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Serviços de internamento psiquiátrico na Região de Lisboa e Vale do Tejo : avaliação da qualidade da estrutura

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Maria Antónia Frasquilho é assistente de psiquiatria no Hospital Miguel Bombarda, assistente da Escola Nacional de Saúde Pública, membro do Grupo Coordenador da Saúde Mental da ARSLVT e mestre em Pedagogia na Saúde.

Maria Josefina Gonçalves é médica de clínica geral no Centro de Saúde de Sintra e mestre em Saúde Mental.

José Reis de Oliveira é administrador hospitalar no Hospital de Santa Maria, Direcção de Serviços de Saúde Mental, Direcção--Geral da Saúde e mestre em Relações Interculturais.

Maria José Viana de Almeida é enfermeira, psicóloga, Direcção de Serviços de Saúde Mental, Direcção-Geral da Saúde.

Serviços de internamento psiquiátrico

na Região de Lisboa e Vale do Tejo:

avaliação da qualidade da estrutura

MARIA ANTÓNIA FRASQUILHO

MARIA JOSEFINA GONÇALVES JOSÉ REIS DE OLIVEIRA

MARIA JOSÉ VIANA DE ALMEIDA

Reflecte-se sobre a necessidade de promover a qualidade no sector da saúde mental e psiquiatria.

Expõe-se o primeiro estudo formalmente organizado em Portugal sobre a qualidade dos serviços de internamento psiquiátrico na Região de Lisboa e Vale do Tejo sob o ângulo da avaliação da estrutura.

O próposito desta acção é desenvolver um método que per-mita apoiar os serviços na prossecução da qualidade, colher informação sobre o estado actual dos serviços, refor-çar a visibilidade das necessidades específicas relativas à prática da psiquiatria e saúde mental e passar a mensagem de que a garantia da qualidade deve estar agendada na rotina dos serviços.

Conclui-se que a qualidade é muito pouco satisfatória em termos de estrutura de internamento psiquiátrico, sendo o principal défice relativo à exiguidade e pouca diversidade de profissionais nas equipas terapêuticas. Na especificidade evidencia-se a carência notória de terapeutas ocupacionais e técnicos de serviço social. Também se denota ser insatisfatória a qualidade dos sanitários e a existência de barreiras arquitectónicas.

Salientam-se como de melhor qualidade estrutural os espa-ços de formação, a integração física do hospital onde está o serviço, os recursos em auxiliares de acção médica, a higiene dos locais e a relação entre o número de técnicos e o número de doentes durante o período nocturno, mas sempre aquém da satisfação plena dos critérios.

Tendo em conta os resultados, pobres quanto à qualidade estrutural, aduzem-se recomendações. Em síntese, subli-nha-se a urgente priorização da saúde mental no contexto geral da saúde.

[...] o pó do hospital a voltear no pátio em espirais desoladas quebrando-se contra os muros tristes do asilo [...]

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Introdução

Uma parte decisiva da agenda quanto aos desenvolvi-mentos da psiquiatria e da saúde mental relata a melhoria da qualidade desses serviços de saúde (Cal-das de Almeida e Xavier 1995). A garantia de quali-dade é um valor fundamental no plano estratégico da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) de 1998, particularmente na saúde mental (Portugal. ARSLVT. Grupo Coordena-dor da Saúde Mental, 1998).

A tradição de uma auto-avaliação informal em medi-cina, visando a optimização da resposta clínica numa relação médico-doente, já constante do juramento de Hipócrates, terá facilitado a implementação de uma postura avaliativa neste contexto (Riordan e Mockler, 1997). Refere-se que no século XIX surgem as primei-ras estatísticas hospitalares de rotina e a partir daí muito se progrediu no sentido de proporcionar aos utentes a máxima melhoria do seu status de saúde, tendo em conta os conhecimentos do momento e os recursos existentes. Para o que avaliar é decisivo (Wilson e Goldschmidt, 1995). Está concluído que o próprio processo avaliativo tem uma componente pedagógica implícita que incentiva e orienta essa mudança para melhor (Crombie et al., 1993). Com o recente desenvolvimento de uma filosofia de racionalização e efectiva qualidade nos serviços de saúde, a avaliação tornou-se mesmo mandatória. Em termos sociais, e com o progressivo empowerment dos consumidores, gerou-se uma exigência, quase universal, de garantia de qualidade na saúde. A qualidade é um constructo difícil de operacionali-zar, dado assentar em ponderações intersubjectivas. Em termos simplistas, diz-se, algo tem qualidade quando é conforme aos requisitos. Para isso há que estabelecer critérios úteis, o mais precisos possível e válidos. Desiderato problemático, como se realça no capítulo da discussão.

Na psiquiatria, apesar de o desafio do consenso quanto a critérios de qualidade e respectiva standar-dização ser mais ambicioso, já há uma história rele-vante de labor neste domínio, se bem que, mais vezes do que o desejável, a avaliação realizada tenha tido apenas tradução parcial na promoção da qualidade a nível dos cuidados prestados (Fauman, 1989; Mattson, 1992; Cardoso, Correia e Luís, 1997). O estudo de avaliação de serviços, de que aqui se des-creve apenas a parte relativa à avaliação da qualidade da estrutura, tem um carácter muito mais vasto e integra-se no amplo plano de actividades desenvolvido pelo Grupo Coordenador da Saúde Mental da ARSLVT.

Como alicerce conceptual mobilizou-se o princípio da normalização. Este foi pela primeira vez enun-ciado em 1959 por Niels Bank-Mikkelson, então

director-geral dos Serviços para Deficientes Mentais na Dinamarca, e tem sido, sucessivamente, adaptado a diversos contextos, conforme a evolução das ciên-cias nos domínios sociais e da saúde (Vaney, 1988). No geral, neste campo, respeita à necessidade de desenvolvimento de todas as acções que impeçam a estigmatização da pessoa com doença mental, ou acentuem o desvio, e à disponibilização de todos os meios que contribuam para o tratamento pertinente para a recuperação e integração dos doentes nos seus quadros de pertença, tendo em vista que essas pes-soas devem poder ter uma existência «normal» (não se negando, como é óbvio, as dificuldades inerentes à especificidade da entidade patológica).

1. Finalidade e objectivos

A finalidade desta avaliação é contribuir para a garantia da qualidade nos serviços de saúde mental em Portugal.

Sintetizam-se os seguintes objectivos:

1. Desenvolver, implementar e testar um método que permita apoiar os serviços na prossecução da qualidade, ou seja, que possibilite, através da definição de critérios e padrões, o diagnóstico das áreas a melhorar;

2. Colher informação sobre o estado actual dos ser-viços;

3. Reforçar a visibilidade das necessidades específicas relativas à saúde mental nas organizações de saúde, ou seja, «dar voz à saúde mental»;

4. Sublinhar a dimensão da qualidade como pro-cesso inacabado, a acompanhar a rotina e o desenvolvimento dos serviços, e parte decisiva da agenda actual das organizações de saúde.

2. Metodologia

2.1. Procedimentos

O Grupo Coordenador da Saúde Mental da ARSLVT, responsável pelo projecto, seleccionou como pri-meiro foco de avaliação da qualidade os serviços de internamento, devido à maior acessibilidade e facili-dade de operacionalização do estudo.

O Grupo definiu um pré-guião de avaliação, alicer-çado numa extensiva revisão bibliográfica sobre esta temática. Seleccionados os critérios e respectivos padrões passou-se a uma reformulação iteractiva, con-forme as sugestões das organizações envolvidas — todas as da Região. Salienta-se ter-se tratado de um processo cooperativo e informado, tendo-se

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enten-dido as instituições hospitalares como parceiros. Assim se chegou à versão final do guião de avaliação qualidade dos serviços de internamento psiquiátrico — QSIP 98 (em anexo) —, que contempla 49 itens/ critérios em três rubricas: estrutura (18), organização (17) e actividade (14).

O processo de colheita de informação é de avaliação em equipa, pelo que foi constituído e treinado o grupo fixo de avaliação de quatro profissionais que actuou no terreno. Amplificaram-se as áreas de for-mação de origem dos avaliadores que vieram a cons-tituir o grupo no sentido de obter sinergias. Além dos componentes fixos do grupo, cada organização desig-nou um técnico seu para integrar o grupo de avalia-ção quando o processo decorresse no seu serviço de internamento. Daí que a composição total da equipa tenha incluído mais 10 avaliadores (6 psiquiatras, 3 enfermeiros e 1 economista), além dos 4 elementos fixos (1 psiquiatra, gestor do projecto, 1 enfermeira, 1 administrador hospitalar e 1 clínica geral). Procedeu-se à negociação dos timings de visita e ao envio prévio do guião de avaliação aos serviços, ou seja, desenvolveu-se um processo partilhado.

2.2. População de estudo/locais

A pesquisa abrangeu todos os serviços de psiquiatria com internamento da ARSLVT, a saber, hospitais gerais com internamento psiquiátrico, Hospital de Santa Maria, Hospital de São Francisco Xavier, Hos-pital Fernando da Fonseca, HosHos-pital de Nossa Senhora do Rosário (Distrital do Barreiro), Hospital de São Bernardo (Distrital de Setúbal), duas enfer-marias — uma voluntária e outra sorteada — de cada um dos hospitais psiquiátricos Miguel Bombarda e Júlio de Matos), o Centro Regional de Alcoologia de Lisboa e o Centro Psiquiátrico de Reabilitação de Montachique.

2.3. Método e instrumento de recolha de informação

Trata-se de uma pesquisa transversal exploratória de características qualitativas, ao nível descritivo. A validação neste tipo de estudos é assegurada por uma clara problematização, por um precisar dos con-ceitos e modelos de definição objectiva dos passos processuais. A validade de constructo de QSIP 98, o instrumento guião para a recolha de dados, assenta na definição e descrição clara dos critérios, na opi-nião do painel de juízes que esteve na base da sua versão final e faz apelo à lógica. Em termos de teúdo, assegurou-se que o instrumento mapeia o junto de questões relevantes no momento e no

con-texto em termos das categorias: estrutura, organiza-ção e actividade (Grawitz, 1990).

A equipa fundamentou a sua avaliação, pautada pela garantia da maior objectividade e orientada pelo guião QSIP 98, na visita aos serviços, pela observa-ção directa, pela consulta de documentaobserva-ção fornecida ou visível nos locais, pela entrevista dos responsáveis pelo serviço, dos técnicos e funcionários do mesmo, por conversas com doentes e seus familiares ou visi-tas. As observações foram anotadas individualmente. Depois, no fim do dia ocorreu uma reunião de sín-tese. Aí foi feita uma primeira qualificação de cada item por consenso, e chegou-se a uma conclusão em termos de qualificação geral da estrutura, organiza-ção e actividade, delineando-se as recomendações locais então tidas como pertinentes.

Acabadas as avaliações locais, o núcleo fixo de ava-liação, na posse das informações globais, reuniu e passou à relativização das cotações individuais dos serviços. Elaborou os relatórios individuais e iniciou--se novo processo negocial com os co-avaliadores locais e uma discussão interna no grupo de avaliação. Repetiram-se os contactos até ser atingida uma qua-lificação final consensual.

Enviaram-se os relatórios finais relativos a cada hos-pital, dirigidos à administração e ao responsável pelo serviço avaliado (este continha em anexo a qualifica-ção e comentários sobre o resultado de cada indica-dor). A orientação foi essencialmente pedagógica, listando-se, a terminar, as mudanças entendidas como necessárias.

No final realizou-se um painel, com a presença dos representantes de cada hospital englobado no pro-cesso. Aí foram apresentados, de forma não nominal, os resultados comparativos dos serviços avaliados, bem como as reflexões sobre as forças e debilidades do processo, reflectidas pelo grupo responsável pelo projecto. Pretendeu-se, além de retroinformar, criar um espaço de debate que pudesse tonificar o objec-tivo central do programa: melhorar a qualidade dos serviços de internamento psiquiátrico.

As informações obtidas correspondem a variáveis quantitativas e qualitativas. As variáveis qualitativas foram apresentadas enquanto descrição da realidade encontrada para cada indicador e como se distri-buíam percentualmente. Para os resultados globais foi feita uma correspondência proporcional entre os valores apurados nas respectivas variáveis e uma escala categorial, numa quantificação em que 0 seria a fronteira entre a satisfação ou não de um conjunto de requisitos de qualidade, 2 seria o valor máximo quanto à satisfação da qualidade e –2 o valor de ausência total de cumprimento de qualquer requisito. Os dados foram tratados informaticamente, utili-zando a base de dados MICROSOFT EXCEL.

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3. Resultados

Numa apresentação dos resultados globais demons-tra-se que a estrutura destinada a internamento psi-quiátrico satisfaz a um nível muito mínimo — atinge 0,28.

Na Figura 1 especificam-se graficamente as diversas categorias que constituem a variável estudada e os seus resultados totais, atendendo à categorização enunciada.

Salienta-se que o que melhor satisfaz são os espaços de formação, a integração física do hospital onde está o serviço, os recursos em auxiliares de acção médica, a higiene dos locais e a relação entre o número de técnicos e o número de doentes durante o período nocturno.

No pólo oposto, não satisfazendo, estão os recursos quanto a terapeutas ocupacionais e técnicos de ser-viço social, qualidade dos sanitários e a existência de barreiras arquitectónicas.

Quanto ao número de enfermeiros e de médicos internistas, em média, estão no limite — só metade dos serviços tem um número suficiente destes téc-nicos.

De seguida sintetizam-se os resultados parcelares quanto a cada uma das categorias indicadoras da qualidade da estrutura do conjunto dos serviços estu-dados. Figura 2 Integração física 17% Bom 66% Muito bom 17% Sofrível Figura 3 Estado do edifício 42% Bom 17% Muito bom 33% Sofrível 8% Mau Figura 1

Avaliação da qualidade — internamento psiquiátrico

1,5 1 0,5 0 – 0,5 – 1 – 1,5 7 11 13 15 16 17 1 2 3 4 5 6 8 9 10 12 14 18 11 Integração física 12 Estado do edifício 13 Número de camas por enfermaria 14 Enfermarias 15 Espaços terapêuticos 16 Espaços de formação 17 Sanitários 18 Espaços sociais 19 Higiene 10 Serviços de limpeza 11 Barreiras arquitec-tónicas 12 Psiquiatras 13 Enfermeiros 14 Auxiliares 15 Terapeutas ocupa-cionais 16 Serviço social 17 Internistas 18 Técnicos/doente/noite

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Figura 4

Número de camas por enfermaria

Figura 5 Enfermarias Figura 6 Espaços terapêuticos Figura 7 Espaços de formação Figura 8 Sanitários Figura 9 Espaços sociais Figura 10 Higiene Figura 11 Serviços de limpeza 58% Adequado 42% Não adequado 34% Muito bom 33% Bom 8% Sofrível 25% Mau 31% Muito bom 17% Mau 26% Sofrível 26% Bom 17% Bom 58% Bom 8% Muito bom 17% Sofrível 33% Sofrível 42% Mau 17% Muito bom 50% Sofrível 33% Bom 42% Muito bom 8% Mau 42% Bom 33% Muito bom 67% Adequado 33% Não adequado

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Figura 12 Barreiras arquitectónicas Figura 13 Número de psiquiatras Figura 14 Número de enfermeiros 42% Adequado 58% Não adequado 42% Não adequado 58% Adequado 50% Não adequado 50% Adequado Figura 16

Número de terapeutas ocupacionais

Figura 17

Número de técnicos de serviço social

Figura 15

Número de auxiliares de acção médica

Figura 18 Internistas Figura 19 Técnicos/doente/noite 17% Não adequado 83% Adequado 17% Adequado 83% Não adequado 33% Adequado 67% Não adequado 50% Adequado 50% Não adequado 67% Adequado 33% Não adequado

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4. Discussão

O primeiro ponto relevante a ser discutido respeita à problemática do constructo qualidade e sua mensura-ção. Este é um domínio de clara intersubjectividade. O que é qualidade? Quem a define e normaliza? Com que objectivos? Em que contextos e como?

Os esforços para medir a qualidade dos cuidados de saúde continuam a ser controversos. Os resultados produzidos nestes processos de avaliação poderão ser falaciosos e «perversos», a não ser que se adopte uma definição de qualidade que reconheça a inerente relatividade da sua mensuração e se mobilizem os resultados com ponderação. Isto diz particularmente respeito aos domínios dos processos e da actividade. O coração do sistema respeita ao que efectivamente é realizado e sucede em função do processo que teve lugar. A saúde mental enferma de uma extrema sen-sibilidade neste domínio, quando se pretende avaliar a mudança — ganhos em saúde — fruto de uma dada actividade (Mattson, 1992).

Contudo, a definição de qualidade tem mandatoria-mente de incluir a estrutura. Esta define-se pelos atri-butos do contexto em que são prestados os cuidados de saúde, por exemplo, o edifício, a localização, a planta arquitectónica, o equipamento, o pessoal. Do que acima se expôs, este será o domínio menos difícil de avaliar, já que se traduz de forma mais concreta.

Embora possam ser alvo de discussão, e por isso sejam de tempos a tempos revistos, já há algum con-senso quanto a padrões definidos nesta matéria, de que se realçam os que regulam os licenciamentos de instalações de saúde.

O procedimento seguido neste estudo permite obviar, parcelarmente, as vicissitudes descritas, dado ter sido amplamente participado e os indicadores e padrões do QSIP 98 resultarem de consensos preestabeleci-dos com as instituições.

A discussão quanto à metodologia enfatiza as dificul-dades relacionadas com a validade dos resultados obtidos quando estes assentam na informação mediada por relatos dos profissionais dos serviços, ou a sua qualificação é fortemente matizada por inte-resses próprios do representante de cada hospital, a que a procura de um consenso final não é alheia. Se bem que, desde o início, se tenha colocado a tónica na participação e envolvimento das organiza-ções e o processo tenha sido expressamente bem acolhido e apoiado, notou-se uma latente conotação do processo com inspecção ou controle. As apreen-sões sintetizam-se em duas frentes: o receio de que se identifique quem ou que serviços não satisfazem, e não, o que é o propósito da avaliação, «aquilo que precisa de ser melhorado» e que o cenário seja o de

um «concurso» entre os serviços da região em que as posições relativas quanto a qualidade assumam o carácter principal.

Concomitantemente, denotou-se outro viés pessoal: alguns co-avaliadores e profissionais das instituições sobrevalorizavam a utilização negocial do resultado local como argumento de autoridade relativo a pro-blemática já instalada junto da administração. Assim, acentuavam ou minimizavam os pontos em causa. Apesar disso, assegurou-se a consistência através da presença dos elementos fixos de avaliação, cuidado-samente treinados e distanciados, que defendiam o rigor da cotação, acautelando flutuações, conforme os momentos e as pressões locais.

Assume-se a dificuldade de obter informação fiável a partir de uma observação transversal, embora a ava-liação da estrutura não seja a que põe mais problemas neste domínio.

É clássica a referência às dificuldades inerentes aos estudos qualitativos, nomeadamente quanto à fiabili-dade e à quantificação de variáveis categoriais. Como este estudo tem um carácter exploratório e mera-mente descritivo das frequências, é irrelevante a per-tinência deste argumento.

O resultado global encontrado aponta para uma limi-tada adequabilidade das instalações vocacionadas para internamento psiquiátrico. Isto é agravado se se tiverem em conta os baixos critérios de exigência uti-lizados para indicar o nível de cumprimento dos indi-cadores.

Este era um resultado, à partida, esperado. Os servi-ços ou continuam sediados nos antigos hospitais psi-quiátricos, cuja deficiência quanto a instalações é pública, ou correspondem a serviços de hospitais gerais, desenhados sem se acautelarem as necessida-des específicas necessida-desta intervenção terapêutica especia-lizada e que frequentemente funcionam sem os recur-sos humanos necessários, como se salienta nesta investigação.

Não é possível estabelecer comparações com resulta-dos anteriores e conhecer a evolução porque é a pri-meira vez que em Portugal é feita organizadamente uma avaliação deste teor.

Na especificidade verifica-se uma posição de desta-que positivo quanto à qualidade dos espaços de for-mação; porém estes, além de não serem exclusiva-mente destinados à psiquiatria, satisfazem essencialmente as necessidades dos profissionais e da organização, na medida em que alguns funcionam como «cartão de visita» do hospital.

Uma nota positiva recai sobre a boa integração física dos serviços, em termos de acessibilidade. Em Portugal, contrariamente ao que em tempos sucedeu nos países anglo-saxónicos, os hospitais psiquiátri-cos não tinham uma localização afastada dos

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cen-tros urbanos e os hospitais gerais têm fáceis acessi-bilidades.

É nítida a parcidade de recursos humanos, qualquer que seja a profissão; curioso é que a melhor dotação seja a dos auxiliares de acção médica, ou seja, traba-lhadores sem funções terapêuticas directas e precisas, muitos deles desaproveitados no domínio clínico, o que indicia o desfavorecimento ancestral desta espe-cialidade e das necessidades dos doentes mentais. Quem conhecer a história da saúde mental em Portu-gal também pode entender estas carência de profis-sionais por outros ângulos. A estagnação prolongada com atávico isolamento da evolução entretanto ocor-rida na saúde, o estigma remanescente, a degradação das instituições, contribuíram para que este domínio de intervenção clínica se tornasse pouco aliciante. A constituição de privilégios pessoais decorrentes do funcionamento em instituições totais também obsta-culiza a mudança e a renovação quanto a recursos humanos. As polémicas quanto à filosofia de cuida-dos e modelos de organização cuida-dos serviços e a longa indefinição estratégica levaram a medidas avulsas paradoxais e ao não controle efectivo do sistema. São exemplos a suspenção temporária da abertura de con-cursos, a eternização dos processos com indefinição na evolução nas carreiras — o que terá facilitado a saída de profissionais para áreas de saúde mais satis-fatórias. Essa inequidade na distribuição aponta para uma carência predominante nos serviços periféricos da Região.

A problemática das barreiras arquitectónicas é com-partilhada com todos os serviços de saúde que adap-taram instalações de diversas origens para esse fim. A reflexão quanto aos objectivos gira em torno da sua adequação e concretização. Visa-se o desenvolvi-mento, implementação e teste de um método que per-mita apoiar os serviços na prossecução da qualidade, ao permitir o diagnóstico das áreas a melhorar. Con-sidera-se ser um objectivo contemporaneamente subscrito no domínio da saúde e que foi atingido, apesar de se terem definido limiares de muito baixa exigência e não se terem contemplado muitos outros indicadores, quer de instalações, quer de equipa-mento, quer de variedade de pessoal nas equipas, que configuram os modernos serviços de psiquiatria na Europa.

Satisfez-se a pretensão de fazer a colheita de infor-mação sobre o estado actual dos serviços, o que é básico em termos de planeamento. Ademais, proce-deu-se à retransmissão local dessa informação, o que é duplamente útil e pedagógico.

Reforçar a visibilidade das necessidades relativas à saúde mental nas organizações — «dar voz à saúde mental» — é um objectivo técnico (reconhecem-se necessidades de actualização neste domínio) e ético

(contrariar a discriminação de que este sector tem sido alvo). O objectivo foi atingido. Em algumas organizações hospitalares já se avançou com obras de correcção, reposição de equipamentos diagnosticados como em falta e reflexão interna sobre a necessidade de implementação da qualidade.

Sublinhar a dimensão da qualidade como processo inacabado e parte decisiva da agenda das organiza-ções de saúde é outro dos intuitos equacionados e que se pondera ter sido parcialmente atingido em termos de sensibilização.

5. Recomendações

A avaliação de serviços tem de progressivamente vir a ser entendida como «rotina» indispensável à cons-trução de boas práticas, ao melhorar dos resultados da actividade e à satisfação dos utentes e dos presta-dores de cuidados. Há que desenvolver uma pedago-gia de acompanhamento nesta matéria, de forma a atenuar as representações persecutórias de controle e punição.

É decisiva a interiorização do conceito de avaliação, como instrumento de planeamento, sendo o conceito--chave de implementação da qualidade o de mudança para melhor.

É fundamental o conhecimento e a competência na promoção da garantia de qualidade. As organizações formais de educação, os centros de formação internos aos hospitais e as próprias equipas profissionais devem assumir responsabilidades quanto à satisfação das necessidades de aprendizagem neste domínio. A informação apropriada é decisiva à adequada nego-ciação com as administrações e com todos os respon-sáveis pelas condições estruturais. E é fundamental ao empowerment dos utentes, que se deseja que tenham um comportamento pró-activo.

Para obviar as dificuldades descritas relativas à meto-dologia, e para a motivação e envolvimento dos pro-fissionais e utentes, seria vital a auto-avaliação con-tinuada e permanente nas organizações/serviços, sugerindo-se a constituição de círculos de qualidade nos serviços de saúde mental.

Em termos de desenvolvimento e de progressiva aproximação aos padrões europeus, há que rever lon-gitudinalmente o guião, introduzindo um maior grau de exigência e novos critérios, à medida que os muito básicos, neste contemplados, vão sendo satisfeitos. Há algo, já hoje fundamental à prestação de cuidados de psiquiatria, que é a multiprofissionalidade das equipas. O que se apurou é que nem os recursos mínimos existem generalizadamente. Há défice acen-tuado em todos os sectores profissionais, sendo menor para os auxiliares. Muitos esforços há que

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desenvolver para ultrapassar estas carências e muito há que progredir até chegar a situações de «con-forto», quando se puder contar com psicólogos, psicomotricistas, psicopedagogos, entre outros. Sugere-se que se ponderem formas de atenuar pro-gressivamente as barreiras de ordem arquitectónica e de cuidar da dignificação e humanização dos espaços vocacionados para actividades de saúde, este último factor de particular relevância na saúde mental. Afigura-se como urgente a melhoria da estrutura dos serviços de internamento psiquiátrico. As necessida-des são muitas e elementares, por comparação com outros países europeus e mesmo relativamente a outras áreas da saúde em Portugal, pelo que há que sensibilizar quem decide quanto à priorização da saúde mental no contexto geral da saúde.

Agradecimentos

Agradece-se a colaboração de todos os serviços, profissio-nais, utentes e familiares incluídos, que acolheram e parti-ciparam nesta avaliação. Há que nomear todos os co-ava-liadores que acompanharam o processo e o tornaram possível, reconhecendo publicamente o seu mérito: Dr. Pedro Varandas, Prof. Doutor Sampaio Faria, Dr.a Inês S.

Dias, Dr. António Gamito, Enf.a Isabel Morais, Enf.a Teresa

Lemos, Dr.a Margarida Jordão e Enf.o Fernando Moreira.

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GRAWITZ, M. — Méthodes des sciences sociales. Paris: Dalloz, 1990.

MATTSON, M. — Manual of psychiatry quality assurance. Washington: American Psychiatric Association, 1992.

PORTUGAL. ARSLVT — Estratégia de saúde regional. Plano de acção para 1998. Lisboa: ARSLVT, 1998.

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VANEY, L. — La methode PASS : analyse de programmes pour les systémes de services. Rennes: ENSP, 1988.

WILSON, L., e GOLDSCHMIDT, P. — Quality management in health care. New York: McGraw Hill, 1995.

Summary

INPATIENT PSYCHIATRIC SERVICES IN THE LISBON AREA : A QUALITY EVALUATION

Research on psychiatric quality assurance is discussed as a contemporary duty.

The first Portuguese approach on this subject in Lisbon and Tagus Valley Health region is presented.

The goal of this study was to develop a methodology, criteria, standards, and guidelines to assist psychiatric organisations in quality assurance, as well as to collect information on actual real situation and to advocate for specific needs of mental health inpatient services.

Results point to failure of an adequate quality or minor satisfaction in terms of inpatient services structure.

Major problems identified refer to lack of personal and poor therapeutic team variety. It is possible to identify urgent specific needs for occupational therapists and social service professionals. Also unsatisfactory are WC facilities and existing architectural barriers.

Other data report as most favourable in structure, although not totally appropriated, the quality of educational facilities, physical integration of the hospital to which access is easy, quantity of unskilled staff allocated to psychiatric wards, local hygiene and the existing staff working during night periods.

According to the results recommendations are outlined. The need to perform, in a regular basis, quality evaluations and reviews is emphasied.

The conceptual framework of the assessment — the normalisation principle — is addressed to justify the priority of an health action to support the significant and specific yet non responded needs of psychiatric inpatients.

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ANEXO

GUIÃO QSIP 98

QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE INTERNAMENTO PSIQUIÁTRICO Grupo Coordenador da Saúde Mental da ARSLVT

INDICADORES E CRITÉRIOS DE QUALIDADE

São adequados à função e têm as dimensões apro-priadas. Salas, gabinetes médicos de enfermagem e de terapias asseguram a privacidade. O mesmo espaço poderá servir vários fins assistenciais, mas não ao mesmo tempo. Deverá também considerar-se a adequação das condições ambientais (paredes lim-pas sem manchas de humidade, boa iluminação, condições acústicas, conforto térmico e físico) e o mobiliário com boa manutenção e adequado à fun-ção. 6. Espaços de formação Muito bom Bom Sofrível Mau

São adequados à função e têm as dimensões apro-priadas. Salas de reunião, bibliotecas, asseguram as condições ao desenvolvimento da função para que são designadas. O mesmo espaço poderá servir vários fins formativos, mas não ao mesmo tempo. Terá de ter o equipamento imprescindível à função (monografias actuais, periódicos actualizados, infor-mação organizada e facilmente acessível, informa-tizada de preferência, instrumentos áudio-visuais básicos — retroprojector, vídeo). Deverá também considerar-se a adequação das condições ambientais (paredes limpas sem manchas de humidade, boa ilu-minação, condições acústicas, conforto térmico e físico) e o mobiliário com boa manutenção e ade-quado à função. 7. Sanitários Muito bom Bom Sofrível Mau

Número de casas de banho em relação a camas ade-quado de 1 para 2-5. Têm provisão adequada de toa-lhas, papel higiénico, sabão. Têm espelhos. Retrete, duche, lavatórios, em bom estado de funcionamento. O equipamento não constitui risco para os interna-dos. Indicadores de estrutura 1. Integração física Muito bom Bom Sofrível Mau

Proximidade regional (acessibilidade máxima para a população abrangida, localização central); proximi-dade local (pressupõe a possibiliproximi-dade de interacções com a população vizinha local); comodidade e rapi-dez de deslocação ao serviço (transportes públicos, vias de acesso); proximidade e acessibilidade aos recursos comunitários.

2. Estado do edifício e envolventes

Muito bom Bom Sofrível Mau

Conservado; ano da última pintura do local < 5 anos; portas e janelas sem deficiências de abertura; cuida-dos de embelezamento; higiene e embelezamento exterior.

3. Número de camas por enfermaria

Adequado: 2-4 Não adequado: ≥ 5 4. Enfermarias Muito bom Bom Sofrível Mau

Dimensões adequadas, paredes limpas, iluminadas, protegidas contra ruído, conforto térmico e físico. Equipamento essencial: cama, mesinha de cabeceira e armário individual adequadamente mantidos.

5. Espaços terapêuticos

Muito bom Bom Sofrível Mau

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8. Espaços sociais e recreativos: salas de estar, refeições, visitas, espaço envolvente, campos de jogos, etc.

Muito bom Bom Sofrível Mau

Referem-se tanto ao interior como ao exterior. São em número suficiente, com o equipamento apro-priado ao fim a que se destinam (mesas e cadeiras, material de entretenimento, campos de jogos, privaci-dade para receber visitas).

9. Condições de higiene do local, incluindo sani-tários e cozinhas/copas

Muito bom Bom Sofrível Mau

Sem odores desagradáveis; superficies polidas; ausência de detritos.

10. Serviços de limpeza

Adequado Inadequado

Deverá ser de 100% e diário.

11. Ausência de barreiras arquitéctonicas relevan-tes (escadas, inacessibilidades para deficienrelevan-tes físicos)

Adequado Inadequado

Ausência de barreiras relevantes para deficientes.

12. Psiquiatras

Suficiente Insuficiente

No mínimo, há o equivalente a 1 psiquiatra a tempo completo por cada 10 camas de agudos e 1 psiquiatra a tempo completo por cada 45 camas de crónicos.

13. Enfermeiros

Suficiente Insuficiente

No mínimo, há 1 enfermeiro a tempo completo por cada 2 camas de agudos e 9 para 30 camas de crónicos.

14. Auxiliares de enfermaria

Suficiente Insuficiente

No mínimo, o serviço tem 6 auxiliares de enfermaria a tempo completo por cada 30 camas.

15. Terapeuta ocupacional

Suficiente Insuficiente

No mínimo, há 1 terapeuta ocupacional a tempo completo para cada 30 doentes.

16. Serviço social

Suficiente Insuficiente

No mínimo, há 1 técnico de serviço social a tempo completo para cada 30 camas de agudos e 1 para 45 camas de crónicos.

17. Internistas

Suficiente Insuficiente

No mínimo, há apoio de internista sempre que neces-sário e com intervenção em tempo útil.

18. Técnico/doente-noite

Suficiente Insuficiente

A razão prestador de cuidados/doente internado durante o período noturno é, no mínimo, de 2 por cada 30 internados, sendo um dos técnicos obrigato-riamente enfermeiro.

Avaliação global da estrutura

Muito boa/perfeitamente adequada — são satisfeitas (Bom/Muito bom ou Suficiente/Adequado) todas as

condições designadas.

Boa/adequação aceitável — não é satisfeita uma das

condições supracitadas, mas essa situação respeita ao conforto e não prejudica o tratamento.

Sofrível/inadequada — não são satisfeitas várias das

condições supracitadas mas essa situação não preju-dica seriamente o tratamento. Há que corrigir a situa-ção.

Má/gravemente inadequada — não são satisfeitas a maior parte das condições supracitadas ou a(s)

deficiência(s) encontrada(s) traduz(em)-se no pre-juízo grave do tratamento.

Correcção muito urgente ou procura de alternativas, dado que a estrutura actual é inadequada para a fun-ção.

Imagem

Figura 12 Barreiras arquitectónicas Figura 13 Número de psiquiatras Figura 14 Número de enfermeiros 42% Adequado58%Não adequado42%Não adequado58%Adequado 50% Não adequado 50% Adequado Figura 16

Referências

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