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A Efetivação de Direitos e a Educação da Criança do Campo

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Academic year: 2020

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A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS

E A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA

DO CAMPO*

FERNANDA ALVES DE OLIVEIRA**, FREDERICO

DOURADO R. MORAIS***

O

direito ao acesso à cultura, à educação e à ciência está estabelecido no Art. 23 da Constituição Federal de 1988, a qual ressalta ser “competência comum da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios: proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) no Art. 53 aponta a educação como um direito, assegurando que:

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igual-dade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência (BRASIL, 1990).

Resumo: este trabalho se propõe discutir o movimento de efetivação de direitos a partir

da educação da criança do campo, uma vez que destaca a educação como um dos direitos humanos, garantido nas legislações nacionais e internacionais, e que em muitos momentos está sendo violada. Nesse sentido, as ações de formação e pesquisa no âmbito da extensão se apresentam como essenciais no processo de reflexão social da temática.

Palavras-chave: Educação. Direito. Infância do Campo.

* Recebido em: 21.01.2015. Aprovado em: 02.02.2015.

** Mestranda em Direitos Humanos pela UFG. Especialista em Educação Infantil pela PUC Goiás. Integrante do NEPIEC/FE/UFG. Professora da rede municipal de educação de Aparecida de Goiânia. E-mail: fernandaufg@hotmail.com.

*** Mestre em Educação pela UFG. Professor na PUC Goiás e Assessor de Formação do Instituto Dom Fernando/PROEX/PUC Goiás. E-mail: fredericodourado@gmail.com.

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A partir da temática Educação do/no Campo, problematizamos: como a educação enquanto um direito estabelecido em documentos oficiais tem sido ofertada às crianças mo-radoras do campo a partir da análise das políticas públicas?

Este artigo parte de estudos realizados para uma monografia, do curso em Especia-lização em Educação Infantil, da PUC Goiás, onde se procurou compreender a necessidade e relevância de estudar os direitos das crianças do campo à educação, uma vez que existem legislações que garantem a educação a todos, porém encontramos na realidade crianças fora da escola. Nesse sentido, programas de extensão no âmbito da Universidade que aproximam essas temáticas do espaço acadêmico, se mostram como essenciais para ampliar o debate e promover processos de conscientização social.

Kramer (2003, p. 99) destaca que, “políticas para a infância têm o papel de garantir que o conhecimento produzido por todos se torne de todos. [...] pois a formação cultural é direito de crianças, jovens e adultos, indivíduos sociais, cidadãos que tem direitos sociais, en-tre eles direito a educação”. A ausência de oferta de educação às crianças do campo significa, com outras palavras, negar seu direito à educação. Dessa forma, fere os princípios de igualda-de perante os homens, estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

Tendo os direitos humanos como um dos objetivos a conquista da igualdade (MENDONÇA, 2013). Vale refletir sobre a igualdade de oportunidades quanto ao acesso e permanência na educação, sobretudo aos cidadãos que ficam às margens das políticas pú-blicas, como por exemplo, as crianças. Ao que se refere ao objeto de estudo desta pesquisa, encontram-se marginalizadas duas vezes, por serem crianças, e moradores do campo.

CRIANÇAS E INFÂNCIAS: UM HISTÓRICO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS

Refletir sobre a temática da infância e sua educação são uma tarefa complexa e exige um olhar atento sobre os diferentes tempos e espaços em que a criança se insere. Del Priore (2009) dedicou-se na investigação sobre a história das crianças no Brasil com a inten-cionalidade de voltar ao passado para contribuir com as discussões presentes sobre a criança e sua infância. Ao refletir sobre a história das crianças brasileiras desde o século XVI, a autora ressalta que durante muito tempo o papel da criança foi negligenciado, destaca o alto índice de mortalidade infantil e afirma que diferentes concepções de infância e criança demarcam a história das formas de tratamento dado às crianças no Brasil.

Heywood (2004), ao refletir sobre a história da infância, ressalta que o historiador James A. Schultz sustenta a ideia de que a sociedade medieval na Alemanha considerava a in-fância como uma “idade da deficiência” e as crianças sendo meramente “adultos imperfeitos”, como uma ideia de incompletude.

Sterns (2004), ao escrever sobre a infância, menciona que já estava presente na infân-cia ocidental pré-moderna um alto índice de mortalidade infantil e o trabalho das crianças nas sociedades agrícolas. Expõe que “a fartura de terras intensificou a necessidade do trabalho infan-til e determinou o aumento da natalidade nos séculos XVII e XVIII.” (STERNS, p. 81, 2004).

São históricas as concepções de infâncias que pontuam as violações dos direitos fundamentais das crianças, sobretudo do direito a ser criança. Ao estudar a história da in-fância percebemos que desde séculos atrás, como no século XVI, as crianças encontravam--se presentes como parte marginalizada da sociedade, sobretudo ao que se refere às condi-ções de dignidade.

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Rocha (1997) ao escrever sobre a história da infância na fábrica, no livro “Lugares da Infância”, sob a organização de Antônio Merisse, ressalta que com o surgimento das in-dústrias as crianças eram empregadas ou alugadas para o trabalho nas fábricas, afirmando que: a redução do numero de empregados e sobretudo, a substituição dos trabalhadores especializados pela mão de obra muito mais barata, dócil e abundante dos migrantes expulsos do campo, das mu-lheres que a miséria das famílias operárias empurrava para os empregos, e finalmente das crianças que podiam ser compradas ou alugadas nos asilos para os pobres: ‘Aluga-se o trabalho de 260 crian-ças, com teares o mais necessário para tratar o algodão. Mais detalhes, dirigir-se ao senhor Clough, Common Street, Manchester’ (ROCHA, 1997, p. 13).

Ao que se refere à violação dos direitos das crianças, Rocha (1997, p. 17) comple-menta que “prisioneiras das fábricas, estas crianças eram submetidas a todo tipo de brutalida-de, contanto que surgisse efeito lucrativo”.

Era interesse desses feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que delas podiam extrair. A consequência natural disso era a crueldade. Em muitos distritos industriais, especialmente Lancashire, emprega-vam torturas de dilacerar o coração, contra essas crianças inofensivas e desamparadas, consignadas ao dono da fábrica. Esgotadas por excesso de trabalho ate a morte... eram açoitadas, postas a ferro e torturadas com esquisitos requintes de perversidade em muitos casos ficavam a míngua de alimentos ate aparecer os ossos, sendo obrigadas a trabalhar a chicote [...] Sim, em alguns casos as crianças foram impelidas ao suicídio! [...] Mas os lucros dos fabricantes eram enormes, e isto apenas aguçava- lhes a voracidade lupina (MARX, 1859, apud ROCHA, p. 17, 1997).

Durante um longo período na história brasileira, a Infância e a educação ficaram sob a responsabilidade da assistência, uma ideia de que o atendimento da criança baseava-se apenas no cuidado. Kuhlmann Jr. (2011, p. 17) ressalta que “a história da assistência, ao lado da história da família e da educação, constituem as principais vertentes que têm contribuído com inúmeros estudos para a história da infância, a partir de várias abordagens, enfoques e métodos”.

Alves (2007, p. 45) menciona que “as propostas e práticas assistencialistas, de cará-ter moralizador, explicitamente vinculam-se à concepção de criança hecará-terônoma construída e divulgada no processo de desenvolvimento das pedagogias modernas”. Para a autora a criança é concebida como ser frágil, que depende da ação dos adultos e da educação para adquirir autonomia, liberdade e independência. Enfatiza a situação de incompletude infantil com re-lação ao adulto, a concepção da criança como aquela que falta algo, “o vir a ser”, “sujeitos do futuro” a ideia de preparação para a vida em que apenas os adultos “educados e maduros” são capazes de tomar decisões, exercer cidadania e construir sua própria História (ALVES, 2007). Conforme expõe Alves (2007, p. 45), “a infância é tratada de forma paradoxal, recebendo uma atenção que discrimina, exclui e, muitas vezes, humilha. No percurso das po-líticas públicas vemos a infância marginal, o menor, o pobre, o necessitado, [...]”. Ocupando a infância esse espaço excludente, ao que se refere às políticas públicas para a infância, estas não seguem uma direção linear, pois são constituídas na correlação de forças sociais.

Veiga (2010), ao refletir sobre as crianças na história da educação, faz uma inter-locução entre a história da infância e a história da educação e escolarização, apresentando a constituição da infância civilizada, uma vez que a criança é reconhecida pela sociedade como outro distinto do adulto. A autora destaca as práticas civilizadas de educação e o papel da escola como uma instituição de socialização das gerações. Menciona que em diferentes

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mo-mentos crianças e adolescentes são homogeneizados como alunos, interferindo no conceito de suas identidades. A infância que se discute tem como compreensão a produção sociocul-tural, uma vez que esta produção esta relacionada à produção da identidade e por sua vez às questões de gênero, classe social e etnia.

Kuhlmann Jr. (2011) destaca que, com a entrada da mulher no mercado de trabalho e as transformações familiares, surgiram novas representações sociais de infância. A partir deste acontecimento destaca-se que a criação de creches para atender filhos/as de mães trabalhado-ras não se constituiu apenas em uma estratégia governamental, mas, expressou-se como re-sultado da luta de movimentos sociais feministas e de uma produção científica que valorizava e reconhecia cada vez mais a importância da educação das crianças em contextos coletivos diferenciados da família (ALVES, 2007).

Kuhlmann Jr. (2011) identifica o período da infância como condição da criança com limites etários amplos, subdivididos em fases de idade, para as quais se criaram institui-ções educacionais específicas. Pensar uma instituição para a criança de 0 a 6 anos, é pensar uma educação voltada para as suas especificidades. Ao que se refere à historiografia da Edu-cação Infantil, Kuhlmann Jr. (2011, p. 16) ressalta que “a instituição de eduEdu-cação da criança pequena estão em estreita relação com as questões que dizem respeito à história da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho e das relações de produção, etc”.

Dessa forma, Barbosa et al. (2008, p. 5) afirmam que “não há uma única e universal infância, pois são diferentes as formas de tratar e conceber a criança”. Isso nos permite ques-tionar qual está sendo o papel da criança na sociedade atual, bem como, mais especificamente no âmbito da garantia de seus direitos, se existem fatores nos quais estão sendo violados seus direitos, sobretudo o direito à educação.

Ao que se refere aos direitos da criança, encontramos estes, muitas das vezes, em legislações, declarações e tratados nacionais e internacionais, normatizados nos documentos oficiais, contudo, vale ressaltar que muitos não se efetivam, e quando se efetivam não incluem todas as crianças.

Diante do exposto, faz-se necessário questionar se todas as crianças têm seus direi-tos efetivados. Se essas crianças são verdadeiramente consideradas cidadãs na legislação e no contexto real da efetivação dos direitos. Faz-se necessário questionar se entre esses direitos efetivados às crianças encontra-se o direito à educação. Em especial, se os direitos à educação estão sendo garantidos às crianças do campo.

AS CRIANÇAS DO CAMPO E A VIOLAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO

Refletir sobre uma educação do/no campo é levar em consideração as necessi-dades e especificinecessi-dades de um ensino pensado para e pelos moradores do campo. Ou seja, uma educação do campo, pensada de acordo com as vivencias dos camponeses e no próprio campo, evitando o deslocamento para as escolas urbanas. Estes, de acordo com a Resolu-ção 02/2008 do Conselho Nacional de EducaResolu-ção (CNE), abrangem os trabalhadores dos movimentos sociais, quilombolas, pescadores, extrativistas, ribeirinhos, caiçaras, indígenas, assentados, entre outros.

Vale diferenciar os conceitos de educação rural e educação do campo. Segundo Gonçalves (2009, p. 51), a primeira ganhou força no Brasil na década de 1920, com o sur-gimento do termo ruralismo pedagógico, com o objetivo de aumentar a produção e conter o

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êxodo rural, pela fixação do homem do campo no campo. Uma educação que segue os inte-resses da burguesia. Diante dos conceitos rural e campo, Gonçalves (2009, p. 52) esclarece:

A utilização do termo ‘campo’ no lugar de ‘rural’ é própria do movimento, que para diferenciar suas exigências das políticas urbanocêntricas do passado feitas ‘para o meio rural’, define o novo projeto de desenvolvimento ‘para o campo’, que parte das necessidades e interesses do próprio campo. Para o Ministério da Educação, existem outros componentes que colaboram para a mudança do paradigma da educação rural para o da educação do campo, não sendo apenas a análise crítica da escola rural, mas o surgimento das propostas desenvolvimentistas para o campo, em geral centradas no agronegócio e na exploração indiscriminada dos recursos natu-rais (BRASIL/MEC, 2007). Já Caldart (2009, p. 39) afirma que “a Educação do campo nas-ceu como crítica à realidade da educação brasileira, particularmente à situação educacional do povo brasileiro que trabalha e vive no/do campo”. Nasce da “experiência de classe”, ou seja, da organização dos camponeses em movimentos sociais, compostos por diferentes sujeitos, de diferentes classes que lutam pelos seus direitos.

Diante do panorama histórico da Educação do Campo, encontram-se os movi-mentos sociais como protagonistas do seu processo de criação, sendo os principais atores os movimentos sociais de luta pela reforma agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). São frequentes as tensões e lutas por políticas públicas que garantam o acesso dos camponeses à educação escolar em seu próprio território (CALDART, 2009). Os movimentos sociais são contrários à retirada dos povos do campo para estudarem nas escolas urbanas; contrários aos transportes escolares inapropriados, sem condições mínimas necessá-rias, como cinto de segurança, cadeirinhas e acentos paras as crianças pequenas.

Velloso (2008, p. 41) aponta que os movimentos sociais “buscam fixar o homem no campo e assegurar a posse da terra para aqueles que a desejam cultivar”. Defendem a per-manência no campo com condições necessárias de sobrevivência, como sujeitos de direitos.

Cruz (2009, p. 59), ao refletir sobre as relações do movimento social com a es-cola, busca discutir as ideias de democracia, qualidade e cidadania, ressaltando que os movimentos sociais,

com seu caráter educativo, modificaram significativamente a relação entre assistência e direitos so-ciais no Brasil. Para isso instalaram valores e princípios de uma cultura política participativa, mul-tiplicando-se por todo o país e construindo uma vasta teia de organizações que se mobilizaram em torno da conquista, da garantia e da ampliação de direitos.

Contudo, Cruz (2009) nos convida a perceber os movimentos sociais enquanto fortalecedores da participação política na sociedade, uma vez que encontra-se embutidos nos movimentos sociais “questões teorias extremamente complexas, entre os quais o caráter das lutas desenvolvidas e sua relação com a classe; suas (des)articulações com partidos políticos ou seus antagonismos em relação ao Estado” (CRUZ, 2009, 61).

Mediante o exposto, Toneto (2007, p. 19), ao refletir sobre a educação da criança do campo, ressalta que “para atender a suas crianças, o Movimento Sem Terra (MST) criou as Cirandas da Educação, escolas fixas ou itinerantes montadas em acampamentos, assenta-mentos e reuniões.” As crianças filhas dos integrantes do Movimento Sem Terra ganharam o nome de sem-terrinha no 1º Encontro Estadual de Crianças sem Terra de São Paulo no

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ano de 1997. A proposta do Movimento Sem Terra é que suas crianças sejam educadas nas cirandas, estas por sua vez constituem um grande palco onde a cidadania infantil é exercida. Em espaços fixos ou improvisados, na terra prometida e na terra conquistada, as Cirandas de Educação são constituídas de crianças de 0 a 10 anos – com ênfase no atendimento de meninos e meninas em fase pré-escolar – que brincam, aprendem e partilham experiências (TONETO, 2007).

De acordo com Toneto (2007), a experiência das Cirandas provoca, em vários Es-tados, a implantação de políticas públicas específicas para a educação no campo. Quanto à preocupação do MST com a educação para a infância, faz-se necessário destacar que esta está voltada para a educação como um direito, para a consciência da obrigação pública frente à formação do cidadão.

Existem dois formatos de Cirandas, fixas, implantadas nas escolas dos assentamentos e itinerantes, instaladas nos assentamentos e nos cursos e atividades dos Sem Terra. Nas Ciran-das, a Educação Infantil, ou seja, das crianças de 0 a 5 anos, são interpretadas como prioridade, com atendimento em tempo integral, a proposta também se estende às crianças ate 10 anos. As Cirandas são espaços de educação e de convivência implantados em escolas, galpões de madeira e até em barracas de plástico preto em beiras de estradas (TONETO, 2007).

Fazem presente na educação no campo as Cirandas e escolas itinerantes, que têm como intencionalidade acompanhar os integrantes do MST, de acordo com as ocupações. Para Toneto (2007), o setor de Educação do MST não tem uma pedagogia própria, mas cria uma nova forma de ensinar, um novo jeito de lidar com as pedagogias historicamente construídas.

Outra realidade presente na educação no campo são as turmas muitisseriadas. En-tende-se por multissérie uma classe com crianças de várias séries e um único docente. Muitos são os motivos para sua existência, notando-se características como a falta de docentes, de espaço, de recursos financeiros, entre outras relevâncias. Como aponta Ferri (1994, p. 12):

Para alguns uma estranha, para outros a única possibilidade de escolarização nos primeiros anos de vida. Considerada por alguns autores como ‘arremedo de escola e não escola propriamente dita’ (FON-SECA, 1989:20), o ‘status’ de difíceis em todos os aspectos (acesso, transporte, condições físicas e materiais, alunos, comunidade...) diz muito do que encontrei no contato sistemático com as escolas multisseriadas. Uma escola, uma sala de aula, um professor, alunos, de 1ª a 4ª série. Sem merendeira, diretora, orientadora, vigia, laboratório, sala de vídeo (FERRI, 1994. p. 12).

As classes multisseriadas estão presentes na realidade das escolas do campo, embora vários autores se mostrem contrários à implantação do modelo seriado urbano no espaço do campo. Como destaca Arroyo (1999, p. 17):

Não tragam para o campo a estrutura escolar seriada urbana. Estamos no momento de acabar com a estrutura seriada urbana e não teria sentido que na hora que vocês pensam numa escola básica do campo, pegassem um modelo que já está todo ele quebrado, caindo aos pedaços, que é o sistema seriado.

Diante dos pressupostos legais, somente a partir da CF/1988 a educação brasileira passou a contemplar as especificidades e interesses das populações identificadas com o campo. Anteriormente a essa legislação, a educação para os moradores do espaço rural eram mencio-nadas apenas como instrumental e assistencialista, ou conforme revelava a LDBEN de 1961 (Lei n.º 4.024/61):

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preocupação quanto à promoção da educação nas áreas rurais para frear a onda migratória que levava um grande contingente populacional do campo para as cidades, gerando problemas habitacionais e estimulando o crescimento dos cinturões de pobreza hoje existentes nos grandes centros urbanos (BRASIL, 2007, p. 16).

A CF/1988 tem como premissa a garantia do acesso de todos os brasileiros à edu-cação escolar, fortalecendo o discurso da democracia. Contudo, somente em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9394/96), foi implementado o direito à igualdade e à diferença, assim como à diversidade sociocultural. De acordo com o Ministério da Educação (BRASIL, 2007, p. 17) esta última lei “permite, ainda, a organização escolar própria, a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas”. Dessa forma, contribui para o fortalecimento da luta por uma educação de qualidade, levan-do em consideração as especificidades levan-dos povos levan-do campo.

Mediante o exposto, faz se pertinente destacar que o reconhecimento social das crianças e de seus direitos à educação devem ser ampliados, conforme expõe a publicação da pesquisa referente a “Oferta e demanda da educação infantil no campo” realizada em 2012. A publicação apresenta dados do IBGE e INEP 2010, mostrando o reduzido número de crianças camponesas de 0 a 6 anos matriculadas na Educação Infantil. Destacando que de 3,59 milhões de crianças de 0 a 6 anos residindo em área rural em 2010, apenas 1/3, ou seja, 1,2 milhões, encontram-se matriculadas em uma instituição escolar e que 23,7% destas crianças matriculadas são em instituições urbanas (BARBOSA et al., 2012). Desta forma as autoras do documento acrescentam:

Essa defasagem que contraria paradigmas da educação do campo na medida em que pode dificultar ou impedir a construção de processos identitários próprios às culturas e subjetividades do campo, tem sido uma das escapatórias ou soluções para cumprir parte do direito à educação. Além disso, alerta para um provável cenário quando da implementação da EC 59/09: onde serão criadas vagas para novas matriculas de crianças de 4 e 5 anos? Em escolas no rural ou no urbano? (BRABOSA et

al., 2012, p. 41).

Para que as propostas de educação sejam a partir do campo e para o campo é ne-cessário que sejam quebrados muitos paradigmas e preconceitos historicamente construídos entre campo e cidade como, por exemplo, o do campo visto como lugar de atraso, de preca-riedades, de necessidades de investimentos.

Contudo, faz-se necessário pensar no direito das crianças do campo à educação, por incluir-se na universalização da palavra “todos”, normatizadas nas legislações vigentes. Se a educação é um direito de todos, é um direito também das crianças que vivem no campo.

Refletir sobre o direito a educação está para além de uma vaga na escola, uma ma-trícula, um número. Segundo o Manual de Direitos Humanos (2011) não há sentido falar em direito à educação se outros direitos humanos são violados na escola. Ressalta que o exer-cício do direito à educação não pode estar dissociado do respeito a outros direitos humanos. Acrescentando que,

Não se pode permitir, por exemplo, que a creche ou a escola, seus conteúdos e materiais didáticos reforcem preconceitos. Tampouco se deve aceitar que o espaço escolar coloque em risco a saúde e a segurança de estudantes, ou ainda que a educação e a escola sejam geridas de forma autoritária, impossibilitando a livre manifestação do pensamento de professores e estudantes, bem como sua participação na gestão da escola (BRASIL, 2011, p. 26).

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Na defesa pelo direito à educação, torna-se fundamental a luta por uma educação de qualidade, não apenas para elevar os números de taxas de analfabetismo no Brasil, mas para uma educação que favoreça a garantia dos demais direitos, que seja promotora de cida-dania e igualdades sociais.

Dessa forma em virtude dos fatos mencionados, evidencia-se uma emergência na continuação de pesquisas e estudos correspondentes à educação do/no campo, uma vez que existem ainda impasses para a garantia de uma educação de qualidade pensada a partir das especificidades culturais dos povos camponeses.

A NECESSÁRIA PRESENÇA DA UNIVERSIDADE NESTE DEBATE: O PAPEL DO INSTITUTO DOM FERNANDO DA PUC GOIÁS

A Pontifícia Universidade Católica de Goiás possui uma sólida experiência acadê-mica voltada para as temáticas da infância. Com programas permanentes de extensão com mais 30 anos de atuação, a PUC Goiás tem uma trajetória marcada pelo desenvolvimento histórico destes programas que, embora diversos em seus perfis, convergem para ações perma-nentes com vistas ao fortalecimento do sistema de proteção, promoção e controle social dos direitos humanos de crianças e seus familiares, como também para a reafirmação do compro-misso da universidade enquanto organização da sociedade civil.

Neste contexto, programas permanentes de extensão têm tecido a articulação entre a extensão, o ensino e a pesquisa, contribuindo para a qualidade acadêmica produzida na universidade. Essa contribuição se dá fundamentalmente por meio da elaboração de me-todologias de intervenção, de conhecimentos científicos, de formação de profissionais e de proposições para a política pública.

As concepções fundantes, balizadoras das ações do Instituto Dom Fernando, vin-culado à Pró-Reitoria de Extensão e Apoio Estudantil da PUC Goiás e especializado nas temáticas da infância, da adolescência, da juventude e da família, constituem um quadro relacional ao considerar que o Instituto se insere como sujeito histórico e se consolida no processo de construção das relações sociais estabelecidas com os diversos atores em cena e nas contradições inerentes a uma sociedade antagônica, onde a luta de classes efetiva-se e produz violação de direitos.

Na condição de sujeitos de direitos, é necessário reconhecer e incentivar a criança e o adolescente como protagonistas de sua história, considerando suas habilidades, competên-cias, interesses e necessidades específicas, na busca compartilhada de soluções para as questões que lhes são próprias.

A escola, a comunidade e a extensão na universidade, dentre outros, constituem espaços frequentados por crianças e por adolescentes importantes para o exercício dos direitos de cidadania e para a garantia do protagonismo infanto-juvenil, uma vez que são possibilidades de experiências que incentivam a criatividade e a formação crítica, bem como a formação de lideranças.

O Instituto Dom Fernando tem como centralidade de sua atuação a promoção, a proteção e a defesa de direitos humanos, concebidos como garantia de justiça social e dignida-de humana para os sujeitos criança, adolescente e jovem, e em consonância com essa postura, destacam-se, entre as ações do Instituto, a articulação com os movimentos sociais e as entidades e órgãos voltados para as temáticas da infância, da adolescência, da juventude e da família e a intervenção nas políticas sociais. A atuação junto aos órgãos de definição das políticas sociais

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é um dos eixos essenciais do Instituto na compreensão de seu papel transformador da situação vivida por crianças, adolescentes, jovens e famílias, como uma das possibilidades de garantia de justiça social e de cidadania.

A educação do/no campo encontra-se como excludente, ao que compete às ofertas e oportunidades de direito à educação. Sabe-se que um dos grandes desafios presentes no campo é o conflito entre o trabalho e a escolarização, uma vez que “[...] a escola pode ser, para essas crianças, tanto a esperança para livrar-se da enxada, deixar a vida no campo, quanto a de permanecer e ver crescer a família, prosperar, adquirir e cultivar a própria terra (PRADEM, 2004, p. 58). Trocar a enxada pelos livros pode ser uma boa escolha, desde que a educação proposta seja pensada e articulada com as vivências e experiências das crianças do campo. Portanto, faz-se necessário um olhar atento para a educação no campo, sobretudo a garantia do acesso e permanências dessas crianças em instituições educacionais.

Mediante estes e outros desafios mencionados neste trabalho, como estruturantes dos desdobramentos do não cumprimento do direito a educação, faz-se pontual destacar estes desafios sobre a perspectiva do direito da criança, uma vez que ao falar em educação enquanto um dos direitos humanos nos faz pensar a criança enquanto sujeito integral, enquanto hu-mano, pertencente de direitos, não apenas à educação, mas também à saúde, ao saneamento básico, ao lazer, entre outros, à condições digna de vida.

Dessa forma, a defesa pelo direito à educação no campo se faz mediante uma edu-cação pensada para e pelos povos do campo, em que respeite a identidade dos camponeses e que estas não sejam forçadas a percorrer longas distâncias para frequentar escolas situadas nas cidades. Que a luta pela educação do/no campo, não se perca em apenas um numero de ma-tricula ou dados no censo escolar, mas que está seja como promotora de cidadania e direitos humanos, que contribua na formação de sujeitos críticos que possam lutar por direitos.

Contudo muitas são as denúncias sobre violações desses direitos, e, embora muitas das sociedades políticas atuais sejam democráticas, observamos muitos cidadãos à margem dos processos de decisão política e alienados de seus direitos essenciais, como aprofundado neste trabalho, as crianças do campo. Dessa forma faz- se necessário ressaltar que a cidadania de fato só pode se constituir por meio de acirrada luta por direitos e pela garantia daqueles já existentes, muitos apenas normatizados, mas com esperança de, por meio de reivindicações, sejam efetivados. Que a educação assim como os demais direitos humanos sejam garantidos a todos, e não apenas a uma parte da sociedade.

O que torna emblemático a atuação extensionista executada pelo Instituto Dom Fernando, que em parceria com os diversos movimentos e órgãos ligados às políticas de atendimento e de defesa dos direitos das crianças, busca desenvolver estratégias de discussão, de acompanha-mento e de avaliação da política de atenção à criança e as suas famílias, nos âmbitos munici-pal, estadual e nacional, bem como se faz presente nos conselhos de direitos que se constituem em espaços de elaboração e de definição de políticas públicas.

RIGHTS EFFECTIVE AND EDUCATION FIELD OF CHILD

Abstract: this paper proposes to discuss the movement of enforcing rights from the child’s education field, as it highlights education as a human right, guaranteed under national and international law, and that in many instances is being violated, and in this sense the actions of training and research within the extension are presented as essential in the social thematic reflection process.

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Keywords: Education. Right. Childhood Field. Referências

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Referências

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