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AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

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Academic year: 2020

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V. 7 – 2016.2 – ANDRADE, Karen A. , STORTO, Letícia J.

AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM NOS LIVROS DIDÁTICOS

DE LÍNGUA PORTUGUESA

Karen Alves de Andrade1 Letícia Jovelina Storto2 Resumo: O livro didático ocupa um papel central no ensino de língua materna no Brasil. Dessa forma, é necessário que esse material esteja de acordo com as demandas curriculares do ensino de língua portuguesa e acompanhe as inovações consequentes de produções acadêmicas nas áreas de educação e linguística. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é um dos eficientes recursos que procura garantir a qualidade dos livros didáticos e sua distribuição nas escolas públicas do país, mas ele nem sempre garante que todo o conteúdo dos livros esteja de acordo com as concepções de linguagem predominantes na atualidade. Este artigo visa, dessa forma, analisar três atividades do livro Trajetórias da Palavra – 6º ano, aprovado pelo PNLD, para verificar a consonância entre as atividades selecionadas e os paradigmas linguísticos atuais. Palavras-chave: Livro didático; Ensino; PNLD; Concepções de linguagem.

THE CONCEPTS OF LANGUAGE IN THE PORTUGUESE LANGUAGE TEXTBOOKS

Abstract: The textbook occupies a central role in the vernacular language teaching in Brazil. For this reason, it is necessary that this material be in accordance with the demands of teaching Portuguese and follow the consequent innovations of academic productions in linguistics and teaching. The National Programme of Textbooks (Programa Nacional do Livro Didático - PNLD) is one efficient resource that aims to guarantee the quality of textbooks and their distribution in public schools of the country, but it doesn’t always guarantee that all the content of the books is in accordance with the concepts of language in predominance nowadays. This article aims to analyze three activities from the book Trajetórias da Palavra – 6th grade, approved by the PNLD, to

verify the consonance between the activities selected and the contemporary linguistic paradigms.

Keywords: Textbook; teaching; PNLD; concepts of language. O livro didático no Brasil

Na esfera escolar, o uso do livro didático quase sempre se fez presente, ainda que de forma diferenciada da que conhecemos hoje. Há algumas décadas, o acesso ao

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Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Londrina.

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papel era algo restrito por ser de alto custo, sendo introduzido na sala de aula, segundo FERNANDES (2006), apenas na década de 1890. É nesse período que se iniciou, pouco a pouco, a substituição da ardósia, do carbono, do tijolo e de outros materiais utilizados na escrita, pela tinta - futuramente lápis - e pelo papel. Tais mudanças fizeram com que a escrita se tornasse permanente, documentada, não mais sendo apagada para dar espaço a um novo conteúdo.

É a partir de então que materiais didáticos passaram a ser, pouco a pouco, produzidos para dar suporte ao trabalho desenvolvido em sala de aula e também principiar uma equidade nos conteúdos trabalhos pelas escolas brasileiras.

Com o ensino de Língua Portuguesa não foi diferente. Por alguns séculos, o ensino de língua materna ocorreu por meio de cartilhas, livros de leitura, antologias, gramáticas e manuais de Retórica e Poética, segundo Costa Val e Marcuschi (2005, p.76). Soares (2002) também aponta para esse momento da educação e o exemplifica referindo-se à Antologia Nacional: livro usado durante os anos 60 nas aulas de Português. Juntamente com a Antologia, usava-se uma gramática normativa, sem exercícios e sem atividades. Os exercícios para os alunos, característicos, hoje, dos livros didáticos, surgem depois dos anos 50 e 60.

Com a necessidade de sistematização do currículo, esses materiais foram agrupados, normalizando as atividades de observação, leitura e escrita e provendo ao professor os instrumentos necessários ao desenvolvimento dos conteúdos. Assim, a responsabilidade curricular é parcialmente transferida do professor para o livro didático e seus autores.

De acordo com GUIMARÃES (2009), no Brasil, três editoras, Guarnier, Laemmert e Alves & Cia, eram as responsáveis pela produção dos livros escolares utilizados nas décadas iniciais do século XX. Essas editoras publicavam preferencialmente obras selecionadas, facilitando a aprovação dos livros pelo governo e a sua utilização nas escolas públicas. Além dos livros, diversos materiais complementares ao processo de ensino eram utilizados para orientar as práticas escolares.

Com o tempo, os livros didáticos se multiplicaram e se diversificaram. Hoje, são várias as editoras que os publicam, fazendo com que se tornassem um mercado atraente e bastante lucrativo. Diferentes temas, formas, qualidade de impressão, layouts, e muitas

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outras variações trouxeram às escolas uma nova questão: como escolher um livro didático3?

Antes de adentramos na questão anteriormente colocada, é necessário situar o conceito que, neste trabalho, utilizaremos para nos referir ao livro didático. A princípio, o conceito de “livro didático” compreendia o tipo de produção escolar em circulação no século XX, sendo uma “evolução” dos “manuais escolares”, que corresponderia a toda produção didática impressa anterior a esse século (FERNANDES, 2006). Posteriormente, passou a denominar um tipo especial de livro escolar, que atua como compêndio e livro de exercícios – é a definição que utilizamos atualmente. Entretanto, segundo BATISTA (2000), o livro didático deixou, há algum tempo, de ser apenas um livro. Devido ao avanço das tecnologias digitais e de sua inserção no âmbito escolar, diversas mídias e gêneros passaram a compor esse material utilizado como suporte no processo de ensino-aprendizagem. CD-ROM, Músicas, vídeos, mapas, e muitos outros materiais, formam e complementam esse aparato conhecido como “livro didático”.

Hoje, o livro didático passou a ter não uma função estruturadora do trabalho pedagógico, mas sim uma função referencial, que orienta, em meio à diversidade e à flexibilidade das formas de organização escolar, práticas que atendam às demandas provenientes da cultura, perfil social e regional das escolas e de seus alunos. Entretanto, “[...] na falta de condições do professor, geralmente mal treinado, para preparar e corrigir exercícios e desempenhar outras atividades didáticas” (BATISTA, 2003, P.47), o livro didático continua, muitas vezes, funcionando como base, estrutura do ensino, e não como uma referência para os procedimentos pedagógicos.

Segundo Soares (1996) os materiais didáticos existem desde que existe a escola e de formas variadas, se tornando mais presente na medida em que a clientela da escola se ampliou. Assim, surgiu a necessidade do material pedagógico para apoio ao professor e ao ensino. Dessa necessidade surgiram, também, mudanças a respeito do papel desses materiais didáticos em sala de aula e do lugar ocupado pelo professor nessa interação. Soares (2002) defende que

[...] o papel ideal seria que o livro didático fosse apenas um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele [o professor]. Na verdade isso dificilmente se concretiza, não por culpa do

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professor, [...] por culpa das condições de trabalho que o professor tem hoje. Um professor hoje nesse país, para ele minimamente sobreviver, ele tem que dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, frequentemente, até a noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem tempo de se atualizar. A consequência é que ele se apoia muito no livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do professor no seu ensino. (SOARES, 2002).

Além disso, segundo Batista (2000), o livro didático deixou, a algum tempo, de ser apenas um livro. Devido ao avanço das tecnologias digitais e de sua inserção no âmbito escolar, diversas mídias e gêneros passaram a compor esse material utilizado como suporte no processo de ensino-aprendizagem. CD-ROM, músicas, vídeos, mapas, e muitos outros materiais, formam e complementam esse aparato conhecido como “livro didático”.

Conceituamos, então, com base no edital do Programa Nacional do Livro Didático - 2008, o livro didático como sendo obras

“elaboradas para serem utilizadas no processo de ensino-aprendizagem escolar, tendo em vista um uso tanto coletivo (em sala de aula, sob a direção do professor), quanto individual (em casa). Esses materiais devem organizar-se em relação a um programa curricular, de acordo com uma progressão de conteúdos definida em termo de série, ano ou ciclo”. (Edital PNLD 2008, p. 2)

A importância do livro didático

O processo de ensino-aprendizagem envolve uma construção conjunta de saberes, na qual dialogam sujeitos, objetivos, objetos, contextos e materiais didáticos. Os sujeitos são os educadores e os educandos; os objetivos são intenções subjacentes às práticas didáticas; os objetos correspondem aos conteúdos abordados; os contextos

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tratam da situação que envolve o processo, desde o espaço e o tempo às condições em que as práticas se desenvolvem; finalmente, e privilegiados neste trabalho, estão os materiais didáticos, entendidos como as ferramentas que auxiliam na eficácia do processo, sendo o livro didático seu exemplar mais comum e acessível. Isso não significa que o livro didático seja o responsável pelo sucesso ou pelo fracasso das práticas educativas. Ele é um instrumento, que traz consigo marcas contextuais e características específicas, - que vão desde seus pressupostos teóricos às crenças e métodos – devendo ser escolhido e utilizados conforme a realidade da escola.

Além dessa adequação aos contextos escolares específicos, o livro didático também deve estar ajustado aos sujeitos que o utilizarão, aos objetos visados e às condições físicas da escola – criando condições para que, em sala de aula, o material atinja seu potencial de eficiência.

Segundo RANGEL (2006), o livro didático é um produto legitimo de apropriação da cultura escrita, visto ser um acesso efetivo ao letramento além de ser o principal recurso didático sob o qual as escolas se apoiam para desenvolver em seus alunos habilidades e competências previstas por seus currículos. Isso ocorre por ser o livro didático um dos únicos materiais que organiza de forma sistemática os conteúdos curriculares. Um outro atributo do livro didático é o fato de ser produzido em massa, sendo para os alunos um material de consulta individualizado, ao qual ele pode recorrer sempre que necessário – isso, observamos, tendo em vista os atuais progressos na distribuição dos livros didáticos.

Sendo assim, entendemos que o livro didático, ainda que não seja completo e contemple apenas parte das expectativas dos educadores e educandos, ele é uma peça fundamental na realidade educacional brasileira, atuando como um manual organizador do trabalho em sala de aula.

O PNLD

Visando regular a distribuição desses importantes instrumentos didáticos para as escolas brasileiras, foi criado em 1929, sendo o mais antigo dos programas de distribuição de livros didáticos, o PNLD: Programa Nacional do Livro Didático. Desde sua criação, por iniciativa do Ministério da Educação (MEC), o programa vem se aperfeiçoando e ampliando suas áreas de atuação. Nesse trajeto, sob diferentes

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denominações e modos de trabalho, o PNLD foi se consolidando, até ser hoje reconhecido como grande aliado da educação.

Soares (s/d) reconhece a importância das iniciativas do MEC para a melhoria dos materiais didáticos afirmando que:

ao constituir comissões de especialistas para fixar critérios de qualidade do livro didático e para avaliar os livros oferecidos por autores e editores, o MEC presta um grande serviço tanto à escola pública, garantindo a qualidade dos livros entre os quais os professores podem escolher e que os alunos podem receber, por meio do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), quanto à escola privada, que conta, para orientar suas escolhas, com uma avaliação externa dos livros oferecidos no mercado. (SOARES, s/d).

Além disso, a autora defende que os guias produzidos constituem uma orientação preciosa para os professores e reconhece que os livros vêm melhorando significativamente:

[...] nas primeiras avaliações, uma grande percentagem dos livros encaminhados ao MEC eram excluídos ou não recomendados - em 1997, por exemplo, dos 511 livros para as primeiras séries do Ensino Fundamental apresentados pelas editoras, foram recomendados apenas 66; nas últimas avaliações, diminuiu muito o número de livros que as editoras submetem apreciação e também o número de livros que as comissões rejeitam como "não recomendados", o que indica que não só as próprias editoras vêm sendo mais criteriosas na seleção dos livros que publicam, como também autores têm reformulado seus livros ou construído novos livros atentos aos critérios de qualidade. (SOARES, s/d).

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O PNLD é um programa que, em um processo de inscrição das editoras, triagem/avaliação das coleções por elas apresentadas e a publicação de guias que recomendam ou não as obras, serve de interceptor entre o MEC e as escolas públicas, qualificando os materiais apresentados e, então, garantindo a qualidade dos livros que chegarão às escolas. O Programa destina-se ao ensino fundamental público, incluindo as séries iniciais e investe cerca de 661 milhões de reais em seu processo de realização (BATISTA, 2003).

Suas ações iniciam-se na inscrição das editoras, que, com base em um edital, publicado no Diário Oficial da União, estabelece os requisitos para a inscrição do livro didático. Segue-se nas obras corretamente inscritas um processo de triagem, para analisar a adequação das obras às exigências técnicas e físicas do edital, realizada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Os livros aprovados são encaminhados para a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), responsável pela avaliação pedagógica.

A SEB – Secretaria de Educação Básica – seleciona, então, especialistas que analisarão as coleções de livros didáticos conforme os critérios pedagógicos especificados no edital e redigirão, para serem publicados no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e distribuídos nas escolas, o Guia do Livro Didático. Assim, os educadores podem, de acordo com suas necessidades, escolher as coleções que atendem aos sujeitos, objetivos, objetos e contextos da escola em que atuam.

Após a seleção do livro a ser utilizado pela escola, faz-se o pedido dos materiais escolhidos ao programa, que se ocupará da aquisição, produção e distribuição dos livros.

No caso de Língua Portuguesa, é formada uma equipe de avaliadores que é treinada para realizar uma análise coerente das coleções selecionadas. Cada avaliador recebe, então, coleções descaracterizadas para serem avaliadas. A descaracterização das obras é necessária para evitar que obras sejam reconhecidas e, de certa forma, privilegiadas ou desprivilegiadas pelos avaliadores. Após a análise das coleções é realizada uma reunião para consolidação das análises, evitando discrepância de pareceres sobre as obras. São, finalmente, escritas as resenhas das obras recomendadas para a composição do guia e também os pareceres das obras excluídas.

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O PNLD e o ensino de Língua Portuguesa

Segundo o Guia do Livro didático – PNLD, alguns princípios gerais devem ser contemplados pelos livros didáticos de Língua Portuguesa, de forma a atender as demandas de ensino/aprendizagem de língua materna. Desses princípios, originam-se outros critérios que também devem ser considerados nas obras, garantindo uma abordagem em consonância com os PCN e outros requisitos da educação atual. Nesses princípios, situam-se os objetivos principais do ensino de língua portuguesa, sendo eles (PNLD, 2008):

 O processo de apropriação e de desenvolvimento da linguagem escrita e oral;  A fruição estética e a apreciação crítica da produção literária;

 O desenvolvimento de atitudes, competências e habilidades envolvidas na compreensão da variação linguística e no convívio com a diversidade dialetal;  O domínio das normas urbanas de prestígio;

 A prática de análise e reflexão sobre a língua e a linguagem.

Desses princípios, depreendemos a necessidade possibilitar aos alunos, através da disciplina de Língua Portuguesa e, apoiando nos livros didáticos, a capacidade de interagir nas práticas sociais comuns do cotidiano, fazendo um uso eficiente, tanto da linguagem oral como escrita, reconhecendo as variações dialetais inerentes a diversos contextos e adequando suas práticas de linguagem às exigências que tais contextos oferecem. É necessária, também, nesse processo, a constante reflexão sobre a língua, de forma que o trânsito entre as diferentes situações de seu uso seja possível e as funções e propósitos da linguagem se tornem claros aos seus usuários. O domínio da norma culta deve, da mesma forma, ser propiciado aos alunos, que precisarão, visto ser uma das variantes da língua, lançar mão de suas formas em situações comunicativas específicas. E, finalmente, faz-se necessário que todo esse desenvolvimento linguístico se dê de forma a inserir os alunos no contexto do mundo letrado, despertando o interesse cultural, principalmente literário, e uma visão crítica que repouse sobre ele.

Sendo assim, é possível perceber que a concepção na qual se baseiam os critérios e as expectativas do PNLD em relação ao material didático a ser distribuído nas escolas apresenta uma visão da língua como instrumento de interação, utilizada por

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sujeitos ativos e situados, que, envolvidos na situação de comunicação, partilham do sentido do texto decorrente das variáveis contextuais.

É por isso, também, que o programa apresenta outros critérios, mais específicos, que ressaltam a importância da inclusão de atividades de leitura e compreensão de textos, de produção escrita e de produção e compreensão que valorizem o uso da língua em situações contextualizadas. Dessa forma, exige-se que os LD selecionem textos de qualidade, pois são, muitas vezes, o único material de leitura acessível aos alunos; abordem diversos contextos, regionais e culturais, de origem dos textos, valorizando as variedades linguísticas; compreendam a escrita como processo, explorando a produção de diversos gêneros textuais; reconheçam o papel estratégico da linguagem oral e a necessidade dela ser vista como um objeto de ensino; e, propiciem a sistematização dos conteúdos abordados.

Ao contemplar esses critérios, os LD ofereceram aos alunos, claro que juntamente com a ação do professor, os subsídios necessários para uma construção do conhecimento que reconhece a língua em sua dinamicidade resultante das constantes variações nas práticas sociais.

Ainda de acordo com o Guia de Livros Didáticos – PNLD, é possível verificar em livros didáticos quatro tendências metodológicas recorrentes, ou seja, quatro tipos distintos de tratamento didático dados aos conteúdos curriculares da disciplina de Língua Portuguesa. O primeiro tratamento apresentado é o vivencial. Nessa abordagem, espera-se que os alunos aprendam a partir de situações em que ele esteja em contato com o conteúdo abordado. Há, também, a metodologia transmissiva, em que se acredita que os saberes devem ser transmitidos pelo professor ao aluno. Já o uso situado ocorre quando, o processo de ensino-aprendizagem parte de um uso socialmente contextualizado, do qual o conteúdo faz parte. Finalmente, a metodologia Construtivo-reflexiva permite ao aprendiz refletir acerca de fatos ou dados para, posteriormente e com a orientação do professor, inferir o saber em questão.

Embora nenhuma das coleções de LD adote em todas as suas atividades apenas uma dessas metodologias, é possível perceber que há uma tendência a se valorizar as abordagens construtivo-reflexivas, reconhecidas na educação atual como um método eficiente para a construção do conhecimento, podendo ser combinado com os demais métodos para atender a objetivos específicos.

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Finalmente, na análise das coleções de LD realizada pelo PNLD, há uma distinção entre as coleções que se organizam por temas, temas associados a gêneros, tópicos linguísticos, projetos temáticos e por projetos relacionados a gêneros.

As concepções de linguagem no livro didático e no ensino

O ensino de língua deve favorecer a compreensão de que ela não é um produto acabado, pronto, mas construído na interação entre autor-texto-contexto-leitor, como postula Dell’Isola (2010). Ainda segundo a autora, todo leitor/escritor deve ter o direito ao entendimento da grande variedade de textos, os quais veiculam inúmeras e diferentes linguagens construídas por meio dos gêneros textuais.

Entretanto, nem sempre a língua e o seu ensino foram compreendidos assim. Três principais paradigmas de língua, sujeito, texto e sentido dominaram os estudos linguísticos ao longo do tempo: Concepção lógica, concepção estrutural e concepção sóciointeracional.

A primeira delas, a concepção lógica, entendia que a língua era a manifestação de uma competência inata, sendo, então, uma representação, ou seja, um produto do pensamento. Essa ideia é advinda dos estudos de Aristóteles, do século V, que associava, conforme se percebe na língua grega, os conceitos de palavra, ação, razão e pensamento. Nessa concepção, o sujeito é racional, passivo, individual e dono de suas ações e o texto é um produto-lógico do pensamento. Dessa forma, o sentido do texto é dado, ou seja, determinado pelas relações lógicas. O sentido está no texto, pronto e acabado. Não sofre modificação nem intervenção do sujeito ou do contexto. Segundo Travaglia (2003, p. 21), para essa concepção as pessoas não se expressam bem porque não pensam, poisa expressão se constrói no interior da mente e sua exteriorização é apenas uma tradução. Há, porém, regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e, consequentemente, da linguagem, sendo elas que se constituem nas normas gramaticais do falar e escrever “bem”.

Já a segunda concepção, marcada pelos estudos mais sistemáticos da língua, é chamado estrutural, ou estruturalismo. Preconiza-se nessa concepção que a língua é um sistema formado pela junção de um conjunto de signos e de regras de combinação. A língua é, portanto, um objeto autônomo, supraindividual, mas coletivo, comum aos membros de uma comunidade. O ser humano não é considerado como individual,

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particular e complexo, mas como parte de um todo. Ele é “assujeitado” pela ideologia e pelo inconsciente, sendo passivo e tendo a ilusão de que participa como autor das situações de uso da linguagem. Esse sujeito é, muitas vezes, tido como, apenas, o porta-voz das ideologias já existentes. Nesse paradigma, o texto nada mais é que o produto da codificação, sendo seu sentido determinado pela ideologia e pelo inconsciente. O ouvinte não acrescenta nada à mensagem e o texto permanece sendo visto como algo pronto, acabado.

Essa concepção levou, conforme Travaglia (2003, p.21), ao estudo da língua como sendo um código virtual, isolado de sua utilização. Isso fez com que a Linguística desconsiderasse os sujeitos participantes e a situação de uso da linguagem como constituintes da língua: afastou o indivíduo do que é social e histórico na língua.

“Para essa concepção o falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte, ou seja, informações que quer que cheguem ao outro. Para isso ele a coloca em código (codificação) e a remete para o outro através de um canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de novo em mensagem (informações). É a decodificação” (TRAVAGLIA 2003, p21).

Finalmente, a terceira concepção percebe a língua como instrumento de interação, sendo chamada de interacional ou sociointeracionista. O sujeito passa a ser visto como interativo. É um ator na produção dos sentidos, ativo e transformados da mensagem. Ele é o criador de representações e é influenciado pelo contexto no qual ele se insere. Assim, sempre que participa de uma situação comunicativa, ele age na construção dos sentidos do texto, influenciando e sendo influenciado. O texto é, portanto, o lugar da interação e da criação dos sentidos. Pela primeira vez, entende-se que o sentido não está pronto, acabado e restrito ao texto, mas ele é fruto da interação e construído com a mediação do sujeito.

Nessa concepção, o indivíduo não se atém à tradução e exteriorização de um pensamento. Ele não é um mero transmissor de informações. Ele realiza ações na medida em que age, atua sobre o interlocutor. Os usuários da língua interagem

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conforme os lugares sociais que ocupam e com as formações imaginárias que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais.

Observação de exercícios de livros didáticos

Há indícios de que, apesar da progressão nos estudos da linguagem, as três concepções de linguagem coexistam nas práticas de ensino-aprendizagem e na mentalidade de professores, gramáticos e linguistas.Para justificar diferentes e insistentes práticas, mesmo as equivocadas e ultrapassadas visões de texto, língua, sujeito e sentido, permanecem na esfera escolar. Com base nesses indícios, apresentaremos a seguir três atividades, transcritas do livro didático Trajetórias da

palavra – 6º ano, para que observemos a concepção de língua que subjaz à sua

aplicação.

Atividade 1 – Acróstico (p.17)

a) Você vai contar para os seus colegas qual a história do seu nome. Quem o escolheu? Houve um motivo especial? Ele foi escolhido para homenagear alguém? Ou porque tem uma sonoridade bonita? Ou apenas porque é um nome diferente?

b) Observe a letra desta canção de Roberto Carlos:

Acróstico (Roberto Carlos)

M ais que a minha própria vida A lém do que eu sonhei pra mim R aio de luz

I nspiração

A mor você é assim

R ima dos versos que eu canto I menso amor que eu falo tanto T udo pra mim

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M eu coração E ternamente

U m dia eu te entreguei

A mo você

M ais do que tudo eu sei O sol

R aiou pra mim quando eu te encontrei

A letra dessa canção é um acróstico.

Agora que você já viu como se faz, crie um acróstico a partir de seu nome e escreva-o em seu caderno. Em sala de aula, leia seu acróstico para os colegas,

Nessa atividade, que tem como objetivo a produção de um texto escrito, o acróstico, percebe-se por meio das perguntas iniciais uma tentativa de familiarizar o aluno com uma característica importante do acróstico, que é o uso do próprio nome. A partir de uma pesquisa familiar, o aluno deveria conhecer a origem de seu nome. Entretanto, não há na atividade uma finalidade para essa pesquisa. O que o aluno deverá fazer com essas informações? De que forma elas vão aparecer no acróstico? O que isso tem a ver com o acróstico de Roberto Carlos? Visto não apresentar um propósito para a atividade linguística, o exercício recai sobre a concepção estrutural da língua, percebendo-a apenas como um canal de comunicação e sem inseri-la em uma realidade social, dotada de significações e valores culturais inerentes ao gênero abordado.

Ao apresentar, como texto motivador, a música de Roberto Carlos, procura-se, então, atrelar o gênero a uma de suas manifestações sociais, todavia, não há uma mediação para que o aluno perceba os possíveis usos e finalidades do acróstico. Sendo assim, o texto é apenas um modelo para ser seguido e reproduzido, como se adotar o modelo de um texto dado fosse suficiente para a produção de um novo texto.

Além disso, a própria atividade atem-se à escola como lugar de circulação do texto produzido, colocando a esfera escolar como lugar privilegiado desse texto. Dessa Acróstico é uma composição poética em que o conjunto das letras inicias, do meio, ou do fim dos versos forma um nome ou uma frase na vertical.

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forma, conclui-se que a atividade não se apropriou do valor sociointeracionista da linguagem, voltando-se a uma visão mais estrutural da língua, do texto e de seu sentido.

Atividade 2 – Diário (p27)

a) A garota retratada na foto escreveu um diário que se tornou mundialmente famoso: O diário de Zlata: a vida de uma menina na guerra.

b) Use a imaginação e invente uma tradução dessa página de diário – pense em quais seriam as preocupações, alegrias, desejos, segredos etc. de uma garota como a da foto.

Já nesta atividade, fica evidente a visão da língua como expressão do pensamento. Sem textos motivadores, abordagem do tema, exploração das características linguísticas e de circulação social do gênero “diário”, solicita-se que o aluno “use a imaginação”, “invente”...

O processo de criação descrito na atividade explicita a visão de que não são necessárias orientações textuais e discursivas a respeito do gênero “diário” antes de o aluno produzi-lo. É um simples processo de colocar o pensamento em forma de linguagem, ou seja, materializá-lo de forma gráfica. A linguagem é vista como consciente e individual, dependente da criatividade e não de subsídios textuais, enciclopédicos e discursivos para o sucesso de sua realização.

Atividade 3 – História em quadrinhos (p. 212)

1. Publicada normalmente em jornais e revistas, a charge é uma representação visual em que a imagem, em geral, vem acompanhada de um texto – título, diálogos, comentários etc. Observe a charge de Angeli.

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a) Há claramente duas classes sociais representadas nessa charge. Indique quais são elas e cite pelo menos um elemento, presente na charge, que justifique sua resposta.

b) Quais expressões podem ser consideradas agressivas nas falas das personagens?

c) Os meninos que não falam fizeram alguma coisa para sofrer agressão verbal do outro menino?

d) Pelo título da charge, é possível compreender a visão de Angeli sobre a cena. Qual seria o ponto de vista do chargista?

e) Agora dê sua opinião: o que voe acha da atitude do garoto e de sua mãe em relação aos outros garotos da cena?

2. Na seção anterior desse capítulo, você viu alguns recursos empregados na elaboração de histórias em quadrinhos. Veja a seguir mais alguns recursos que os quadrinhos costumam empregar:

3. Escolha uma das propostas a seguir para sua produção:

a) Continue a história de Ed Morte do ponto em que ela parou.

b) Invente uma história em quadrinhos totalmente original e use sua imaginação na elaboração do enredo e das ilustrações.

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4. As histórias produzidas deverão ser colocadas num mural da sua escola junto com uma cartolina em branco na qual os colegas de outra turma possam deixar, por escrito, comentários sobre os trabalhos criados pela turma.

Já na terceira atividade, uma mudança de concepção pode ser percebida em relação às outras atividades. Há uma preocupação em caracterizar o gênero história em quadrinhos em relação ao contexto no qual ele aparece e às finalidade para as quais ele é utilizado, além de apresentar características formais e estilísticas de sua composição.

O autor da atividade entende que a charge é uma forma de história em quadrinhos, por isso, inicia a atividade fornecendo algumas informações sobre a função social do gênero e, em seguida, perguntas que levarão o aluno a compreender suas características de conteúdo, forma, propósito e estilo. Essa proposta subjaz à visão sociointeracionista da linguagem, já que, ao caracterizar o gênero, preocupa-se com as ações que o sujeito é capaz de realizar por meio do texto em suas interações verbais. O sujeito é, portanto, ativo na produção dos sentidos, legitimando suas intenções e propósitos a partir de suas escolhas linguísticas e textuais. Dessa forma, a escrita é vista como forma de interação que serve a situações reais de comunicação, com finalidade, interlocutores e gêneros definidos.

A atividade se desenvolve, além disso, com base em outras já apresentadas em capítulos anteriores, o que instrumentaliza o aluno no domínio do gênero, levando-o a uma produção consistente e articulada com seus propósitos.

Finalmente, percebe-se a preocupação com a finalidade da produção do aluno, que mesmo restrita à esfera escolar, encontra um interlocutor ao ser exposta e receber comentário de outros alunos.

Considerações finais

Os livros didáticos, ao longo de seu percurso, se tornaram instrumentos fundamentais na educação brasileira e podem contribuir de maneira muito satisfatória nas práticas escolares. Para que isso aconteça, é necessário que, nos LD, sejam observados diversos critérios que possibilitem aos alunos o desenvolvimento de capacidades e habilidades que satisfaçam o currículo de Língua Portuguesa. Destaca-se

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a importância do PNLD, que pré-seleciona as coleções de livros didáticos que chegarão às escolas e que orienta o professor na escolha do livro que mais se adéqua à realidade de sua sala de aula. Entretanto, é necessário que o professor esteja ciente das mudanças que os estudos linguísticos trouxeram ao longo do tempo para apropriar-se das concepções de linguagem e identificá-las nos livros didáticos. Assim, sua ações de ensino e aprendizagem serão mais coerentes e, certamente, alcançarão melhores resultados.

Referências Bibliográficas:

BATISTA, A.A.G. Um objeto variável e instável: Textos, Impressos e Livros Didáticos. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2000.p.529-575.

BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Secretaria de Educação Básica. Edital de Convocação para inscrição no processo de

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BRASIL. Ministério da Educação. Programa Nacional do Livro Didático. Guia de

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FERNANDES, Giselle. Composição de textos na escola brasileira: em busca de uma

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RANGEL, Egon de Oliveira. A escolha do livro didático de português: caderno do

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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Concepções de linguagem. In: Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. São Paulo: Cortez, 2003. p. 21-23.

__________________________ Recebido em: 04/08/2016

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