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Aspectos ecológicos no poema Eu e Meu Campina, de Patativa do Assaré: uma abordagem ecocrítica Ecological aspects in the poem Eu e Meu Campina, Patativa do Assaré: an ecocritical approach

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Academic year: 2020

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Aspectos ecológicos no poema Eu e Meu Campina, de Patativa do Assaré: uma

abordagem ecocrítica

Ecological aspects in the poem Eu e Meu Campina, Patativa do Assaré: an

ecocritical approach

DOI:10.34117/bjdv6n4-138

Recebimento dos originais: 13/03/2020 Aceitação para publicação: 09/04/2020

Carla Nathali Cavalcanti Feitosa

Graduada em Letras com habilitação em Português/Inglês e suas respectivas literaturas pela UPE –

Campus Mata Norte

Especialista em Língua e Literatura Inglesa Instituição: Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE)

E-mail: carlinhachateaubriand@gmail.com

Josivaldo Custódio da Silva

Doutor em Literatura e Cultura pelo PPGL/UFPB

Pós-Doutor em Teoria da Literatura, com ênfase em Literatura Popular pelo PPGL/UFPE Professor de Literatura Brasileira e Literatura Popular do Curso de Letras e do Programa de

Pós-Graduação em Letras (PROFLETRAS), ambos da UPE – Campus Mata Norte Endereço: Rua Amaro Maltez, 201 – Centro – Nazaré da Mata – PE CEP: 55800-000

Membro do Grupo de Pesquisa CELLUPE E-mail: josivaldo.silva@upe.br

RESUMO

Este artigo trata-se de uma análise ecológico-social do poema Eu e Meu Campina, de Patativa do Assaré,a fim de identificar os elementos naturais que se encontram e as relações delineadas em torno desses e dos seres humanos. A proposta desenvolvida no presente trabalho é traçar uma intersecção entre literatura e natureza, por meio da abordagem ecocrítica, tomando por base os estudos feitos por CheryllGlotfelty (1996) e, principalmente, Greg Garrard (2006). Nessepoema, será observado o meio como personagem atuante no poema, portanto, procurou-se abordar o homem inserido no seu contexto socioambiental, usando como fonte de pesquisa a literatura. A análise se desenvolveu a partir do método crítico-analítico e terá como ponto de partida a leitura do poema Eu e Meu Campina, de Patativa do Assaré. Foram analisados pontos da poesia que remetem a relação homem/natureza no que dizem respeito aos aspectos da vida do homem oriundos da influência do meio sobre este e da maneira do mesmo de lidar com a natureza, no qual constitui o corpus dessa pesquisa. Na poesia exposta, o autor descreve em seus versos sua visão a respeito da influência do meio sobre a vida do homem, partindo da reflexão acerca da ação humana sobre o meio natural até suas implicações ambientais, éticas e sociais. Esse poema é repleto de tropos ecológicos, que abarcam os seres humanos, animais, plantas, rios e as diversas interações entre esses elementos vivos que constituem o planeta Terra, trazendo um desenho social envolvendo as questões ambientais e as atitudes e responsabilidades humanas.

Palavras-chave: Literatura Popular. Ecocrítica. Patativa do Assaré. Natureza. ABSTRACT

This article deals with an ecological and social analysis of the poem Eu e Meu Campina of Patativa doAssaré in order to identify the natural elements founded and the relationships around these and the

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humans. The proposal developed in this work is to draw an intersection between literature and nature, through ecocriticism approach, based on studies made by CheryllGlotfelty (1996) and especially Greg Garrard (2006). In this poem, it looks at the media as active character in the poem therefore tried to approach the man inserted in its socio-environmental context, using as a source of research literature. The analysis developed from the critical-analytical method and had as a starting point the reading of the poem Eu e Meu Campina, by Patativa do Assaré. Poetry points were be analyzed referring to man/nature with regard to the dimension of human life resulting from the influence of the environment on this and the same way of dealing with nature, which constitutes the corpus of this research. In the exposed poetry, the author describes in his verses his view about the influence of the environment on human life, starting from reflection on human action on the environment to its environmental, ethical and social implications. This poem is full of ecological tropes, covering humans, animals, plants, rivers and the various interactions between these living elements that constitute the Earth, bringing a social drawing involving environmental issues and human attitudes and responsibilities.

Keywords: Popular Literature.Ecocriticism. Patativa do Assaré. Nature.

1. INTRODUÇÃO

Com todos os crescentes problemas ambientais que vem surgindo, debates acerca da relação homem/natureza têm estado cada vez mais presentes na sociedade atual, mas essa temática já faz parte da literatura desde o seu início com os idílios bucólicosgreco-romanos. A natureza é, segundo Bosi (2006), um dos pilares da literatura junto com o amor e a religião, constituindo a tríade que forma a base literária desde os primórdios da sua criação. É possível observar em inúmeros textos literários a forte presença do meio natural nas histórias narradas, interferindo na construção dos personagens, no desenrolar dos fatos etc, tornando-se parte e/ou até mesmo personagem atuante nas obras. Sabemos que a literatura reflete pontos da realidade, visto que, o processo comunicativo realiza uma trajetória entre o universo metafórico e o universo literal, marcada por pontos de coexistência e de conflito entre esses.A partir da análise Ecocrítica de obras literárias podemos entenderquestões ecológico-ambientais que não podem, evidentemente, ser dissociadas de outras dimensões da vida social, atravessando dessa forma discursos multidisciplinares, indo do antropocentrismo e do egocentrismo ao ecocentrismo, visto que o conceito de natureza não está alheio à cultura, este é influenciado por determinada época e espaço, trazendo marcas da sociedade na qual está inserido. Nessa linha de pesquisa, a literatura se torna fonte documental para uma abordagem dos estudos literários voltada para a Terra, na qual o meio natural deixa de ser apenas um referencial paisagístico e se transfigura no protagonista.

A descrição dos encantos da fauna e da flora, a natureza idílica e sua imponência sempre foram temas destacados pela literatura brasileira. São inúmeros os autores e obras que cantaram e decantaram o meio ambiente, principalmente pelo fato de que o Brasil em sua origem rural gerou pessoas por demais identificadas com a terra como se a mesma fosse parte e extensão do homem que tira da terra o seu sustento e inspiração para viver.O poema Eu e Meu Campina faz parte do livro

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Ispinho e Fulô(2005), que é composto por 80 poemas do poeta cearense Patativa do Assaré. O poema

conta-nos a história de um homem que saiu do meio rural para o urbano e para aguentar a saudade de sua terra trouxe consigo um galo de campina para lhe fazer companhia em seu exílio,mostrando ao leitora relação entre os elementos que compõem a natureza através dos sentimentos provenientes dessa interação. Na poesia, o autor descreve em seus versos de forma brilhante sua visão a respeito da influência do meio sobre a vida do homem e vice-versa, o que permite o estudo desse poema de acordo com os moldes da Ecocrítica, teoria que explora a relação homem/natureza e suas consequências. Por meio da construção poética de Patativa do Assaré no poemaque será analisado no presente artigo podemos observar como essa relação contribui de forma significativa para a construção do ser e como estes interferem um na existência do outro.

A nossa visão nesse estudo está direcionada para o meio ambiente como um todo, numa perspectiva de valorização e preservação, partindo do princípio de que a literatura pode ser um forte instrumento para a conscientização humana no tocante a preservação da natureza e consequentemente da espécie humana.O principal autor tomado como referência teórica nesta análise é Greg Garrard, que discute sobre o papel da literatura nos debates ecológicos, analisando os textos literários de forma a oferecer subsídios para uma visão crítica acerca do meio em que vivemos. A relevância desse estudo, entre outras coisas, está no fato de que, embora a natureza sempre estivesse presente na literatura, ela nunca foi vista pelo olhar ambientalista, ou seja, a crítica sempre observou a natureza como um coadjuvante.

Este artigo está dividido em duas partes principais que discorrem, respectivamente, sobre a teoria Ecocrítica e análise do poema a partir dessa visão. No primeiro tópico expomos a teoria argumentando sobre sua formação e a importância desse arcabouço teórico para a análise literária. Já no segundo momento aplicamos as premissas ecocríticas para examinar a obra escolhida, verificando a presença de elementos importantes dessa teoria no poema.

2. BREVE COMENTÁRIO SOBRE A TEORIA ECOCRÍTICA

A criação literária “reproduz” a realidade, haja vista que nela veem-se refletidos todos os fenômenos que cercam a vida humana, sendo assim, a mimese através da palavra, servindo de lente para que o homem possa ver melhor o mundo que o rodeia, ela participa ativamente do mundo e o oferece ao homem através da arte.Se os discursos reproduzem uma forma de ver o mundo e de interpretá-lo, pois através da palavra atribuímos sentido e significado a esse mundo. No caso do discurso poético de Patativa do Assaré o sentido é dado pela relação com a natureza, tornando-se dessa forma um veículo transmissor de valores com profundas implicações ecológicas. Nos últimos anos a questão ambiental ganhou uma maior ênfase, abrindo espaço para surgimento de uma nova

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visão dentro da perspectiva literária, a Ecocrítica, que vem no âmbito artístico observar como o meio ambiente compõe a construção das obras literárias, examinando a literatura à luz da ecologia.Alguns estudiosos começaram a observar a literatura a partir desse novo ângulo, entre eles Cheryll Glotfelty e Greg Garrard, analisando a conexão entre literatura e natureza, sendo a primeira uma espécie de espelho, que nos possibilita enxergar as representações da natureza e sua influência sob os seres que fazem parte dela. Segundo CheryllGlotfelty, as teorias literárias, geralmente, exploram as relações entre os escritores, textos e o mundo, visto que esse último está relacionado à esfera social, ao passo que a ecocrítica expande essa noção de mundode modo a incluir toda a ecosfera. De acordo com essa tendência, a natureza é elemento indispensável para o entendimento e continuidade da narrativa.Mas dizer que essa vertente investiga a literatura por intermédio da ecologia não significa que trate apenas das questões propriamente científicas. A perspectiva ecocrítica estuda os problemas ecológicos, visto que, esses são aspectos da nossa sociedade provenientes da nossa maneira de lidar com a natureza, e não apenas experimentos técnicos. A ecocrítica transcende os limites da ciência biológica, circulando por diversas áreas como a política e a filosofia, uma vez que todos os aspectos envolvidos nesses campos de pesquisa permeiam a vida do ser humano. Dessa forma, seu objeto de estudo é a natureza e sua fonte são asobras literárias, como podemos ver na definição de Glotfelty:

O que é ecocrítica, então? Dito em termos simples, a ecocrítica é o estudo da relação entre a literatura e o ambiente físico. Assim como a crítica feminista examina a língua e a literatura de um ponto de vista consciente dos gêneros, e a crítica marxista traz para sua interpretação dos textos uma consciência dos modos de produção e das classes econômicas, a ecocrítica adota uma abordagem dos estudos literários centrados na Terra. (GLOTFELTYapudGARRARD, 2006, p. 14).

Os componentes naturais investigados pela ótica literária são de grande importância para compreender o indivíduo representado pelas relações homem/natureza, para tanto devemos levar em consideração o fato de que a literatura reflete o homem em seu ambiente, mas também é fruto dele, transmitindo diferentes consciências ao longo dos anos à medida que a cultura da sociedade na qual esse homem está inserido vai se transformando, sendo essas esferas interdependentes, pois se complementam e se moldam. Homem e poesia, natureza e cultura dialogam e dessa interlocução surge, em processo, uma semiose ilimitada, na qual segundo Garrard (2006) os ecocríticos observam o modo como a natureza é culturalmente construída sendo objeto e ao mesmo tempo origem do nosso discurso. Dessa interação vem o entendimento das mensagens e dos fenômenos queenvolvem o homem e seu habitat. Assim, a partir desta alegação podemos assinalar também de que história e literatura caminham juntas. Uma forma de comprovar issoé por intermédio das correntes literárias, que se não fosse assim, não existiriam, pois todos os inúmerosmovimentos estéticos que existiram registram um tempo, uma forma de pensar e de dar vida à arte. O motivo disso é simples e

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incontestável: a literatura, assim como as demais manifestações artísticas é um fenômeno inerente à raça humana,existente já nas “sociedades”primitivas dos homens das cavernas com suas pinturas rupestres, sendo esses seres sociais inserido nas transmutações do tempo. Conforme as proposições feitas por Garrard, os textos literários devem ser estudados refletindo acerca da ação humana sobre o meio natural e suas implicações ambientais, éticas, sociais, contribuindo para a valorização do mundo natural e mostrando o ser humano em relação a seu ambiente e como esses se transformam mutuamente. Dentre textos ficcionais e não-ficcionaisdebatidos pelo enfoque ecocrítico, colocamos em relevo aqui o texto poético com seu enorme potencial de reproduzir novos horizontes existenciais. Nesse contexto podemos perceber a utilidade de um poema como este para o nosso estudo, afinal o mesmo traduz a vida e oenvolvimento de um homem em relação ao seu espaço por meio dos sentimentos do eu lírico. O poema usado como fonte de investigaçãoneste artigo traz sua afeição em relação ao seu local de origem e a saída involuntária desse ambiente amado devido a circunstâncias da vida, embora o porquê de tal despedida não fique explícito. É um poema de viés pastoral com marcas românticas, podendo ainda sê-lo atribuída uma voz de juízo acerca das ações humanas.

3. O POEMA EU E MEU CAMPINA NUMA ABORDAGEM ECOCRÍTICA

O poema Eu e Meu Campina, de Patativa do Assaré1, apresenta alguns aspectos que revelam

a presença de elementos da ecocrítica e é estruturado da seguinte forma: quinze décimas em redondilha maior, isto é, cada verso contém sete sílabas poéticas.Quanto ao esquema rítmico, os versos apresentam ritmo binário. Com relação às rimas, essas apresentam a seguinte distribuição: ABABCCDEED em todas as estrofes. Os versos são compostos por rimas perfeitas quanto ao timbre da vogal tônica, rimas agudas e graves que correspondem, respectivamente, as rimas oxítonas e paroxítonas, também apresentarimas soantes e com predominância de rimas ricas e pobres quanto à morfologia.

Patativa tem grande apreço pelo seu ambiente natural, escrevia versos que tratavam desse espaço com amor e admiração e se tornouum mediador entre natureza e cultura. Para ele o sertão é o espaço feliz e precisa ser louvado e honrado. Os poemas de Patativa do Assaré estão centrados no Nordeste, especialmente no sertão espaço nordestino, no homem que habita essa região e sua cultura.

1O poeta Antônio Gonçalves Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, é o segundo filho do casal de agricultores

Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Nasceu no dia 05 de março de 1909 em Serra de Santana, a 18 km do município de Assaré, interior do Ceará. Órfão de pai aos 9 anos de idade começou a trabalhar no cultivo da terra. Com pouco acesso à educação, passou a frequentar sua primeira e única escola aos 12 anos e só estudou lá durante apenas 6 meses, onde aprendeu a ler e escrever. Logo se apaixonou pela poesia e começou a fazer versos e se apresentar em festas locais. Antônio Gonçalves da Silva recebeu o apelido de Patativa, pois sua poesia era comparada à espontaneidade do canto dessa ave. Com vinte anos começou a viajar e apresentar seu trabalho em diferentes cidades. Casou-se com Belarmina Gonçalves Cidrão, Belinha, com quem teve 7 filhos. Aos 70 anos sofreu um acidente, que lhe obrigou a mudar-se para o Rio de Janeiro para cuidar da perna que ficou com mudar-sequela do acidente. Patativa do Assaré faleceu aos 93 anos, em 8 de julho de 2002.

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Percebemos uma contribuição ímpar no seu fazer poético, pois em seus textos se evidenciauma manifestação literoambiental, explicando o mundo por meio da palavra poetizada. Em suas obras, grande parte dos espaços em que acontecem as tramas é marcado pelas características da natureza do sertão que não somente participam como pano de fundo para as ações, mas interferem nas relações entre os sujeitos e entre sujeito-natureza contribuindo na composição das características e do comportamento dos personagens. Patativa, ao falar do campo, demonstra que o ser humano está inserido no ambiente natural, como se fosse parte dele, uma integração, dando uma ideia de circularidade que seria a associação do todo que é a natureza pela qual a ecocrítica se interessa. Em razão do poema aqui estudado não ser um poema com uma proposta egocêntrica, uma vez que revela que ohomem não está no centro de tudo, acima ou exterior à natureza, utilizando-a, indiscriminadamente, para o seu bel-prazer, mas sim que o ser humano é uma parte indissociável da natureza, não se diferenciando dos animais, plantas e demais sistemas vivos que, conectados, permitem a existência da vida no planeta. A poética de Patativa do Assaré nos possibilitaconhecer e reconhecer o homem na sua relação com a Terra. Esse elemento possibilita uma análise pelo viés ecocrítico, pois, a ecocrítica, enquanto teoria que aborda as relações arte e ecologia, está carregada, também, de ações e reflexões que ultrapassam o campo da representatividade, não devendo reduzir os textos literários a meras transcrições do mundo físico, mas sim, ver como a natureza se torna textualizada nos textos literários, para criar um discurso eco literário. O poema possui um caráter autobiográfico, pois o poeta escreveu inspirado em suas próprias experiências, que nos confirma sua correspondência com a realidade à medida que vamos acompanhando a construção do ser e do espaço ao qual ele faz parte. Por exemplo, coincidentemente tanto o autor quanto o eulírico na mesma data e no mesmo local, gostam do substancial da vida e nunca se deixaram iludir pelo dinheiro, mas aos setenta anos precisaram deixar a Serra onde viviam. Como podemos ver já na segunda estrofe do poema: “Foi em mil e novecentos/E nove que eu vim ao mundo,/Meus pais naquele momento/Tiveram prazer profundo,/Foi na Serra de Santana/Em uma pobre choupana,/Humilde e modesto lar./Foi ali onde eu nasci/E a cinco de março vi/Os raios da luz solar” (ASSARÉ, 2005, p. 19). Em Eu e Meu Campina não é dito ao leitor o motivo da saída do eu lírico do seu ambiente natural, apenas sabemos que “Mas por capricho da sorte/Vi que a estrela do meu norte/Deixou de me proteger,/Saí do meu paraíso” (idem, p. 21). Neste trecho podemos inferir que algo aconteceu ao eu lírico que o obrigou a ir para a cidade, da mesma forma que ocorreu com Patativa que devidoa um acidente que sofreu teve que ir para o Rio de Janeiro para se tratar. Na estrofe seguinte o eu lírico ainda diz “Com setenta anos de idade/O destino me fez guerra,/Fui residir na cidade/Deixando a querida Serra,” (ibidem, p. 22), neste outro trecho vemos a semelhança da idade e ao dizer que seu destino o fez guerra podemos entender como a luta do autor para não ficar aleijado.No que se refere

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à criação poética, já nos primeiros versos ele atribuí-la à natureza, que é fonte inspiradora, a grande mestra. Se não encontrou espaço para a aprendizagem na escola oficial, encontrou campo fértil na natureza, uma fonte de inspiração poética. Nesses e noutros vários poemas de igual e até maior teor crítico, o poeta denuncia as situações que desumanizam o homem do campo. Patativa começou a trabalhar na roça desde a infância, não tendo a oportunidade de frequentar a escola, da mesma forma que o eu lírico, porém, logo cedo uma janela de fascínio se abre para ele. Trata-se de seu contato com a poesia de cordel e a alfabetização através da oralidade. O horizonte da criação poética se vislumbra à sua frente. É Patativa representante de uma cultura, de um universo permeado pela experiência e pelo conhecimento que ele tem das coisas do sertão. Patativa faz de sua realidade e das coisas do cotidiano, semente viva de poesia e vai tecendo seu tapete cujo desenho apresenta múltiplas formas, mas todas elas têm o perfume da natureza, havendo uma integração entre cultura e natureza, porque ele fala daquilo que vive e daquilo que sente, não há como separá-las, pois sua poesia está sintonizada com seu povo e ligada a sua terra, estando entre a natureza, contendo os mesmos elementos de sua matéria.

Já nos primeiros versos do poemaEu e Meu Campinafica nítido para o leitor o elo afetivo entre o eu lírico e seu ambiente natural. Seu sentimento topofílico é demonstrado através de versos bucólicos repletos de virtuosismos para com o seu local de origem.

Vejamos:

A/ssa/ré/, te/rra/ que/ri/da, A

Nes/tes/ ver/sos/ que/ com/po/nho B Te/di/go/que em/ mi/nha/ vi/da A

Tu/és/ o/ meu/gran/de/so/nho, B

Des/de o/va/le/ a/té o/mon/te C

És/ a/mi/la/gro/sa/fon/te C

Das/ mi/nhas/ins/pi/ra/ções, D

Meu/To/rrão/ de/sol/ ar/den/te E

Ba/nha/do/pe/la/co/rren/te E

Do/ rio/ dos/Bas/tiões. D (ASSARÉ, 2005, p. 19).

A identificação entre o eu lírico e o espaço é tão intensa que ele assume o papel de voz autorizada e privilegiada para versar sobre a terra em que nasceu. Em função dessa interação, o sertão do eulíricose desenhacomo um santuário, seu lar. O eu lírico começa apresentando o espaço de sua admiração com uma descrição idílica desse meio e contando como se deu seu nascimento. Em seguida, ele descreve os elementos que formam aquele ambiente e como é crescer em meio àqueles. Atentemos para o forte apelo ao tropo pastoral existente no poema, no sentido da pastoral clássica, onde havia uma idealização e uma romantização da vida rural, uma saudade de um passado edênico, do paraíso perdido. A pastoral clássica, segundo Garrard, “inclinava-se a distorcer ou a

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mistificar a história social e ambiental, ao mesmo tempo fornecendo um lócus, legitimado pela tradição, para os sentimentos de perda e alienação da natureza que seriam produzidos pela Revolução Industrial” (GARRARD, 2006, p. 62, grifo do autor). As três estrofes a seguir comungam da mesma temática e do mesmo tom religioso e idílico, “cantando” sobre o aprendizado que a natureza proporciona ao homem, um aprendizado celestial.

Eu nasci ouvindo os cantos Das aves da minha terra E vendo os lindos encantos Que a mata bonita encerra, Foi ali que eu fui crescendo, Fui lendo e fui aprendendo No livro da Natureza Onde Deus é mais visível, O coração mais sensível E a vida tem mais pureza. Sem poder fazer escolhas De livro artificial, Estudei nas lindas folhas Do meu livro natural E assim longe da cidade Lendo nesta faculdade Que tem todos os sinais, Com estes estudos meus Aprendi amar a Deus Na vida dos animais. Quando canta o sabiá Sem nunca ter tido estudo, Eu vejo que Deus está Por dentro daquilo tudo, Aquele pássaro amado No seu gorjeio sagrado Nunca uma nota falhou, Na sua canção amena Só diz o que Deus ordena, Só canta o que Deus mandou. (ASSARÉ, 2005, p. 20).

Os elementos naturais marcam definitivamente sua presença no crescimento do eulírico. A natureza sob a visão do eupoético, não é apenas fonte de vida que lhe dar prazer, ela também é onde ele adquire conhecimento, veio poético e é o meio que ele encontra para estar mais próximo de Deus.O eu lírico traz a manifestação do poder de Deus através da natureza trazendo seus componentes como sublimes, obras perfeitas do Criador. Dessa forma, podemos dizer que há no poema patativiano um eulírico contemplativo, a natureza é para o eu poético a expressão maior do poder imenso de Deus. Nela o eu poético encontra os “sinais” e as lições que dão sentido à existência e à explicação

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do mundo. A natureza se apresenta para o eu lírico como a porta de acesso às coisas divinas.Ao mesmo tempo, no que diz respeito ao conteúdo humanístico, observamos que por trás do apelo pastoral temos uma censura ao sistema social que exclui as pessoas do campo da educação convencional, portanto, podemos afirmar que há ainda um eulírico que representa o homem como produto do meio.

Cresci entre os campos belos De minha adorada Serra, Compondo versos singelos Brotados da própria terra, Inspirados nos primores Dos campos com suas flores De variados formatos

Que pra mim são obras-primas, Sem nunca invejar as rimas Dos poetas literatos. (ASSARÉ, 2005, p. 21).

As manifestações da natureza, dos animais e plantas, aqui observadas, são reveladas através da admiração do eupoético. Esses versos do poema Eu e Meu Campina são utilizados para revelar a intervenção da natureza na vida do eu poético, pois se sabe que ela, o espaço rural como um todo alimentou o apreço do eu lírico ao seu habitat. Como ponto inicial do ecocriticismo, é indispensável analisarmos a intervenção da natureza com a vida íntima do eu poético, podemos dizer que o meio ambiente faz interferências na vida humana. Referente à análise do espaço, notamos ele interferindo na vida humana, como também o homem reciprocamente influencia o espaço natural.

Na teoria proposta por Garrard o espaço nas obras será visto não apenas como lugar onde se passa o enredo, masa forma como esse espaço é percebido e traduzido pelos sentimentos humanos. E a partir do momento que o espaço é mostrado através dos sentimentos do indivíduo esse se impõe como elemento de subjetividade. Essa obra transborda amor pelo meio ambiente, fica evidente ao leitor a adoração do eu lírico por aquele paraíso, como ele mesmo o chama, quando descreve cada detalhe do local onde cresceu desfrutando a companhia das dádivas divinas, como os pássaros e flores por ele citados, que simbolizam a fauna e flora regional. Os encantos da mata, os cantos dos pássaros, conduzem à aprendizagem e à experiência de Deus, pois nela, ele é “mais visível”. Expressando-se assim, é como dissesse que sua poesia procede de uma fonte sagrada, sem a qual ela não existiria. Revelando nessa idealização do espaço a temática da Pastoral de forma decisiva na consolidação do discurso do poeta. A Pastoral é considerada o tropo de mais valor representativo nas discussões ecocríticas desde o período clássico.

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Nenhum outro tropo está tão profundamente arraigado na cultura ocidental, nem é tão profundamente problemático para o ambientalismo. Com suas raízes no período clássico, a pastoral mostrou-se infinitamente maleável para fins políticos diferentes, e potencialmente nociva em suas tensões e evasões. Entretanto sua longa história e sua ubiquidade cultural significam que o tropo bucólico deve continuar e continuará a ser de interesse fundamental para os ecocríticos. (2006, p. 54).

Podemos identificar a inter-relação solidária entre a mente humana criativa e a natureza criadora, pois o eulírico deixa claro já no início do poema que seus versos nascem da própria terra e que ela é sua inspiração, valorizando saber do homem da roça, do analfabeto tanta quanto o saber dos letrados, dos poetas eruditos. O homem, uma vez ligado ao espaço, busca na natureza uma identidade ou a reprodução dos seus sentimentos, o espaço por si próprio dá ao homem esse suporte. A natureza faz o papel da escola, ela é o livro que possui todas as lições, sejam elas fáceis ou difíceis. O quadro que o poeta compõe é de um “livro natural” em que tudo é vivo, pulsante e puro. Esse sentimentalismo pastoril está presente em todaa poesia de Patativa e é possível perceber isso no contraste urbano/rural contido em todo poema, como podemos ver nas seguintes estrofes:

Vivendo naquele meio Sentindo um prazer infindo De doces venturas cheio Parecia estar ouvindo Naquele quadro silvestre A voz do Divino Mestre Falando dentro de mim: – Não lamentes a pobreza Pois tu tens grande riqueza, Felicidade é assim.

E eu passava sorridente A tarde, a noite e a manhã Sem nunca me entrar na mente A falsa riqueza vã,

Mas por capricho da sorte Vi que a estrela do meu norte Deixou de me proteger, Saí do meu paraíso Por que na vida é preciso Gozar e também sofrer. Com setenta anos de idade O destino me fez guerra, Fui residir na cidade

Deixando minha querida Serra, Minha Serra pequenina, Mas um galo de campina De trazer não me esqueci Porque neste passarinho Estou vendo um pedacinho Lá do sítio onde eu nasci.

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Me envolve nesta cidade Certa sombra de tristeza Sentindo a roxa saudade Das vozes da Natureza, Longe daquele ambiente Tão puro tão inocente

Que me prende e que me encanta, Tenho apenas esta lira,

Um coração que suspira E um passarinho que canta. (ASSARÉ, 2005, p. 21-22).

Nas estrofes acima notamos que o campo está associado a uma forma natural de vida, paz, inocência e simplicidade, a cidade associou-se à ideia de aprisionamento e sombras para o eu poético. Percebemos nestes versos sentimentos característicos do bucolismo. O universo urbano é como se fosse uma prisão e ao mesmo tempo um ambiente corruptível, que aniquila a inocência humana, lembra aqui o mito do “bom selvagem” (ROUSSEAU, 2005). O eu lírico fala da tristeza que ocupou seu coraçãopor que teve que deixar, por eventualidade e/ou fatalidade da vida, o campo no qual vivia e da falta que sente daquele lugar imaculado. Esse espaço que se torna íntimo, apesar de sua vastidão física, suscita as emoções do eu lírico romântico por sua terra. Para suportar a saudade do campo o eu lírico leva com ele para a cidade um galo de campina, que se transmuta na expressão da natureza, como refúgio, e durante todo poema percebemos a cumplicidade entre o eulírico e seu amigo que sofrem juntos por estarem distante do meio natural, do seu espaço bucólico:

Por dentro da mesma linha Nossa vida continua A tua sorte é a minha E a minha sorte é a tua, Se vivendo na cidade Tu cantas uma saudade, Saudade o teu dono tem, Meu querido companheiro Se tu és prisioneiro Eu vivo preso também. Se tu tens a tua história Que o mau destino te deu, Perdi também uma glória, O mesmo padeço eu, Meu querido passarinho Vamos no mesmo caminho Seguindo a mesma meta, Padecem a mesma sina O poeta do campina E o campina do poeta.

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Podemos observar que há uma relação de complementariedade e interdependência, um companheirismo no qual o eu lírico compartilha com o galo de campina das mesmas circunstâncias e sentimentos. Notamos ainda, que o eu poético ao igualar homem/animal, por meio do sentimento, acaba quebrando a dicotomia existente entre os mesmos, estabelecendo um sistema de equivalência entre humano e não humano. Esse cruzamento do eu e da natureza como outro, leva a uma personalização dos seres não humanos e com isso, elimina consideravelmente, as barreiras hierárquicas construídas entre o homem e os demais animais dando assim subsídios para a visão ecocrítico. Para Greg Garrard:

À medida que os ecocríticos procuram oferecer um discurso verdadeiramente transformador, que nos permita analisar e criticar o mundo em que vivemos, dá-se cada vez mais atenção à ampla gama de processos e produtos culturais nos quais e por meio dos quais ocorrem as complexas negociações entre natureza e cultura. Aliás, a definição mais ampla do objeto da ecocrítica é a do estudo da relação entre o humano e não-humano, ao longo de toda história cultural humana e acarretando uma análise crítica do próprio termo “humano”. (2006, p.16, grifo do autor).

O nivelamento de importância entre os seres, constante no poeta nordestino, aponta para uma modalidade representacional que desterritorializa oprestígio fundante dos valores exclusivamente antropocêntricos e, consequentemente, aponta para uma movimentação político cultural que reflete sobre o respeito e a dependência existencial entre os seres que constituem a teia da natureza.

Era boa a tua vida Porque vivias liberto E para tua dormida Tu tinhas o ponto certo, Mas não lamentes o fado Vivemos hoje preso ao lado Deste teu pobre senhor, Quem sabe se no porvir Tu não irias cair Nas armas do caçador? (ASSARÉ, 2005, p. 23).

Nesse trecho percebemos o quanto esses organismos interferem um na existência do outro, a natureza sendo instrumento para a felicidade do ser humano, visto que esse também é parte dela e esse homem impedindo o pássaro de seguir seu destino natural. Trazendo com isso outratemática,a caça, afinal a natureza é livre, os animais são livres, mas padecem com as investidas predatórias do ser humano. O tema aparece no poema nas estrofes em que o eu lírico diz que ambos, ele e o campina, vivem presos por obrigatoriedade e até mesmo por necessidade. Ele, por causa de problemas sociais e políticos e o pássaro por causa do caçador, no caso o próprio homem representado pelo eu lírico. Dessa forma, percebemos que o próprio eu lírico ao prender o pássaro, também causa danos à ave e ao meio ambiente, porque mesmo ele se justificando que prendeu o pássaro por causa de um possível

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caçador, não deixa de revelar o lado egoísta humano, pois, enquanto o campina canta de saudade por sua liberdade, esse mesmo canto apazigua um pouco as lembranças e sentimentos do homem que o prendeu. Ao longo do poema o eu poético revela um tom romântico com relação ao meio ambiente por meios de versos como “Eu nasci ouvindo os cantos / Das aves da minha terra / E vendo os lindos encantos / Que a mata bonita encerra,”, mas ao mesmo tempo arguidor quando toca na figura do caçador mostrando como o homem prejudica a vida dos animais com a caçae poderíamos até dizer desmatamento e construções, podendo, dessa forma, ser responsável pelo desequilíbrio ambiental que acarretaproblemas enormes para o planeta, revelandoassim o homem como grande predador do espaço ambiental, embora possa em alguns momentos ser amigo e preservador do espaço natural.

Essa percepção dos fenômenos naturais versus atitudes humanastratadas no poema e que aparecem em outros gêneros literários, foi a questão que motivou inicialmente a concepção dos estudos ecocríticos.A ecocrítica surgiu exatamente para estudar a maneira como a literatura poderia ajudar na crise ambiental, conscientizando os leitores das consequências das suas atitudes em relação à natureza. Embora disfarçada entre tantos elogios, o poema também traz os aspectos negativos provenientes das relações sociais, políticas e ambientais. Nesse caso, a ecocrítica pode então funcionar como instrumento reflexivo/conceitual com o qual acompanhamos a produção artística e cultural ao se aproximarde questões densas e importantes para nossa contemporaneidade, ou seja, a ecocrítica se aproveita dessa problemática exposta na obra literária, como a do poema analisado, para estudar pontos controversos da sociedade e tentar encontrar soluções para eles dentro do texto literário e manifestações culturais.

Retornando ainda ao poema, o belo se apresenta no texto através da singeleza com que o poeta usa para representar a natureza concentrando-se em imagens de beleza natural e enfatizando a harmonia existente nela, os sentimentos que afloram do poema e fazem o leitor enxergá-la como a própria essência da vida.O canto das aves, a nobreza e beleza dos campos, os animais, a natureza e Deus são palavras que formam um quadro harmônico, telúrico. Para Patativa a natureza é uma graça celestial, portanto, espaço abençoado, harmonioso, sagrado e, como tal, belo. Percebemos que “lendo” na “faculdade da natureza”, o poeta, ou melhor, o eu lírico atribui seu saber a uma dádiva divina.

O eu poético transmitiu em seus versos, sentimentos intrinsecamente humanos, como amor e saudade, sentimentos esses que nos apresenta a relação do ser humano com o meio ambiente.Os sentidos, principalmente a audição, visão e o tato estão impregnados nesse poema, no decorrer das estrofes eles são manifestados a partir das sensações e emoções que a natureza desperta no homem. De uma maneira geral, o poema possibilita ao leitor a construção de uma consciência crítica sobre a importância do homem viver em comunhão com a natureza. Aqui, podemos trazer o pensamento de

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Candido (1995, p. 186) quando afirma que a literatura “nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade.”.

Por fim, Patativa deu um tratamento literário a natureza semelhante a um personagem, principalmente através do galo de campina que é inclusive antropomorfizado. Interessante percebermos também, nesse poema, alguns traços da tradição romântica, pois, mesmo distante do período do Romantismo encontramos características pertencentes a essa estética no poema, como a religião, o culto a natureza e o sentimento nostálgico em relação ao espaço e cultura rural. Entretanto, apesar dessas semelhanças, nem o poema, nem seu autor são contemporâneos dessa escola literária, porém, fica a lição de que a literatura é cíclica e de que o amor, a natureza e religião são temas brutos presentes nas produções literárias e abordados de vários modos ao longo da história da literatura.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise do poema Eu e Meu Campina é fruto de uma pesquisa bibliográfica e teórica,na qual constatamos que aecocrítica é fundamentalmente o conjunto das produções humanas em relação com o meio, isto é, a reciprocidade e a dinamicidade envolvidas no contexto das produções contemporâneas permeadas intrinsecamente pela vertente ecológica.Tal estudoevidencia uma importância devido ao cenário cosmopolita e de crise ambiental que estamos vivenciando ao longo dos anos, principalmente nesse século XXI.

Percebemos que do ponto de vista do reconhecimento de nós mesmos enquanto seres responsáveis pela vida no planeta, e de nossa conscientização de preservação e manutenção do meio em que vivemos, o poema nos revelaque a literatura representa o homem e suas ações e dá a sua contribuiçãono sentido de fazermos refletir sobre nossa existência enquanto ser planetário.O poema promove a cota de humanização, como aborda Candido (1995), e esse poema nos dá contribuições importantes nesse sentido.

Cada artista mostra sua visão de mundo daquilo que o rodeia. Dessa forma, povo, cultura, sociedade, economia, política, meio ambiente e tudo mais que atinge a condição humana pode ser imaginariamente demonstrado pela literatura. Assim, todas as nações em todas as formas e cores estão esteticamente construídas na literatura, uma vez que o mundo de cada um é feito de uma fusão do externo com o interno, e isso se reflete na arte literária.Isto posto, podemos reconhecer que Patativa traz em seu poema a expressão da sua cultura, do lugar onde viveu, seu eupoético tomou o papel de porta-voz do homem rural. O mundo é um todo que se divide na visão de cada um que o escreve, é algo particular para cada indivíduo que o apresenta. Por conseguinte, é a estética que diz o mundo de cada um e esse, sempre foi visto, literariamente, no sentido homem e no sentido Terra, e agora se evidencia isso, inclusive a preocupação, já manifestada por muitos, no tocante ao meio ambiente.

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Consoante a esta perspectiva, a ecocrítica evidencia esse contexto e analisa esse comportamento literário através da crítica.Essa nova possibilidade de interpretação vem crescendo conforme se percebeas lições ecológicas que podem ser apreendidas nas obras literárias ao passo que reluz o possível encontro do homem com o meio ambiente. Isso tudo através do perceber literário, que enfatizao comportamento do ser humano, dando um novo prisma sobre a sustentabilidade, a preservação do ecossistema e, sobretudo, um repensar das atitudes humanas em seu espaço natural.

A descrição da natureza e o seu uso poético, não é exclusividade da literatura brasileira, que em todas as suas variações, dedica parte de sua produção, em todos os recantos do mundo e em todos os tempos, escritores descreveram, enalteceram e se inspiraram a partir desta temática. Dentro da proposta desse estudo podemos vê a riqueza natural do Brasil, antes tão exaltada pelos poetas, mas que, assim como todo sistema natural, está ameaçada de extinção, se não houver uma conscientização imediata nesse sentido. Apreciar a obra de Patativa é entrar em contato com uma expressão artística que nasce da força e da criatividade peculiar do mundo simples, porém, culturalmente rico, como vimos no poema. Conhecê-lo é somar valores à cultura brasileira. O mundo que nos é apresentado no decorrer do poema é humano, e a natureza é a origem de sua inspiração. O eu poético canta sua terra, logo uma espécie de intérprete da beleza, do sofrimento e dos sonhos do homem do campo.Podemos assinalar que a poética patativiana é fortemente marcada por um sentimento topofílico transmitido por uma linguagem pastoral, de onde despontam traços como a ênfase na venustidade, exuberância e força da natureza mostrando o homem e a natureza numa relação de visceral de complementariedade. O poema aqui observado possui uma forte carga cultural, contemplando o universo do autor como retrato sociocultural-ambiental, no qual podemos enxergar a real situação da sociedade agrária tal como a citadina, tanto da época como dos dias atuais. A afeição que o eu lírico demonstra ter em relação ao meio natural apresenta ao leitor de forma bucólica, o prazer da vida campestre, nos fazendoperceber o quanto o ambiente no qual estamos inseridos influencia na nossa vida. Percebemos em seus versosalém do teor amoroso na elaboração do cenário natural como algo que vislumbrava o criador, também um olhar observador e crítico que permite ao leitor reconhecer feridas que tornam a vida do homem mais triste. Transmite ao leitor uma mensagem de louvoràsublimidade da vida rural e,embutida nessa, uma crítica às conveniências políticas e interesses egocêntricos que acabam lesando o homem do campo impedindo de participar e receber as mesmas oportunidades sociais e culturais das pessoas da cidade. Notarmos também a força e beleza da natureza, onde podemos notar as trocas que ocorrem entre cultura, homem, natureza e literatura nesse poema.

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ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e Fulô. São Paulo: Hedra, 2005.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In. ________. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995, p. 169-191.

GARRARD, Greg. Ecocrítica. Trad. Vera Ribeiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006. NASCIMENTO, Paula Santos. Descortinamento de um novo ethos na poética de Patativa do

Assaré: uma abordagem Ecocrítica. Dissertação de Mestrado em Literatura e Interculturalidade.

Campina Grande: PPGLI/UEPB, 2012.Disponível em: <http://pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgli/download/dissertacoes/disserta%C3%A7%C3%B5es2012/Paula%20S antos.pdf> Acessoem: 20 mar.2015.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade

entre os homens. Trad. Maria Ermantina Galvão. 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005.

ANEXOS

EU E MEU CAMPINA (Patativa do Assaré)

Assaré, terra querida,

Nestes versos que componho Te digo que em minha vida Tu és o meu grande sonho, Desde o vale até o monte És a milagrosa fonte Das minhas inspirações, Meu Torrão de sol ardente Banhado pela corrente Do rio dos Bastiões.

Foi em mil e novecentos E nove que eu vim ao mundo, Meus pais naqueles momentos Tiveram prazer profundo, Foi na Serra de Santana Em uma pobre choupana Humilde e modesto lar, Foi ali onde eu nasci E a cinco de março vi Os raios daluz solar.

Eu nasci ouvindo os cantos Das aves da minha terra

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E vendo os lindos encantos Que a mata bonita encerra, Foi ali que eu fui crescendo, Fui lendo e fui aprendendo No livro da Natureza Onde Deus é mais visível, O coração mais sensível E a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas De livro artificial,

Estudei nas lindas folhas Do meu livro natural E assim longe da cidade Lendo nesta faculdade Que tem todos os sinais, Com estes estudos meus Aprendi amar a Deus Na vida dos animais.

Quando canta o sabiá Sem nunca ter tido estudo, Eu vejo que Deus está Por dentro daquilo tudo, Aquele pássaro amado Na seu gorjeio sagrado Nunca uma nota falhou, Na sua canção amena Só diz o que Deus ordena, Só canta o que Deus mandou.

Cresci entre os campos belos De minha adorada Serra, Compondo versos singelos Brotados da própria terra, Inspirados nos primores Dos campos com suas flores De variados formatos

Que pra mim são obras-primas, Sem nunca invejar as rimas Dos poetas literatos

Vivendo naquele meio Sentindo um prazer infindo De doces venturas cheio Parecia estar ouvindo Naquele quadro silvestre A voz do Divino Mestre Falando dentro de mim: – Não lamentes a pobreza Pois tu tens grande riqueza,

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Felicidade é assim.

E eu passava sorridente A tarde, a noite e a manhã Sem nunca me entrar na mente A falsa riqueza vã,

Mas por capricho da sorte Vi que a estrela do meu norte Deixou de me proteger, Saí do meu paraíso Porque na vida é preciso Gozar e também sofrer.

Com setenta anos de idade O destino me fez guerra, Fui residir na cidade

Deixando minha querida Serra, Minha Serra pequenina,

Mas um galo de campina De trazer não me esqueci Porque neste passarinho Estou vendo um pedacinho Lá do sítio onde eu nasci.

Me envolve nesta cidade Certa sombra de tristeza Sentindo a roxa saudade Das vozes da Natureza, Longe daquele ambiente Tão puro tão inocente

Que me prende e que me encanta, Tenho apenas esta lira,

Um coração que suspira E um passarinho que canta.

Canta campina, o teu canto Faz diminuir o meu tédio Para aplacar o meu pranto A tua voz é remédio, Neste nosso esconderijo És o único regozijo Para os tristes dias meus, Tu és o meu anjo divino E este canto é um hino Louvando o poder de Deus.

Por dentro da mesma linha Nossa vida continua A tua sorte é a minha E a minha sorte é a tua, Se vivendo na cidade

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Tu cantas uma saudade, Saudade o teu dono tem, Meu querido companheiro Se tu és prisioneiro

Eu vivo preso também.

Se tu tens a tua história Que o mau destino te deu, Perdi também uma glória, O mesmo padeço eu, Meu querido passarinho Vamos no mesmo caminho Seguindo a mesma meta, Padecem a mesma sina O poeta do campina E o campina do poeta.

Era boa a tua vida Por que vivias liberto E para tua dormida Tu tinhas o ponto certo, Mas não lamentes o fado Vivemos hoje preso ao lado Deste teu pobre senhor, Quem sabe se no porvir Tu não irias cair

Nas armas do caçador?

Eu te conduzi do mato Com desvelo e com carinho Porque neste mundo ingrato Ninguém quer viver sozinho, Se a mesma sorte tivemos Juntinhos nós viveremos Por ordem do Criador, Neste sombrio recanto Tu, consolando o meu pranto E eu cantando a tua dor.

Referências

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