• Nenhum resultado encontrado

Por uma antropologia da política faccional: resenhando o livro “Política Ambígua”

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Por uma antropologia da política faccional: resenhando o livro “Política Ambígua”"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

faccional: resenhando o livro “Política

Ambígua”

Bruno Guilhermano Fernandes

Granduando em Ciências Sociais pela UFRGS (brunoguilhermano@gmail.com)

Resumo

O livro “Política Ambígua”, de Moacir Palmeira e Beatriz Heredia, reúne um conjunto de artigos e ensaios que estão entrelaçados por uma abordagem em comum: a análise de concepções de política no Brasil, nos termos em que ela é formulada e praticada. Conceitos como política local, facção, tempo da política e voto auxiliam na compreensão de uma forma de analisar a política pela antropologia, fundamentada em trabalho de campo etnográfico em contextos políticos e sociais específicos.

Palavras-chave

Política Ambígua; Facção; Tempo da política; Antropologia da Política.

Abstract

The book “Política Ambígua”, by Moacir Palmeira and Beatriz Heredia, reunite a group of the articles and essays which are interlaced for a common approach: the analyse of conceptions of the politics in Brazil, in the terms in which it is formulated and practiced. Concepts as local politics, faction, time of politics and vote contribute in the understanding and analyse of the politic by anthropology, based on ethnographic fieldwork in specific political and social contexts.

Palavras-chave

(2)

O livro “Política Ambígua” (2010) reúne um conjunto de artigos e ensaios que estão entrelaçados por uma abordagem em comum: a análise de concepções de política no Brasil, nos termos em que é formulada e praticada. Seus autores, Moacir Palmeira e Beatriz Heredia1, evitam a abordagem normativa com que o tema geralmente é tratado. Para isso, retêm a política, e seus diferentes significados, pelo viés do trabalho etnográfico e pela análise antropológica de diferentes contextos políticos e sociais.

Na década de 1980, com a redemocratização do país, a política passa a ser projetada em outros termos, que se transformam em objeto de investigação da obra. Partindo de pesquisas com comunidades e sindicatos de trabalhadores rurais nos estados de Pernambuco e no Rio Grande do Sul, os autores se depararam com cenários onde estavam em jogo diferentes modos de conceber a política, que orientavam e davam um quadro inteligível para compreender a sua influência na vida social estudada. A partir de eleições municipais no ano de 1988, o trabalho de campo começa a ser produzido em localidades distintas dos dois estados.

Nas comunidades rurais frequentadas, entretanto, as atividades sindicais e as atividades políticas eram percebidas como distintas e, de certo modo, intransitivas, apresentando temporalidades diferentes. Socialmente, as atividades políticas são representadas como fortemente associadas ao período eleitoral, enquanto as sindicais são fixadas permanentemente. Com essa visão, os antropólogos apresentam a ideia de tempo da política, época da política ou simplesmente política, para se referirem ao período

1 Moacir Palmeira e Beatriz Maria Alasia de Heredia são mem-bros do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP), vinculados à Universidade Federal do Rio de Janeiro e aos programas de pós-graduação em Antropologia Social (Museu Nacional) e de Sociologia e Antropologia (IFCS/UFRJ), respectivamente.

eleitoral (PALMEIRA & HEREDIA, 2010). A noção de tempo da política, que coloca em jogo certo recorte social do tempo, corresponde a um dos principais conceitos do livro e é amplamente empregada, sendo encontrada na perspectiva das populações estudadas e como objeto de reflexão.

O tempo da política envolve os candidatos, apoiadores, cabos eleitorais, justiça eleitoral e os eleitores, e, também, toda a população associada a uma eleição, que percebe seu cotidiano sendo subvertido. Nesse momento de “conflito autorizado”, as diferentes facções políticas disputam cargos e concepções distintas de suas atividades. O conceito de facção2, também, aparece com frequência na obra,

sendo utilizado para se referir a agrupamentos específicos vinculados aos profissionais da política e seus aliados, que, durante o tempo da política, estão em confronto com outras facções. Por consequência, esses agrupamentos consagram a visão da política como uma atividade realizada por políticos e, mais exclusivamente, por aqueles que estão no poder.

Com efeito, a análise do que os autores chamam de política local fornece diferentes dimensões para projetar uma imagem (ou uma pluralidade de imagens) do que seja a política, a partir do encontro categorizado de políticos (profissionais da política) com eleitores (os “não políticos”), em circunstâncias variadas. No tempo da política as facções delimitam e refazem suas fronteiras, possibilitando rearranjos de compromissos no interior de uma comunidade, bem como a visibilidade do caráter sazonal da política,

2 Palmeira & Heredia (2010, pág. 25) enaltecem o termo com precisão teórica: “Ao contrário de partidos políticos, associa-ções ou clubes, as facassocia-ções são unidades de conflito ativadas em ocasiões específicas antes do que mantidas por uma organiza-ção formal”, não sendo permanentes, porém podendo existir ao longo de um grande período de tempo conforme as correlações de forças a que estão associadas.

(3)

geradora de representações e práticas sociais diversas. Neste sentido, ressalta-se que, durante toda a obra, é perceptível uma ênfase dada à positividade das trocas sociais que são estabelecidas dentro e fora do tempo da política e na reformulação de um sistema de posições sociais que essas trocas possibilitam. Para tanto, além de uma “Introdução” específica, a obra se divide em oito capítulos, que dão vigor e enaltecem os conceitos apresentados.

No primeiro capítulo, intitulado “Política, facções e voto”, apresentam-se visões abrangentes em torno de resultados da pesquisa etnográfica, enfatizando a relevância das eleições para as coletividades estudadas. Em geral, as imagens associadas à política local no Brasil pela literatura sociológica e antropológica - a do mandonismo de um chefe político, ou a de disputa entre duas ou mais facções pelo poder local, que se utilizam da prática clientelista -, são consideradas existentes, porém, analiticamente, perpetuam efeitos que minimizam o significado social do processo eleitoral. Por isso, Moacir Palmeira e Beatriz Heredia acentuam o tempo da política como um período não permanente de posicionamento e reposicionamento político das pessoas, o qual produz, ou encerra, ciclos de profissionais da política e de facções em torno do poder político.

Nas situações investigadas, o período eleitoral representa o momento em que diferentes facções políticas são identificadas e demarcam suas fronteiras, instaurando um conflito aberto e público, através de discursos e práticas contextuais e contínuas. Percebe-se como as facções Percebe-servem como referência a unidades de conflito (conflitos políticos envolvendo o poder público), cujos membros são orientados por um ou mais líderes com base em princípios variados. Com efeito, os embates entre facções torna-se, ao longo

do tempo, determinante ao funcionamento de um sistema de dominação.

A disputa eleitoral é, com isso, lida como uma disputa para incorporar o maior número de apoios a uma facção, ou o maior número de votos a um político. Estando em jogo certas definições de mando e de poder, o processo eleitoral mostra-se decisivo para a ordenação das relações sociais durante um determinado ciclo. Nessas circunstâncias, mais do que uma escolha individual e racionalizada com base em determinados critérios, o voto

aparece como o significado de uma manifestação de adesão

(PALMEIRA & HEREDIA, 2010, pág. 19).

A declaração pública antecipada de uma adesão pode ser manipulada pela classe política para conquistar novos eleitores e expor a sua força social. Entretanto, os autores não desconsideram que os eleitores também conjugam seus interesses ao expressarem uma lealdade política a um candidato. A lealdade ao voto, nesse contexto, é adquirida por um compromisso pessoal e por um sistema de reciprocidade baseado em certos valores, favores, trocas materiais e simbólicas e instaurador de esferas de sociabilidade que podem ser tensas, quanto festivas. Em outros termos, o voto, nos marcos da política faccional, exprime um gesto de identificação num tempo usual.

O início da campanha eleitoral é o momento onde diferentes atividades vinculadas à política são infiltradas nas comunidades. Uma delas é o comício, objeto de análise do capítulo 2, intitulado “Os comícios e a política das facções”. No comício, uma atmosfera ambígua pode emergir: plausivelmente festivo, o comício torna-se amortizado pela segregação faccional dos espaços de convivência social. Os antropólogos ressaltam, por vezes, que a disputa faccional que se estabelece coloca em jogo o

(4)

peso relativo de diferentes arranjos que dividem uma coletividade, o que é condicionante para a ordenação das relações sociais e que marca a política pela divisão.

Com a intensificação da atividade política, o comício, e a centralidade de seu palanque, será o lugar de manifestação pública da existência e de exposição da identidade de uma facção, ou de outras tantas. Para isso, o livro demonstra que toma-lo em seu caráter solene e enquanto processo ritual amplia a percepção da sua importância para uma facção, que quer expor a sua força à sociedade. O comício, através do palanque e de seus ordenamentos, produz uma distância entre os de cima (“profissionais da política”) e os de baixo (“eleitores em potencial”), a qual reforça a existência de hierarquias sociais – já que o palanque deve ser percebido, pelos que estão fora dele, como lugar de autoridades - e atualiza a distância entre o tempo da

política e do cotidiano. Por consequência, diferentes momentos desse ritual são descritos pelos autores, a partir da observação sistemática de uma série de comícios, o que possibilita identificar constantes com repercussões significativas às campanhas eleitorais. Deste modo, são interpretadas específicas teatralizações marcadas pelas performances dos profissionais da política de uma facção, durante a solenidade no espaço do palanque.

Deste modo, durante o comício, o que está em jogo é um conjunto de promessas públicas de governo, que constituirão um programa transacionado, isto é, que é produzido ao longo da campanha e pela relação de oposição (com propostas e acusações) às campanhas adversárias. Logo, se as promessas estão destinadas às coletividades, às acusações estão voltadas às individualidades, especificamente às “reputações individuais”. O comício visibiliza o estado de disputa entre as facções, balizando as

atividades de campanha durante o período eleitoral e tendo uma importância ritual para as coletividades ao marcar solenemente o tempo da política.

O modo como a política é percebida pelos próprios políticos (“profissionais da política”) também é objeto de estudo, exposto no capítulo 3: “Luta entre iguais: as disputas no interior da facção”. Para isso, são valorizadas as relações entre os políticos e a maneira como acontecem, durante e fora do período eleitoral. O tempo da política, celebrado pelos políticos, diferencia-se do recorte temporal que é vivido pelas populações, sendo uma atividade permanente e cotidiana a eles. O período eleitoral, por sua vez, é caracterizado como um momento festivo e de disputas animadas aos políticos, e, concomitantemente, conflitivo e tenso, com um caráter público. Os maiores adversários de um “político”, os seus “iguais”, não são apenas candidatos do mesmo partido ou de outros. Os candidatos que possuem um perfil semelhante, com bases sociais e localidades de ação próximas e que disputam o mesmo cargo, tornam-se, no período entre duas eleições e durante o processo eleitoral, os maiores rivais.

Nesta dimensão, os embates emergem como transgressores das segregações faccionais, não sendo apenas externos a elas. Em “Política Ambígua” (2010) as disputas que são restritas ao interior de uma facção e seu caráter não público são detalhadas. Elas são apresentadas como mais intensas e aparentemente inexistentes, porque se evita que tais conflitos sejam publicizados, para não desestabilizar a força de uma facção frente aos possíveis eleitores. Nesse sentido, as eleições reatualizam a demonstração de força e poder de um político não somente diante de eleitores, mas também junto a seus pares, ou, mais precisamente,

(5)

frente aos outros políticos da sua facção e de facções opostas. Em síntese, demonstra-se como o exame das relações de força no interior de uma facção, um lugar aberto ao confronto, ressalta que, o poder que um “político” obtém fora de uma facção, passa pelo poder que acumula dentro dela, e reciprocamente.

Após o embate eleitoral, os políticos não deixam de se comunicar com as comunidades que representa e que o elegeram. O período entre duas eleições é permeado por relações entre os políticos e os eleitores, que são examinadas no capítulo 4 do livro, intitulado “Entre duas eleições: relações político-eleitor”. A ligação da população em geral com os parlamentares pode ser apresentada de formas constantes, como através de solicitações específicas. Aqui, a título de fundamentação empírica, o trabalho etnográfico está situado no gabinete de um parlamentar, espaço que centraliza o conjunto de atividades por ele executadas, sendo as comunicações com os eleitores uma tarefa primordial. Nessa atividade, assessores, secretários, técnicos e outros mediadores realizam o atendimento e a comunicação, de uma maneira qualificada e eficaz, com as pessoas que entram em contato com o gabinete.

Os políticos também buscam acionar mídias externas (ligações telefônicas, cartas, propagandas em rádio, folhetos e vídeos), para se comunicar com as pessoas das localidades que lhe apoiam. A análise dos autores, a partir disso, salienta a importância dada à manutenção dessas relações e as formas que estas assumem. O envio de cartas a um parlamentar – que, diante disso, pode engendrar práticas “clientelistas” -, por exemplo, é revelador da maneira como funciona o sistema político, sendo perceptível, nesses registros, a visão que se tem do papel dos políticos e do que se espera deles. Existe uma preocupação do parlamentar

em personalizar a relação com a população com a qual se comunica, intuindo o fortalecimento de relações de fidelidade política.

No capítulo 5, “Política, família, comunidade”, a política é apresentada como externa ao cotidiano das comunidades camponesas. Os antropólogos privilegiam, nesse capítulo, a análise de como a política é introduzida nas comunidades e suas interferências nas relações existentes no interior das mesmas, durante as eleições. Enfatiza-se que, nas famílias de zonas rurais, a dimensão do que é público, inclusive a política, é tratada como assunto masculino, por implicar numa relação com o exterior. Nesta direção, tem-se que o próprio ato de votar apresenta-se associado a dominação masculina, que definirá o voto de sua família e desestabilizará o ideal do voto individualizado. Com efeito, a política é vista como uma atividade masculinizada nas sociedades estudadas. Isso não impede, contudo, que as mulheres não produzam ou influenciem a política no âmbito familiar e com seus conhecidos, fazendo-a em circunstâncias determinadas. Há, porém, uma relação de desigualdade de gênero na legitimidade social para participar da política e nas negociações em torno do voto.

Nessas comunidades, segundo os pesquisadores,

ajuda, compromisso e dívida tem um significado especial

e regulam as relações de reciprocidade, na medida em que estão associados a valores morais, como a honra. O voto torna-se uma maneira de se retribuir algo que foi recebido, já que aquele que recebeu ajuda se sente em dívida e, portanto, obrigado a retribuir. Aqui, uma teoria da reciprocidade emerge. Num primeiro momento, o voto permite uma retribuição numa relação de iguais. Porém, paradoxalmente, a harmonização do equilíbrio da relação entre político

(6)

e eleitor não é mais possível quando o primeiro é eleito, já que acumula uma posição de poder desigual em relação ao segundo. Dito de outra maneira, a obra apresenta o voto como uma moeda de intercâmbio, que permite a passagem de um circuito de troca a outro, isto é: “de um circuito de reciprocidade – entre socialmente iguais – ao de clientelismo político, no qual o “cliente” se mantém permanentemente endividado face ao “patrão”” (PALMEIRA & HEREDIA, 2010, pág. 117). Contudo, ressalta-se, ao longo do texto, que ambos os lados podem extrair benefícios da relação entre “não iguais”.

Em “Eleição municipal, política e cidadania”, capítulo 6 do livro, são acentuadas implicações das eleições municipais e das redes de relações pessoais constituídas pelas facções políticas, que assumem o poder local. Neste capítulo, os autores ressaltam que é oportuna a crítica que percebe a política local não em oposição à nacional, mas que privilegia esses níveis em sua mútua influência.

Com isso, o modo como uma população envolvida no tempo da política concebe e vive as eleições, perpassa, também, a contraposição entre a política local e a política nacional. Para os pesquisadores, porém, a dimensão da política local não se difere radicalmente da política nacional. Existe uma espécie de continuidade entre os modos de produção de ambos os níveis da política. Isso pode estar expresso na relação direta entre o modelo faccional de disputas e da política informal de favores, associada comumente ao nível local, e de práticas de governo a nível nacional. Simultaneamente, a formalidade e a impessoalidade da “grande” política, também, está presente na política local, como através da efetivação de políticas baseadas em legislações e relações “corporadas”, com suporte institucional e impessoal. Nesta lógica, onde relações

informais e relações formais são conjugadas, torna-se possível uma compreensão em torno de como certas relações de reciprocidade (com o caráter coercitivo de obrigação), se articulam com as relações institucionais e se influenciam mutuamente.

À luz da realidade política nos contextos pesquisados, o capitulo 7 da obra, “Os sindicatos no poder: que poder?”, considera a relevância do sindicato enquanto organização social dos trabalhadores rurais e pelas suas influências na política local. Analisa-se que, no contexto brasileiro, a instauração dos sindicatos dentro dos municípios, como núcleos de poder paralelos aos de instituições como o Estado ou a Igreja Católica, não reverberaram em mudanças radicais na política local.

Para os autores, os militantes sindicais conquistaram uma autoridade e notoriedade comunitária, porém que não se coadunou com mudanças objetivas na política dessas localidades.

Três casos de sindicalismo em Pernambuco são considerados etnograficamente e, em contato com o poder político, demonstraram a existência de percepções geradoras de uma cisão entre as atividades sindicais e as atividades políticas. Contudo, demonstra-se que, as autoridades sindicais, para romper com essa separação, engendraram estratégias conforme os interesses em jogo. Ainda assim, determina-se um enquadramento da participação dos sindicatos na política local, o qual camufla os efeitos das intervenções sindicais na política e desestabiliza a capacidade dos sindicatos de mobilizarem seus membros na compatibilização do poder político com o “poder social”, sendo este último definido pelos trabalhadores.

(7)

Por fim, no capítulo final intitulado “Política Ambígua”, onze considerações são sistematizadas e expostas, abordando o que, em certa medida, está presente nos sete capítulos anteriores, que compõem a obra mais amplamente. A ênfase dada é em torno das ambiguidades existentes na atividade política durante o tempo da política, principalmente nas comunidades rurais estudadas.

Assim, analisa-se que, a política, em uma sociedade rural (ou até mesmo urbana), tende a estar relacionada como algo externo a organização familiar e doméstica. Comumente, seu caráter de divisão de uma sociedade e de cisão dos agrupamentos - promovido pelas disputas externas e internas de facções-, aparece em contraposição ao valor da união de uma família, ou da unidade doméstica.

Por outro lado, o período eleitoral, para os profissionais da política é o momento de maior aproximação da população que se busca apoio, sendo um dos tempos que sua presença é ocasionalmente adequada. Mas, fora dele, a presença dos políticos também tende a ocorrer, regulada em doses reduzidas. A sazonalidade da presença dos políticos se expressa com uma correlação direta ao jogo de pertencimentos sociais que o período eleitoral incute, permitindo que as relações sociais sejam marcadas por diferentes alinhamentos de grupos e pessoas a uma facção. Essa funcionalidade da política, contudo, não exclui seu lado ameaçador, na medida em que atravessa o cotidiano das comunidades. Por isso, a sociedade sente a necessidade de garantir seu caráter temporário, estabilizando hierarquias sociais após o resultado das eleições.

Em “Política Ambígua”, percebe-se como, no período eleitoral, a quebra do cotidiano é fundamental para que o tempo da política seja ordenado em meio à ruptura que promove, singularizando e personalizando

uma relação de provável fidelidade entre profissionais da política e eleitores. Nesse momento, a política invade diferentes domínios da vida social e privada, com retóricas que configuram posicionamentos. Também está presente nos “eventos extraordinários” e rituais adversos, contaminando festas, encontros e cerimônias variadas, não necessariamente sem gerar conflitos.

O livro é encerrado com a discussão de duas avaliações “nativas” produzidas sobre a política, o que

faz da política uma atividade ambígua feita por profissionais.

Se, por um lado, entrar na política é correr o risco de ser derrotado (ou perder a própria vida, no limite), por outro, vencer na política garante prestígio para assumir notoriedade. Contudo, se assume o risco de estar sempre sob risco: risco de ser acusado publicamente de algo, de perder a vida, ou a força no interior de uma facção.

Nessa ambiguidade, porém, o instrumento (ou, a arma simbólica) associado para enfrentar tais riscos é o conhecimento especializado, o “saber fazer” do profissional da política, algo que o diferencia dos demais. Juntamente a essa especialização da atividade política, associa-se a percepção de que se trata de uma atividade externa aos eleitores.

Neste sentido, salienta-se uma preocupação por parte do trabalho antropológico. A antropologia da política proposta em “Política Ambígua” está continuamente apresentando a percepção sobre como a maneira de formular a política, nos contextos analisados, associa-se à reprodução de uma sociedade altamente hierarquizada, em contradição com os princípios democráticos e igualitários vigentes. A política, assim, aparece novamente como ambígua: é assunto de muitos (principalmente no período eleitoral), mas é responsabilidade de poucos (da classe política profissional dominante).

(8)

Tomando a apreciação da política pela forma como é operada e concebida, e não somente idealizada, Moacir Palmeira e Beatriz Heredia apresentam análises que reforçam o caráter ambíguo e maleável da política, focalizando efeitos e usos distintos do processo eleitoral, a partir da pesquisa etnográfica realizada durante as décadas de 1980 e 1990. Assim, evidencia-se que demonstrar as ambiguidades da atividade política é um empreendimento que contribui para enfatizar a sua relação com a manutenção de hierarquias sociais, de determinadas temporalidades, e na ordenação das relações simbólicas e sociais em diferentes coletividades no Brasil.

Referências bibliográficas

PALMEIRA, Moacir; HEREDIA, Beatriz Maria Alasia de. Política Ambígua. Rio de Janeiro: Ed.

Relume-Dumará. Núcleo de Antropologia da Política (NuAP), 2010. 198p.

Referências

Documentos relacionados

Este cookie é utilizado pelo Google, como consequência da utilização do serviço Google Analytics por parte da Pikolinos e permite atribuir um

Cookie utilizado pelo serviço do Hubspot para rastrear as atividades do Usuário, como domínio, primeira visita, última visita, visita atual e números de

Em julho, o destaque frente ao mesmo mês do ano passado ficou para o estado do Pará, com alta de 9,9%, único com desempenho positivo nesta base de comparação. Pelo lado

Com uma mescla de elementos teóricos de Sociologia, Ciência Política e Antropologia, o livro Trajetórias, espaços e repertórios de intervenção política: um estudo sobre

Como afirmou Abélès (1997), a antropologia não tem como objetivo criticar as práticas políti- cas, mas entender a maneira pela qual as relações de poder emergem numa

Porém, no caso da minha pesquisa, o político que acompanho não privilegia essa função, por considerá-la menos importante à medida que vereadores não podem

Assim, como Batman é o disfarce de Bruce Wayne para fazer aquilo que o playboy não poderia fazer de cara limpa, Gotham City surgiu em Batman #04 como o alter ego de Nova York e

presente Edital, não serão contabilizados para efeito de pontuação deste processo seletivo;.. i) Considerar-se-á a apresentação de no máximo 01 (um) curso, sendo cada