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Abordagem das formas de tratamento nas aulas de Português Língua Segunda/Língua Estrangeira

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Academic year: 2021

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Mestrado em Português Língua Segunda/ Língua Estrangeira

Abordagem das Formas de Tratamento nas Aulas de

Português Língua Segunda/Língua Estrangeira

Relatório de Estágio

Orientadora: Professora Doutora Rosa Bizarro

Mestranda: Éva Viktória Gyulai

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Resumo

A importância e a necessidade da competência comunicativa e pragmática no aprendizagem de línguas estrangeiras e, mais concretamente, no ensino-aprendizagem de Português Língua Segunda / Língua Estrangeira (PL2/PLE), é amplamente reconhecida. Para desenvolver tais competências, as quais estão intimamente relacionadas com as questões socioculturais e sociolinguísticas, é absolutamente necessário refletir sobre aspetos socioculturais e pragmáticos, deles fazendo parte as formas de tratamento.

Essas mesmas formas de tratamento alicerçam as relações sociais, incluindo o respeito mútuo e implícito entre os intervenientes numa dada interação comunicativa, que pretendem preservar as imagens dos interlocutores, as suas próprias e as do Outro. Este fenómeno de autorregulação, fundador de equilíbrio social, favorece a criação/manutenção de ambientes comunicativos cooperativos, o que constitui o primeiro passo de uma comunicação bem-sucedida.

Pela sua reconhecida relevância, defendo que é necessário dedicar mais atenção às potencialidades pedagógico-didáticas das formas de tratamento, inserida numa perspetiva comunicativa que considere os aspetos pragmáticos, de acordo com o preconizado pelo Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Desse modo, este estudo pretende contribuir para a reafirmação da importância do ensino da componente pragmática da competência de comunicação e as formas de tratamento, em particular, no processo de educação em PL2/PLE.

O presente trabalho encontra-se organizado em três capítulos. O Capítulo I surge como um enquadramento deste trabalho, apresentando a estrutura do Estágio Pedagógico, assim como do funcionamento dos próprios cursos de PLE da FLUP. O Capítulo II faz o enquadramento teórico das formas de tratamento na língua portuguesa. Finalmente, o Capítulo III dá conta de algumas atividades didáticas levadas a cabo nas turmas de nível A1.2. do Estágio Pedagógico, incluindo a análise dos resultados obtidos.

PALAVRAS-CHAVE: Competência Comunicativa; Formas de Tratamento; PLE/PL2

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Abstract

The importance and the necessity of pragmatic and communicative competence in teaching and learning of foreign languages and more specifically in the

teaching-learning process of Portuguese as a Second Language / Foreign Language (PSL/PFL), is widely recognized. To develop such skills, which are closely related to the

sociolinguistic and sociocultural issues, it is absolutely necessary to reflect on sociocultural and pragmatic aspects, making them part of the system of the forms of address.

These forms of address underpin social relations, including mutual respect between the players and implicit in a given communicative interaction, which aims to preserve the images of the interlocutors, their own and the other. This phenomenon of self-regulation, founder of social equilibrium, favors the creation / maintenance of communicative cooperative environments, which is the first step in a successful communication. Recognized for its importance, I argue that it is necessary to devote more attention to the potential pedagogical-didactic of address form, inserted in a communicative perspective that considers the pragmatic aspects, in accordance with the

recommendations by the Common European Framework of Reference for Languages. Thus, this study aims to contribute to the reaffirmation of the importance of teaching the pragmatic component of communication competence and the forms of address, in particular, in the process of education PSL/PFL.

This paper is organized into three chapters. Chapter I appears as a frame of this work, presenting the structure of teaching practice, as well as the functioning of their own courses of PFL in the FLUP. Chapter II is the theoretical framework of the forms of address in the Portuguese language. Finally, Chapter III gives an account of some educational activities carried out in classes of level A1.2. of teaching internship, including analysis of results.

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Agradecimentos

À Professora Doutora Rosa Bizarro, pela sua eficiência e disponibilidade e pela confiança, que permitiram a realização deste trabalho.

À minha mãe e ao meu pai, que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para me ajudar a chegar até aqui.

Ao Géza, pelo apoio e a ajuda, e pelo esforço para compreender e aceitar os meus objetivos.

À Blanka e ao Krisztián pela paciência, ao aceitarem a minha ausência, pelo que peço mais uma vez desculpa.

À Professora Doutora Olívia Figueiredo, que me motivou e chamou a minha atenção para o PLE.

À Faculdade de Letras de Universidade do Porto, por me ter fornecido as condições necessárias à concretização deste trabalho.

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Índice

Resumo

2

Abstract

3

Agradecimentos

4

Índice

5

Introdução

7

Capítulo I – Estágio Pedagógico

10

1.Apresentação do Estágio 11

2.Local de Estágio – Enquadramento histórico 12

3.Organização da FLUP 13

4. Os cursos de FLUP e o lugar do PLE 13

Capítulo II – Contextualização teórica da abordagem pedagógica das

Formas de Tratamento em Português

15

1.O lugar das Formas de Tratamento na Linguística 16

1.1. O Princípio de cortesia 16

1.2. A Cortesia Linguística em Português Europeu 19

1.3. As Formas de Tratamento em Português 21

1.4. Principais estudos das Formas de Tratamento 25

1.4.1. L.F.Lindley Cintra: Sobre “Formas de Tratamento” na Língua Portuguesa. 25

1.4.2. Sandi Michael de Oliveira Madeiros: A Modelo f Address From Negotiation: a Sociolinguistic Study of Continental Portuguese 26

1.4.3. Maria Emília Ricardo Marques: Complementação verbal. Estudo sociolinguístico 29

(6)

6

1.4.4. Gunter Hammermûller: Die Anrede im Portugiesischen. Eine soziolinguistiche

Untersuchung zu Anderkonventionen und Portugiesischen. 31

1.4.5. Maria Helena Araújo Carreira: Modalisation Linguistique en Situation d’ Interlocution. Proxémique verbale et modalités en portugais 32

1.5. Principais Formas de Tratamento em Português Europeu Contemporâneo 36

2.O Ensino das Formas de Tratamento 43

2.1. Importância da Pragmática e das Formas de Tratamento nas aulas de PLE 43

2.2. Abordagem pedagógica das Formas de Tratamento 46

Capítulo III - Proposta de abordagem didática das Formas de Tratamento

em Português em turmas de PLE de nível A1.2

49

1.Objetivos do estudo de caso 50

2. Caracterização das turmas 51

3. Primeira Unidade Didática 53

4. Segunda Unidade Didática 56

5. Terceira Unidade Didática 60

Conclusões

64

Referências Bibliográficas

67

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7

Introdução

Hoje em dia estamos a viver num século em que as palavras “desenvolvimento” e “globalização” são utilizadas dia a dia em todo o Mundo. A globalização é o conceito mais frequentemente citado para caraterizar a atualidade. Como Giddens referiu, “O mundo tornou-se, em importantes aspetos, um único sistema social, marcado por laços crescentes de interdependência que afetam virtualmente toda a gente.” 1

A globalização não só afeta todos os campos da vida social, política, tecnológica e cultural, mas também altera a nossa maneira de viver. Esta nova ordem e as suas consequências transformaram as nossas vidas e implicaram novas realidades. Uma das mudanças mais radicais aconteceu na comunicação. A necessidade de interação frequente entre povos e comunidades linguísticas chamou a atenção para a importância do ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras. Neste âmbito, também trouxe mudanças, levando a uma alteração do conceito do ensino tradicional e a um reforço do papel da comunicação. Chega-se à conclusão de que hoje em dia não é suficiente conhecer uma nova língua como um sistema linguístico, mas é necessário abordá-la como uma ferramenta da comunicação. Assim, a Pragmática e as Competências Comunicativas ganharam terreno, situando-se no centro do ensino-aprendizagem da língua estrangeira / língua segunda (PLE/PL2).

A importância da Competência Comunicativa ficou reconhecida entre os linguistas teóricos. O próprio Quadro Europeu Comum de Referencia para as Línguas (QECRL) dá muita importância à aquisição das mesmas competências comunicativas numa língua estrangeira. Segundo o QECRL:

“A comunicação envolve todo o ser humano. As capacidades abaixo isoladas e classificadas interagem de forma complexa com o desenvolvimento da personalidade singular de cada ser humano. Como agentes sociais, todos os indivíduos estabelecem relações com um vasto conjunto de grupos sociais que se sobrepõem e que, em conjunto, definem a sua identidade. Numa abordagem intercultural, é objetivo central da educação em língua promover o desenvolvimento desejável da personalidade aprendente no seu todo, bem como a sua identidade, em resposta à experiencia enriquecedora da diferença na língua e na cultura.”2

1 GIDDENS, 1989:132 2

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8

O facto de a competência comunicativa estar intimamente relacionada com questões socioculturais e sociolinguísticas, pode em parte justificar a sua complexidade e a dificuldade na abordagem didática das mesmas.

Este trabalho nasceu da necessidade observada de chamar a atenção para a importância dos aspetos pragmáticos e sociais para o desenvolvimento da Competência Comunicativa no ensino-aprendizagem de Português como Língua Estrangeira ou Segunda. Por isso decidi fazer um estudo, que assenta na metodologia de investigação-ação, onde os alunos e o próprio processo do ensino-aprendizagem estão no centro, sobre as formas de tratamento.

Escolhi estudar e investigar o papel da cortesia em geral, e nesse âmbito, restringi-me às formas de tratamento, porque considero serem fundamentais nas relações sociais. É através delas que os indivíduos estabelecem contactos e alicerçam relações, e desta feita, são essenciais em qualquer assunto de natureza relacional.

O sistema das formas de tratamento em Português é um fenómeno muito complexo; depende de vários fatores variáveis, como os intervenientes ou o contexto social, entre outros. As formas de tratamento, assim como os marcadores de discurso e a linguagem de delicadeza em geral, são os reguladores das relações interpessoais, não só implicando certa subjetividade, mas também mudanças constantes. Como Gouveia sublinha, “as dimensões da mudança são referentes a uma outra visão do outro, a uma outra visão de nós próprios, em que as relações interpessoais se constroem contextualmente a partir de uma base de maior igualdade em termos estatuto entre os atores sociais.”3

Não sendo um falante nativo do português, senti particulares dificuldades neste ponto. Este foi um aspeto decisivo na escolha do tema deste trabalho, que se revelou, além do mais, um meio privilegiado de aprofundar o conhecimento do fenómeno das formas de tratamento em Português, o que foi posto em prática nas aulas de PLE/PL2 lecionadas no estágio do presente curso de 2º ciclo.

O estudo divide-se em três capítulos: o Capítulo I é apresentação do Estágio Pedagógico, o Capítulo II contextualiza em termos teóricos a abordagem pedagógica

3

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9

das formas de tratamento na língua portuguesa e o Capítulo III apresenta algumas propostas didáticas executadas nas turmas de nível A1.2.

O primeiro capítulo consiste na descrição do estágio pedagógico, numa breve apresentação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), em termos do local e da organização dos cursos e na apresentação dos cursos de Português Língua Estrangeira (PLE) na FLUP.

No segundo capítulo, parto da explicação do fenómeno da cortesia, passo pelo princípio da cortesia e desemboco na explicação de como a cortesia linguística atua na língua portuguesa, e em concreto no português europeu. Tentei descobrir as dinâmicas sociais e culturais que fazem do sistema das formas de tratamento um fenómeno tão complexo, porque só depois de entender o mesmo seria possível fazer uma abordagem pedagógica fundamentada. Apresento ainda alguns estudos de referência sobre as formas de tratamento.

Na segunda parte deste capítulo debruço-me sobre a didática de línguas estrangeiras. Como ponto de partida, realço a importância da competência comunicativa, em geral, e da sua componente pragmática em particular, no ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, focalizando de seguida a minha atenção sobre o sistema das formas de tratamento em português europeu.

O último capítulo descreve a minha experiência letivacom duas turmas de nível de iniciação. O objetivo era desenvolver a competência comunicativa dos alunos, utilizando as formas de tratamento adequadas a situações de natureza diversa, tanto na oralidade como na produção escrita. As atividades por mim realizadas foram de diversos tipos, tendo em conta a importância dos diferentes contextos das interações verbais. Os materiais didáticos apresentados foram adaptados ou produzidos, tendo em conta o público-alvo de aprendentes e o contexto de ensino-aprendizagem em que as unidades didáticas decorreram.

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CAPÍTULO I

Estágio Pedagógico

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1.Apresentação do Estágio Pedagógico

O estágio, que é parte integrante do Mestrado em Português Língua Segunda/ Língua Estrangeira da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), teve a duração de um ano letivo (2010/2011) e teve lugar na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) no âmbito de Curso Anual de Português para Estrangeiros no nível iniciação (A1.2) e elementar (A2.1) O primeiro semestre iniciou-se no dia 10 de outubro de 2010 e terminou no dia 9 de fevereiro de 2011, em regime pós-laboral, realizando-se à terça-feira e à quarta-feira das 17h30 até às 19h30, nas salas 211 e 308, respectivamente. O segundo semestre iniciou-se no dia 21 de fevereiro de 2011 e terminou no dia 15 de junho de 2011, também em regime pós-laboral, à segunda-feira e à quarta-feira das 17h30 até às 19h30, nas salas 409 e 209. A minha orientadora foi a Professora Doutora Rosa Bizarro, que era a responsável pelas minhas atividades curriculares e pelo meu estágio pedagógico na FLUP, sendo a pessoa que me orientava em todas as atividades necessárias.

O Curso Anual de Português para Estrangeiros (PLEA) é organizado pelo Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos. Os destinatários deste curso são cidadãos estrangeiros, com idade igual ou superior a 16 anos, para os quais o Português seja Língua Estrangeira. Como já disse, o curso é anual e está dividido em dois semestres independentes de 60 horas letivas cada (2 x 2h por semana). Existe para cada nível um horário de manhã e um pós-laboral. Os estudantes serão distribuídos pelos seguintes níveis:

Iniciação - A1.1 e A1.2 Elementar - A2.1 e A2.2 Nível Limiar - B1.1 e B1.2 Vantagem - B2.1 e B2.2 Autonomia - C1.1 e C1.2 Mestria - C2.1 e C2.2

Os estudantes são colocados através dos resultados de um teste diagnóstico. Os materiais didáticos, como os textos de apoio necessários e as fichas de auto e heteroavaliação, são fornecidos aos estudantes pela FLUP. Os alunos com frequência

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universitária ou graduados podem usufruir dos créditos ECTS, conferindo o curso 4 créditos ECTS.4

2.Local de Estágio – Enquadramento Histórico

A Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) foi criada por Leonardo Coimbra em 1919 para formar licenciados nos cursos de Filologia Clássica, Filologia, Filologia Germânica, Ciências Históricas e Geográficas e Filosofia até à sua extinção formal de 12 de abril de 1928. Inicialmente funcionou em salas da Faculdade de Ciências, depois mudou-se para a Quinta Amarela na Rua Oliveira Monteiro. A FLUP foi posteriormente restaurada em 1961 e reiniciou a sua atividade no ano letivo de 1962-1963 com duas licenciaturas, História e Filosofia, e com o curso de Ciências Pedagógicas e ocupou as instalações da Rua do Breyner, de onde transferiu o funcionamento de alguns dos seus cursos para a antiga Escola Médica e para a Rua das Taipas. Daí transitou para o Palacete Burmester e para o Seminário do Vilar até à sua instalação na Rua do Campo Alegre, nº.1055 onde funcionou até dezembro de 1995. Em janeiro de 1996 passou a funcionar na Via Panorâmica. Só depois da Revolução de 1974 foram ensaiadas as primeiras tentativas no sentido de estruturar o sistema de gestão dos estabelecimentos do ensino superior lançando as bases de reforma do ensino superior. Em setembro de 1988 foi estabelecida a autonomia das universidades portuguesas, quando ficou consagrada a competência de cada Faculdade e Instituto, enquanto unidades orgânicas da Universidade do Porto. Entre 1961 e 2003, a FLUP criou vários cursos de licenciatura: Filologia Românica em 1968, Filologia Germânica e Geografia em 1972, Sociologia em 1985 e Estudos Europeus em 1996. Em 1977, as Filologias deram lugar ao curso de Línguas e Literaturas Modernas com múltiplas variantes. Em 1980 foram criadas a licenciatura de História, as variantes de Arqueologia e de História

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APRESENTAÇÃO DA FLUP https://sigarra.up.pt/flup/web_base.gera_pagina?P_pagina=1182 Retirado da sigarra de FLUP em 22/05/2011

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da Arte. Mais tarde, em 1982, a FLUP iniciou o ensino pós-graduado. Atualmente tem 13 cursos de licenciatura, 29 cursos de mestrado e 18 cursos de doutoramento.5

3.Organização de FLUP

De seguida é apresentada a organização da FLUP em forma de diagrama.

6

FIG.I. Organigrama da FLUP

4. Os cursos de FLUP e o lugar de PLE

A Faculdade de Letras oferece uma vasta gama de cursos. Existem 13 cursos de licenciatura, 29 cursos de mestrado, incluindo a Mestrado em Português Língua

5 HISTORIAL DA FLUP https://sigarra.up.pt/flup/web_base.gera_pagina?p_pagina=1183 Retirado da

sigarra de FLUP em 22/05/2011

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ORGANIGRAMA DA FLUP. FONTES: Estatutos da FLUP (DR, 2ª série, nº226, 20 de novembro de 2009) Regulamento Orgânico da FLUP (DR, 2ª série, nº120, 25 de junho de 2007)

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Segunda/ Língua Estrangeira e 18 cursos de doutoramento. Em termos de categoria de “Educação Contínua” há Cursos Livres, Cursos de Línguas, Cursos de Formação Contínua, Cursos de Especialização (Unidades Curriculares 2º Ciclo) e o Programa de Estudos Universitários para Seniores. Nos Cursos de Línguas existem cursos de 25 línguas estrangeiras e cursos intensivos de 6 línguas estrangeiras. Os cursos de Português para Estrangeiros concretizam-se no Curso Anual, onde tive a possibilidade de fazer estágio, o Curso de verão e o Curso Intensivo.

No âmbito de programa Erasmus a Faculdade de Letras oferece diversos Cursos de Português para alunos estrangeiros, que vieram por um ou dois semestres estudar na universidade, incluindo Cursos Intensivos (nível Iniciação), normalmente realizados em setembro/outubro e fevereiro/março. Como já disse, existem ainda dois Cursos semestrais, um no 1º semestre (Out. – Fev.) e o outro no 2º semestre (Fev. – Jun.) com vários níveis desde a Iniciação ao nível Avançado. Também há uma série de cursos intensivos - Erasmus Intensive Language Courses (Cursos de Preparação Linguística Erasmus) - organizados por diversas universidades portuguesas, incluindo a Universidade do Porto, normalmente em agosto/setembro e em janeiro/fevereiro. No âmbito destes programas de modalidade do que o ensino de português como língua segunda, língua estrangeira tem um papel significativo.

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15

CAPÍTULO II

Contextualização teórica e

abordagem pedagógica das

formas de tratamento em

Português

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1.O princípio da cortesia

Erving Goffman apresentou no seu livro On Face-Works: An analysis of

ritual elementsin social interaction em 1955 um estudo sobre as características das

interações sociais dos indivíduos. O autor argumentou que as relações sociais que se estabelecem entre os indivíduos, tanto nos encontros imediatos como nas comunicações indiretas, devem ser analisadas rigorosamente. “Every person lives in a world of social encounters, involving him either in face- to-face or mediated contact with other participants”7

Nestes contactos, o locutor tenta produzir uma imagem positiva no seu interlocutor, de modo a ser aceite por ele. A mais positiva fosse essa imagem, mais os outros a aceitarão. A partir dai que nasceu a sua teoria de “face-work”:

“…the term face may be defined as the positive social value a person effectively claims for himself by the line others assume he has taken during a particular contact. Face is as image of self-delineated in terms of approved social attributes – albeit an image that others may share, as when a person makes a good showing for his profession or religion by making a good showing for himself.”8

Por isso, o locutor investe, na sua imagem social, para manter esta imagem e não a perder. Através da fala que o locutor apresenta uma imagem pessoal positiva ou negativa aos outros, e que a sociedade avalie o locutor e a sua face, por isso ela é um dos mais importantes fatores. Como dizem Penelope Brown e Stephen Levinson: “We believe that patterns of message construction, or „ways of putting things‟ or simply language usage, are part of the very stuff that social relationships are made (or, as some would prefer, crucial parts of the expressions of social relations).”9

7

GOFFMAN 1982: 5

8

GOFFMAN 1982: 5

9 BROWN & LEVINSON 2006: 55

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Goffman refere que os membros de uma sociedade esperam dos outros a capacidade ou a competência linguística de trabalhar a face, a que habitualmente se chamava “tato”, “saber fazer “, “diplomacia” ou “aptidão social” e com isso antecipou a noção de cortesia, delicadeza ou polidez linguísticas.

“The members of every social circle may be expected to have some knowledge of face-work and some experience in its use. In our society, this kind of capacity is sometimes called tact, savoirfaire, diplomacy, or social skills. Variation in social skill pertains more to the efficacy of facework than to the frequency of its application, for almost all acts involving others are modified, prescriptively or proscriptively, by considerations of face.”10

Geoffrey Leech analisou vários princípios conversacionais, enquanto estudou o sentido em relação às situações discursivas, e aproximou-se o conceito tradicional de retórica ao de pragmática. Também distinguiu uma retórica interpessoal, onde incluiu o Princípio de Cooperação, da Cortesia, da Ironia e do Humor, de uma retórica textual.

“I have in mind the effective use of language in its most general sense, applying it primarily to everyday conversation, and only secondarily to more prepared and public uses of language. The point about the term rhetoric, in this context, is the focus it places on a goal-oriented speech situation, in which

s [speaker] uses language in order to produce a particular effect in the mind of h [hearer].11

Leech também concorda com Goffman, relativamente ao Princípio da Cortesia, da Delicadeza ou da Polidez, quando se refere, que a polidez manifesta-se não só no conteúdo da conversa, mas também na forma como a conversa é gerenciada e estruturada pelos seus participantes.

“…politeness is manifested not only in the content of conversation, but also in the way conversation is managed and structured by its participants. For example, conversational behaviour such as speaking at the wrong time (interrupting) or being silent at the wrong time has impolite implications. Consequently we sometimes find it necessary to refer to the speech acts in which we or our interlocutors are engaged, in order to request a reply, to seek permission for speaking, to apologize for speaking, etc.”12 10 GOFFMAN1982: 13 11 LEECH 1983: 15 12 LEECH 1983: 139

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Leech subdividiu o Princípio da Cortesia em seis máximas: o tato, a generosidade, a aprovação, a modéstia, o acordo e a simpatia, mas nem todas estas máximas têm a mesma importância.13 O tato, a generosidade, a aprovação, a modéstia formam dois pares, onde as primeiras são mais importantes que as segundas. Assim, segundo Leech, o tato e a aprovação são mais importantes que a generosidade e a modéstia.14 Mas sendo que são universais, a sua importância pode variar, dependendo da cultura dos interlocutores. Por exemplo, nas culturas mediterrânicas, incluindo a portuguesa, depreciam a modéstia e privilegiam a generosidade.

Brown e Levinson recusam as máximas de Leech na continuação de teoria da face de Goffman. Para eles só existem atos de fala que, prejudicam ou favorecem a imagem (face) dos interlocutores. Por exemplo, os atos de fala diretivos serão sempre atos descorteses, ou como chamá-los, os atos ameaçadores da face (Face-Threatening

Acts).

“The face is something that is emotionally invested, and that can be lost, maintained, or enhanced, and must be constantly attended to in interaction. In general, people cooperate (and assume each other‟s cooperation) in maintaining face in interaction, such cooperation being based on the mutual vulnerability of face.15

No contexto da vulnerabilidade mútua de face, qualquer agente racional procurar evitar estes atos ameaçadores da face, ou vai aplicar determinadas estratégias para minimizar esta ameaça. O que significa que a cortesia é um conjunto de estratégias que se propõe preservar a face ou combater os atos ameaçadores da face. As estratégias da cortesia positiva são orientadas para darem uma imagem positiva de locutor, através dessa imagem que ele pode reaver de si próprio.

13 LEECH 1983: 131-132 14 LEECH 1983: 133

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2. A Cortesia Linguística em Português Europeu

Em Português europeu existem muitas construções linguísticas motivadas pela cortesia linguística. A cortesia pode estar em todos os usos linguísticos e em todos os atos comunicativos interpessoais (mesmo nos atos diretivos). Ela depende do contexto em que ocorrem, mas também é estabelecida pelas intenções comunicacionais e estratégicas do locutor e pela relação social entre os interlocutores.

As expressões de cumprimento ou de pré-sequências conversacionais são muito recorrentes em Português europeu. Acontecem quando o locutor tenta evitar a divergência do alocutário, uma atitude discordante à sua pessoa ou mesmo a sua antipatia. Como a cortesia funciona primeiramente no discurso conversacional oral espontâneo, todas as estratégias de alternância de vez devem ser tidas em conta a compreensão e ao acordo, particularmente os sinais (ou marcadores) conversacionais.16 Um outro aspeto a ter em consideração na cortesia são os eufemismos, que, como em qualquer língua, têm por função reduzir a força do conteúdo proposicional de um enunciado. Os diminutivos, para além de outras funções linguísticas e usos interativos que possam desempenhar, também são utilizados na cortesia linguística. Apesar de a delicadeza poder encontrar-se em todos os tempos verbais, existem três especialmente ligados à cortesia linguística: o pretérito imperfeito (do indicativo), o condicional e o imperativo. Os verbos mais recorrentes no contexto da cortesia são os modais “querer” e “poder” no imperfeito do indicativo (podia e queria), sendo utilizados pelo locutor para exprimir um desejo e / ou um pedido, de uma forma cortês, de modo a que o seu intento seja atendido pelo alocutário (podendo ser empregue, ou não, o adjunto adverbial por favor ou a oração adverbial condicional se faz favor).17

16

GOUVEIA, (1996): 404

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O Imperfeito do Indicativo designa um facto ainda não concluído, uma ideia de continuidade, de duração do processo, sendo importante na expressão de cortesia, timidez, amabilidade. Tem o valor do “presente do indicativo, como forma de polidez para atenuar uma afirmação ou um pedido” (Cunha e Cintra 1984: 451) e designa-se imperfeito de cortesia.

Por exemplo: Podia informar-nos onde fica a Rua Direita?

No entanto, em Português europeu é ainda possível transmitir a cortesia com outros verbos modais, como “desejar” e “dever”, e ainda verbos variados como “gostar”, “trazer” e “vir”. O Condicional traduz cortesia, delicadeza na formulação de desejos ou pedidos e, até mesmo, de ordens, diminuindo a sua força ilocutória.

Por exemplo: Gostaria de me encontrar consigo.

O Imperativo pode traduzir uma ordem, um aconselhamento ou pedido, quando acompanhado por formas derivadas da locução adverbial com função de adjunto “por favor” ou da oração adverbial condicional “se faz favor”

Por exemplo: Faz-me um favor e retira-te imediatamente da sala.

Por isso, independentemente do tempo verbal e do ato de fala utilizados pelo locutor, a cortesia fica submetida ao contexto e à relação social entre os interlocutores.18

O sistema das formas de tratamento em Português europeu por ser um tema suficientemente complexo, merece uma análise complexa e um tratamento específic

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3. As Formas de Tratamento em Português

O sistema das formas de tratamento em português é um dos temas mais abordados, no ponto de vista morfossintático, ou semântico-pragmático ou sociolinguístico, por estudiosos nacionais e estrangeiros.

Ao ensinar dos estudantes estrangeiros a língua portuguesa, as formas de tratamento são referidas como um item muito complexo, e por isso merece a uma particular atenção. Isabel Margarida Duarte sublinha: “ As formas de tratamento são, em português, um item de reconhecida dificuldade, não só no que concerne à sua tradução para outras línguas, mas também no que diz respeito ao ensino da língua, quer enquanto língua estrangeira quer enquanto língua materna.”19

Carreira refere que as maiorias dos estudos sobre esta problemática foram feitas por linguistas cuja língua materna não é o português.

“Il résulte de cet ensemble de possibilités, un nombre élevé de formes d'adresse qui laissent perplexes les étrangers à la langue portugaise, mais qui soulèvent aussi des difficultés à ceux qui connaissent bien le portugais, y compris les locuteurs natifs. Il est significatif que les études développées sur le "tratamento" du portugais proviennent en grande partie de linguistes dont la langue maternelle n'est pas le portugais ou alors de linguistes ayant été sensibilisés à ce problème par le biais de l'étrangeté que les formes d'adresse provoquent chez les étrangers qui apprennent le portugais. Mentionnons à titre d'exemple les thèses de doctorat sur les formes d'adresse du portugais européen soutenues par des locuteurs non natifs du portugais, Sandi Michele de Oliveira aux Etats-Unis et Gunther Hammermüller en Allemagne."20

As formas do tratamento, os marcadores de discurso e a linguagem de delicadeza em geral constituem uma âncora fundamental para o estudo dos meios de comunicação de linguagem e das funções do discurso, dos movimentos de contacto, de

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DUARTE 2010:133

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22

aproximação e de distância; eles são os reguladores da relação interpessoal. Isto também pode ser dito para outras línguas, mas a português europeu oferece um campo particularmente rico de estudos nesta área.

O locutor tem de ter em conta quando se dirige ao alocutário o conjunto dos papéis sociocomunicativos, como as diferenças sociais, de idade, a proximidade ou a distância da relação, a formalidade ou informalidade da situação discursiva. Através das formas de tratamento valoriza-se positiva ou negativamente o alocutário, sendo que elas regulam as relações intersubjetivas e permitem perceber a subjetividade enunciativa.21 As formas de tratamento podem ser corteses e descorteses, mesmo que a maioria dos estudos não analisa os últimos. As formas de tratamento corteses são meios linguísticos de que os interlocutores estabelecem uma plataforma de relacionamento interpessoal que assegura o bom andamento duma interação verbal, são todos aqueles que se inscrevem e contribuem para que os interlocutores estabelecem e desenvolvem relações interpessoais de harmonia e equilíbrio ao longo duma interação verbal e na construção dessa mesma interação verbal. São relacionemas, podem ser proxémicos ou taxémicos – por isso os tratamentos portugueses podem ser categorizados como tratamentos corteses e descorteses. A primeira função dos tratamentos corteses é de natureza relacional. Através deles os interactantes estabelecem contactos, atribuem, reconhecem ou negociam lugares no respeito mútua pelas faces positivas e/ou negativas de cada um, conforme os contextos em que se encontram.22

As formas de tratamento descorteses são diferentes neste aspeto, sendo que uma vez dado o primeiro passo para o campo de descortesia, a interação verbal poderá terminar imediatamente ou ser tensa e curta.

Tudo depende da competência de cortesia ou a descortesia, que cada interactante possui e da sua performance em relação a si próprio e aos outros. A utilização das formas de tratamento constitui um dos processos mais eficazes por um lado, como via de

21 DUARTE 2010:135 22

(23)

23

convencimento, e por outro, como meio de agressão verbal, com os mesmos objetivos retóricos ou não.23

As categorias das formas de tratamentos podem ser classificadas através dos critérios morfossintáticos ou dos semânticos-pragmáticos. Existem subclasses e híper-classes.

Segundo Rodrigues (2003), podem ser:

Em termos de morfossintaxe: pronominais ou pronominalizados ou nominais ou verbais Em termos de sintaxe: sujeito ou vocativo ou objeto

Ao nível da referência enunciativa: alocutivos (o locutor refere-se e situa-se a si próprio), delocutivos (terceiros presentes), elocutivos (terceiros ausentes)

Ao nível de semântica lexical (classes nominais): 1.nome próprio (António)

2.nome parentesco (pai) 3.nome de afeto (querido) 4.nome de profissão (professor)

5.titulo académico (doutor), político (ministro), civil (presidente), militar (coronel), religioso (padre)

6.titulo nobiliárquico (príncipe)

7.titulos honoríficos (Vossa Santidade) 8. Senhor /a, dona

9.nomes de relação especial (camarada, vizinha etc.) 10.insultos (burro)

23

(24)

24

Os tratamentos podem vir acompanhados ou não de determinantes (definidos e/ou possessivos), e de adjetivos. O determinante utilizado poderá aumentar ou reduzir a expressão de cortesia das formas de tratamento usada.24

A nível semântico-pragmático também são classificadas como intimidade, familiaridade, solidariedade, proximidade, afetividade, informalidade por um lado, e de distância, hierarquia, formalidade, respeito, poder no outro. Ao mesmo tempo determinadas formas de tratamento são classificadas como sendo de cortesia ou de deferência (consideração).25

As formas de tratamento expressam diferentes níveis de cortesia. Há formas de tratamentos portugueses atuais que, por um lado expressam reduzida cortesia ou o seu grau zero, e de mais elevada cortesia por outro, e são realizadas por tratamentos pronominais.

O atual sistema de tratamentos em Português europeu tem três paradigmas,

voseado (vós), tuteamento (tu), voceamento (você). Mas não quer dizer que se utilize

sempre as formas pronominais (tu, vós e você). Mesmo não as utilizando, através no discurso podemos vê-las. Ao contrário do que geralmente acontece nas outras línguas, onde só há tuteamento e voceamento como podem ver na proposta de Brown & Gilman.(1960). Eles analisaram os tratamentos em várias línguas europeias e confrontaram a “semântica do poder” à “semântica da solidariedade”, uma oposição binária, que situa os tratamentos de tutoamento ou de voceamento. 26

As formas de tratamento desempenham três funções pragmáticas essenciais em relação ao ato de linguagem que acompanham, à mecânica de conversação e ao nível das relações interpessoais.27

O tratamento é uma exigência dos atos de chamamento, sendo utilizado também nos atos de cumprimento e de agradecimento e facultativo nos atos de pedido. As formas de tratamento têm um papel vital em todos os níveis de comunicação humana

24

RODRIGUES 2003:283-284

25

RODRIGUES 2003:283-284

26 BROWN & GILMAN, 1960:255 e 258 27

(25)

25

e nas suas diferentes práticas discursivas - textuais, em todas as sociedades mais ou menos organizadas, de que constituem um dos reflexos e marcas mais evidentes.28

3.1Principais estudos das formas de tratamento em Português

3.1.1 L.F.Lindley Cintra: Sobre “Formas de Tratamento” na Língua

Portuguesa

. 29

A obra, Sobre “Formas de Tratamento” na Língua Portuguesa, foi escrita em 1972 mas continua ser uma obra de referência nos estudos de tratamentos em Português europeu. É constituída nas três partes: “Origens do sistema de formas de tratamento do português atual; “Tratamento de intimidade tratamento de cortesia nas obras de Gil Vicente” (1965); “Tu e Vós como formas de tratamento de Deus em orações e na poesia em língua portuguesa” (1971). A parte mais diretamente relacionada com este trabalho é a primeira. Aqui o linguista apresenta diacronicamente a evolução dos tratamentos numa perspetiva sociocultural até ao sistema atual complexo.

O autor considera que o sistema português apresenta uma “escala riquíssima” de tratamentos de cortesia graça à “sociedade fortemente hierarquizada”e a um certo gosto na própria hierarquização e na matização estilística”30

Cintra observa o “conjunto das formas que se usam atualmente na alocução ou tratamento direto”31

e “a linguagem das camadas cultas (ou semicultas) das grandes cidades de Portugal”32

, mas não as formas na linguagem popular. Para mostrar as transformações e a evolução das formas de tratamento utiliza apenas documentos históricos e literários escritos. O autor classifica as formas de tratamento numa perspetiva morfossintática e ao nível semântico-pragmático, o que diz respeito às

28 RODRIGUES 2003:289 29 CINTRA, 19862 30 CINTRA, 19862:15-16 31 CINTRA, 19862:15-16 32 CINTRA, 19862:15-16

(26)

26

relações interpessoais de simetria e assimetria, da proximidade e de distanciamento. O autor distingue os tratamentos de intimidade, de igualdade, de superior para inferior, de reverência e de cortesia.33

O autor nomeou as quatro tendências mais prováveis na evolução do sistema das formas de tratamento a partir dos anos sessenta do século passado. Nomeadamente:

1º Eliminação do tratamento por V.Ex.ª na língua falada, só se utiliza em certas profissões e em certos ambientes, mas mantém-se na língua escrita.

2º Alargamento do emprego de tu e da 2º pessoa do singular dos verbos entre jovens, mas também entre pessoas de outra idade e assim o tuteamento perderá o caráter de intimidade.

3º Ampliação do emprego de você. À medida que o emprego de tu se expande a

você, este passa ser mais utilizado no tratamento afetuoso.

4º Manutenção de tratamentos nominais

No ponto de vista de autor, as formas de tratamento corteses podem ser tanto de

tuteamento como de voceamento. O autor não se refere aos tratamentos descorteses.

3.1.2 Sandi Michael de Oliveira Medeiros: A Model of Address From

Negotiation: a Sociolinguistic Study of Continental Portuguese

(dissertação

de doutoramento no Universidade do Texas em 1985)34

O estudo é uma análise às formas de tratamento utilizadas pelas pessoas que vivem em Évora. A autora analisou a complexidade e a riqueza do sistema das formas de tratamento em português, considerando também os fatores sociais e individuais e os valores semânticos nas suas interpretações. Também destacou a importância de autoconceito e da imagem positiva. Concluiu que:

33 CINTRA, 19862:11 34

(27)

27

“The results indicate that address form relationships are negotiated by speakers; in such relationships, conventionalized considerations by markedness and appropriateness are superseded by

negotiation process. The manipulability of address form system makes negotiation possible. Negotiation, in turn, leads to variation in the semantic interpretation and use of the forms.”35

Embora o estudo se tenha baseado numa comunidade (habitantes em Évora), a autora considera que a conclusão que retirou também é aplicável a todo o país. Refere que o sistema das formas de tratamento em Português europeu não é uma “sistema binário” ao contrário das outras línguas europeias (Francês, Castelhano), como Brown & Gilman (1960) consideraram.

“In the case of Portuguese, the Brown and Gilman model is inadequate because it offers only a binary opposition, while rules of Portuguese syntax allow or an unlimited number of nouns to be used as pronouns, referred to in this work as “propronouns”.” 36

Além das formas pronominais tu e vós existe um grande número de substantivos e frases nominais que são usados como pronomes nos tratamentos diretos.

A autora propõe uma nova classificação das formas de tratamento portuguesas, baseando-se mais em questões comunicativas do que gramaticais e substituindo as categorias pronominais, nominais e verbais de Cintra (1972) por “pure pronouns” (tu,

você e vossemecê e os seus plurais), “propronouns” (nomes e sintagmas nominais) e

“Zero form” (formas dos verbos sem sujeito expresso).

A autora sublinha o uso estratégico das formas de tratamento na construção e preservação de uma imagem positiva e do autoconceito de locutor, mas também do alocutor. Reconhece a riqueza e a complexidade das formas de tratamento em português, nomeadamente ao nível das escolhas que cada locutor pode fazer. Também chama a atenção para a importância dos fatores variáveis pessoais, contextuais e sociais na utilização e na interpretação duma forma de tratamento, e do emprego das formas de tratamento como estratégia para perceber a relação interpessoal e os efeitos discursivos. Acredita na importância do bom conhecimento do sistema e do uso das formas de

35

MEDEIROS, 1985, vi-vii., 247-252

(28)

28

tratamento, especialmente quando estamos a falar de aprendizagem do Português como língua estrangeira/língua segunda, sendo que a escolha duma forma de tratamento também é estratégica.

A autora termina a sua tese com sugestões destinadas a professores da língua estrangeira porque a sua experiência revela, que o uso das formas de tratamento é discutido, geralmente, de modo superficial, às vezes como uma observação cultural, e muito pouco praticado.

Por isso sugere aos professores que:

“1) Expose students to the gamut of address forms.” “2) Simulate real-world strategies.”

“3) Incorporate address forms into all communication”

“4) Aid students in analyzing address form usage in dialogues (oral/written) and prose" “5) Provide basic tips”.37

Embora que realce a importância do bom conhecimento do sistema no ensino- aprendizagem da língua estrangeira, temos que reconhecer que também é muito importante no ensino da língua materna e não só o conhecimento do sistema, mas também dos valores semânticos-pragmáticos das formas em situações concretas. Como se baseou na descrição da morfossintaxe do Inglês e não do Português, inclui todas as formas de tratamento nominais na categoria do propronomes. A sua análise está focada apenas na dimensão alocutiva e não trata as dimensões elocutivas e delocutivas. Também interpreta o sistema das formas de tratamento no ponto de vista mais psicossociológico do que sociolinguístico, o que implica que ignore os seus valores semântico-pragmáticos. Considera as formas de tratamento verbal fora do sistema de cortesia verbal, mas na realidade as formas de tratamento fazem parte as normas que regulam a interação linguística, por isso fazem parte a cortesia ou descortesia verbal.

(29)

29

3.1.3 Maria Emília Ricardo Marques: Complementação verbal. Estudo

sociolinguístico

(dissertação de doutoramento no Universidade Nova de Lisboa em

1988)38

Sociolinguística (1995)

39

A obra de Maria Emília Ricardo Marques, intitulada Complementação verbal.

Estudo sociolinguístico é uma análise das formas de tratamento em português nos

aspetos sócio-semânticos e morfossintáticos, dando conta aos fatores sociais e das características individuais. Realça os mecanismos semânticos-pragmáticos e morfossintáticos exigidos pela utilização de determinadas formas de cortesia, incluindo as formas de tratamento.

“…a situação. A interação e as regras sociais, tanto quanto as restrições linguísticas, determinam escolhas entre modos de ação e estratégias discursivas culturalmente aceitas, embora sempre de acordo com determinada intenção de comunicação, por parte do sujeito enunciador.” 40

(Id:134)

Segundo a autora, o estudo das formas de tratamentos é um campo sociolinguístico privilegiado para “correlacionar escolhas verbais e fatores sociais e culturais”.41

Tal estudo ajuda a definir como os interlocutores agem dentro de um determinado sistema social, a identificar e descrever estruturas sociolinguísticas, a verificar que as comunidades apresentam diferenças nos tratamentos. Os tratamentos não só podem delinear uma estrutura social, como indicar mudanças e ruturas sociais. A autora analisou os discursos dos deputados na Assembleia Nacional nos anos 1972-1976. Para ela, a escolha da forma de tratamento “quase permite prever a ocorrência de outras expressões ou de outros termos, de outras fórmulas de deferência e de delicadeza.”42

Os processos de cortesia e descortesia e também o emprego duma forma de tratamento refletem-se na prática (discursivo ou textual) nos níveis semântico e pragmático e morfossintático. Para a autora, as formas de tratamento encontram-se no âmbito da

38 MARQUES, 1988 39 MARQUES a, 1995 40 MARQUES, 1988:134 41 MARQUES, 1988:134 42 MARQUES, 1988:134

(30)

30

delicadeza e da deferência e têm uma relação próxima com as formas de delicadeza e com as formas honoríficas nos registos, incluindo dos estilos.

“Em suma, não é só a gramática que obedece a regras, mas também o uso da língua em situação…além da competência linguística (conhecimento das regras que regulam compreensão e produção de frases gramaticais), se tenha de aceitar uma outra, a comunicação em situação, que se pode definir, sumariamente, como sendo o conhecimento dos usos verbos adequados àquelas situações de comunicação que podem ocorrer em determinada sociedade-cultura. Trata-se aqui de dominar regras sociais que determinam usos diferenciados da linguagem.” 43

Também analisa as formas de tratamento em Português na dimensão de deferência com ajuda de mesmo corpus. Concluía que a língua portuguesa continua “a ter dois pólos orientadores das escolhas designativas de o OUTRO: por um lado é poder/status, por outro é solidariedade.”44 Considera os fatores sociais, como idade, estatuto social e nível profissional e o princípio genérico, e que “em português, todo o adulto, estranho é tratado com marcas de deferência e que a hierarquia, numa organização, funciona sempre, independentemente da idade.”45

Nas conclusões reforça que a sociedade portuguesa e a língua se mantêm estáticos, já que as relações formais de autoridade são praticamente rituais, mas há uma mudança significativa em direção à igualdade. Também confirma um crescimento das formas familiares, como tratamento por tu, você ou nome próprio, o que gera normas mais complexas. 43 MARQUES, 1988:134 44 MARQUES, 1988:168 45 MARQUES, 1988:168

(31)

31

3.1.4 Gunter Hammermûller: Die Anrede im Portugiesischen. Eine

soziolinguistiche

Untersuchung

zu

Anderkonventionen

und

Portugiesischen

. 46 (L‟adresse en portugais. Une recherche sociolinguistique des

conventions et des formes d‟adresse du portugais européen contemporain.- tradução de Carreira) Dissertação de doutoramento, uma análise sobre a complexidade de sistema das formas de tratamento em Português, na Universidade de Kiel em 1993.

O estudo centra-se no tratamento em geral (como uma problema linguística, sociolinguística, antropologia e história de estudo), no próprio tratamento em Português. O núcleo deste trabalho apresenta o estudo empírico das convenções sociolinguísticas do tratamento na língua portuguesa contemporânea com um a abordagem particular do forma você.

Segundo este autor, o tratamento está especialmente relacionado com o temperamento convencional das relações interpessoais, com os papéis e os estatutos sociais e com o distanciamento comunicativo e social. As formas de tratamento são utilizadas no contexto linguístico como formas de cortesia, da saudação e de apelo tanto diretas ou indiretas (alocutivas e delocutivas) e os seus valores também são questionados através deste contexto. Designa o tratamento de evitação, que é a utilização da 3ª pessoa nas formas verbais para evitar a escolha das formas pronominais ou nominais, para não se referir o estatuto dos interlocutores.

As suas perspetivas de investigação no campo das formas de tratamento foram: a) O tratamento é um meio que situa na parcialidade da interação

b) A escolha adequada corresponde ao tratamento não-registo e este nível permite a construção de esquemas da polidez

c)As convenções dos tratamentos e o seu uso podem ser analisados na interação

46

HAMMERMÛLLER, 1993 (O tratamento em Português. Investigação sociolinguística das convenções e das formas de tratamento no Português europeu contemporâneo. Tradução minha)

(32)

32

d)A consequência disto, que as formas de tratamento podem ser ensinados/aprendidos nos meios linguísticos interativos.

Este autor, tanto como Oliveira Medeiros, tentou encontrar a resposta para à mesma pergunta: Que forma de tratamento escolher? A sociolinguista só disponho esta escolha no ponto de vista de locutor, Hammermûller investigou a parte de interlocutor também.

3.1.5 Maria Helena Araújo Carreira: Modalisation Linguistique en

Situation d’Interlocution. Proxémique verbale et modalités en portugais

47

Dissertação de doutoramento na Universidade de Paris IV. Sorbonne em 1995

.

Carreira é uma especialista em Linguística e um dos nomes mais importantes no estudo das formas de tratamento, tendo elaborado vários trabalhos sobre esta problemática. (1997, 2001, 2002, 2004, 2007). Na sua dissertação de doutoramento analisa também as formas de tratamento em Português europeu contemporâneo.

Para ela as formas de tratamento são como meios do regulamento da proxémia do verbo que relacionam os locutoras com as interlocutoras, e através das formas de tratamento que as interlocutoras tratam uma das outras, identificam-se e referem-se aos terceiros.

“Il ressort des différentes études que la complexité d'un tel système permet d'exprimer non seulement des hiérarchisations mais aussi des nuances dans la régulation de la proximité ou de la distance. “48

As formas de tratamento em qualquer língua são recursos que regulam a distância entre os interlocutores e manifestam-se linguisticamente tanto ao nível do discurso, como ao nível da língua. A autora também considera que, devido a vários fatores, especialmente a hierarquização socioprofissional, as escolhas de formas de tratamento em Português são muitas e muito complexas.

“La complexité du système de l'adresse du portugais contemporain, en particulier celui des formes allocutives, prend ses racines dès la fin du XVe siècle. Les formes nominales d'adresse se sont développées de sorte qu'il en résulte un ensemble de

47

CARREIRA, 1995

(33)

33

formes d'allocution capables d'exprimer différents types de hiérarchisations (sociales et professionnelles, familiales et d'âge), mais aussi de moduler la proximité ou la distance interlocutive.49

A delimitação semântico-pragmático das diferentes formas dos tratamentos junta-se a um conjunto de valores sociais e intersubjetivos, onde os mais relevantes devem ser identificados.

+FAMILIARIDADE +- FAMILIARIDADE - FAMILIARIDADE -DISTÂNCIA +- DISTÂNCIA + DISTÂNCIA

Tu Você(s) o/a nome próprio e nome apelido o/a Sr/ª/Dª o/a título o/a Sr/ª+título V.Exª/Srª

-CORTESIA +- CORTESIA +CORTESIA

FIG.II- As formas de tratamento e as relações interpessoais. (CARREIRA, 1995, 1997 2001)

Carreira faz uma crítica dos estudos anteriores e apresenta uma nova proposta da delimitação semântico-pragmática das formas de tratamento em Português europeu contemporâneo. Na sua proposta colocou a hierarquização de lugares, por um lado são os valores sociais e profissionais e, por outro, são os valores de familiaridade e de idade, no eixo vertical. Cada locutor escolhe o tratamento adequado, avaliando estes fatores e situar-se-á a si próprio (elocução) a quem dirige (alocução) ou de quem fala (delocução).

No eixo horizontal encontram-se a intimidade, o respeito, a deferência. A forma de tratamento adequado está muito ligado "aux places relatives dans l'échelle hiérarchique, au degré de formalité de la situation de communication." 50

49CARREIRA, 2004

(34)

34

FIG.III o Tratamento alocutivo e grau de “familiaridade” vs.”distância”(singular e

plural). (Carreira, 1995, 1997, 2001)

Em termos dos tratamentos nominais alocutivos, a autora considera que em Português elas são sempre acompanhadas do verbo na 3ªa pessoa e podem estar ausentes, mas através do contexto podem ser qualificadas como alocutivos.

Também existem situações em que os tratamentos delocutivos têm um valor alocutivo. Por exemplo:

“On voit l'importance des formes d'adresse délocutives ayant la fonction de sujet (suivies du verbe à la 3e personne, mais dont la valeur est allocutive. Ex: A Senhora professora parte já?; fr. Madame est-ce que vous partez tout de suite?). Ce trait qui caractérise le portugais européen est aussi celui qui le distingue

50

CARREIRA, 2004:99 "…aos lugares relativos na hierarquia, o grau de formalidade da situação da comunicação "

(35)

35

fondamentalement du portugais brésilien (la forme d'adresse est dans ce cas au vocatif: Senhora

professora, parte já?) “ 51

A linguista refere a estratégia de evitação de Hammermûller : “ La solution pour éviter tout choix pronominal ou nominal consiste à employer la forme verbale à la 3e personne. Il s'agit en quelque sorte du degré zéro de la déférence… ” Ela considera como « une solution de recours quand, par exemple, le locuteur ne sait pas exactement quelle forme d‟adresse choisir » 52

Um dos pontos mais originais deste estudo é quando a autora analisa as escolhas de formas de tratamento relacionadas com as representações esquemáticas do espaço

interlocutivo. Com base nestes esquemas também elaborou um quadro sobre as posições

simétricas e assimétricas dos interlocutores na utilização das formas de tratamento em Português europeu contemporâneo onde o espaço interlocutivo pode ser de aproximação, de afastamento ou de contacto.

I II III

A/B A/B A/B

A e B interlocutores I-Aproximação II-Contacto III-Afastamento FIG.IV - Posições simétricas no espaço interlocutivo de A e B (CARREIRA, 1995:116)

A linguista chamou a atenção para várias assimetrias genéricas nas formas de tratamento em Português europeu de atualidade. Destaquei duas delas, relativas à qualificação profissional nas formas de tratamento. Segundo Carreira:

”L'importance des titres professionnels dans les formes d'adresse du portugais, que ce soit pour les hommes ou pour les femmes est à souligner, bien qu'il y ait une certaine asymétrie de ces usages -tout particulièrement en allocution- selon les sexes

51 CARREIRA, 2004:7 52

(36)

36

(l'usage du prénom après le titre professionnel pour les femmes, ex. Senhora Dra

Catarina, exceptionnellement suivi du nom, Senhora Dra Catarina Paiva alors que

pour les hommes c'est l'usage du nom qui prédomine, ex. Senhor Dr Paiva).”53

Outra assimetria manifesta-se na não utilização do título profissional quando se trata de um homem ou uma mulher de uma forma respeitosa com o senhor / senhora. (Por exemplo: Sr. Diretor vs. Diretora)

3.2 Principais formas de tratamento em Português europeu contemporâneo

Desde sempre os membros duma sociedade minimamente civilizada dirigiram-se uns aos outros. Os diferentes níveis de poder (político, económico, religioso, social etc.) conferiam aos seus possuidores diferentes estatutos, diferentes formas de tratamento foram oficializadas no longo de tempo, as quais devem ser respeitadas. Isto também significava que uma sociedade elevadamente hierarquizada vai ter um sistema de formas de tratamento também hierarquizado. Como os tratamentos fazem parte de um sistema linguístico e sociocultural, as transformações sofridas na sociedade vão manifestar-se no sistema das formas de tratamento e vice-versa. As transformações confirmadas no sistema eram reflexo das transformações reais ou as transformações pretendidas pela sociedade. Estas alterações linguísticas ao longo dos tempos deram-se a nível morfológico, morfossintático, semântico e pragmático e conduziram à formação das novas formas e, por vezes à passagem para outra categoria social. Algumas das formas de tratamento desapareceram ou as suas utilizações reduziram-se e limitaram-se a certas camadas sociais ou regiões, como é o caso de vós,

vossa senhoria e vossa excelência. Outras recuperaram usos, ou ocorrem com maior

frequência, como é o caso de você e de senhor.54

53

CARREIRA, 2004:7

54

(37)

37

3.2.1Tu

Tu é a forma de tratamento de proximidade/intimidade, embora na Idade

Media fosse o tratamento dirigido ao rei. Tu sempre foi uma forma de tratamento usual entre “iguais” e ainda hoje o tratamento na segunda pessoa do singular reserva-se para relações de intimidade espontânea. Não é aceitável em situações comunicativas formais ou cujos interlocutores não tenham uma relação próxima, embora hoje em dia se empregue não só entre próximos, mas também entre desconhecidos e entre filhos e pais. Assim o tuteamento tende, segundo Cunha e Cintra, “a ultrapassar os limites da intimidade propriamente dita, em consonância com uma intenção igualitária ou, simplesmente, aproximativa.”55

Utilizando a segunda pessoa do singular, há inúmeras e variadíssimas formas de tratamento, de acordo com a situação e o tipo de relação. Muitas vezes proferimos apenas o nome próprio ou o diminutivo deste ou a “alcunha”.

Para se tratar familiares usamos o tratamento pelo grau de parentesco: filho, filhinho, filhote, mãe, pai, etc. Tradicionalmente, pai, mãe, tia, tio, avô, avó eram acompanhados da terceira pessoa e filho, filha acompanhados da segunda. Atualmente não há diferença no tratamento dos familiares mais velhos, tendo a ver apenas com a educação por que optamos: ”Mãe, leva-me à escola.”, “Mãe, leve-me à escola.”… Curioso é tratar-se por tia/tio pessoas que não são da família, mas são muito próximas.

3.2.2 Vós

No início vós foi entendido como o plural de tu e depois foi a forma de cortesia dirigida ao rei antes de ser tratado por vossa mercê. Cunha e Cintra pensaram que, graças à expansão do emprego de vossa mercê, vossa senhoria e vossa excelência, a uso de vós como pronome da 2ª pessoa de singular diminuiu.

55

(38)

38

“ Vós e a 2ª pessoa de plural dos verbos acabaram ser uma maneira demasiadamente rude, rasteira, baixa, de se dirigir até mesmo a um amigo com quem não existia a intimidade que permitisse o emprego de tu. Por outro lado, para o lugar que o vós deixou vago no sistema apresentou-se a partir de certo momento, como candidato possível, o você, descaído do seu valor inicial, mas não tanto que não pudesse assumir gradualmente estas funções.”56

Os dois linguistas também registaram o desaparecimento de vós da linguagem corrente do Brasil e Portugal. Mas “ em discursos enfáticos alguns oradores ainda se servem da 2ª pessoa do plural para se dirigirem cerimoniosamente a um auditório qualificado.” 57

A segunda pessoa plural, vós, é hoje quase arcaísmo, embora em certas partes de Portugal, ainda se use no quotidiano. Expressa cortesia reduzida pelo facto de indicar proximidade ou superioridade do locutor para os alocutores e pela sua condição de pronome, sendo que a cortesia tem muito a ver com o respeito pelas diferenças.

Vós foi substituído por vocês, forma pronominal usada com a terceira pessoa do plural e

atualmente a forma como nos dirigimos a um interlocutor plural. No entanto, isto não é um fenómeno recente. Said Ali, já em 1921 observou o seguinte: “…dirigindo-nos a mais de um indivíduo, servimo-nos hoje de vocês como plural semântico de tu.” 58 Como todos sabemos, apesar de semanticamente idêntico a vós (ambos são pronomes de segunda pessoa plural) o pronome vocês tem um comportamento sintático diferente, uma vez que exige que o verbo com o qual concorda seja usado não na segunda, mas na terceira pessoa do plural.

3.2.3 Você

A forma reduzida de vossa mercê, vem do Castelhano e foi o primeiro tratamento nominal dirigido ao rei, depois de “vós” e antes de “vossa alteza”. Depois foi utilizada para os duques, infantes e burgueses. No século XVI era bastante vulgar entre pessoas menos importantes na hierarquia e no século XVIII já dirigido a gente de estatuto social menos elevado, mas ainda com algum prestígio. Nos séculos seguintes a

56

CINTRA, 19862:30-31.

57 CUNHA & CINTRA,1984:287. 58

(39)

39 vossa mercê chegou a ser considerado tratamento insultuoso. Nos finais do século XIX, você passou a ser tratamento pronominal, utilizado entre iguais. Nos anos trinta de

século XX, o tratamento você já está na moda. Para Cunha e Cintra o uso atual de você em Portugal:

“É este último valor de tratamento igualitário ou de superior para inferior (em idade, em classe social, em hierarquia), e apenas este, o que você possui no português normal europeu, onde só excepcionalmente - e em certas camadas sociais altas-aparece usado como forma carinhosa de intimidade. No português de Portugal não é ainda possível, apesar de certo alargamento recente do seu emprego, usar você de inferior para superior, em idade, classe social ou hierarquia.”59

Embora que todos nós já tenhamos sido testemunhas de situações nas quais “inferiores” tratam “superiores” por você, isto incomoda as pessoas com uma certa educação e com mais idade. Carreira avisa que a extensão do uso de você em Portugal, especialmente entre os jovens e em estratos sociais mais baixos ou médio, muitas vezes resulta em tensões ou explosivos entre os ouvintes da meia-idade ou com ouvintes de estrato social mais elevado.

“…l'extension de l'emploi de você, qui semble irréversible, d'autant plus que les feuilletons brésiliens, dans lesquels l'emploi de você est fréquent, exercent une influence quotidienne sur la langue portugaise européenne, pose problème pour le moment au Portugal. La tendance à la simplification attestée par l'extension de l'emploi de dona et de você atténue les hiérarchisations sociales et les nuances d'un système d'adresse complexe.“60

Hoje em dia o você é uma espécie de chave mestra, que está a mudar aproximando de

tuteamento para relações de intimidade e voceamento para relações de distanciamento,

um tratamento corrente, utilizado entre iguais, de superior para inferior e vice-versa e que situa os interlocutores, em termos da cortesia, no nível pouco elevado. Como Carreira relata:

«Une autre tendance remarquable qui rapproche la variante européenne de la variante brésilienne du portugais est l'extension de la forme pronominale você (suivi du verbe à la 3e personne). Cette forme généralisée au Brésil, sans qu'aucune

59 CUNHA & CINTRA, 1984:294. 60

Referências

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