiana, portanto, aliava a vontade à liberdade legada ao homem para criar normas e fins éticos a partir de sua própria razão, as quais de per si eram igualmente aplicáveis sobre a figura de seu criador, a isso Kant identificou como “dever”, que por partir do próprio intelecto do homem, sem ligação alguma com o exterior e suas leis [distinção entre moral e o direito], acabavam por se configurar como símbolo maior da liberdade, porquanto homens livres para legislar a respeito de seu melhor proceder em benefício próprio, sendo que tal “dever” de obediência se dá do homem para com os preceitos que ele próprio criou a partir de sua própria razão para si mesmo, visando uma vida melhor para ele e para sua coletividade.

O imperativo categórico de Kant é apresentado como fundamento de toda sua filosofia moral, mas tal filosofia sofreu muitas críticas em virtude da necessidade de uma reflexão contínua a cada nova ação a ser decidida pelo homem pois

Os críticos de Kant costumam dizer que ele teria as mãos limpas, se tivesse mãos, ou seja, que desta maneira é concretamente impossível agir. Impossível agir refletindo a cada vez, aplicando ao caso concreto a fórmula do imperativo categórico. Seria querer começar, a cada vez, tudo de novo, seria supor em si uma consciência moral tão pura e racional que nem existe, e seria reforçar, na prática, o individualismo. A outra crítica, complementar a esta, é a de que não se pode ignorar a história, as tradições éticas de um povo, etc., sem cair numa ética totalmente abstrata. (VALLS, 1994, p. 21).

Ética abstrata, ou não, o que se pode concluir quanto a ética kantiana, é que ele realmente revolucionou a conceituação de ética e o pensar ético a partir de sua obra, e não mais se poderá discorrer sobre ética sem mencionar os preceitos de seu imperativo categórico, onde diferentemente do fim pretendido pela ética aristotélica [a felicidade], o centro das formulações filosóficas se balizam a partir de um dever obedecer, independente de condição, que se pauta puramente na razão humana, haja vista que o objeto de tal dever de obediência é

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fruto da própria criação do intelecto humano, coroado pela liberdade deste em obedecer suas próprias leis, ou seja, sua própria consciência humana racional.

De certa forma, Kant, prostrou por terra, qualquer possibilidade do homem alegar-se inocente, apontado a fatores alheios a ele, a culpa por suas decisões malfazejas, decisões essas eivadas de vícios como egoísmo, ganância, pobreza de espírito, inveja, etc. Não podendo mais furtar-se esse mesmo homem, de negar o preceito kantiano quanto a análise relativa a seu ato, sopesando a possibilidade do mesmo vir a ser convertido em lei universal ou tornar-se motivo de sua vergonha frente à coletividade onde vive.

1.4 Ética na visão contemporânea

Até aqui a ética pode ser vista a partir de duas abordagens filosóficas distintas entre si, mas com pontos convergentes em comum. Aristóteles inicialmente, associando-a com a virtude do homem, manifesta em seu bem agir, na busca pelo bem supremo que todos deveriam almejar: a felicidade, enquanto Kant, por sua vez, rompendo a ligação da ética com sua condicionante “ser feliz”, impondo-a como ciência analítica prática sob a forma de avaliação/construção racional feita pelo próprio homem na criação de suas normas morais [com possibilidade de aplicação universal] auto impositivas, num dever fundado em sua liberdade de poder cumprir leis que ele próprio criou, visando sua independência/autonomia da normatividade externa [diferenciação entre moral e direito].

Para Aristóteles tratava-se o agir ético de um discernimento prático adotado pelo homem, no identificar sobre o que era bom ou mal de forma antecipada a cada tomada sua de decisão, para uma vida boa e moralmente correta, contemplando-se a dificuldade encontrada pelo homem, justamente no saber agir perante o mal estar da liberdade, ou seja, saber esse homem assimilar a concepção de liberdade e sua aplicação prática (SILVA, 2013).

Para as filosofias cristãs [Agostinho/Tomás de Aquino] o princípio ético e o seu fundamento focava claramente a figura de Deus, que também era o supremo legislador moral, ditando mandamentos e regras de conduta para guiar a ação humana. Um dos fatores dificultadores encontrados por essas filosofias, foi justamente o distanciamento existente entre o princípio supremo de legislação moral [Deus] e os seres humanos e suas ações do cotidiano, que gerava a ideia de uma distância muito grande, que ia do finito [ser humano] ao infinito

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[Deus], o que dificultava como se determinar a aplicação de princípios tão gerais e amplos em cada uma das ações corriqueiras do dia a dia (SILVA, 2013).

Aristóteles e Kant reconheceram, no entanto, as variantes oriundas da natureza primitiva do homem, a qual muitas vezes lhe impõe um agir diverso do moralmente esperado, negando-se a prática de uma reflexão lógica e, portanto, racional, fomentado por Paixões/Desejos/Vícios para Aristóteles e Vontade Empírica para Kant. Ambos igualmente concebiam que o homem era livre para decidir-se pelo agir de forma benéfica ou maléfica, trazendo reflexos, positivos ou negativos, sobre si próprio como também para os demais indivíduos que compõe a sociedade onde vive.

A razão manifesta através dessa liberdade de agir do homem, conforme os ditames de sua própria consciência racional causou o enfraquecimento da concepção filosófica cristã, emancipando-o de sua “dependência” de um ser supremo e tornando-o dependente de si mesmo e de sua razão como princípio legislador e, portanto, norteador de sua conduta (SILVA, 2013).

Também concordavam Aristóteles e Kant, em suas definições ético filosóficas, que o homem não age eticamente de forma natural, instintiva e espontaneamente, mas sim, na maioria das vezes, contrariando sua natureza, agindo na “contramão” do que realmente desejava fazer, pressionado pelo “julgamento” moral subjetivo, visando com isso, a justificação de seu “bem agir” numa melhor condição de convivência universal dentro da sociedade, na expectativa racional de um bem compartilhado indistintamente com todos, beneficiando desde o “ator” ético até mesmo aqueles que, inclusive, não tiveram participação alguma nesse agir, e tudo isso com total consentimento da boa vontade humana.

Tanto a visão ética de Aristóteles, que buscava a justiça representada pela garantia da ordem social através do gerenciamento do bem comum a todos os cidadãos, aos quais, segundo ele, não bastava viver, mas sim viver bem através da prática da ética pessoal (virtudes morais) alcançando com isso a felicidade do corpo social linearmente estendida a cada um dos cidadãos, quanto a visão ética de Kant, onde a ética da lei moral veio substituir de vez a ética das virtudes, cedendo o comportamento virtuoso lugar ao cumprimento dessa lei, baseavam-se na ideia de uma lógica altruísta, na busca por um bem universal/coletivo acima dos interesses subjetivos de cada indivíduo (PEGORARO, 2006, p. 57, 58 e 117).

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Kant, porém, dava também ciência a esse indivíduo sobre a valiosa liberdade que o mesmo possuía para desempenhar o importante papel de ator ético reservado a ele na sociedade, colocando sobre seus ombros a responsabilidade, a partir de suas decisões, pelo sucesso [valendo-se exclusivamente de sua vontade natural pelo uso exclusivo de sua razão] ou fracasso da coletividade e dele próprio enquanto ser social e racional [caso deixasse de valer-se de sua razão, vencido por sua vontade empírica], consciente, no entanto, de que era livre para determinar pelo uso da razão a sua própria conduta normativa a seguir. Esse era, por assim dizer, o conceito dessa liberdade, na qual

Desde o conhecimento mais fundamental até os aspectos mais cotidianos da nossa prática e, portanto, do nosso agir moral, a razão está presente como único princípio ao qual devemos atender e como estamos subordinados a nossa razão, somos livres, porque aquele que se subordina a si mesmo é livre. (SILVA, 2013).

Tornou-se necessário, por este motivo, antes de qualquer abordagem sobre ética e suas significantes na modernidade, considerar algumas particularidades da situação e cenário onde se dava essa abordagem, compreendendo que a partir de um processo cronológico evolutivo natural, passaram a existir alguns “dificultadores” que se apresentavam como obstáculos a propositura de qualquer projeto de resgate ético na sociedade, como as alterações sofridas por fatores sociais, econômicos, culturais e tecnológicos, os quais se “moldaram”, por pressões de interesses estranhos ao bem comum/universal, e assumiram uma forma “distorcida” de seu projeto original.

Não deveria, no entanto, fator algum, se sobrepor a subjetividade individual, necessária a qualquer estabelecimento de juízo de valor moral a ser adotado pelo indivíduo quando se vale o mesmo de sua liberdade de pensar e agir, guiado a partir dessa liberdade, segundo sua própria autodeterminação no decidir sobre o que seja moralmente ético. Os fatores necessários à decisão moral a partir de um juízo ético, não poderiam ser influenciados e nem tão pouco justificados por fatores externos, senão pelo próprio discernimento do indivíduo sobre o que seja bom ou mau em termos de seu agir. O problema residia em que a concepção correta desse agir, nem sempre abrangia ou atendia o melhor interesse desse ator ético, que por sua vez, sofreu sim, grande influência dos demais fatores, os quais moldaram drasticamente a realidade social em que esses indivíduos encontravam-se inseridos (SILVA, 2013).

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