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O Trabalho e a Escravidão na Visão do Apóstolo Paulo

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Academic year: 2020

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O TRABALHO E A ESCRAVIDÃO

NA VISÃO DO APOSTOLO

PAULO*

JOÃO CÂNDIDO BARBOSA**

D

urante o Império Romano, havia uma forte desigualdade originada do sistema escravagista, onde de um lado um grupo pequeno dominava e vivia na riqueza, e de outro lado, a maioria que trabalhava e vivia na pobreza, e, mais ainda, na escravatura.

Nessa época, existia basicamente três distintas classes, a dos homens livres ou se-nhores, dos escravos e libertos. O Apóstolo Paulo que tinha uma grande preocupação com a liberdade do trabalhador e com as desigualdades sociais, como missionário incansável, de-nunciou essa estrutura através de sua pregação, e se posicionou diante do sistema escravagista com uma postura libertadora, através de uma carta escrita a Filêmom, Ápia e Árquipo, bem como à igreja.

Paulo, enquanto preso conhece Onésimo, um escravo fugitivo, que pertencia a Filêmom, o chefe de uma comunidade cristã. “No cárcere, Paulo conheceu um escravo fugi-tivo, Onésimo, que, por acaso, era justamente o escravo do chefe de uma comunidade cristã fundada por ele” (FERREIRA, 2011, 98).

Resumo: como o Apostolo Paulo interpretava o trabalho e a escravidão em pleno domínio do

império romano, onde predominava o modo de produção escravagista? Ele enviou um bilhete a Filêmon, à Ápia, a Árquipo e à Igreja em favor do escravo preso Onésimo. Na visão do apóstolo Paulo, numa comunidade cristã não pode existir diferenças. Para Paulo em Cristo todos são irmãos, e como irmão amado pede a Filêmom que receba Onésimo, posto que, na comunidade cristã não pode prevalecer a escravatura que predominava na época. Paulo não se intimida com a repercussão de sua carta e segue com seu trabalho, mesmo estando preso, anunciando uma mensagem profético-libertária cristã. Na visão do apóstolo todos devem ser livres, porém todos devem trabalhar, pois o trabalho dignifica o homem.

Palavras-chave: Trabalho. Igualdade. Liberdade. Escravo.

* Recebido em: 07.08.2014. Aprovado em: 23.08.2014.

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Paulo, então, escreve a Filêmom pedindo-lhe que receba Onésimo como irmão, e não como escravo. “Não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado, parti-cularmente de mim, e quanto mais de ti, assim na carne como no Senhor? Assim, pois, se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo.” (Fl 1, 16-17).

Paulo parte de uma situação particular, a relação de Filêmom e seu escravo Oné-simo, para escrever uma carta de cunho comunitário, uma vez que não endereça essa carta somente a Filêmom, mas também à Ápia, Árquipo e à igreja. Ou seja, a mensagem da carta não é só para Filêmom, mas para a comunidade, que vivia em um sistema escravagista, e para Paulo dentro da comunidade cristã não havia lugar para um sistema de desigualdades. Assim, acreditando ser através do amor e fé em Deus que todos se igualam e são superadas as diferenças, escreve a Filêmom se insurgindo contra o sistema escravagista pro-clamando a fraternidade, num contexto, onde essa relação que sugere para Filêmom e seu escravo Onésimo, de irmãos, pode representar a relação de todos os escravos com seus donos.

O Apóstolo traz uma nova forma de convivência, minimizando as desigualdades, onde deve ser superada qualquer forma de dominação. “Ele envia um bilhete a Filêmom pedindo-lhe que acolha o antigo escravo e o trate como se fosse o próprio Paulo. Mudam as relações” (FERREIRA, 2011, p. 99).

Através da carta, Paulo espera mudar essa relação de dominação e desigualdades através do amor em Cristo. “Este desencontro desigual não pode fazer parte da vida dos cristãos. O pedido de Filêmom para que aceite o antigo escravo como irmão muda tudo. O encontro entre irmãos precisa ser de amor”. (FERREIRA, 2011, p. 99).

Por outro lado, é importante observar que Paulo condena o sistema escravagista, e não o trabalho. Para ele o trabalho é muito importante, e recomenda-o inúmeras vezes as pes-soas. Para o Apóstolo as pessoas que vivem o cristianismo devem trabalhar. “Trabalhar chega a ser uma alternativa ao roubo, ou, em outras palavras, não trabalhar equivale a roubar,” [...] (FERREIRA;SILVA, 2009, p.3-4).

Paulo segue evangelizando com a proposta de que para ser cristão é necessário tra-balhar. O trabalho dignifica o homem. Nesse sentido observa Ferreira e Silva (2009, p. 35):

Através da ação de trabalhar, a pessoa realiza a sua vocação humana no mundo. Torna-se, ademais, colaboradora de Deus no seu contínuo ato criador. Nessa visão não há escravo nem livre (Gl 3,18), todos são revestidos de igual dignidade.

Assim, séculos se passaram após a carta escrita por Paulo, com objetivo de levar uma mensagem contra o sistema escravagista vigente no Império Romano. E atualmente, nos per-guntamos se as palavras do Apóstolo também podem ser aplicadas às novas formas de relações que se estabeleceram, numa nova realidade.

O APÓSTOLO PAULO E O CONTEXTO SOCIOCULTURAL E POLÍTICO DE ROMA Durante o Império Romano, época em que predominava o sistema escravagista, Roma dominava praticamente a Europa, toda a Ásia Menor e todo o norte da África. Nesse sentido observa Ferreira e Silva (2009, p.13):

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Toda a economia era controlada e estava a serviço de Roma. Com o sistema escravagista, aquele mundo conhecera uma forte desigualdade; de um lado, um grupo pequeno esbanjava riqueza e, de outro, a grande maioria sofria a tragédia da pobreza.

Nessa época existiam basicamente três grupos: homens livres ou senhores, escravos e libertos. “A sociedade romana possuía três classes bem distintas, escravos libertos e livres”. (FERREIRA; SILVA, 2009, p. 43). Estes últimos, os livres, eram cidadãos romanos, aqueles que nasciam em Roma e herdava o título de cidadão. Já os escravos eram aqueles tidos como propriedades dos senhores. Os libertos eram escravos que conseguiram a liberdade ao longo de sua vida, através da concessão pelo seu dono ou pelo pagamento feito com dinheiro junta-do, o qual pagava o preço de sua libertação.

A liberdade do escravo, segundo especialista em Direito Romano, Mário C. Giordani, poderia ser assim adquirida “o escravo podia adquirir a liberdade por três modos: por vontade do príncipe, por benefício da lei ou por concessão do senhor” (GIORDANI, 1968, p. 198).

No entanto, o liberto, “via de regra, era um cidadão incompleto” (GIORDANI, 1968, p. 207), pois não lhe era concedida a cidadania romana integral, mas somente aos seus filhos. Ainda, ressalta-se que o passado do ex-liberto o prendia ainda ao seu antigo dono. E o vínculo entre o escravo liberto e o seu antigo senhor era denominado de patrona-to. O ex-escravo mantinha com o antigo senhor uma relação de gratidão, “o laço de gratidão que ligava a pessoa liberta ao seu senhor” (KOESTER, 2005, p. 65).

A carta de Paulo a Filemom, Ápia, Árquipo e à igreja

A maioria da população representava a classe dos escravos e libertos, e uma mino-ria o grupo dos senhores. Assim, Paulo, enquanto preso conhece Onésimo, um escravo de Filêmom, e contestando esse sistema de desigualdades escreve uma carta a Filêmom, que era o chefe de uma comunidade cristã, pedido que acolha Onésimo como se fosse ele mesmo, Paulo, e não como seu escravo, como observa Ferreira e Silva (2009, p.13):

No cárcere, Paulo conheceu um escravo fugitivo, Onésimo, que, por acaso, era justamente o escravo do chefe de uma comunidade cristã fundada por ele. Na cabeça do apóstolo, não havia lugar para a escravatura dentro da comunidade cristã. Ele envia um bilhete a Filêmom pedindo-lhe que acolha o antigo escravo e o trate como se fosse o próprio Paulo.

Porém, é de se observar que Paulo escreve a Carta a Filêmom, mas endereça-a não somente a ele, mas também a outras pessoas: Ápia, Arquipo e à igreja.

Assim, Paulo utiliza-se dessa relação entre Filêmom e Onésimo, para através da carta passar uma mensagem a toda a comunidade em relação a esse sistema escravagista, que era na verdade um problema coletivo. O objetivo da carta era passar uma mensagem de neces-sidade de mudança nas relações senhor-escravo, pois para Paulo não há lugar para o sistema escravagista numa comunidade cristã.

Paulo envolve toda a sociedade na questão particular de Onésimo e Filêmom para demonstrar a importância de se alterar essa relação, de senhor-escravo para irmão-irmão, pois para Jesus Cristo todos são iguais, são irmãos em Cristo. E aproveita o momento em que está preso para demonstrar que a palavra de Deus é livre, e corre solta, como ressalta Ferreira e Silva (2009, p. 42):

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A palavra de Deus deve correr com liberdade total. Mesmo assim, a prisão não é empecilho para que a Palavra seja divulgada. Paulo aproveita a oportunidade, até na cadeia, para pregar e converter as pessoas a Jesus Cristo.

De acordo com o sistema, os escravos não eram considerados cidadãos, e a função deles era apenas trabalhar. E Paulo na contramão do sistema, sonhava com uma sociedade sem discriminações, onde todos fossem irmãos, pois para ele não havia lugar para a escrava-tura numa comunidade cristã, como observa Ferreira (2011, p. 99):

O bilhete, no entanto, proclama a fraternidade que é, exatamente, a superação de qualquer assime-tria social, cultural, política, econômica e religiosa. Na perspectiva religiosa, então, a comunidade precisa dar exemplo: dentro da comunidade cristã, o encontro de mulheres e homens, fundamenta-do na igualdade viva, precisa ser a alternativa ao sistema injusto fundamenta-do império.

Assim, Paulo procurou na prática, escrevendo para Filêmom, divulgar essa nova forma de relação, através da qual deverá ter o senhor para com o seu escravo; uma relação de irmão para irmão. Onésimo seria um escravo fugitivo que conheceu Paulo em Roma. Paulo então manda-o de volta para Filêmon, pedindo a este um tratamento melhor a Onésimo como se este o fosse (Fl 1, 9-11):

Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de Cristo Jesus, apelo em favor de meu filho Oné-simo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes era inútil para você, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim.

A lição depreendida é uma reflexão de vida, onde Paulo parte de sua experiência fraterna para tocar o coração de Filêmon, partindo do princípio de que todos são irmãos em Cristo, e não pode haver diferenças entre irmãos. Para isso ele pede a Filêmon que perdoe e acolha Onésimo como irmão em Cristo, pois, ressalta-se, um fugitivo é um rebelde, um indisciplinado, merecedor de punição.

Paulo sugere a necessidade de mudar as relações entre patrão e empregado em busca de uma sociedade fraterna, condenando aquele sistema que predominava à época. “Assim, pois, se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta”. (Fl 1,17-18).

Paulo ao pedir a Filêmom que recebesse Onésimo como se fosse ele, coloca Onési-mo no mesOnési-mo nível que o seu. O Apóstolo proclama aí a superação de qualquer desigualdade social, cultural, e religiosa. Além do que, nessa relação, caso qualquer coisa acontecesse a Onésimo seria como se estivesse acontecendo como o próprio Paulo.

Observa-se ainda que Paulo de maneira emotiva pede a Filêmom que além de re-ceber Onésimo como se estivesse recebendo ele mesmo, que coloque na sua conta qualquer divida que Onésimo por ventura tiver contraído, pois um escravo fugitivo é causador de dano ao seu dono, e essa dívida impedia Onésimo de alcançar a liberdade total em relação a Filê-mom. “Onésimo, o escravo, simboliza os endividamentos de qualquer sistema. Paulo aponta a dívida como um obstáculo para se chegar à liberdade total.” (FERREIRA, 2011, p. 100).

Como o sistema escravagista estava arraigado, a missão dada por Paulo a Filêmom seria receber Onésimo como alguém muito especial, e não mais como escravo, mas como irmão amado, como alguém da família. Paulo argumenta fraternalmente com Filêmom na tentativa de libertar Onésimo de todos os laços do sistema escravagista que os uniam. Pois, há

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de se observar ainda que, nesse caso, haveria a possibilidade de Onésimo sofrer castigos, pois era um escravo fugitivo, e além de castigos poderia também ter um processo dificultoso de libertação em caso de sua captura, como bem observa Richter Reimer (2013, p. 78):

Esta interpretação da carta na perspectiva dominante acerca de um escravo fugitivo baseia em es-tudos sobre o sistema escravagista do império romano. A pesquisa mostra que, na Antiguidade, a fuga de pessoas escravas era castigada, p. ex., com a tortura. Além disso, dificultava-se, em caso de captura, a possibilidade de algum processo de libertação de quem havia fugido.

Observa-se também, que Paulo encontrava-se na mesma situação que Onésimo, motivo pelo qual pode entender perfeitamente o que aquele escravo estava passando, como bem observa Tamez (1997, p. 106):

Quando Paulo escreveu a carta a Filêmon, já tinha bastante clara a sua perspectiva com respeito à novidade que o evangelho traz para a vida da sociedade e das pessoas. Já passara por confrontamen-tos com autoridades políticas e religiosas. Padecera perseguições, açoites, cárceres e humilhações [...] por isso Paulo pôde entender perfeitamente Onésimo.

Por outro lado, receber Onésimo como irmão em Cristo seria uma tarefa um tanto quanto difícil para Filêmom, pois, para este receber Onésimo como irmão, seria renunciar o seu domínio sobre o escravo, desfazendo-se qualquer relação que os uniam como senhor-escravo.

Mas, mesmo assim, o Apóstolo Paulo não se intimidou e esperava com essa mensa-gem fazer com que os senhores de escravos representados, neste caso por Filêmom, mudassem as relações, passando a tratar seus subordinados como irmãos e não mais como escravos, ao fundamento de que todos são irmãos e todos devem ser tratados como se irmãos fossem: “Talvez ele tenha sido separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas muito além de escravo, como irmão amado.” (Fl 1,15-16).

Paulo declara a Filêmom a necessidade de superação do sistema escravagista através do amor e da fé ao Senhor Jesus Cristo, uma vez que entre irmãos não existe relação de subor-dinação, mas igualdade e fraternidade.

Essa carta escrita por Paulo, por si só não resolve o problema social, mas, na época, uma carta como essa era capaz de gerar questionamentos por parte daqueles que aceitavam pacificamente o sistema escravagista, instigando o povo à desordem, repercutindo em toda sociedade, pois condenava o sistema vigente ao falar em necessidade de mudança nas relações. Pregava uma nova forma de relação entre as pessoas: “Essa forma se chocava frontalmente com o sistema romano, escravagista”. (FERREIRA; SILVA, 2009, p. 43).

Mas, o apóstolo não titubeou com a repercussão que sua mensagem evangelizadora pudesse causar, e continuou sua caminhada e o seu trabalho evangelizador, pregando ainda que aquelas pessoas que vivem o cristianismo devem trabalhar.

A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO PARA O APÓSTOLO PAULO

Paulo condenava a relação de subordinação, onde o escravo serve o seu dono, re-presentada na Carta pela relação entre Filêmom e Onésimo, mas defendia a dignidade do homem alcançada através do trabalho, do trabalho livre.

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No sistema escravagista somente os escravos trabalhavam e como Paulo prega a igualdade, a relação de todos como irmãos, através da carta ele sugere a mudança também quanto a essa relação de trabalho. Como bem observa Ferreira e Silva (2009, p. 33):

Além do seu exemplo pessoal, Paulo recomenda que as pessoas que abraçaram o cristianismo traba-lhem, pois trabalhar com as próprias mãos é uma questão de honra (1Ts 4,11). Representa também uma nova ordem social, sem contar que faz parte da tradição paulina, da imitação do seu exemplo e de justiça para com as demais pessoas (2T 3,6-12).

Para Paulo o trabalho é uma forma de ajudar as pessoas mais fracas e necessitadas, e assim todo cristão deveria trabalhar e com as próprias mãos como bem observa Ferreira e Silva: “Está claro que a proposta de Paulo contém uma grande novidade. Para ser cristão, era necessário trabalhar com as próprias mãos” (FERREIRA; SILVA, 2009, p. 34).

Para Paulo não existia diferenças de trabalhos intelectuais e manuais, nem mesmo trabalhos inferiores ou superiores. Ao propor que as pessoas trabalhem com as próprias mãos, o Apóstolo Paulo quer resgatar o trabalho manual. E para ele o trabalho manual foi um apren-dizado, como menciona Ferreira e Silva (2009, p. 33):

Trabalhar com as mãos foi uma prática comum na vida do próprio Paulo, que deve ter aprendido a arte de tecelão ainda criança, em Tarso, sua terra natal. Tecer tendas era trabalho árduo, pois calejava os dedos, encurtava as costas, prejudicava a vista e causava mau cheiro, pelo manejo do couro.

Naquela época trabalho árduo não era para pessoas livres e, estes, ressalta-se não trabalhavam. E é essa ideologia que sustentava o sistema escravagista, pois as pessoas livres que significava uma minoria, não trabalhavam e viviam às custas do trabalhador, do escravo, que representavam a maioria. É essa ideologia de que o Apóstolo Paulo condena: “Paulo detona com essa ideologia, pois ela contradiz a base da fé cristã” (FERREIRA; SILVA, 2009, p. 35).

Para Paulo a relação senhor-escravo não podia existir na igreja, pois, “na verdade, para todos, senhores ou escravos, as condições eram as mesmas: a fé e o batismo estavam ao alcance de todos e nivelavam a todos” (FERREIRA, 2011, p. 102).

A proposta transmitida pelo Apóstolo Paulo sobre o trabalho, traz uma nova rela-ção entre as pessoas. “Diferente do sistema Greco-romano, a proposta cristã, com relarela-ção ao trabalho, é alegre e positiva” (FERREIRA;SILVA, 2009, p.35)

Paulo já sonhava com uma sociedade mais justa e trabalhou para isso, viajou, re-nunciou e enfrentou opositores. “Paulo apóstolo levou a proposta às últimas conseqüências. Sua vida foi um caminhar contínuo, pelas estradas do Império Romano” (FERREIRA; SIL-VA, 2009, p. 27).

Em sua trajetória Paulo leva essa mensagem fraterna, de liberdade, e em Gálatas menciona que todos são iguais e devem ser livres, pois Jesus Cristo veio libertar. “Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (GL 3,28).

O TRABALHO EVANGELIZADOR DE PAULO

Por outro lado, é importante destacar aqui que Paulo evangelizou não só através desta carta a Filêmom, mas escreveu outras cartas a seus amigos, sendo estas: 1

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Tessalonicen-ses, Gálatas, 1 e 2 Corintios, FilipenTessalonicen-ses, Filêmom e Romanos, porém outras foram escritas por seus discípulos após sua morte como a Colossenses. Nesse sentido observa Ferreira e Silva ( 2009, p. 14-15):

As outras foram escritas por discípulos após sua morte: Colossenses, Efésios, Tito, 1 e 2 Timóteo, 2 Tessalonicenses. Hebreus não é de Paulo nem da escola paulina, embora, tradicionalmente, seja considerado como tal.

Assim na citada carta a Colossenses a escola paulina veio pregando na contramão de tudo o que tinha sido construído pelo apóstolo Paulo em relação à escravidão, mas em benevolência ao sistema, e através da religião, visando legitimar convicções em privilégio dos fortes em detrimento dos fracos, dos oprimidos e vis.

Um sistema seja ele imposto ou não traduz a cultura, o modo de agir e de pensar de um povo. E foi através da religião, em Colossenses, que a escola paulina tenta legitimar mais uma vez a escravidão, pregando o dever de obediência das pessoas ao sistema imposto. Nesse sentido observa Vasconcellos (2002, p.79):

Uma matriz, determinada pela posição social do indivíduo que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas.

Quando utilizamos o método histórico-crítico vemos que os textos bíblicos foram escritos num contexto histórico da época, tendo portando suas especificidades próprias.

Mas ao analisarmos as relações de trabalho no decorrer dos séculos, a mesma men-sagem de libertação transmitida por Paulo através da carta escrita a Filêmom pode ser aplicada em várias épocas, pois apesar das mudanças ocorridas, permaneceram as desigualdades nas relações de trabalho.

A exemplo, no século das Luzes, marcado pela Revolução Francesa, pelo desenvol-vimento da máquina a vapor, pela acelerada urbanização e início da industrialização, o traba-lho do empregado passou a ser explorado pelo empregador, como fonte de riqueza deste, sem escapar mulheres e crianças. Nesse sentido assim diz Kurz (1997, p.3):

No século XVIII, com a ascensão da burguesia com o desenvolvimento das fontes produtivas, com a transformação da natureza e com a evolução da técnica e da ciência, enfatizou-se a condenação do ócio, sacralizando-se o trabalho e a produtividade.

Por outro lado, comparando-se a relação de trabalho do Império Romano, do sécu-lo XVIII e da atualidade, essa relação não é muito diferente do relacionamento entre patrão e empregado, posto que alguns patrões exercem a mesma prática com seus empregadores, como observado por Richter Reimer quando menciona que há séculos ocorreu a libertação do sis-tema escravagista, mas ao nos colocarmos em defesa de alguém que atualmente teve violados o seus direitos humanos e sua dignidade, estaremos na mesma posição de Paulo em relação a Onésimo, senão vejamos: “Este pode ser um desafio e uma função muito atuais que podemos assumir em relação a tantas pessoas que se encontram em situação de violação de seus direitos humanos e de sua dignidade!” (RICHTER REIMER, 2013, p. 95)

Assim, a mensagem do Apóstolo Paulo pode ser aplicada em outras realidades transformadas, onde a escravidão não é mais aquela do Império Romano, mas de outras

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formas. Sabemos que o passado não foi um momento único, ele se repete em muitas situações.

Hoje transcorrido séculos da libertação da escravidão, predomina outro sistema, mas a mensagem de Paulo pode ainda ser aplicada nessa nova realidade, como protesto, como bem observa, Ferreira e Silva (2009, 35-6):

Hoje o sistema é outro, mas não menos selvagem. O capitalismo estimula a competição, o lucro e a produtividade. O desemprego deixa multidões à margem, e o subemprego gera novas formas de escravidão. As palavras de Paulo continuam escoando como protesto.

O sistema atual é outro, não é o escravagista mas o capitalista, que estimula a competição, visa o lucro e a produtividade. Existe o desemprego que deixa muitas pessoas à margem da pobreza e o subemprego que gera outras formas de escravidão. E as palavras do Apóstolo Paulo na carta escrita a Filêmom continuam gerando o mesmo protesto daquela época, séculos após a libertação da escravidão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, o trabalho foi por muito tempo escravo, onde uma minoria dominante co-mandava a mão de obra trabalhadora. O Apóstolo Paulo defendia desde então, e anunciava que todos devem ser livres, uma vez que todos são irmãos, e como irmãos todos são iguais, sem diferenças.

O Apóstolo Paulo defendeu essa posição de liberdade de todo ser humano, tendo escrito uma importante carta a Filêmom para lhe passar uma mensagem em relação a seu escravo Onésimo, mostrando àquele que todos merecem tratamento igual, inclusive Filê-mom deveria receber seu escravo como se estive recebendo ele, Paulo, pois para Deus todos são irmãos.

Porém, após séculos de libertação do sistema escravo, ainda hoje encontramos si-tuações semelhantes à escravidão, onde alguns, os chefes, numa outra realidade, tratam seus subordinados com a mesma diferença que aqueles escravos eram tratados.

Como bem observa Ferreira e Silva (2009, 35-6), a mesma mensagem de Paulo escrita durante o Império Romano pode ser aplicada a nossa realidade:

Hoje o sistema é outro, mas não menos selvagem. O capitalismo estimula a competição, o lucro e a produtividade. O desemprego deixa multidões à margem, e o subemprego gera novas formas de escravidão. As palavras de Paulo continuam escoando como protesto.

Assim, transcorrido o tempo, a mesma mensagem transmitida pelo Apóstolo Pau-lo na Carta escrita a Filêmom pode ser aplicada a certas relações deste sécuPau-lo. O tempo passou e aquele sistema escravagista foi modificado, perdurando de certa maneira ainda em nossos dias.

WORK AND SLAVERY IN THE VISION OF PAUL APOSTLE

Abstract: as the Apostle Paul interpreted the labor and slavery in command of the Roman Empire, where the predominant mode of slave production? He sent a note to Philemon, the Appia,

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Archi-ppus and the church in favor of the slave Onesimus stuck. In view of the apostle Paul, a Christian community can not be differences. For Paul in Christ all are brothers, and a brother beloved asks Philemon to receive Onesimus, since, in the Christian community can not prevail slavery that prevailed at the time. Paul is not intimidated by the impact of your letter and continues with her work, even when arrested, announcing a prophetic Christian-libertarian message. In the view of the apostle everyone should be free, but all must work, because work dignifies man.

Keywords: Work. Equality. Freedom. Slave. Referências

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Referências

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