UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE QUÍMICA
BRUNO GIORDANO ALVARENGA
ESTUDO FÍSICO-QUÍMICO DE POLÍMEROS SUPRAMOLECULARES
BASEADOS EM LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO
CAMPINAS
2017
BRUNO GIORDANO ALVARENGA
ESTUDO FÍSICO-QUÍMICO DE POLÍMEROS SUPRAMOLECULARES
BASEADOS EM LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de doutor em ciências.
ORIENTADOR: PROF. DR. EDVALDO SABADINI
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA POR BRUNO GIORDANO ALVARENGA E ORIENTADA PELO PROF. DR. EDVALDOSABADINI.
CAMPINAS
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Agência(s) de formento e nº(s) de processos(s): FAPESP, 2014/04518-8; CNPq: 146745/2013-2
Informações para a Biblioteca Digital
Título em outro idioma:Physicochemicalstudyofhydrogenbonded supramolecular polymers Palavras-chave em inglês:
Supramolecular polymers Rheology
Hydrogenbonding
Área de concentração: Físico-Química Titulação: Doutor em Ciências
Banca examinadora:
Edvaldo Sabadini [Orientador] Denise Freitas Siqueira Petri Maria Isabel Felisberti Raphael Nagao de Sousa Vanderlei Gageiro Machado
Data de defesa: 10-10-2017
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Edvaldo Sabadini (Orientador)
Profa. Dra. Denise Freitas Siqueira Petri (IQ-USP-SP)
Prof. Dr. Vanderlei Gageiro Machado (IQ-UFSC)
Profa. Dra. Maria Isabel Felisberti (IQ-UNICAMP)
Prof. Dr. Raphael Nagao de Sousa (IQ-UNICAMP)
A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do(a) aluno(a).
Este exemplar corresponde à redação final da Tese de Doutorado defendida pelo aluno BRUNO GIORDANO ALVARENGA, aprovada pela Comissão Julgadora em 10 de outubro de 2017.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho “In Memoriam” ao meu pai Carlos Magno Oliveira Alvarenga e à minha avó Julieta de Paula Alvarenga que sempre apoiaram meus estudos enquanto presentes.
AGRADECIMENTOS
Deixo registrado os meus profundos agradecimentos:
- Ao Professor Dr. Edvaldo Sabadini pela grande oportunidade de trabalharmos juntos, por sua enorme disponibilidade, por nossas discussões científicas, pelos seus conselhos pessoais, por seu caráter no qual sempre será um exemplo pessoal e profissional para mim.
- Ao Professor Dr. Laurent Bouteiller pela oportunidade, paciência e ensinamentos durante meu período na Université Pierre et Marie Curie.
- Ao pesquisador Dr. MatthieuRaynal da Université Pierre et Marie Curie que certamente foi a pessoa que mais me ensinou em tão pouco tempo. Obrigado por sua amizade.
- À todos meusamigos e colegas de laboratório que de alguma forma colaboraram com minha formação. Um agradecimento especial à Thiago Ito, Victor Baldim, Ana Maria Percebom, Karl Jan Clinckspoor e Manazael Jora.
- À minha namorada Ludmila Fernanda Silva, que sempre apoiou minhas decisões mesmo que muitas vezes em contragosto, e esteve do meu lado sempre que precisei. Te amo.
- Ao casal de amigos Marcelo Beraldo e Mariane Marcomini por sempre estarem dispostos a me ajudar em minha estadia em Campinas.
- Ao CNPq(projeto 146745/2013-2) e à FAPESP (projeto 2014/04518-8) pelo apoio financeiro fundamental na construção desta tese.
RESUMO
Os avanços no campo de química supramolecular estão relacionados tanto no design e síntese de novas moléculas capazes de se auto-associarem em estruturas supramoleculares (polímeros) através de interações não covalentes entre as partes constituintes, como no melhor entendimento das condições experimentais em que as propriedades microscópicas e macroscópicas destes sistemas possam ser ajustadas. Pequenas moléculas orgânicas com um núcleo aromático e grupos capazes de formar intensas ligações de hidrogênio, como derivados de bis-uréia e benzeno-1,3,5-tricarboxamidas (BTAs) são particularmente interessantes devido assuas simples estruturas e alta habilidade de se auto-associarem em longos e estáveis polímeros supramoleculares em solventes de baixa polaridade que fornecemgéisvisco-elásticos. Neste contexto, esta tese se concentra na discussão de dois aspectos envolvendo polímeros supramoleculares que contribuem com o desenvolvimento futuro de novos sistemas e aplicações: (i) o pouco esperado efeito de pequenas mudanças natureza do solvente na auto-associação de bis-ureias, no qual solventes mais polares fornecem soluções mais viscosas; (ii) o efeito da adição de interações intermoleculares secundárias através grupos funcionais de grupos amino-éster ou segmentos peptídicos ligados à estrutura molecular de BTAs alteram os processos de auto-associação deste sistema em solução.Um inesperado efeito de solvatação capaz de alterar a dinâmica de quebra e recombinação das cadeias dos polímeros supramoleculares formados por bis-ureias foi descrito na interpretação do efeito do solvente na tendência de viscosidade observada destes sistemas. Efeitos da influência de impedimentos estéricos, presença e posição de anéis aromáticos, heteroátomos e outros grupos funcionais em altera as propriedades de sistemas supramoleculares formados por BTAs foram rigorosamente estudados e discutidos. Outros efeitos como temperatura e concentração, assim como transições que ocorrem em ambas estruturas supramoleculares foram interpretados através da utilização de diferentes técnicas espectroscópicas, calorimétricas, espalhamento de luz/nêutrons e reologia que unem as observações das propriedades macroscópicas e microscópicas destes sistemas.
ABSTRACT
Progress in the field of supramolecular chemistry is relatedto the design and synthesis of new molecules that self-assemble into supramolecular structures (polymers) through non-covalent interactions between the its constituent parts, and the better understanding about the experimental conditions in which the microscopic and macroscopic properties of these systems can be adjusted.Small organic molecules with an aromatic core and groups able to form intense hydrogen bonds, such as bis-urea derivatives and benzene-1,3,5-tricarboxamides (BTAs), are particularly interesting because of their simple structures and high ability to self-assemble into long and stable supramolecular polymers in low polarity solvents and to yield viscoelastic gels.In this context, this thesis focuses on the discussion of two aspects involving supramolecular polymers that contribute to the future development of new systems and applications: (i) the unexpected effect of small changes in solvent nature on self-assembly of bis-ureas, in which more polar solvents provide more viscous solutions; (ii) the effect of the addition of secondary intermolecular interactions through functional groups of amino ester groups or peptide segments bound to the molecular structure of BTAs to alter the self-assembly processes of these systems in solution.An unexpected solvation effect able to alter the breaking and recombination dynamics of bis-ureassupramolecular polymers has been described as a new interpretation of the effect of the solvent on the observed viscosity tendency of these systems.Effects of the influence of steric impediments, presence and position of aromatic rings, heteroatoms and other functional groups on altered properties of supramolecular systems formed by BTAs were rigorously studied and discussed. These aspects and other effects such as temperature and concentration as well as transitions occurring in these systems were rigorously studied through the use of different spectroscopic techniques, calorimetry, light and neutron scattering and rheology that combine the observations of macroscopic and microscopic properties.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1.1: Fotografias de microscopia eletrônica de varredura das fibras do gel formado por
2,4-di-O-benzilideno sorbitol em polímero polidioxanona... 23
Figura 1.2: Tipos de polímeros supramoleculares... 25
Figura 1.3: Estrutura molecular de moléculas capazes de formar dímeros, porém não sistemas supramoleculares com crescimento epitaxial... 26
Figura 1.4: Estruturas de algumas bis-ureias já estudadas por Bouteiller e colaboradores... 26
Figura 1.5: Estrutura molecular das bis-ureias EHUT, EHUB e EHUX... 27
Figura 1.6: Estrutura molecular de EHUT e seus arranjos moleculares... 27
Figura 1.7: Três possíveis conformações dos filamentos de EHUT. Os grupos 2-etilexil foram trocados por grupos metila na tentativa de facilitar a visualização... 28
Figura 1.8: Geometria otimizada das estruturas tubulares de EHUT determinado através de MM/MD... 29
Figura 1.9: Pseudo-diagrama de fases de EHUT em tolueno. Símbolos estão relacionado à técnica utilizada,(▲) ITC transição tubo-filamento; (♦) ITC transição monômero-filamento ITC; (■) viscosimetria; (●) FTIR... 30
Figura 1.10: Soluções 12 mmol L-1 de EHUT em diferentes solventes. As fotografias foram retiradas em (a) imediatamente, (b) 7 minutos e (c) 40 minutos após os tubos serem invertidos... 32 Figura 1.11: Estrutura molecular de BTAs C=O e N centradas... 33
Figura 1.12: Representação esquemática da auto-associação de BTAs em uma hélice um dimensional (stacks) estabilizada através de 3 ligações de hidrogênio... 34
Figura 1.13: (a) Estrutura molecular de derivados de benzeno-1,3,5-tricarboxamida. Arranjo molecular de stacks formados por BTAS com substituintes metila em (b) n-heptano e (c) metilciclohexano... 34
Figura 1.14 (a) Estrutura molecular de BTAs Met, Nle e Phe. (b) Estruturas moleculares propostas para dímeros e stacks formados por dodecil-ésteres em ciclohexano... 35
Figura 2.1: Exemplo de uma deformação de um material ao longo do eixo x ao se aplicar uma força no mesmo eixo... 40
Figura 2.2: Curvas de fluxos com perfil de diferentes tipos de materiais... 41
Figura 2.3: Exemplo de obtenção da viscosidade no repouso a partir do platô newtoniano de uma curva de fluxo de um material pseudoplastico... 42
Figura 2.4:Representação esquemática da associação em série de uma mola
(comportamento sólido) e um pistão (comportamento líquido) que são análogos mecânicos utilizados no modelo de Maxwell... 43
Figura 2.5: Experimentos reológicos oscilatórios fitados com o modelo de Maxwell de
soluções 10 mmol L-1de EHUT em n-octano.G’: modulo elástico; G’’ módulo viscoso. Destaque
para o cruzamento dos módulos que indicam a frequência onde se obtém o tempo de relaxação...
44
Figura 2.6:Representação esquemática dos dispositivos de um calorímetro de titulação
isotérmica... 46
Figura 2.7:(a) Termograma da titulação de uma solução 6 mmol L-1 de EHUT em clorofórmio
no solvente puro; (b) Entalpogramas de soluções (2 ;1; 0,5 e 0,25) mmol L-1 de EHUT em
clorofórmio normalizada pela concentração final na célula de amostra... 46
Figura 2.8: Entalpograma de DSC de uma solução 10 mmol L-1 de EHUT em tolueno uma
variação de 1ºC/min.As linhas vermelhas e pretas representam seis varreduras de aquecimento e resfriado respectivamente... 47
Figura 2.9: Representação de um processo de espalhamento. A radiação incidente com o
vetor de propagação 𝑘⃗⃗⃗ é espalhada por dois centros de espalhamentos (círculo azuis), e então 𝑖
observada por um ângulo de espalhamento (θ)... 49
Figura 2.10: Regiões onde o vetor de espalhamento q é obtido por SLS e SANS... 51 Figura 2.11: Exemplo da evolução de 𝐾𝑐/𝑅𝜃 em função do vetor de espalhamento de um
sistema similar ao estudado (molécula em destaque)... 52
Figura 2.12: Representação esquemática de um equipamento que utiliza espalhamento de
nêutrons. Destaque para a distância do detector que pode ser modificável à fim de se obter uma larga faixa de q, especialmente correspondente à baixos ângulos... 53
Figura 2.13: Exemplo do perfil de espalhamento de nêutrons de soluções de EHUT em
diferentes concentrações (pontos) ajustados por um modelo de fibras longas e rígidas com seção transversal (linhas)... 54
Figura 2.14: Espectro de infravermelho de soluções de EHUT em clorofórmio. Setas indicam
o sentido do aumento da concentração (diminuição das bandas NH livres e aumento das referentes a NH ligados)... 56
Figura 2.15: Espectro de infravermelho de soluções 10 mmol L-1de BTA Met em ciclohexano
(stacks), THF e acetato de etila (dímeros) e BTA Nle em ciclohexano... 57 Figura 2.16: Espectro de UV-Vis de soluções 0,125 mmol L-1 de (dímeros, linhas finas) e 2,0
mmol L-1 (stacks, linhas grossas) de BTAs Met, Phe, Nle e C8* em ciclohexano, e de soluções
0,125 mmol L-1 das mesmas em etanol (monômeros, linhas pontilhadas)...
Figura 2.17: Estrutura molecular dos enantiômeros L-Alanina e D-Alanina... 59 Figura 2.18: Espectro de dicroísmo circular de soluções 0,125 mmol L-1 de (dímeros, linhas
finas) e 2,0 mmol L-1 (stacks, linhas grossas) de BTAs Met, Phe, Nle e C8* em ciclohexano, e
de soluções 0,125 mmol L-1 das mesmas em etanol (monômeros, linhas pontilhadas)...
60
Figura 3.1. Fotografias dos frascos contendo 20 mmol L-1 de EHUT em tolueno na
temperatura ambiente... 64
Figura 3.2: Dependência da viscosidade no repouso de soluções 6 mmol L-1 de EHUT em
benzeno e tolueno em função da temperatura. As temperaturas de transição estão indicadas por setas... 66
Figura 3.3: Fotografias de soluções 20 mmol L-1 de EHUT em tolueno e n-dodecano a 20°C
imediatamente e 2 minutos depois da inversão dos frascos... 66
Figura 3.4: Curvas de fluxo obtidas de soluções 10 mmol L-1 de EHUT em (a)
alquil-benzenos (n = 1: tolueno; 2: etilbenzeno; 3: propilbenzeno; 4: butilbenzeno; 5: pentilbenzeno) e (b) alcanos (n = 7: heptano; 8: octano; 9: nonano; 10: decano; 11: n-undecano; 12: n-dodecano) a 20°C...
67
Figura 3.5 Viscosidade no repouso de soluções 10 mmol L-1 de EHUT em n-alquil-benzenos
(1 ≤ n ≤ 5) e n-alcanos (7 ≤ n ≤ 12)em função do número de carbonos sp3 da molécula de
solvente... 6/
Figura 3.6: Constante dielétrica de n-alquil-benzenos (1 ≤ n ≤ 5) e n-alcanos (7 ≤ n ≤ 12) em
função do número de carbonos sp3 da molécula de solvente... 68
Figura 3.7:Experimentos reológicos oscilatórios sendo os dados experimentais ajustados com
o modelo de Maxwell (linhas contínuas) de soluções 6 mmol L-1 de EHUT.G’: modulo elástico;
G’’ módulo viscoso... 70
Figura 3.8:Experimentos reológicos oscilatórios ajustados com o modelo de Maxwell de
soluções 6 mmol L-1 de EHUT em tolueno e n-dodecano.G’: modulo elástico; G’’ módulo
viscoso... 71
Figura 3.9: Tempo de relaxação obtidos através do modelo de Maxwell de soluções 6 mmol L -1 de EHUT em n-alquil-benzenos e n-alcanos a 20°C...
72
Figura 3.10: Espectros de infravermelho na região entre 3450 e 3200 cm-1 de soluções 10
mmol L-1 de EHUT em tolueno, n-pentilbenzeno, n-heptano e n-dodecano 20°C... 73
Figura 3.11: Temperatura de transição (T**) de soluções 10 mmol L-1de EHUT em função do
número de átomos de carbono sp3 de n-alquil-benzenos e n-alcanos...
74
Figura 3.12: Espectros de infravermelho de soluções 1 mmol L-1 em tolueno. As setas
mostras o efeito da temperatura nas bandas de NH livres (3444 e 3429 cm-1) e NH ligados
(3340 e 3280 cm-1)...
Figura 3.13:Rg das cadeias de EHUT em função do número de carbonos sp de soluções 1
mmol L-1 em n-alcanos...
76
Figura 3.14: Entalpogramas experimentais para soluções 0,25 mmol L-1 de EHUT em tolueno,
n-etilbenzeno, n-propilbenzeno, n-butilbenzeno e n-pentilbenzeno à 25°C. Duas concentrações são indicadas no diagrama: c* e c**, relacionadas com às concentrações de transição monômero-filamento e filamento-tubo respectivamente...
77
Figura 3.15: Representação das etapas deequilíbrio de associação entre monômeros (M) e
duas supramoleculares estruturas (FneTn) de grau de polimerização n... 78
Figura 3.16: Entalpogramas experimentais de solução 0,25 mmol L-1 de EHUT em
n-pentilbenzeno à (a) 25ºC, (b) 30ºC, (c) 35ºC, (d) 40ºC e (e) 45ºC. Linha vermelha corresponde ao ajuste do modelo cooperativo... 79
Figura 3.17:Parâmetro de solubilidade de Hildebrand (𝛿) do solvente em função do número de átomos de carbono sp3 de n-alquil-benzenos e n-alcanos... 82
Figura 4.1: Estruturas moleculares das BTAs estudadas, e as referências “Nle control” e BTA
C8... 85
Figura 4.2: Representação esquemática de “stacks” e dímeros formados pela associação de
dodecil-éster BTAs... 88
Figura 4.3: (a)Viscosidade relativa em diferentes contrações de BTAs C8*, Met, Phe, Aib, D
Abu, D Ala, Gly, Nle, Val em ciclohexano à 20°C. (b) Fotografias de soluções 20% m/m de BTA Met, Aib, Phe, Abu e Ala antes e 30 segundos após inverterem os frascos... 89
Figura 4.4: Espectros de dicroísmo circular de soluções 2mmol L-1das BTAs estudadas neste
estudo em ciclohexano à 20ºC... 90
Figura 4.5: (a) Espectros de dicroísmo circular (b) UV-Vis de soluções 2mmol L-1 de BTAs D
Abu, D Ala, D Cha, L Ile, L Leu, L Met, L Nle, L Phe e L Val em ciclohexano à 20ºC... 91
Figura 4.6: Espectros de infravermelho de soluções de 10 mmol L-1 BTAs L Met, L Phe, L Nle,
L Val, C8* e “Nle control” em ciclohexano à 20ºC... 92
Figura 4.7: Espectros de infravermelhos de soluções 50 mmol L-1 das BTAs (D Cha, L Ile, L
Leu, L T-Leu, T-Leu, L Nle, e L Va)l em ciclohexano à 25ºC... 93
Figura 4.8: Espectro de infravermelho de soluções de diferentes concentrações de BTA (a) L
Met e (b) L Phe em ciclohexano à 20ºC. A largura da linha indica aumento na concentração... 94
Figura 4.9: Espectro de infravermelho de soluções de diferentes concentrações de BTA (a) D
Abu e (b) Aib em ciclohexano à 20ºC. A largura da linha indica aumento na concentração... 94
Figura 4.10: Espectros de infravermelho de soluções (5, 25, 50, 100 e 200) mmol L-1 de BTA
Figura 4.11: Comparação entre os perfis de espalhamento de soluções 10 mmol L-1 de BTA D
Abu e BTA D Ala à 25°C. Modelo com fator forma esférica fornece (𝑀𝑎𝑔𝑟𝑒𝑔𝑎𝑑𝑜/𝑀𝑚𝑜𝑛𝑜𝑚𝑒𝑟𝑜) =
4.1 e 1.9 para BTA D Ala e BTA D Abu respectivamente... 95
Figura 4.12: Espectros de infravermelho de soluções BTAs (a) L Phg, (b) Gly em ciclohexano
à 25ºC e em diferentes concentrações... 96
Figura 4.13: Espectro DC de soluções 0.05 mM das BTAs L Met, L Phe e D Abu em
ciclohexano à 20ºC... 97
Figura 4.14: Entalpogramas experimentais de soluções das éster BTAs L Met (20, 30 e 40ºC),
L Phe (20, 30 e 35ºC)e Aib (20°C) em ciclohexano... 97
Figura 4.15 Pseudo-diagrama de fases das transições monômeros – dímeros – stacks das BTAs D Abu, D Ala, L Met, L Phe e Aib em ciclohexano... 98
Figura 4.16: Conjunto de estruturas similares das dodecil-éster BTAs que são comparadas
para isolar a influência de um único segmento. (I) Influência do grupo éster; (II) Influência do comprimento da cadeia alquil linear ligado ao carbono α; (III) Influência do heteroátomo de
enxofre na BTA Met; (IV) Influência de um grupo aromático ligado ao carbono α...
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1: Algumas características das principais técnicas de espalhamento...; 49 Tabela 2.2: Número de onda das ligações NH, CO éster e CO amida que participam ou
não de ligações de hidrogênio... 56
Tabela 3.1. Valores dos parâmetros obtidos pelo ajuste cooperativo dos dados de ITC de
EHUT em tolueno e n-pentilbenzeno... 80
Tabela 4.1: Número de onda das ligações NH, CO éster e CO amida que participam ou
não de ligações de hidrogênio... 92
Tabela 4.2: Propriedades de auto associação das dodecil-éster BTAs estudadas neste
trabalho. A viscosidade relativa aumenta na seguinte ordem: viscoso* < viscoso ** <
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BTAs– benzeno-1,3,5-tricarboxamidas DC –dicroísmo circular
DLS–dynamic light scattering DMSO–dimetilsulfóxido
DSC – differentialscanningcalorimetry Et2O – éter dietílico
EtOAc– acetato de etila
EHUT – 2,4-bis(2-etilhexilureido)tolueno ITC – isothermaltitrationcalorimetry IR –infravermelho
FTIR – fourier-transforminfraredspectroscopy LH –ligação de hidrogênio
LMOGs–low molecular-mass organic gelators
MM/MD – modelagem molecular/dinâmica molecular SAFIN – self-assembled fibrilar network
SANS – small-angle neutron scattering SAXS – small-angle x-ray scattering SEM – scanning electron microscopy SLS – static light scattering
THF – tetrahidrofurano UV-Vis – ultravioleta visível
LISTA DE SÍMBOLOS
Δℎ–entalpia de formação dos oligômeros filamentos
Δℎ2–entalpia de formação dos dímeros da formação de filamentos
Δ𝐻–entalpia de formação dos oligômeros tubos
Δ𝐻2–entalpia de formação dos dímeros da formação de tubos
𝛥𝐻∗∗ – entalpia na transição tubo-filamento de EHUT
∆𝐻𝑣 – entalpia de vaporização 𝐴– intensidade de absorção 𝛿 – parâmetro de Hildebrand 𝐺’ – módulo elástico 𝐺’’ – módulo viscoso 𝜀– absortividade molar 𝐸𝑐 – energia coesiva [𝐹𝑛] – concentração de filamentos
𝑘 – constante termodinâmica de formação dos oligômeros filamentos 𝐾 – constante termodinâmica de formação dos oligômeros tubos
𝑘2 – constante termodinâmica de formação de dímeros da formação de filamentos
𝐾2 – constante termodinâmica de formação de dímeros da formação de tubos
ki ⃗⃗⃗ – vetor de incidência kf ⃗⃗⃗ – vetor de espalhamento l– caminho óptico η – viscosidade η0 – viscosidade no repouso 𝜃–ângulo de espalhamento q ⃗ – diferença de fases 𝑅𝑔 – raio de giro 𝜏 – tensão mecânica 𝜏𝑅 – tempo de relaxação 𝜏𝑞𝑢𝑒𝑏𝑟𝑎 – tempo de quebra 𝜏𝑟𝑒𝑝 – tempo de reptação
𝑇∗∗– temperatura de transição das fases filamentos e tubos de EHUT
[𝑇𝑛] – concentração de tubos
𝑉𝑚 – volume molar
𝛾 – taxa de cisalhamento 𝜆 – comprimento de onda 𝜈̅– número de onda
SUMÁRIO
PREFÁCIO 19
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO A SISTEMAS SUPRAMOLECULARES... 20
1.1 Auto-associação e Auto-organização: Conceitos e sistemas... 20
1.2 Géis moleculares... 22
1.3 Polímeros supramoleculares formados por ligações de hidrogênio.. 24
1.4 Bis-ureias... 26
1.5 BTAS... 33
CAPÍTULO 2: TÉCNICAS APLICADAS NA CARACTERIZAÇÃO DOS SISTEMAS SUPRAMOLECULARES UTILIZADAS NESTE TRABALHO... 39
2.1 Reologia... 39
2.2 Calorimetria (ITC e DSC)... 45
2.3 Técnicas de espalhamento estático (SLS e SANS)... 48
2.4 Técnicas espectroscópicas: FTIR, UV-Vis e dicroísmo circular... 54
CAPÍTULO 3:O FUNDAMENTAL E NÃO ESPERADO EFEITO DO SOLVENTE NOS PROCESSOS DE AUTO-ASSOCIAÇÃO E DINÂMICA DE BIS-UREIAS... 61
3.1 Objetivos... 62
3.2 Materiais e Métodos... 62
3.2.1 Amostras... 62
3.2.1.1 Síntese de EHUT... 62
3.2.1.2 Preparo das amostras... 62
3.2.2 FTIR (Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier)... 63
3.2.3 DSC (Calorimetria diferencial de varredura)... 63
3.2.4 ITC (Calorimetria de titulação isotérmica)... 63
3.2.5 Reologia... 63
3.2.6 SLS (Espalhamento de luz estático)... 63
3.3 Resultados e discussão... 64
CAPÍTULO 4:O CRUCIAL PAPEL DO SUBSTITUINTES LATERAIS NA NATUREZA E ESTABILIDADE DE SISTEMAS ASSOCIADOS DERIVADOS DE DODECIL-ÉSTER BTAS EM CICLOHEXANO... 84
4.1 Objetivos... 86
4.2 Materiais e Métodos... 86
4.2.1 Amostras... 86
4.2.1.1 Síntese BTAs- Primeira Etapa: Formação do tosilato de amônia... 86 4.2.1.2 Síntese BTAs - Segunda Etapa: Síntese do éster BTA. 86 4.2.2 Preparo das amostras... 86
4.2.2 FTIR (Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier) ... 87
4.2.3 ITC (Calorimetria de titulação isotérmica... 87
4.2.4Dicroísmo circular e Espectroscopia UV... 87
4.2.5 Viscosimetria... 87
4.2.6 SANS (Espalhamento de nêutrons em baixos ângulos)... 87
4.3 Resultados e discussão... 88
CAPÍTULO 5: CONCLUSÕES... 102
PREFÁCIO
Esta tese foi dividida em cinco capítulos com o intuito de facilitar sua leitura e compreensão:
Capítulo 1: Uma introdução a sistemas supramoleculares com especial destaque na apresentação dos monômeros bis-ureias e BTAs que são capazes de formar longos polímeros supramoleculares através de ligações de hidrogênio.
Capítulo 2: Apresentação e exemplos de diferentes técnicas utilizada na caracterização dos sistemas estudados.
Capítulo 3: Discussão sobre um não esperado efeito do solvente na viscosidade de soluções de EHUT (bis-ureia).
Capítulo 4:Discussão sobre o efeito de diferentes grupos laterais ligados na estrutura molecular de dodecil-éster BTAs.
Capítulo 5: Conclusões e considerações finais.
No final de cada capítulo estão inseridas as respectivas referências bibliográficas de forma a facilitar a busca das mesmas durante a leitura.
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO A SISTEMAS SUPRAMOLECULARES
A teoria elementar de evolução molecular proposta por Oparin é a base usada pela comunidade científica para propor explicações sobre o surgimento e existência da vida no planeta Terra. De acordo com essa teoria, a vida teve origem na matéria inanimada, evoluindo espontaneamente para um estado de maior complexidade e especificidade molecular.1 Essa maior complexidade, responsável pela existência de
diferentes estruturas como DNA, organelas celulares, células, camadas lipídicas, está relacionada a processos de auto-associação/auto-organização, que ocorrem através de interações intermoleculares. Este talvez seja o exemplo mais impactante, porém é apenas uma amostra da importância deste novo ramo da ciência chamado de química supramolecular.
Jean-Marie Lehn, prêmio Nobel de Química em 1987 e “pai” do termo química supramolecular, o define como “a química além da molécula”.2 De fato, a química
supramolecular trata das interações intermoleculares (interações eletrostáticas, ligações de hidrogênio, interações π- π, coordenação metal-íon, dispersões de London, etc.), que mantem diferentes moléculas unidas em sistemas altamente organizados. Como ligações não covalentes estão envolvidas, as estruturas supramoleculares apresentam uma natureza dinâmica que lhe confere diversas propriedades únicas, especialmente a capacidade reversível de rearranjo e regeneração molecular.3
Sistemas supramoleculares são encontrados em dispositivos moleculares que atuam em funções distintas, como regulação, distribuição, transporte, comunicação, reconhecimento molecular, replicação e catálise, entre outros.2 Portanto, estes
sistemas apresentam grande interdisciplinaridade, envolvendo conceitos de química, física e biologia. A grande maioria deles são formados em processos de auto-organização e auto-associação, sendo a distinção destes termos importante.
1.1 Auto-associação e auto-organização: conceitos e sistemas
Auto-associação (self-assembly) é a associação espontânea de vários componentes moleculares em um agregado discreto. As estruturas são bem definidas, formadas em diferentes etapas cinéticas, através de interações
intermoleculares e reconhecimento molecular.4 Como estes processos envolvem a
minimização da energia do sistema, em determinada condição, uma única estrutura com número de componentes, geometria e força de interação bem definidos são estabelecidos.5 Assim, os sistemas auto-associados são muito susceptíveis à
perturbações externas, permitindo variações na sua estrutura em direção à novos estados termodinamicamente mais estáveis. Os exemplos mais importantes destes sistemas são micelas, mesofases, polímeros supramoleculares e géis moleculares.
Já a auto-organização (self-organization) é ordenação de unidades moleculares ou supramoleculares em uma estrutura mais complexa, formada através de ligações não covalentes com algum grau de ordem espacial ou temporal.4 Apesar
de alguns desses sistemas estarem em equilíbrio, a maioria está em um estado dinâmico caracterizado por várias configurações estáveis cineticamente, requerendo, portanto, que haja uma fonte de energia externa.5 Uma vez que essa
energia decai ou cessa, a ordem da auto-organização diminui e pode provocar o aparecimento de um comportamento não linear frente à diversos parâmetros. Alguns exemplos de sistemas são: nanopartículas, auto-organização de líquidos iônicos em solução aquosa, géis químicos formados por fibras cristalinas, além de diversos sistemas físicos e biológicos.
Como as definições são parecidas, muitas vezes os conceitos de auto-associação e auto-organização se confundem ou têm o mesmo significado. Para uma melhor distinção entre eles, alguns pontos podem ser destacados: (i) Auto-organização é um processo fora do equilíbrio, enquanto auto-associação é um processo espontâneo em direção ao equilíbrio; (ii) Diferente do processos de auto-organização, a auto-associação não necessita de um número mínimo de unidades e assim até mesmo dímeros podem ser formados; (iii) As interações dinâmicas que ocorrem no processo de auto-associação refletem as propriedades dos componentes, assim o processo ocorre de forma específica, direcional e “pré-programada”, enquanto nos processos de auto-organização essa codificação inicial não é obrigatória.5
Dentre todos os exemplos citados, algumas nanoestruturas auto-associadas altamente direcionais como fitas, hélices, fibras e tubos têm atraído a atenção dos químicos supramoleculares por promoverem transformações macroscópicas do sistema.6 Espécies como polímeros supramoleculares7 e micelas gigantes8 podem
ser grandes o suficiente para alterar as propriedades reológicas da solução, promovendo o aparecimento de comportamento viscoelástico e a formação de géis moleculares. Tanto polímeros supramoleculares, como os géis moleculares serão apresentados e discutidos nas próximas seções.
1.2 Géis moleculares
Géis moleculares têm despertado grande interesse desde a década de 90 devido à suas propriedades vantajosas de se alterarem estruturalmente. Transições sol-gel em sistemas supramoleculares podem ocorrer, quando sujeitos a estímulos químicos, temperatura e pH.9 Essas características fornecem aos géis diversas
aplicações em: produtos de higiene pessoal (pasta de dente, shampoo, desodorante, etc.), alimentos (doces, pudins), dispositivos eletrônicos, fármacos, na indústria têxtil e de tintas, e na exploração de petróleo.10
Apesar de grande utilização, e de certa forma, fácil identificação, a definição de um gel é um tanto complexa. Richard Weiss, um dos químicos mais influentes no assunto, na tentativa de ligar as propriedades macroscópicas e microscópicas, define um sistema como gel se: “(i) apresentar estrutura microscópica contínua com dimensões macroscópicas que são permanentes na escala de tempo de um experimento analítico; (ii) possuir comportamento reológico semelhante à de um sólido apesar de ser majoritariamente líquido”.10Uma outra definição mais simplista
de um gel é a de um material visco-elástico formado por uma rede tridimensional de ligações cruzadas e um solvente que é o componente majoritário.11
A partir dessas duas visões, podemos definir especificamente um gel molecular como um sistema constituído de uma rede tridimensional formada por longas estruturas supramoleculares auto-associadas que produzem uma malha porosa capaz de aprisionar moléculas de solvente e inibir o fluxo do mesmo. Desta forma, a rigidez da microestrutura é afetada pelo número e tipo de interações nas zonas de junção entre as estruturas supramoleculares do gel.10 A Figura 1.1 contém
fotos de microscopia eletrônica de varredura (SEM) do gel de 2,4dio -benzilidenosorbitol formado em polímero polidioxanona12 que ilustram visualmente
Figura 1.1: Fotografias de microscopia eletrônica de varredura das fibras do gel formado por
2,4-di-o-benzilideno sorbitol em polímero polidioxanona.12
As estruturas supramoleculares que constituem os géis moleculares e consequentemente a rede fibrosa auto-associada (Self-Assembled Fibrilar Network - SAFINs), são formadas quando uma solução de baixa concentração de moléculas gelificantes, é resfriada abaixo de sua temperatura de gelificação característica (Tg).
O resfriamento torna a solução supersaturada, desencadeando eventos de nucleação estocásticos impulsionados por forças entálpicas.10 A associação ocorre à
partir de interações altamente específicas, que permitem um crescimento preferencial em uma dimensão (formando fibras ou tubos13) que podem ser
dinâmicas ou, mais frequentemente, formar estruturas cristalinas. Os agentes gelificantes podem ser de origem inorgânica, fornecendo géis termicamenteirreversíveis (géis químicos) com redes de ligações covalentes cruzadas que não podem ser dissolvidas.11 Entretanto, a maioria desses agentes
gelificantes são compostos orgânicos de baixa massa (Low Molecular-Mass OrganicGelators – LMOGs) que são capazes de formar estruturas supramoleculares dinâmicas. Estas estruturas auto-associadas podem dissociar reversivelmente com a alteração da temperatura. São portanto caracterizados como géis físicos.14
A capacidade de diferentes solventes em promover ou não a formação dos polímeros supramoleculares (e consequentemente a SAFINS) envolve um balanço entre parâmetros opostos, relacionados tanto com a solubilidade e interação com solvente, como ao crescimento epitaxial de agregados alongados.10 Essa habilidade
de formação, assim como a forma, homogeneidade e tamanho da malha tem sido objeto de ativa investigação pela comunidade científica. Além dos diferentes tipos de interações possíveis entre as espécies no gel e os parâmetros citados, características geométricas do solvente têm de ser consideradas, pois solventes com propriedades semelhantes podem formar estruturas supramoleculares diferentes15. Alguns estudos recentes têm se concentrado em determinar alterações
nas propriedades físicas, mecânicas, estruturais e estabilidade dos géis com alterações no solvente.16–20 Porém o conhecimento de como as “peças” deste quebra cabeça microscópico se agrupam ainda não está bem estabelecido.
1.3 Polímeros supramoleculares formados por ligações de hidrogênio
Os polímeros supramoleculares são formados por cadeias de monômeros, geralmente LMOGs, associados através de ligações não covalentes reversíveis e altamente direcionais.7 A natureza dinâmica das interações intermoleculares
envolvidas permite que esses materiais apresentem características distintas comparados com os polímeros comuns.13 Em destaque, a capacidade de auto
regeneração, capaz de lhes proporcionar, entre outras propriedades, imunidade à degradação mecânica.21
Apesar de outras interações mais fracas estarem presentes, a ligação de hidrogênio é a principal força responsável pela união dos monômeros dos polímeros supramoleculares devido sua alta energia e direcionalidade. As ligações de hidrogênio entre os monômeros são capazes de promover processo de agregação com a formação de longas cadeias supramoleculares, ou até mesmo promovendo a união de cadeias de polímeros convencionais (covalentemente ligados) pelas suas extremidades ou ramificações como mostrado na Figura 1.2. Dentre esses polímeros destaca-se os que apresentam longas cadeias supramoleculares onde os segmentos estão ligados somente através de interações não-covalente, pois possuem propriedades reológicas incomuns.
Figura 1.2: Tipos de polímeros supramoleculares: Adaptado da ref. 21.
A intensidade das ligações de hidrogênio aumenta, na medida que novas ligações estão envolvidas, portanto, os polímeros supramoleculares possuem uma larga faixa de energias de associação. A especificidade da interação doador/receptor da ligação de hidrogênio permite o controle maior da ordenação intermolecular através de mudanças estruturais das espécies envolvidas.22A força da ligação de
hidrogênio primária, que é a energia de uma ligação de hidrogênio entre um aceptor e um doador é determinada por inúmeros fatores que inclui acidez/basicidade e geometria.22 Além disso, somente o número de ligações de hidrogênio não
determina a estabilidade de um complexo supramolecular, sendo que interações eletrostáticas secundárias são críticas na estabilidade de certos complexos,21 e
ainda são responsáveis pela maior cooperatividade de agregação de alguns sistemas.
Recentemente diversos trabalhos envolvendo moléculas capazes de formar complexos como dímeros foram relatados. A Figura 1.3 apresenta alguns destes sistemas, onde é possível perceber que a maioria destas moléculas são sistemas heterocíclicos com grupos amida que possuem ligações de hidrogênio complementares. Entretanto, o crescimento epitaxial de um polímero supramolecular não acontece, na maioria das vezes, devido à falta de grupos subsequentes. Nestes casos, o sistema se torna “fechado”, impossibilitando o processo cooperativo essencial na formação de um agregado maior. Esse não é o caso das bis-ureias e BTAs (que serão tratadas nas subseções 1.4 e 1.5) que são capazes de formar ligações de hidrogênio contínuas através de seus segmentos ureia e amida respectivamente, e desta forma podem formar longos agregados.
Figura 1.3: Estrutura molecular de moléculas capazes de formar dímeros, porém não sistemas
supramoleculares com crescimento epitaxial. Adaptado da ref. 21.
1.4 Bis-ureias
Bouteiller et al.7,23-27 têm sintetizado diversas moléculas (LMOGs) que
possuem uma estrutura central baseada em ureias aromáticas, capazes de se auto-associarem através de intensas ligações de hidrogênio28 em longos polímeros
supramoleculares. Em concentrações moderadas, na faixa de milimolar (mmol L-1)
estes polímeros são suficientemente longos para se entrelaçarem gerando um dos raros exemplos conhecidos de géis moleculares dinâmicos auto-associados. A Figura 1.4 apresenta a estrutura molecular do núcleo aromático e alguns exemplos de substituintes da estrutura da bis-ureia já estudados.7,29
Figura 1.4: Estruturas de algumas bis-ureias já estudadas por Bouteiller e colaboradores. Adaptado
da ref. 28.
Os grupos laterais ligados as ureias possuem influência especialmente na solubilidade das bis-ureias. Substituintes alquil lineares fornecem solubilidade em solventes de baixa polaridade,30 enquanto a introdução de ramificações nos
substituintes leva a solubilização das bis-ureias em solventes mais polares, tais como clorofórmio e alquil-benzenos. As propriedades das bis-ureias também são extremamente sensíveis ao núcleo aromático entre as duas funções ureias, pois estes são responsáveis pelo primeiro nível de cooperatividade destes sistemas.30
Substituintes alquil na posição orto do anel aromático central facilitam que as ligações de hidrogênio sejam formadas pois forçam uma conformação não coplanar entre o anel aromático e o grupo ureia, energeticamente favorável para que os sistemas supramoleculares sejam formados. Este é o caso das moléculas de EHUT, EHUB e EHUX, representadas respectivamente da esquerda para a direita na Figura 1.5. Enquanto EHUT forma géis com relativa fluidez em soluções de tolueno, na mesma concentração EHUX forma géis muito rígidos porém termodinamicamente instáveis, enquanto EHUB não é capaz de se solubilizar na maioria de solventes orgânicos.33
Figura 1.5: Estrutura molecular das bis-ureias EHUT, EHUB e EHUX.
Em especial EHUT, 2,4-bis(2-etilhexilureido)tolueno, tem chamado a atenção pela capacidade de formar diferentes estruturas supramoleculares, como fibras e tubos13,29,34 que possuem arquiteturas bem distintas e são estáveis em uma larga
faixa de temperaturas e concentrações em diversos solventes de baixa polaridade. A Figura 1.6 representa um esquema de tais estruturas que foram determinadas através de espalhamento de nêutrons em baixos ângulos (SmallAngleNeutronScattering, SANS):23
Os filamentos de EHUT são formados geralmente em temperaturas elevadas, acima de 50°C, em uma série de solventes orgânicos.30 Medidas de SANS de
soluções de EHUT em clorofórmio, nas quais os filamentos são formados àtemperatura ambiente, foram quantitativamente ajustadas através de um modelo de hastes rígidas (rigidrods),13 forneceram um diâmetro de 13 Å que está na ordem da
dimensão molecular de EHUT. Além disso, a densidade de empacotamento obtida através do modelo indica uma distância de 4 Å entre os monômeros, indicando a formação de uma cadeia de monômeros ligados através de ligações de hidrogênio com um único monômero na seção transversal.13,30
Simulações de mecânica molecular/dinâmica molecular (MM/MD) permitiram a identificação de três arranjos supramoleculares compatíveis com os dados de SANS que estão representados na Figura 1.7.33 Estas estruturas possuem energia
potencial muito similar e duas destas foram identificadas através de medidas de Raios-X do cristal de bis-ureias similares.33 A diferença entre as três estruturas está
relacionada com a frequência de alternação do ângulo diédrico ao longo do filamento: a cada monômero, a cada três monômeros e sem alternação para respectivamente as estruturas na forma de hélice, zigue-zague e hélice.
Figura 1.7: Três possíveis conformações dos filamentos de EHUT. Os grupos 2-etilexil foram
Estudos envolvendo espectroscopia de infravermelho (FTIR),7 espalhamento
de luz,34e calorimetria de titulação isotérmica (ITC)35mostram que o comprimento
dos filamentos de EHUT possui uma dependência com a concentração. Ademais, os dados indicam que a associação de EHUT em filamentos possuem dois níveis de cooperatividade. Um primeiro relacionado à formação de dímeros, e um segundo ligado ao crescimento cooperativo dos filamentos acima de uma concentração crítica. Este efeito está relacionado tanto à polarização da função ureia, como uma necessidade de mudança conformacional do monômero para se ajustar no filamento.30 Ambos efeitos contribuem para o maior custo energético na formação de
dímeros comparados com os filamentos alongados. A consequência é o crescimento cooperativo de longos filamentos supramoleculares capazes de fornecer soluções em média sete vezes mais viscosas que os solventes puros em concentrações moderadas (10-3 mol L-1), entretanto, há ainda uma forte dependência de
concentração, temperatura e solvente.
Em concentrações moderadas e temperatura ambiente, EHUT é capaz de se auto-associar em longos tubos supramoleculares em diversos solventes alifáticos e aromáticos. O perfil de espalhamento de nêutrons de soluções de EHUT em n-dodecano ou tolueno também pode ser ajustado através do modelo de hastes rígidas, entretanto o diâmetro da sessão transversal (26 Å) é duas vezes maior que os filamentos formados em clorofórmio. Além disso a densidade de empacotamento, aliada à estudos de MM/MD indicaram que estes tubos supramoleculares possuem 3 moléculas em sua seção transversal como mostrado na Figura 1.8.36
Figura 1.8: Geometria otimizada das estruturas tubulares de EHUT determinado através de MM/MD.
Adaptado da ref. 36.
O processo de crescimento dos tubos supramoleculares é mais cooperativo do que o de filamentos. Em uma solução 10mmol L-1 de EHUT em tolueno a 20ºC, o
grau de polimerização dos tubos é na ordem de 2𝑥10−4, o que corresponde à um comprimento de cadeia de cerca de 4μm.37Esse enorme comprimento, aliado à
rigidez e baixa dinâmica destes polímeros supramoleculares, conduz à formação de géis viscoelásticos em concentrações moderadas deste sistema, o que lhe torna particularmente interessante em aplicações nos campos de cosméticos e hidrocarbonetos. 30
A transição entre os monômeros, filamentos e tubos de EHUT é extremamente cooperativa e pode ser facilmente detectada através de diversas técnicas tais como ITC, DSC, viscosimetria e FTIR. A Figura 1.9 ilustra um pseudo-diagrama de fases de EHUT em tolueno,no qual é possível verificar transições tanto em função da concentração como da temperatura. Em concentrações menores que 10−5mol L-1 EHUT está totalmente dissociado na forma de monômeros. À medida
que a concentração é aumentada, filamentos são formados em temperaturas mais elevadas, e tubos supramoleculares à temperatura ambiente. No caso deste sistema EHUT-tolueno, a temperatura de transição entre tubos e filamentos (T**) é de cerca
42°C (10 mmol L-1), sendo que uma variação positiva nessa temperatura é um
indicativo de uma maior estabilidade dos tubos em solução.
Figura 1.9: Pseudo-diagrama de fases de EHUT em tolueno. Símbolos estão relacionado à técnica
utilizada,(▲) ITC transição tubo-filamento; (♦) ITC transição monômero-filamento ITC; (■) viscosimetria; (●) FTIR . Adaptado da ref. 13.
Dentre os diversos fatores que podem afetar a auto-associação de polímeros supramoleculares, o solvente tem um papel intrigante, pouco explicado e tem sido objeto de ativa investigação pela comunidade científica.15,38 A capacidade de
diferentes solventes em promover ou não a formação das estruturas supramoleculares envolve um balanço entre parâmetros opostos, relacionados tanto com a solubilidade e interação com o solvente, como ao crescimento epitaxial de agregados alongados.10 O solvente pode afetar o processo de auto-associação de
diferentes formas, por exemplo, solventes polares competem com os monômeros pelas interações intermoleculares e como consequência desestabilizam a estrutura supramolecular.39 Este é o caso de EHUT, que é incapaz de se auto-associar em
solventes como etanol, DMSO e THF.30
Um outro efeito particular do solvente sobre a auto-associação do EHUT está relacionado com o tamanho/volume da molécula de solvente.15 Este efeito está
relacionado com a necessidade da molécula de solvente preencher a cavidade do tubo de EHUT. Assim, se a molécula de solvente for demasiadamente volumosa para preencher a cavidade tubular, os tubos são desestabilizados e como consequência os filamentos são formados. O resultado é um enorme decaimento na viscosidade do sistema, além da perda de propriedades visco-elásticas. Este
comportamento está ilustrado na Figura 1.10, que contém fotografias de soluções de 12 mmol L-1 de EHUT em diversos solventes com propriedades físico-químicas
semelhantes, porém com diferentes volumes. Vale destacar que até mesmo a pequena mudança de p-xileno para o-xileno resulta numa diminuição de 200 vezes na viscosidade.
Figura 1.10: Soluções 12 mmol L-1 de EHUT em diferentes solventes. As fotografias foram retiradas
em (a) imediatamente, (b) 7 minutos e (c) 40 minutos após os tubos serem invertidos. Adaptado da ref. 15..
O grande número de trabalhos científicos publicados mostra claramente que a natureza do solvente e da estrutura molecular das bis-ureias produz resultados que são difíceis de serem racionalizados, mas por outro lado estimulantes. Neste sentido, este trabalho envolveu uma colaboração com o Professor Laurent Bouteiller da Universidade Pierre and Marie Currie–Paris para busca de novos experimentos e interpretações que permitam entender os caminhos seguidos no processo de
auto-associação desta classe de moléculas. O projeto envolveu a estadia de cerca de um ano do aluno no grupo ChimiedesPolymères.
1.5 BTAs
Outros sistemas capazes de se auto-associarem em polímeros supramoleculares são as BTAs (benzeno-1,3,5-tricarboxamidas) que são moléculas que consistem de um núcleo central aromático com três amidas conectadas nas posições 1,3 e 5, podendo ser N centradas ou C=O centradas como mostrado na Figura 1.11. As ramificações deste núcleo central podem ser alifáticas ou aromáticas, polares ou apolares, carregadas ou neutras, quirais, racêmicas ou aquirais, simétricas (com os mesmos substituintes) ou não simétricas, e suas propriedades estão relacionadas a escolha destes grupos. Essas moléculas têm sido investigadas em uma larga variedade de aplicações, como organogéis, hidrogéis, cristais líquidos, materiais nano-estruturados, agentes de nucleação para polímeros e microcápsulas para entrega de fármacos.40
Figura 1.11: Estrutura molecular de BTAs C=O e N centradas.
Dependendo das condições, as BTAs podem ter um crescimento unidimensional formando longas estruturas na forma de pilhas (“stacks”, Figura 1.12) através de três ligações de hidrogênio das amidas, além de interações secundárias como interações entre os anéis aromáticos, especialmente em solventes de baixa polaridade, nas quais são solúveis e capazes de formarem géis orgânicos. Estas estruturas supramoleculares possuem uma orientação preferencial em hélice quando substituintes quirais são utilizados o que possibilita a sua utilização em aplicações onde se necessita deste tipo de configuração como por exemplo em catálises assimétricas.41,42.
Figura 1.12: Representação esquemática da auto-associação de BTAs em uma hélice
unidimensional (stacks) estabilizada através de 3 ligações de hidrogênio. Adaptado da ref. 40.
O solvente também tem um papel fundamental no processo de auto-associação das BTAs, pois pode competir pelas interações intermoleculares que estão envolvidas na formação das estruturas supramoleculares, sendo assim deve possuir baixa polaridade para que as ligações de hidrogênio sejam formadas. Há efeitos não óbvios como no caso das BTAs metil-alquil substituídas43 (Figura 1.13)
em que as estruturas supramoleculares se diferem no anglo diedro entre o anel aromático e a carbonila quando se utiliza solvente linear (n-n-heptano) ou cíclico (metilciclohexano). Este efeito está atribuído à intercalação dos alcanos lineares entre as moléculas de BTAs no agregado modificando a maneira como a ligação de hidrogênio é formada. Entretanto, não há relatos de outras variações causadas pelo solvente nestes sistemas.
Figura 1.13: (a) Estrutura molecular de derivados de benzeno-1,3,5-tricarboxamida. Arranjo
molecular de stacks formados por BTAS com substituintes metila em (b) n-heptano e (c) metilciclohexano. Adaptado da ref. 43.
Por outro lado, a adição de interações secundárias através da variação estrutural dos substituintes do núcleo nas BTAs altera sensivelmente a estabilidade e dinâmica das estruturas formadas. Em especial grupamento α-amino ésteres ou segmentos peptídicos têm chamado atenção devido à grande variedade destes grupos que podem ser facilmente incorporados nas funções amidas da BTAs. O tamanho do segmento éster também tem influência no processo de auto-associação das BTAs. Estudos anteriores envolvendo BTAs metil-ésteres derivadas de (L)-valina, (L)-metionina mostraram que estes sistemas são capazes de se auto-associarem na forma de stacks. O mesmo não acontece em derivados de fenilalanina e tirosina. Segmentos maiores, como BTAs octil-ésteres de (L)-isoleucina, (L)-fenilalanina não possuem a habilidade de formar géis ou longas estruturas em solventes apolares. Entretanto, contraditório ao esperado, BTAs dodecil-ésteres derivadas de (L) metionina e (L)-fenilalanina são capazes de formar géis moleculares em ciclohexano.41
Apesar de BTA dodecil-ésteres derivadas de (L) metionina (BTA Met) e (L)-fenilalanina(BTA Phe)formarem stacks em altas concentrações em ciclohexano (estruturas moleculares na Figura 1.14a), o mesmo não ocorre em baixas concentrações, formando dímeros incapazes de formar soluções viscosas. Já BTA dodecil-éter derivada de (L)-norleucina forma dímeros até mesmo em concentrações mais elevadas.41 Estes sistemas se diferem na maneira que as ligações de
hidrogênio são formadas. Enquanto ocorre a ligação NH--CO da amida na formação de stacks, os dímeros apresentam uma ligação NH--CO do grupamento éster (Figura 1.14b).
Figura 1.14 (a) Estrutura molecular de BTAs Met, Nle e Phe. (b) Estruturas moleculares propostas
para dímeros e stacks formados por dodecil-ésteres em ciclohexano. Adaptado da ref. 41.
No sentido de investigar essas propriedades não comuns das BTAs dodecil-ésteres foi feito um estudo (Capítulo 4) da natureza e estabilidade de 13 novos
sistemas derivados de diferentes aminoácidos ou segmentos peptídicos (estruturas no anexo I). A influência do grupo dodecil-éster, comprimento da cadeia alifática ligada ao carbono α, além da presença de heteroátomos e grupos fenólicos foi sistematicamente avaliado. Os diferentes comportamentos observados destacaram a importância de controlar as propriedades de auto-associação dos monômeros das BTAs.
CAPÍTULO 2
TÉCNICAS APLICADAS NA CARACTERIZAÇÃO DOS SISTEMAS
SUPRAMOLECULARES UTILIZADAS NESTE TRABALHO
A caracterização de sistemas supramoleculares envolve a utilização de diversas técnicas que permitem entender os processos de agregação molecular. Uma das propriedades (macroscópicas) utilizada envolve a reologia, que mede a resposta do sistema perturbações mecânicas, sendo importantes na avaliação dos géis formados pelos sistemas supramoleculares. Técnicas de espalhamento são indispensáveis na determinação estrutural, seja do tamanho dos sistemas formados, seja relativo a morfologia dos mesmos. Calorimetria, tanto isotérmica como de varredura oferecem uma descrição termodinâmica e são úteis na determinação de transições que acontecem em relação a concentração e temperatura, respectivamente. As técnicas espectroscópicas, tais como FTIR, UV-Vis e dicroísmo circular são abrangentes e são utilizadas na caracterização das interações intermoleculares envolvidas, especialmente ligações de hidrogênio, e formação dos diferentes agregados que possuem perfis de absorção diferentes. Neste sentido, esse capítulo tem como foco estabelecer uma base de conhecimento sobre técnicas de caracterização na tentativa de facilitar o entendimento das discussões dos capítulos seguintes.
2.1 Reologia
Reologia é a ciência que estuda a resposta de materiais frente à uma perturbação mecânica dada na forma de uma tensão, tais como: extensão, compreensão e cisalhamento.44 Através destes experimentos é possível avaliar
propriedades mecânicas de um material, como por exemplo sua viscosidade e os módulos de armazenamento e perda. Desta forma, o entendimento do comportamento reológico é essencial em sistemas de diversas áreas como cosméticos, fármacos, tinturas, alimentos, indústria petroquímica, entre outros.45
No campo dos sistemas supramoleculares a reologia pode ser utilizada como um indicativo dos processos de auto-associação, especialmente quando polímeros supramoleculares são formados e consequentemente aumentam drasticamente a viscosidade do sistema devido ao entrelaçamento das cadeias. Além disso, como
estes sistemas são dinâmicos, ensaios oscilatórios aliados a modelos descritos na literatura podem ser utilizados na tentativa de compreender os processos de quebra e recombinação das moléculas que formam os agregados não-covalentes.
O entendimento da reologia se baseia em duas leis fundamentais, chamadas de equações constitutivas, que descrevem o comportamento mecânico dos materiais.45 A primeira descrita matematicamente pela lei de Hooke (Equação 2.1)
considera que o material tem um comportamento totalmente elástico quando uma força é aplicada ao longo de um eixo e consequentemente uma deformação (Δx) é gerada no mesmo, como mostrado na Figura 2.1. De acordo com a lei de Hooke, a força na forma de tensão mecânica (necessária para deformar (sendo o coeficiente de deformação) o material é diretamente proporcional ao módulo elástico do materialG
Figura 2.1: Exemplo de uma deformação de um material ao longo do eixo x ao se aplicar uma força
no mesmo eixo.
τ = Gγ Equação 2.1
Já quando o sistema apresenta um comportamento totalmente líquido, o material se deformará permanentemente no tempo quando uma tensão é aplicada caracterizando um escoamento que pode ser em dois regimes: lamelar onde o fluído é deslocado em apenas uma direção e, turbulento, onde a energia é alta o suficiente para gerar vórtices e o deslocamento é aleatório. O regime turbulento pode também ser usado na caracterização de sistemas supramoleculares, especialmente através de estudos de atrito hidrodinâmico,46 entretanto não é o foco deste trabalho.
No regime lamelar, a lei de Newton47 (Equação 2.2) que correlaciona a tensão
(𝜏) com a viscosidade (𝜂) e taxa de cisalhamento (𝛾 ) pode ser utilizada para descrever o comportamento do material. A definição da taxa de cisalhamento (equação 2.3) indica que este parâmetro representa a taxa de deformação do
material em relação ao tempo, sendo a viscosidade a sua constante de proporcionalidade com a tensão aplicada.
τ = ηγ Equação 2.2 γ =dγ
dt Equação 2.3
A correlação entre a tensão aplicada e a taxa de cisalhamento não é constante na maioria dos materiais, ou seja, tem comportamento não-newtonianos. Por exemplo, nos sistemas supramoleculares podem ocorrer modificações estruturais devido a dinâmica das interações intermoleculares quando uma tensão é aplicada, levando a um comportamento não-newtoniano. A Figura 2.2 apresenta curvas de fluxo, que são relações entre tensão e taxa de cisalhamento, onde é possível observar os diferentes comportamentos de matérias existentes. Especial destaque para a curva dos materiais pseudoplásticos que é o caso dos sistemas supramoleculares estudados.
Figura 2.2: Curvas de fluxos com perfil de diferentes tipos de materiais.
Os fluidos pseudoplásticos possuem comportamento newtoniano nos limites de baixos valores de taxas de cisalhamento, e desta forma a viscosidade nesta faixa denominada viscosidade no repouso é constante. Entretanto, com o aumento na taxa de cisalhamento, os sistemas supramoleculares se desenovelam e se alinham ao fluxo. Como resultado há uma menor resistência ao escoamento e consequentemente uma diminuição gradual na inclinação da curva da Figura 2.2. Desta forma, o primeiro passo na obtenção da viscosidade (no repouso) é
determinar a faixa de taxa de cisalhamento (ou tensão aplicada) onde existe um platô newtoniano como mostrado na Figura 2.3. Esta viscosidade no repouso é o parâmetro que será utilizado ao longo deste trabalho.
Figura 2.3: Exemplo de obtenção da viscosidade no repouso a partir do platô newtoniano de uma
curva de fluxo de um material pseudoplastico.
Além da obtenção da viscosidade no repouso, a reologia pode ser usada na caracterização das propriedades visco-elásticas dos sistemas supramoleculares. Neste tipo de estudo, são conduzidos ensaios oscilatórios que alteram a frequência onde a tensão é aplicada no sistema. A resposta do material é um processo de relaxação da energia em excesso (obtida pela tensão aplicada) através de um rearranjo espacial através de movimentos moleculares que resulta no escoamento do material.45 Se a frequência que a tensão é aplicada for alta o suficiente para não
permitir o processo de relaxação, a energia é armazenada e posteriormente restituída na forma elástica. Caso a frequência de perturbação seja baixa, o sistema tem tempo suficiente para dissipar a energia pelo processo de relaxação descrito.
Neste sentido, quaisquer sistemas estudados, inclusive os supramoleculares apresentam comportamento elástico e viscoso que dependem se a perturbação ocorre com alta ou baixa frequência em relação ao tempo de relaxação característico do material. Essas características sólida e líquida são expressas pelos módulos dinâmicos elásticos (G’) e viscoso (G’’) respectivamente, que são obtidos em experimentos reológicos oscilatórios em diferentes frequências. Existem diversos modelos que descrevem os módulos elásticos através de análogos mecânicos como
mola e pistão (leis de Hooke e Newton) descritos na literatura. No caso específico de sistemas dinâmicos como polímeros supramoleculares47 e micelas gigantes,48 o
modelo de Maxwell que utiliza uma associação destes elementos em série como mostrado na Figura 2.4 tem sido eficientemente utilizado em diversos trabalhos, inclusive na descrição do comportamento reológico de EHUT.2
Figura 2.4:Representação esquemática da associação em série de uma mola (comportamento
sólido) e um pistão (comportamento líquido) que são análogos mecânicos utilizados no modelo de Maxwell.
O modelo de Maxwell descreve matematicamente os módulos elásticos e dinâmicos através das Equações 2.4 e 2.5 respectivamente, onde ω é a frequência de oscilação e τR é o tempo de relaxação das cadeias. O τR, é obtido pela frequência onde há o cruzamento dos dois módulos (ωc= 1/τR quando G'(ωc) = G'' (ωc);
Equação 2.6). Um exemplo de um espectro mecânico de EHUT ajustado elo modelo Maxwell está representado na Figura 2.5:
G' = G0 (ωτR) 2 1 + (ωτR)2 Equação 2.4 G'' = G 0 (ωτR) 1 + (ωτR)2 Equação 2.5 G' = G'' → G 0 (ωτR)2 1 + (ωτR)2 = G0 (ωτR) 1 + (ωτR)2 → (ωτR) = 1 → τR = 1 ω Equação 2.6
Figura 2.5: Experimentos reológicos oscilatórios ajustados com o modelo de Maxwell de soluções 10
mmol L-1de EHUT em n-octano.G’: modulo elástico; G’’ módulo viscoso. Destaque para o cruzamento
dos módulos que indicam a frequência onde se obtém o tempo de relaxação. Adaptado da ref. 47. O tempo de relaxação é a combinação dos processos de reptação e de quebra das cadeias, que podem ser caracterizadas por dois tempos de relaxação separados, respectivamente τrep e τquebra. Enquanto o τquebra é inerente à dinâmica de quebra e recombinação do sistema supramolecular, o τrep está relacionado ao movimento das cadeias na tentativa de dissipar a energia mecânica aplicada.49 Se
nos sistemas supramoleculares os processos de quebra e recombinação são muito mais rápidos que a reptação, ou seja τquebra ≪ τrep, o tempo de relaxação geral é dado pela Equação 2.6:45
τR = √τrepτquebra Equação 2.6
Comparar o tempo de relaxação de sistemas supramoleculares, desde que sigam o modelo de Maxwell, significa comparar diretamente o tamanho das cadeias supramoleculares (L̅), pois existe uma proporcionalidade (τR ∼ L̅) entre estes
parâmetros como mostrado por Cates e Candau,10 sendo então de extrema valia na
caracterização destes sistemas, especialmente por correlacionar propriedades macroscópicas e microscópicas do sistema. No entanto, como mostrado na Figura 2.5, pela qualidade do ajuste, pode-se concluir que o modelo de Maxwell não descreve completamente os processos de relaxação do EHUT em n-octano.