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Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua (1589-1655) percurso biográfico e político na monarquia hispânica

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Moderna e dos Descobrimentos, realizada sob a

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Ao Pedro, à Teresa e ao Francisco.

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AGRADECIMENTOS

Para a concretização deste trabalho foi fundamental todo o apoio do Professor Doutor Pedro Cardim, a quem agradeço por me ter apresentado, ainda durante a Licenciatura, o fascinante mundo dos Reservados da Biblioteca Nacional, bem como por ter acolhido o projeto e conduzido a pesquisa de forma a lograr os objetivos gizados.

Agradeço também a vários Professores o interesse manifestado pela minha pesquisa e a amabilidade com que se disponibilizaram a partilhar os seus conhecimentos:

Professor Doutor Jean-Frédéric Schaub, que me indicou as fontes essenciais para pesquisa;

Professora Doutora Blythe Alice Raviola, que prontamente cedeu os seus trabalhos sobre a Duquesa de Mântua;

Professor Doutor Rafael Valladares, pela indicação de fundos documentais e sugestões de pesquisa;

Professora Doutora Laura Oliván, que me enviou uma completa e atualizada bibliografia sobre Mulheres e Poder na Idade Moderna;

Agradeço também aos Professores Doutores Fernando Bouza Álvarez e Gaetano Sabatini a indicação de fundos documentais.

Ao Professor Doutor Bernardo Vasconcelos e Sousa agradeço a constante disponibilidade e simpatia com que sempre me incentivou a dedicar-me ao estudo da História.

Agradeço ainda às minhas amigas e colegas Cátia Mourão e Sandra Neves Silva, que me entusiasmaram para a realização do Mestrado.

Este projeto só foi possível graças à minha Família, que tem proporcionado o tempo, espaço e silêncio que necessito para me concentrar e escrever.

Agradeço em especial à minha Mãe, pela leitura do texto e ajuda na correção do Português e à Marta, que formatou o documento.

E, claro, ao Pedro por, uma vez mais, ter acarinhado os meus planos, possibilitando e facilitando a sua conciliação com o nosso projeto de vida.

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MARGARIDA DE SABOIA, DUQUESA DE MÂNTUA (1589-1655) PERCURSO BIOGRÁFICO E POLÍTICO NA MONARQUIA HISPÂNICA

JOANA ISABEL PACHECO DA COSTA BASTOS BOUZA SERRANO

PALAVRAS-CHAVE: Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua; Portugal na Monarquia Hispânica; Vice-reinado; Poder feminino

RESUMO

Este trabalho aborda o vice-reinado de Margarida de Mântua em Portugal, integrando-o num percursintegrando-o biintegrando-ográficintegrando-o e pintegrando-olíticintegrando-o vividintegrando-o sintegrando-ob a influência da Mintegrando-onarquia dintegrando-os Habsburgo. Princesa de Saboia pelo nascimento e duquesa de Mântua pelo casamento, sempre privilegiou e cultivou a identidade com a linhagem materna, atuando como fiel aliada política do seu primo Filipe IV.

A princesa Margarida foi nomeada para o exercício de um vice-reinado de sangue no cenário de crise da Monarquia Hispânica em Portugal que antecederia a Restauração de 1640.

Deparou-se com um contexto de tensão militar com outras potências coloniais, marcado pela transformação das instituições políticas e da fiscalidade e pela agitação popular.

Na análise das questões fundamentais que marcaram o vice-reinado, a avaliação da intervenção governativa da princesa Margarida é frequentemente limitada pelo preconceito de género, inerente à mentalidade da época, que percorre as fontes literárias e documentais.

Descrita pelos seus contemporâneos como altiva e orgulhosa, Margarida de Mântua revelou-se determinada nas suas decisões e persistente nos seus objetivos.

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MARGHERITA OF SAVOY, DUCHESS OF MANTUA (1589-1655)

BIOGRAPHICAL AND POLITICAL COURSE IN THE CONTEXT OF HISPANIC MONARCHY

JOANA ISABEL PACHECO DA COSTA BASTOS BOUZA SERRANO

KEYWORDS: Margherita of Savoy, Duchess of Mantua; Hispanic Monarchy in Portugal; Viceroyalty; Feminine power

ABSTRACT

This paper addresses the Viceroyalty of Margherita of Mantua in Portugal, aiming to integrate it in her biographical and political course under the influence of the Habsburg Monarchy.

Margherita was born princess of Savoy and became duchess of Mantua by her marriage, but always privileged and cultivated the identity with the maternal lineage, acting as a faithful ally of her cousin Philip IV of Spain.

She was nominated Vice-Queen of Portugal during the crisis of the Hispanic Monarchy. The kingdom of Portugal was facing a context of military tension with other colonial powers, marked by the transformation of political institutions, heavy taxation and popular revolt, that led to the restoration of 1640.

In the analysis of the fundamental issues that marked Margherita’s viceroyalty, the evaluation of her government intervention is often limited by gender prejudice, inherent of the mentality of the Age, as seen in literary and documental sources. Described by her contemporaries as arrogant and proud, the Princess proved to be determined and persistent in her decisions and goals.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 1

1. DE PRINCESA DE SABOIA A DUQUESA DE MÂNTUA: CONTEXTO FAMILIAR E INTERVENÇÃO POLÍTICA E DIPLOMÁTICA EM ITÁLIA ... 7

2. A VICE-RAINHA DE PORTUGAL ... 14

Portugal na Monarquia Hispânica ... 14

A instituição vice-reinal em Portugal... 16

A nomeação de Margarida de Sabóia: um vice-reinado de sangue ... 18

A viagem até Lisboa ... 24

O regimento e a instrução secreta ... 29

Corte, comitiva e casa da vice-rainha ... 33

3. O GOVERNO DA PRINCESA MARGARIDA ... 42

Principais instituições e interlocutores ... 42

A defesa do reino e do império ... 45

A armada do Brasil ... 45

A defesa do litoral ... 49

A reforma fiscal e as revoltas populares ... 54

A intervenção do clero e a questão do colector apostólico ... 57

A reação do governo... 61

O conflito com o marquês de la Puebla ... 64

O pedido de resignação da Princesa no contexto da reformulação do governo de Portugal ... 75

O Governador Geral das Armas de Portugal ... 78

4. O RETORNO À CORTE DE MADRID ... 86

O 1º de Dezembro de 1640 ... 86

A conspiração contra D. João IV ... 96

O regresso a Castela ... 99

Os últimos anos ... 105

(7)

FONTES MANUSCRITAS ... 116 FONTES IMPRESSAS ... 117 BIBLIOGRAFIA ... 121 ANEXO 1 ... I ANEXO 2 ... II ANEXO 3 ... III ANEXO 4 ... IV ANEXO 5 ... V ANEXO 6 ... VI ANEXO 7 ... VII ANEXO 8 ... VIII

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LISTA DE ABREVIATURAS

AGS - Archivo General de Simancas

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo AHU - Arquivo Histórico Ultramarino

BA - Biblioteca da Ajuda

BNM - Biblioteca Nacional de Espanha BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa BPE - Biblioteca Pública de Évora

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1 INTRODUÇÃO

Na edição de 1678 da Historia General de España, a “Sereníssima Senhora Princesa Margarida, Duquesa de Mântua, filha da Senhora Infanta Catarina de Áustria, que o foi de Filipe II, e de Emanuel Filiberto, Duque de Saboya”, é descrita como “Princesa em verdade grande,” “experimentada em várias línguas,” que sempre procurou a “exaltação do seu sangue” e que “com poucos admitiu igualdade.” Esta breve nota biográfica que acompanha a notícia da morte de Margarida de Sabóia não poderia deixar de mencionar a nomeação para “o Governo de Portugal, y su India”, os quais “governou com prudência, e afabilidade.”1

Pouco unânimes são, porém, tanto o debate em torno dos motivos e objetivos desta nomeação, como os juízos relativamente ao modo como foi exercido o cargo de vice-rainha de Portugal por parte da princesa italiana, que seria surpreendida em Lisboa pelos acontecimentos do 1º de dezembro de 1640.

O impacto da secessão de Portugal, agravando a crise da Monarquia Hispânica, daria origem a diferentes leituras e interpretações dos acontecimentos, posicionando os seus intervenientes de acordo com o intuito de cada uma das versões.

Margarida de Sabóia, duquesa viúva de Mântua, prima de Filipe IV de Espanha, surge tradicionalmente nos relatos como agente das políticas castelhanas que conduziram à revolta de Portugal:

«Puseram por Vice Rey a duquesa de Mantua, estrangeira, e que não era parenta do rey no grao que se requeria para tal governo; puseram-lhe collateraes e conselheiros estrangeiros, que não se doessem de nós dependentes, para que sugeitassem seus votos.»2

É recorrente a ideia de que a sua ação governativa seria orquestrada, desde Madrid, pelo ministro Olivares e coartada, em Lisboa, pelo seu conselheiro, o marquês de la Puebla, e pelo secretário Miguel de Vasconcelos.

O historiador oitocentista Rebelo da Silva discorre do seguinte modo sobre a nomeação da princesa:

«Margarida provára espirito firme e constante na adversidade, e prudencia na direcção dos negocios. Era bisneta da imperatriz D. Izabel, irmã de D. João III, e

1

Historia General de España…, p. 737.

2

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2 como dama e dependente da casa de Austria esperava-se que deixasse todas as portas abertas ao arbitrio de Olivares, e á prepotencia dos validos do valido.»3

A autoridade da princesa seria, desde o início, limitada pelo marquês de la Puebla, D. Francisco Dávila y Guzmán, o “valido” que lhe fora imposto por Madrid:4

«quando a Princesa de Mântua foi nomeada Vice-Rainha de Portugal, o Marquês de la Puebla (...) assistia a todos os conselhos, e estava presente em todos os despachos. A Princesa não podia fazer nada sem o seu conhecimento.»5

As competências do conselheiro seriam excessivamente abrangentes:

«Tenia esta señora por ayo en Lisboa al Marques de la Puebla de Loriana, (...) y sin la voluntad de él no solo no tenia arbitrio para salir de su Palacio, pero ni aún para esparcir los ojos.»6

No entanto, la Puebla viria a ser eclipsado pelo secretário de Estado:

«Miguel de Vasconcelos (...) apoderou-se do ânimo da princeza regente, convertida em instrumento das violencias inspiradas por elle, e aprovadas pela côrte.»7

A vice-rainha,“sogeitando-se totalmente ao arbitrio do Secretario Miguel de Vasconcellos, ordenava sem contradiçaõ, e mandava executar sem dependencia.”8

Noutra versão, mais sensacionalista, encontramos uma vulnerável duquesa de Mântua completamente manipulada pelo secretário:

«Vasconcellos Premier Secretaire, Confident & Favory de Marguerite de Savoye (...) s’étoit arrogé la Souveraine dispensation de toutes choses, ne laissant à la Douchesse de Mantouë que le vain nom de Vice-Reine (...) ; & disposoit de tout sous le nom de la Vice-Reine à sa fantaise, traitant & terminant les plus importants affaires sans lui en faire part (...) ; possedoit seul avec une audace insuportable les bonnes graces de la Vice-Reine sa maîtresse.»9

Numa perspetiva oposta, Manuel de Faria e Sousa relata as divergências entre a princesa e o secretário:

«avia discordias en la Corte de Lisboa, que la Vireyna se quexava mucho de la insolencia y de la fiereza de Vasconcelos, que no podia sufrir que todos los

3

SILVA, 1860, t. III, p.424.

4

LUXÁN, 1988, p. 407, refere que “D. Francisco Dávila y Guzmán sería el Olivares de Lisboa.”

5

Histoire du détrônement d’Alphonse VI Roi du Portugal, p.117.

6

Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 23.

7

SILVA, 1860, t.III, p.428.

8

SOUSA, 1748, liv. VII, p.24.

9

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3 despachos de Madrid viniessen encaminados à el, y no à ella, que aquello era privarla de sua autoridad.» 10

Margarida de Sabóia é aqui descrita como “Princesa de muchos méritos, y capaz para governar el Reyno” cujo “grande entendimiento, y (...) mucha capazidad para governarle” seriam “la causa del menos precio que hazia de ella el primero Ministro del Rey, intimo amigo de Vasconcelos.”11

A bibliografia sobre a duquesa de Mântua inclui uma biografia publicada por Romolo Quazza em 1930, bastante completa e detalhada no que diz respeito a todo o percurso de Margarida de Saboia em Itália, mas parca de informações relativamente ao resto da sua vida na península Ibérica.12

Mais recentemente, Blythe Alice Raviola13

tem dedicado vários estudos à intervenção da princesa no contexto político local e internacional, baseando-se sobretudo em fontes italianas, e destaca que Margarida de Sabóia se considerou sempre uma Infanta, pelo facto de ser filha de Catarina Micaela de Habsburgo e neta de Filipe II de Espanha, colocando-se num plano superior a outras princesas italianas.14

A sua lealdade aos interesses da dinastia Habsburgo viria a ser recompensada com a nomeação para o cargo de vice-rainha de Portugal, o qual lhe permitiria, aos 45 anos, exercer o poder que sempre havia ambicionado.15

A mesma historiadora recorda os traços salientes do carácter desta princesa, em nada inclinado a deixar-se dobrar de maneira passiva pelos acontecimentos, sugerindo que a “têmpera de mulher de poder” de Margarida de Sabóia teria certamente deixado a sua marca na vida política em Portugal.16

Vários aspetos da intervenção governativa da duquesa de Mântua têm sido mencionados pelos historiadores que se debruçam sobre a Monarquia Hispânica em Portugal. 10 SOUSA, 1730, p.375. 11 SOUSA, 1730, p. 375. 12 QUAZZA, 1930. 13

Agradeço à Professora Blythe Alice Raviola por me ter disponibilizado os seus trabalhos, aos quais, de outro modo, dificilmente teria tido acesso, e que forneceram informações extremamente úteis.

14 RAVIOLA, 2008, p.333. 15 RAVIOLA, 2013, pp. 47- 48 e 61. 16 RAVIOLA, 2012, pp. 135 e 161.

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4 António de Oliveira, para além das referências nas suas obras sobre o poder, oposição política e movimentos sociais,17

dedica várias páginas da biografia de Filipe III àquela que governava “em vez do rei de Portugal.”18

Jean-Frédéric Schaub estuda o governo de Portugal no tempo do conde-duque de Olivares,19 que corresponde a um momento de crise do sistema, acentuada pelo

reforço do envolvimento na guerra dos 30 anos e pelas perdas sofridas pelo império colonial português entre 1621 e 1640,20 propondo uma análise da situação portuguesa

na confluência de duas grandes problemáticas: por um lado, a autonomia do reino de Portugal no contexto da Monarquia Hispânica; e por outro, a modernização das estruturas políticas.21

Refere que a princesa Margarida, nomeada vice-rainha de Portugal, fora afastada do norte de Itália, onde as suas ambições incomodavam a diplomacia da Monarquia Católica,22

sendo incumbida de uma missão (que deveria estar concluída em dois anos), cujo principal objetivo era a reconquista do Brasil e respetivo financiamento, devendo para tal, conseguir convencer as cidades e vilas portuguesas a aceitar o aumento dos impostos.23

Schaub analisa detalhadamente o conflito de jurisdições no cenário político da corte da duquesa de Mântua e revela que o marquês de la Puebla se referia à princesa de forma insultuosa, descrevendo-a como simples figurante,24

e acusando Miguel de Vasconcelos e Diogo Soares de serem os “verdadeiros reis de Portugal.”25

Ramada Curto chama a atenção para a excessiva tónica colocada, por algumas publicações pós-Restauração, no controlo dos negócios de Portugal por Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos, por excluírem da esfera de influência do processo de tomada de decisões outros nomes relevantes, nomeadamente a princesa Margarida de Mântua.26 17 OLIVEIRA, 1991; OLIVEIRA, 2002. 18 OLIVEIRA, 2005, pp. 286-295. 19 SCHAUB, 2001. 20 SCHAUB, 2001, p.3. 21 SCHAUB, 2001, p.3. 22 SCHAUB, 2001, p.177. 23 SCHAUB, 2001, p. 179. 24 SCHAUB, 2001, p.182. 25

AGS, Estado, 2656 cit. por SCHAUB, 2001, p. 183.

26

(13)

5 Os trabalhos de Fernando Bouza Álvarez são fundamentais para integrar o vice-reinado da duquesa de Mântua no contexto dos três revezes políticos de Olivares no governo de Portugal: o fracasso do socorro militar do Império; a resistência à política conducente a uma maior participação na defesa e geradora de uma fiscalidade mais pesada, que afetava também os grupos privilegiados; e as alterações populares de 1637 e 1638.27 Com o objetivo de que Portugal sufragasse a sua própria defesa, o

conde-duque procurou organizar a fazenda do reino, e seria a oposição dos portugueses à execução das medidas fiscais que levaria o valido a conceber um novo governo para Portugal, com uma maior participação de castelhanos nas estruturas administrativas e governativas, sendo que a reação final a esta política culminaria na secessão do 1º de dezembro.28

Rafael Valladares refere, precisamente, que os anos de governo da duquesa de Mântua representaram o capítulo mais conflituoso do Portugal dos Áustrias e que, embora as revoltas de 1637/1638 tivessem alertado Madrid para a necessidade de concluir o ciclo político da princesa Margarida, dando lugar a outro, mais autoritário, esta permaneceria em Lisboa, debilitando-se a sua gestão a olhos vistos até ao golpe de estado do 1º de dezembro de 1640.29

O presente trabalho aborda o vice-reinado de Margarida de Mântua em Portugal, integrando-o num percurso biográfico e político vivido sob a influência da monarquia dos Habsburgo.

Pretendeu-se contextualizar a nomeação da princesa Margarida para o exercício de um vice-reinado de sangue no cenário de crise da Monarquia Hispânica em Portugal, e analisar as questões fundamentais que marcaram o seu governo, procurando inferir qual teria sido o seu espaço de intervenção em Lisboa, perante a ideia recorrente de umpoder coartado pelo marquês de la Puebla e por Miguel de Vasconcelos.

A documentação arquivística referente ao governo da duquesa de Mântua é variada e abundante, devido à ampla jurisdição que lhe competia enquanto vice-rainha, mas também à complexidade da organização da Monarquia Católica. Deste modo, 27 BOUZA, 2000, p. 229. 28 BOUZA, 1987, pp. 848 e 855. 29

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6 procurou-se privilegiar as fontes que permitissem, de algum modo, perscrutar características de personalidade da princesa, descrita pelos seus contemporâneos como altiva e orgulhosa.

Já no caso dos amplamente estudados relatos da Restauração e da queda do conde-duque de Olivares, o enfoque foi colocado na perspetiva da princesa, destacando-a em relação a outros protagonistas.

A opção por uma abordagem biográfica, preferencialmente cronológica, permite que se abra uma janela sobre o século XVII, tendo em conta que “cada biografia que se pode compor proporciona um conhecimento mais completo da época em que o indivíduo viveu.”30

30

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7 1. DE PRINCESA DE SABOIA A DUQUESA DE MÂNTUA: CONTEXTO FAMILIAR E

INTERVENÇÃO POLÍTICA E DIPLOMÁTICA EM ITÁLIA

A 28 de abril de 1589 nascia Margarida de Saboia, a primeira descendente do sexo feminino de Carlos Manuel, duque de Saboia, e da infanta Catarina Micaela de Habsburgo, filha de Filipe II de Espanha.

Em 1585, Catarina Micaela despedira-se, em lágrimas, do pai, que a casara com um duque, e não com um soberano reinante.31 A infanta passaria a ser duquesa, e não

rainha, como possivelmente teria almejado.

Situação semelhante ocorrera, décadas antes, em Portugal, onde a proposta de casamento do duque Carlos III com a infanta D. Beatriz tinha sido inicialmente recusada. Porém, a importante posição estratégica do ducado de Saboia, localizado entre a França, a Suíça e a Itália,32

garantiam à família ducal um lugar de eleição no jogo matrimonial europeu, embora se tratasse de uma dinastia menos poderosa.33

Apesar da morte precoce de Catarina Micaela, aos trinta anos, na sequência do décimo parto,34

os seus filhos conservariam durante toda a vida as características da educação espanhola, que conduziria, no caso de Margarida, a uma ilimitada admiração pelos Habsburgo de Espanha.35

Margarida, que tinha apenas oito anos quando perdeu a mãe, foi educada num ambiente austero, marcado pelas práticas religiosas, tendo estudado latim, francês e espanhol, para além do italiano.36

O forte carácter da princesa e a sua precocidade intelectual levariam o duque de Saboia a nomeá-la regente, quando acompanhou a Nice os primeiros três filhos que partiam para Espanha, onde iriam ser educados. Nesta ocasião, o duque conferiu

31 BOUZA, 2005, p. 24. 32 COSTA, 2005, p. 252. 33 POUTRIN E SCHAUB, 2007, pp. 30-31. 34 BENASSAR, 2007, p.148. 35 RAVIOLA, 2012, p. 136. 36 QUAZZA, 1930, p.4.

(16)

8 plenos poderes à jovem de catorze anos, reconhecendo que reunia o sangue, a prudência e as qualidades necessárias à governação.37

Nos retratos da sua infância e adolescência38

a princesa é representada com coroas de flores, aludindo ao seu provável destino régio.39 Tal como a maioria das princesas

europeias, Margarida estava destinada a deixar a família para viver numa corte estrangeira, onde a sua presença poderia contribuir para consolidar as relações entre duas famílias dinásticas e dois Estados.40

Tratando-se da mais velha entre as irmãs, Margarida seria, do ponto de vista das estratégias matrimoniais, um partido interessante para selar um pacto ou aliança.41

No início do século XVII a península Itálica constituía um cenário secundário do conflito entre Espanha e França,42

pelo que o destino de Margarida de Saboia poderia ter passado por um destes reinos, ou até mesmo pelo trono imperial.43

Por outro lado, as ligações familiares poderiam ser úteis para resolver os numerosos conflitos territoriais entre os estados italianos. Deste modo, Carlos Manuel ponderou o casamento da filha com o herdeiro do ducado de Mântua, com o intuito de alargar os territórios saboianos e lançar as bases de uma estreita teia de acordos e interesses familiares e políticos entre os príncipes italianos.44

As negociações com Mântua foram condicionadas por um hipotético casamento de Margarida na corte imperial,45

e pelos argumentos do embaixador de Espanha, que temia que este consórcio pudesse fazer perigar a posição espanhola na região, alegando que poderia apresentar-se um partido mais favorável para a neta mais velha de Filipe II.

O casamento de Margarida de Saboia46

com Francisco Gonzaga, filho de Vicente I, duque de Mântua e Monferrato, realizar-se-ia em Turim, em fevereiro de 1608, entre

37

QUAZZA, 1930, pp.10-11. Quazza refere o duque tinha uma certa predileção pela mais velha das suas filhas, que era parecida com ele no carácter, inteligente, desejosa de comando e resoluta nas decisões (p.3). 38 Anexos 1-4. 39 OLIVÁN, 2006, p.40. 40 POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 35. 41 QUAZZA, 1930, p.12. 42 ELLIOTT, 2009, p.81. 43 QUAZZA, 1930, pp. 14-15. 44 QUAZZA, 1930, p.17. 45 QUAZZA, 1930, p.47. 46 Anexo 5.

(17)

9 festejos memoráveis, que celebraram igualmente a união de sua irmã Isabel com Afonso d’Este, duque de Módena.47

A chegada da princesa a Mântua foi também amplamente celebrada, entre um espetáculo preparado por Monteverdi,48 originais banquetes e até a simulação de uma

batalha naval no lago, opondo as armadas turca e cristã.49

No ano seguinte nasceria a a sua primeira filha, Maria e, em 1611, o príncipe Ludovico. A princesa teve a sua primeira experiência de governo no ducado do Monferrato, onde passou alguns meses nos anos de 1609-1610 e novamente em 1611, aproveitando a oportunidade para manter contactos políticos com o ducado paterno e promover as elites de Turim, bem como para patrocinar o culto religioso da sua devoção.50

O ano de 1612 ficaria marcado pela elevação, após a morte do sogro, ao estatuto de duquesa de Mântua, pelo qual seria conhecida até ao final da sua vida, mas de que usufruiria apenas por breves meses uma vez que o marido viria a falecer em dezembro, após a morte do filho, em novembro.51

A falta de um herdeiro direto masculino de Francisco Gonzaga conduziu a uma crise política, pois a princesa Maria, embora excluída pela lei sálica da sucessão de Mântua, tinha direito ao ducado de Monferrato. O duque de Saboia aproveitou a oportunidade para declarar guerra aos Gonzaga, na tentativa de anexar o Monferrato, e Margarida viu-se obrigada a deixar a filha em Mântua, onde seria educada na corte do tio, o duque Fernando Gonzaga, e regressar ao Piemonte.52

Desta forma se verifica que a rede de parentesco, estruturada e hierarquizada, que organizava o poder na Europa, desde as grandes potências aos pequenos principados, nem sempre permitia resolver os conflitos, dando mesmo origem -como seria o caso- a guerras que tinham como motivo os direitos sucessórios das princesas.53

47 RAVIOLA, 2013, p.49. 48 QUAZZA, 1930, p.89. 49 QUAZZA, 1930, pp. 91-92. Anexo 7. 50 RAVIOLA, 2013, p.50. 51

QUAZZA, 1930, pp.129-130. Nesse mesmo ano a princesa deu à luz uma filha, que morreu com poucas horas de vida.

52

RAVIOLA, 2013, p.49.

53

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10 Se o casamento levara Margarida a deixar a casa paterna, a viuvez forçava-a a regressar.54

Independentemente das suas origens sociais, a partir do momento do nascimento, qualquer mulher era definida pela sua relação com um homem – o pai, e depois o marido, eram legalmente responsáveis por ela, e esta devia-lhes honra e obediência. Era, também, economicamente dependente do homem que controlava a sua vida, primeiro o pai, e depois o marido.

A dependência de uma mulher era uma questão minuciosamente negociada através da concessão do dote. As mulheres da aristocracia eram teoricamente senhoras do rendimento garantido pelo dote que levavam consigo para o casamento,55

mas o caso do dote de Margarida de Saboia seria bem mais complicado e arrastar-se-ia até ao final da sua vida: sucedia que Espanha ainda devia ao duque de Saboia uma parte do dote de Catarina Micaela, que deveria ter sido usada para pagar o dote de Margarida que, desta forma, não pôde dispor dos seus bens depois de viúva.56

Depois de o pai ter dispensado as suas damas de Mântua, a princesa não voltou a ter corte própria, passando a viver com as irmãs solteiras, Maria Apolónia e Francisca Catarina57

as quais, como acontecia frequentemente com as mais novas de uma numerosa fratria, permaneceram solteiras e optaram por professar.58

Durante as duas décadas em que permaneceu no Piemonte, a princesa procurou exercer a sua influência de forma indireta, através de uma rede diplomática informal que a mantinha informada dos acontecimentos políticos e das questões familiares.59

A troca epistolar e de presentes, habitual entre as princesas,60

permitiria a Margarida manter o contacto com a filha.

Entretanto, a situação em Mântua viria a complicar-se com a morte, sem sucessores diretos, de ambos os irmãos de Francisco Gonzaga. Vicente II, que sucedera ao duque Fernando, optou por casar a princesa Maria com Carlos de Gonzaga-Nevers, sem que

54

Ch. Klapish-Zuber " La «Mére Cruelle». Maternité, Veuvage et dot dans la Florence des XIV

XVe

siècles", Annales, E. S. C., 38e

Année, nº 5, Septembre-Octobre de 1983, p. 1097 cit. por LOURENÇO, 1999, p.41. 55 HUFTON, 1994, pp.23-25 e 66. 56 RAVIOLA, 2013, p.54. 57 QUAZZA, 1930, p.150. 58 POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 36. 59

PÉREZ CANTÓ e MÓ ROMERO, 2012, p.83.

60

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11 fosse dado o consentimento de Margarida, de Carlos Manuel e do Imperador, e sem que os embaixadores de Saboia e Milão presentes na cidade fossem informados.61

Carlos de Gonzaga-Nevers era o pretendente mais direto à sucessão, mas outros pretendentes reclamavam os seus direitos, se não à totalidade, pelo menos a parte dos territórios. Os príncipes italianos não alcançaram um compromisso que permitisse resolver pacificamente o problema da sucessão e procuraram apoio militar no estrangeiro.62 O interesse das potências europeias pela guerra de sucessão de Mântua

explica-se pela posição estratégica do Monferrato, que fazia fronteira com Milão, território governado por Espanha, e com o Piemonte.63

Deste modo, a França, a Espanha e o Imperador acabariam por envolver-se no conflito,64

que conduziria a quatro anos de guerra e miséria no norte de Itália.65

Com o fim da guerra e a assinatura do tratado de Cherasco, em abril de 1631,66

Margarida de Saboia foi autorizada a juntar-se à filha, que entretanto enviuvara, em Mântua.67

Enquanto viveu com a filha e os dois netos, Margarida não se limitou a questões domésticas e tentou influenciar a política de acordo os interesses de Espanha e do Sacro-Império,68

ao ponto de o rei de França, temendo a sua interferência desestabilizadora, lhe ordenar, em 1633, que abandonasse Mântua.69

Forçada a sair do ducado, a princesa declararia “que si fuera hombre huviera tratado las cosas con la espada en la mano, y no de otra manera.”70

A situação de Margarida levantaria problemas de hospitalidade aos estados vizinhos, que não se queriam comprometer demasiado, nem com a França nem com a Espanha.71

Entretanto, o cardeal-infante D. Fernando, irmão de Filipe IV, que se

61 QUAZZA, 1930, p.174. 62 PARROT, 2000, pp.345-346. 63 ELLIOTT, 2009, p.379. 64 PARROT, 2000, pp.345-346. 65 ELLIOTT, 2009, p.455. 66

Colleccion de los Tratados de Paz, V, p. 457.

67 QUAZZA, 1930, p.184. 68 RAVIOLA, 2013, p.57. 69 RAVIOLA, 2012, p. 139. 70

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita.

71

(20)

12 encontrava em Milão enviou-lhe a Cremona carruagens e duas companhias da sua guarda, que a escoltaram até Pavia.72

Dali, o destino mais provável seria o Piemonte, mas Margarida desmaia, dramaticamente, perante os enviados do cardeal-infante, que tentavam persuadi-la a regressar à terra natal (agora governada pelo irmão, o duque Vítor Amadeu), mostrando-se “con resolucion de no yr mas alla sino fuesse muerta, y que antes se yria mendiga por el mundo con un bordon.”73

A princesa apresentava vários argumentos, como o facto de o irmão não lhe pagar o dote (o qual vinha a reclamar desde que enviuvara) e a fricção com a cunhada, irmã do rei de França, que intercedera junto do monarca em favor da sua ida para Mântua, “con promessa, de que no se seguiria disgusto al Rey su hermano.”74

De Pavia, Margarida envia como emissário a Espanha o padre D. Mansueto Merotti, que entrega a Filipe IV as suas cartas, nas quais descreve o sofrimento por ter sido forçada a sair de Mântua, deixando a única filha e os netos, apresentando como falsos e sem fundamento os pretextos alegados para a sua partida, que teria sido instigada pela fidelidade para com a coroa espanhola:

«la causa por que padecia esta persecucion y havia pasado tanto trabajo que no era sino por tenerme los franceses por parcial servidora dessa corona, y procurado mostrar a mi hija que esto era lo que le conbenia.»75

Em janeiro 1634 reitera esta ideia:

«my inclinacion (...) ha sido siempre y sera de bivir y murir española y asy me llaman y por esto me persiguen.»76

A princesa Margarida pede a proteção do rei no sentido de não ser obrigada a regressar novamente ao Piemonte:

«aunque procuran persuadirme hazerme resolver de ir a Piemonte no pienso hazer resolucion por la qual yo haga este agravio a la bondad y grandeza de V. M.»77

72

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita.

73

AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita.

74

AGS, Estado, 3647, Puntos del tercer papel en los particulares de la Princesa Margarita.

75

AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 14 de outubro de 1633.

76

AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 21 de janeiro de 1634.

77

(21)

13 O Conselho de Estado em Madrid analisa os papéis nos quais a princesa “Suplica a V Mag.d

mande no salga de sus estados, y la reziua bevajo de su Real protection y amparo.” Os conselheiros reconhecem a “impossibilidad que tiene de poder salir aun que el Sr

Infante ha continuado las diligencias para que lo haga.” 78

O Duque de Alba, não vendo “como pueda V Md

. compeler a la Princesa Margarita, a que salga del Estado de Milan, haziendo ella la resistenzia que dize,” e alegando também “la sangre, y parentesco que tiene con V Md

el havella hechado de Mantua a ynstancia de Rey de frança”, considera que “pareze que que es bastante caussa para no desamparalla V Md

.,” colocando “en considerazion a V Md

si seria, aproposito traerla aqui a las descalzas.” 79

Perante a situação, o rei concorda com a necessidade de amparar a prima, concluindo que “la Princesa sin hazer falta a los intereses de su hija podria asistir en otras partes como fuese ocupada dignamente.”80

A ocupação digna para a prima de Filipe IV, fiel defensora dos interesses dinásticos dos Habsburgo, viria a ser o governo do reino de Portugal, integrado na Monarquia Católica pelo avô de ambos.

78

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634.

79

AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634.

80

(22)

14 2. A VICE-RAINHA DE PORTUGAL

Portugal na Monarquia Hispânica

O reino de Portugal fora integrado na Monarquia Católica por Filipe II, em plena crise sucessória provocada pela morte, sem descendência, de D. Sebastião, e após o curto reinado do cardeal D. Henrique.81

Os compromissos assumidos por Filipe II nas cortes de Tomar relativamente à autonomia do reino de Portugal foram sendo progressivamente desrespeitados nos reinados de Filipe III e Filipe IV, devido ao agravamento da situação económica da Monarquia Católica.

Durante o reinado de Filipe IV82

destaca-se politicamente a figura do seu ministro Gaspar de Guzmán, o conde-duque de Olivares,83

que exerce o papel de valido, colocando-se como intermediário entre o rei e os seus conselheiros, juristas, magnatas ou prelados. A sua autoridade torna-se central no dispositivo governamental, na medida em que apenas o valido, com o rei, pode presidir às consultas dos conselhos da monarquia. A amizade que o liga ao monarca situa-o no topo da casa do rei distribuindo cargos e ofícios.84

A afirmação do ministeriato ou valimento afetou o funcionamento da Monarquia Católica, 85

composta por vários reinos e províncias que se aferravam às suas leis e formas de governo próprios, naturalmente ofendidos pela impossibilidade de aceder a um rei que estava ausente. Os portugueses, aragoneses ou catalães não eram estrangeiros, mas sim vassalos do monarca. No entanto, as pressões financeiras e os problemas de defesa levaram Madrid a reconsiderar as relações entre as diversas partes que constituíam a Monarquia.86

Uma questão premente no reinado de Filipe IV era relativa a quem deveria encarregar-se da defesa militar de Portugal e do encarregar-seu império, e quem deveria arcar com os pesados custos dessa defesa. De acordo com os estatutos de Tomar, seria 81 BOUZA , 1987. 82 OLIVEIRA, 2005. 83 ELLIOTT, 2009. 84 SCHAUB, 2001, p.22. 85 SCHAUB, 2001, p.22. 86 ELLIOTT, 2009, pp. 228-229.

(23)

15 responsabilidade do conjunto da Monarquia Hispânica, mas Olivares considera que “cada reino deve acudir ao sustento de seu rei e à defesa própria dos seus términos.”87

Sendo assim, a política do valido passava por introduzir progressivamente o reino de Portugal numa União de Armas, partindo do pressuposto que o esforço de guerra da Monarquia Católica deveria ser suportado por todos os reinos e por todos os grupos sociais, sem que se reconhecessem privilégios particulares.88

Porém, havia que convencer os portugueses a pagar a sua parte, o que não se esperava fácil de um dos “reinos e províncias que tem privilégios e que são por natureza inclinados a sublevações.”89

De acordo com Bouza Álvarez, o plano primitivo do conde-duque não se revestiria, inicialmente, de um carácter político, uma vez que o seu objetivo era unicamente o de estabelecer uma renda fixa anual em Portugal de meio milhão de cruzados para fazer face aos gastos da defesa. No entanto, uma vez que as autoridades locais não lograram a recolha desta renda, ou se negaram abertamente a cobrá-la, decidiu-se recorrer a oficiais oriundos de outras regiões da Monarquia Hispânica.90

Embora não fosse movido por uma intenção “política”, Olivares estava ciente de que os seus planos iam contra os privilégios do reino jurados em 1581 nas Cortes de Tomar,91

uma vez que o seu objetivo pressupunha uma reforma jurisdicional, no sentido em que sobrepunha a autoridade do rei e do seu círculo às jurisdições e prerrogativas particulares de cada território.92

Para controlar a implementação da sua política, Olivares escolheu homens da sua confiança: Diogo Soares, secretário do Conselho de Portugal em Madrid, agia em articulação com o seu sogro e cunhado, Miguel de Vasconcelos, secretário do Conselho de Estado em Lisboa, que aplicava em Portugal a política do conde-duque.93

Para além dos seus subordinados, era necessário pensar num sistema de governo mais eficaz, e Olivares acreditava que os portugueses se conformariam melhor com a situação se fossem governados por um membro da família real.

87

«Memorial da União de Armas» cit. por BOUZA, 1987, p. 853.

88

HESPANHA, 1999-2000.

89

Carta de 13 de dezembro de 1637, cit. por ELLIOTT, 2009, p.576.

90 BOUZA, 1987, p. 849. 91 BOUZA, 1987, p. 849. 92 SCHAUB, 2001, p.3. 93 SCHAUB, 2001, p.23.

(24)

16 Quem governava Portugal como vice-rei em 1633-1634 era D. Luís de Castro, conde de Basto, cujos intentos de recolher dinheiro e homens para a União de Armas, com o principal intuito de recuperar o Brasil, provocaram focos de desordem, levando-o a solicitar a exoneração.94

A instituição vice-reinal em Portugal

Para além da fé, o rei constituía o único elemento unificador na monarquia católica de âmbito mundial,95 no contexto de um estado dinástico96 orientado na direção do

monarca, que concentrava nas suas mãos diferentes formas de poder e recursos materiais e simbólicos (dinheiro, honras, títulos, indulgências, monopólios, etc). Através de uma distribuição seletiva de favores, o rei podia manter relações de dependência ou de reconhecimento pessoal e assim perpetuar-se no poder, ao mesmo tempo que mantinha os seus reinos unidos.97

Numa analogia entre poder paterno e poder do príncipe, o modelo de distribuição de funções dependia da arbitragem do monarca, que administrava os seus reinos como um pater familiae, estabelecendo com os seus servidores relações baseadas na fidelidade.98

Os vice-reis exerciam um papel fundamental na gestão das várias partes da Monarquia Hispânica, na medida em que incorporavam ao seu cargo o nível superior de todas as funções do soberano, no território que eram responsáveis por governar em seu nome.99

Durante a segunda metade do século XVI, o estabelecimento da residência da corte em Madrid e a decisão de governar a partir de uma sede fixa colocou um problema na articulação interna da Monarquia Católica relativamente ao lugar institucional dos vice-reis. Fomentando os vínculos pessoais com os melhores dos seus súbditos, àqueles a quem outorgava responsabilidades e postos de confiança (como eram os vice-reinados), o rei havia estruturado a subordinação dos seus alter ego como uma 94 ELLIOTT, 2009, p.577. 95 ELLIOTT, 2009, p. 215. 96

Referência à denominação de R. J. BONNEY para as monarquias europeias nos séculos XV a XVIII em The European dynastic states, Oxford, 1991, cit. por MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 22.

97

MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 22.

98

MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 24.

99

(25)

17 relação puramente pessoal. Estes cessariam as suas funções no caso de não corresponderem às expectativas neles colocados, sendo que a única limitação à sua autoridade era a consciência de que o rei faria um balanço da sua gestão, gratificando-os se estivesse satisfeito; caso contrário, pediria que renunciassem.100 Esta situação

seria alterada com o estabelecimento do modelo dos Conselhos na Monarquia Católica. Do ponto de vista administrativo, as competências dos conselhos limitaram extraordinariamente o poder dos vice-reis, passando os secretários a constituir os intermediários privilegiados entre o soberano e os vice-reis.101

A sucessão de Portugal permitira à monarquia dos Habsburgo governar o mundo, ao incorporar uma metrópole imperial, com extensão, grau de evolução interna e diversificação administrativa comparáveis à própria coroa de Castela.102

Porém, logo de início, um dos maiores problemas colocados à Monarquia Católica em Portugal foi a questão da ausência do soberano, pela difícil conjunção entre um estado nacional, acostumado a ter o seu próprio rei, e uma estrutura monárquica plural, que privava a maioria dos territórios componentes da presença, sempre reclamada, do monarca.103

Portugal, obrigado a ser um reino de monarca ausente durante o governo dos Habsburgo,104

ficara na saudade do seu rei105

desde a partida de Filipe II, em 1583. A Monarquia dos Habsburgo abrangia um conjunto de domínios que reconheciam um príncipe que não residia neles, mas que tinha idealizado uma série de expedientes que permitiam resolver tal ausência.106

Assim, enquanto retratos e estátuas disseminavam a imagem do rei e suscitavam o amor e respeito dos súbditos,107

foram criados expedientes institucionais para a ausência continuada dos reis: o Conselho de Portugal era a memória do Reino junto do Rei; e os vice-reis ou Governadores eram os alter nos, mais ou menos semelhantes, do monarca no reino.108

100 MARTÍNEZ MILLÁN, 2008, pp. 46-48. 101 MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 38. 102 BOUZA, 2000, p. 113. 103 BOUZA, 1987, p.845. 104 BOUZA, 2000, p. 114. 105 BOUZA, 2000, p.91. 106 BOUZA, 2000, pp. 114-115. 107 BOUZA, 2000, p.115. 108 BOUZA, 2000, p.23.

(26)

18 Deste modo, o objetivo da vice-realeza e do Conselho de Portugal seria matizar a distância que separava o rei dos seus súbditos, numa época em que a presença do monarca junto dos seus vassalos tinha grande importância.109

No entanto, já Filipe II, aquando da nomeação do seu sobrinho, o cardeal arquiduque Alberto, ficara bem ciente que para os Portugueses a ausência de um rei e de uma Corte constituía um vazio que nenhum vice-rei conseguia colmatar plenamente.110

De facto, as medidas tomadas para atenuar a ausência real tiveram um efeito apaziguador bastante limitado em Portugal, que fora cabeça de um grande império transcontinental e dificilmente se conformaria com a posição periférica a que fora sendo remetido.111

A nomeação de Margarida de Sabóia: um vice-reinado de sangue

Os vice-reinados entregues a parentes próximos do rei são denominados governos de sangue.112

Bouza Álvarez descreve “o vice-reinado ou governo de sangue como um mecanismo ao qual a Monarquia Hispânica dos Habsburgo recorreu quando se confrontou com problemas especialmente delicados, em territórios de domínio pouco seguro, como Portugal e a Flandres, os quais contavam com uma organização própria muito desenvolvida e com uma consciência viva da sua própria diferença,”113

destacando que nenhum vice-rei que não fosse príncipe seria bom para o reino de Portugal.114

Por ocasião da visita de Filipe III a Portugal, em 1619, os três estados reunidos nas Cortes solicitaram ao rei que instalasse a corte em Lisboa e residisse permanentemente no reino, uma vez que

«de nenhuma parte tão bem como desta cidade pode vossa Magestade com beneficio mais prompto, mais geral e mais efficas acodir a todo o governo de sua monarchia e a deffensão della e offensaõ de seus inimigos, ao aumento do comercio do mar em grande beneficio de sua real fazenda.» 115

109 SCHAUB, 2001, p.18. 110 VEIGA, 2004, p. 283. 111 CARDIM, 2008, p. 946. 112 BOUZA, 2000, p.120. 113 BOUZA, 2000, p.123. 114 BOUZA, 1987, p.836. 115

«Capitolos que os tres estados propuseram a elRey dom Phelipe o 2º deste nome declarando no fim de todos que em quanto se lhes eles não consedião não houvesee sua majestade as cortes por findas», BNL Sec. Pombalina, Cap. I, fol. 422, cit. por BOUZA, 1987, p.835.

(27)

19 Caso não fosse possível, pediam a mercê de “deixar o Principe nosso senhor para os governar.”116

No «Memorial» de 1624, o conde-duque atribuía o desalento dos portugueses à “falta de assistência real;”117 e em 1628, Duarte Gomez Solís pedia acima de tudo que não

deixasse de haver família real em Portugal, sobretudo um Infante, quando não estivesse o Rei.118

Em 1624 o rei convocou uma junta para debater a hipótese de enviar o arquiduque Carlos de Áustria, seu tio, como vice-rei de Portugal; embora a maioria dos participantes na junta se tivesse mostrado favorável, o rei foi alertado para a possibilidade de o estabelecimento de vice-reinados de sangue poder despoletar antigas pretensões nos domínios periféricos da monarquia, nomeadamente em Aragão.119

Apesar das hesitações, depois de quase quatro décadas de governo de Portugal, optar-se-ia por regressar aos vice-reinados de sangue,120

com a nomeação do irmão de Filipe IV, D. Carlos, para o cargo de vice-rei de Portugal. A morte do infante no ano seguinte obrigaria a adiar esta solução. O outro irmão de Filipe IV, o cardeal infante D. Fernando viria a governar os territórios da Catalunha, Lombardia e Países Baixos.121

Os vice-reinados de sangue eram os que mais se assemelhavam às regências, sendo que na dinastia Habsburgo se encontram antecedentes nas regências que Carlos V começou a entregar a membros da sua família, que exerciam o governo em seu nome nos domínios onde o rei não podia residir.122

Encontram-se entre estes vários exemplos de mulheres: em Castela, a imperatriz D. Isabel e a infanta D. Joana; nos Países Baixos, Margarida de Áustria, Maria da Hungria, e a infanta Isabel Clara Eugénia,

116

«Capitolos que os tres estados propuseram a elRey dom Phelipe o 2º deste nome declarando no fim de todos que em quanto se lhes eles não consedião não houvesee sua majestade as cortes por findas», B.N.L. Sec. Pombalina, Cap. I, fol. 422, cit. por BOUZA, 1987, p.835.

117

BOUZA, 1987, p. 840.

118

Alegación en fauor de la Compañia de la India Oriental y comercios vltramarinos que de nueuo se instituyó en el reyno de Portugal por Duarte Gomez Solis, s.l., s.n., 1628, cit. por CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.39. 119 BOUZA, 1987, p.841. 120 BOUZA, 1987, p.857. 121 BOUZA, 1987, p.842. 122 BOUZA, 2000, p.120.

(28)

20 tia da princesa Margarida, casada com o arquiduque Alberto, que fora primeiro vice-rei do Portugal Habsburgo.123

D. Francisco Manuel de Melo, partidário declarado do rei D. João IV,124

procura, na sua Epanáfora Política, explicar a “inesperada eleição, que se fez em Margarida, para o gouerno de Portugal,”125 começando por recordar a ascendência portuguesa da

princesa:

«ElRey D. Felipe segundo de Castella, teue entre outros filhos a Infanta D. Catherina, que casou com Carlos Emanuel Duque de Saboya. De quem tambem entre os mais Principes, nasceo Margarida, mulher de Vicencio Gonzaga, terceiro Duque de Mantua, & Monferrato.»126

Descreve em seguida os conflitos que haviam conduzido às “memoraueis guerras, que em nossos dias oprimiraõ Italia, assi em Mantua, como no Monferrato,” explicando que “foraõ varios os sucessos, até que vltimamente, conuertida a fortuna contra a viuua Duqueza Margarita tutora, conselheira da filha, & netos (que já tinha) as cousas se dispuseraõ de tal sorte, que esta fatal Princeza houue de sahir em espaço de duas horas, desterrada dos termos de Mantua, & Monferrato por ordem de seus opressores, recebendo leys, donde quasi toda a vida as hauia dado.”127

Forçada a exilar-se, a Princesa “passou cercada de perigos, a Cremona; de alli a Milaõ, & de Milaõ a Pauia”128

de onde estabeleceu correspondência regular com o rei de Espanha.

Coincidiu então que, como relata Francisco Manuel de Melo:

«a hum mesmo tempo se recebião na Corte Castelhana as cartas de Margarida, vindas de Italia, & as queixas dos Ministros confidentes, fundadas na impossibilidade do Reyno; (...) donde os mais interessados julgavão, que se Portugal se gouernasse por pessoas de todo independente do Reyno, à vontade delRey, & Valido, seria facilmente introduzida.»129

123

BOUZA, 2000, pp.120-121.

124

Dicionário de Literatura, II, p.619.

125

MELO, 1660, p. 19.

126

MELO, 1660, pp.15-16. D. Francisco Manuel de Melo nomeia de forma incorreta o cônjuge da princesa. 127 MELO, 1660, p. 16. 128 MELO, 1660, p. 16. 129 MELO, 1660, p. 17.

(29)

21 Por essa altura, D. Francisco Manuel de Melo refere que se discutia em Madrid “quaes serião em Castella os sugeitos mais a proposito de se lhe encarregar nosso gouerno,” apontando-se como forte candidato “D. Frãcisco de Borja, Principe de Esquilache, Conde de Mayalde: fora jà Visorrey de todas as Indias Occidentaes, por espaço de doze anos, que gouernàra mais apraziuel, que prudente. Achauase desocupado na Corte, & concorrião em sua pessoas algumas calidades, que parece o farião tolerauel a Portugal; sendo o Principe, filho, & neto de Portuguezes, herdado no Reyno, & Fidalgo nelle.”130

Mas, como menciona a Epanáfora Política, não convinha a todas as fações que o príncipe de Esquilache, para “alèm de ser homem sábio, & grãde” fosse “irmão do Duque de Villa-fermosa, Presidente do Conselho de Portugal, cõ quem naõ podia deixar de estreitarse de sorte, que a todos os outros Ministros lhes ficasse pequena, & humilde parte das materias, que dispor.”131

Sendo assim, continua D. Francisco Manuel de Melo:

«achauase por esta causa, enfraquecido o discurso que aprouaua a eleição do Principe de Esquilache, quãdo foraõ recebidas as mais vrgentes cartas de Pauia, pellas quaes Margarida pedia o trânsito a Espanha.»132

De acordo com o mesmo texto, seria o próprio “Duque de Villa- fermosa (...) a troco de não ver preferir para o gouerno de Portugal, outra pessoa” que “fizera inculca, ou lembrança da Princeza Margarida.” O duque apresentou vários argumentos para a pertinência da escolha da Princesa, “apontando com grande destreza, que el Rey assi, sem algum dispendio da Coroa castelhana, ficaua recebendo, e sustentãdo a Prima, para que lhe fizesse serviço”; por outro lado “acomodaua em Portugal huma tal Princeza, donde nunca as resoluçoens reaes achassem contradição, nem fauor os interesses particulares do Reyno, & nacionaes; e poderia ir ao encontro “da esquecida pretenção de nossos privilegios (os quaes fóra de pessoa natural, senão estendem mais que a filho, irmão, tio, ou sobrinho dos Reys) bem se contentarião os Portuguezes, de que os mandasse huma neta delRey D. Felipe, que tiuerão por Senhor, bisneta de huma tal Infanta de Portugal, como hauia sido a Emperatris Dona Isabel, mãy de Felipe.”133

130 MELO, 1660, p. 17. 131 MELO, 1660, p. 17. 132 MELO, 1660, p. 17. 133 MELO, 1660, p. 18.

(30)

22 Conclui D. Francisco Manuel de Melo que, para além da oportunidade que Filipe IV teria de agraciar e afastar do conturbado contexto italiano a sua prima, princesa de sangue real, que poderia governar Portugal de forma neutra e em nome do rei, a duquesa viúva de Mântua teria aptidão para exercer o cargo, pois ”tinha mostrado (...) hauer nella hum espiritu constante, para as expedições militares, & hum juizo prudente, para os negocios ciuis.”134

Manuel Severim de Faria,135 no manuscrito da «História Portugueza»,136

justifica a nomeação da princesa pelo facto de “nas Cortes últimas” ter pedido “este reino com instância se lhe desse governador da Casa Real, querendo satisfazer em parte a esta petição, nomeou por governador e capitão general a Senhora Infante de Sabóia dona Margarida sua prima, filha dos duques de Sabóia e duquesa que foi de Mântua.” Blythe Alice Raviola considera que a nomeação para vice-rainha de Portugal não foi casual, nem ditada por especulações internas da corte de Madrid, que também tinha necessidade de um peão mais ou menos neutro para colocar num ponto crítico do seu xadrez europeu, mas sim que terá sido a princesa a conduzir Filipe IV em direção à sua promoção e a propor-se como válido sustentáculo da coroa.137

O vice-reinado de Margarida poderia ser uma estratégia para combater a resistência portuguesa à política fiscal de Olivares e para acabar com a incerteza do domínio da Monarquia Hispânica.138

A expetativa era de que uma pessoa de sangue real, com ascendência portuguesa nas veias, poderia dar a imagem de respeito às leis do Reino e permitiria sair do impasse à política que se procurava aplicar desde 1628.139

Com o envio da princesa Margarida a Lisboa, o rei recorria à solução dos vice-reinados de sangue que o seu avô tinha utilizado na década crucial de 1583 a 1593,140

na esperança de que os portugueses vissem satisfeita a sua saudade com uma figura tão

134

MELO, 1660, p. 19.

135

Notável erudito seiscentista, cónego e chantre na Sé de Évora

http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?idConceito=1045&type=concept.

136

BNP, Cod. 241, fls. 295v-296, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 140.

137 RAVIOLA, 2012, p. 140. 138 BOUZA, 2000, p.125. 139 LUXÁN, 1988, p.405. 140 BOUZA, 2000, p.125.

(31)

23 semelhante ao rei como podia ser uma neta de Filipe II.141 De facto, os vice-reis

considerados inferiores nunca tinham sido aceites e só a semelhança do rei, encarnada na pessoa de uma princesa do seu sangue, parecia capaz de poder consolar os súbditos de um monarca ausente.142

O argumento da proximidade de sangue é invocado na carta régia de 12 de novembro de 1634, dirigida à Câmara de Lisboa:143

«Havendo dezejado que pessoa de meu sangue va a governar Portugal, por ser a de mayor satisfação para esse Reyno, hey nomeado para que seja viso rey e capitão general nelle a a prinçesa Margarita, minha prima, por concorrerem em sua pessoa todas as partes, que se requerem, para esperar muito acerto em seu governo.»

A nomeação da princesa com base na proximidade de parentesco com o rei seria bastante debatida depois do 1º Dezembro de 1640. Este período revelar-se-ia fecundo do ponto de vista da produção literária de teor político, uma vez que era necessário justificar a insurreição, com o objetivo de convencer os hesitantes, conseguir o apoio das grandes potências e incentivar o país para os sacrifícios inerentes à guerra.144

João Salgado de Araújo, que defendeu a causa portuguesa145

na sua obra Marte portugues contra emullaciones castellanas, recorda que, entre as “propuestas inuiadas al Serenissimo Rey Don Phelippe prudente, quando tratô de señorear a Portugal”146

era referido “que vuestra magestad haga Gouernador del Reyno vn pariente suyo, para que los mal afectos se concilien, y los que con afficion se os sugetaren se animen con la presencia, y authoridad de persona Real,”147

sendo que “no auria Virey, que no fuesse Portugues excepto persona Real ermano, tio, o sobrino delRey.” Considera que esta condição não fora cumprida aquando da nomeação da “Duquesa Margarita que salía de priuilegio por el sexo, y exceder el grado de la sangre Real reseruada en el capítulo”,148

ou seja, “no era parienta del Rey dentro del grado, que pedian los priuilegios.”149 141 BOUZA, 2000, p.125. 142 BOUZA, 2000, pp. 125-126. 143

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 88-91.

144 TORGAL, 1978, I, p. 139. 145 TORGAL, 1978, II, pp.819-820 146 ARAÚJO, 1642, p.159. 147 ARAÚJO, 1642, p.161. 148 ARAÚJO, 1642, p.182. 149 ARAÚJO, 1642, p.223.

(32)

24 O Ecco polytico. Responde en Portugal a la voz de Castilla, outro texto que pretendia combater a polémica movida por parte de Espanha contra Portugal,150

refere:

«estavan destinados al govierno Portugues Filiberto de Saboya, Leopoldo de Austria, ultimamente el Infante Don Carlos; todo les era màs agradable a los ministros del Rey Catholico que dexar a los Portugueses governarse por si mesmo, y el año que llegò a España Margarita de Saboya dicen estuvo nombrado por Virrey Don Francisco de Borja, principe de Esquilache con el mesmo pretexto que los passados. Pues en ninguno de los referidos (menos en Alberto) se cumplió el juramento del Rey Catholico.»151

Ou seja, argumentava-se que a vice-realeza de sangue na pessoa da princesa Margarida não cumpria com o definido nos estatutos de Tomar.

Os versos satíricos a propósito da nomeação da princesa deixam transparecer que esta solução ficava aquém das aspirações dos portugueses:

«Portugal Italiana Rainha sem o ser tens, já não vales dous vinténs.»152

A viagem até Lisboa

“La duquesa de Mántua está en España: dicen la enviarán a gobernar á Portugal”.153

A chegada da prima de Filipe IV é assim noticiada numa carta do padre Francisco de Vilches, escrita em Madrid a 26 de setembro de 1634.

Para além das missivas dos sacerdotes jesuítas reunidas no Memorial Histórico español,154

outras fontes permitem seguir o percurso da princesa Margarida na Península Ibérica.

A carta escrita por D. Fernando de Borja relatando a passagem da princesa por Saragoça, entre 18 e 21 de Outubro de 1634, refere que “la visitaron todos los tribunales y consistorios en la conformidad que V Mg.d

mando siguiendo el exemplar de lo que se hiço con sus hermanos” e destaca elogiosamente que “en el amor que muestra al serviçio de V Mg.d

se conoçe ser hija de su Madre.”155

150 TORGAL, 1978, I, p. 139. 151 Ecco polytico..., p.9. 152

BNL, PBA 475 f.361, cit. por CURTO, 2011, p. 282, n. 18.

153

Memorial Historico Español, t. XIII, p.100.

154

Memorial histórico español: colección de documentos, opúsculos y antigüedades que publica la Real Academia de la Historia, Madrid, Real Academia de la Historia, 1863.

155

(33)

25 A princesa foi recebida em Madrid com todo o aparato: “salió al campo á recebirla el Conde-Duque com muchos señores &c. a caballo.”156

Olivares “esteve sempre junto à liteira, conversando com a Sereníssima Infanta com o chapéu na mão, e como a Sereníssima Infanta lhe pedia repetidamente que se cobrisse, assim Sua Excelência encontrava sempre ocasião para estar descoberto, e de tal forma a acompanhou até ao Retiro, onde o rei a esperava”.157

O rei “en una de las hermidas que salen al camino de Alcala espero a la Señora Princesa, que en llegando se le hecho a los pies. Su Mag.d

la lebanto y dio el bien venido llamandola Alteça al principio, y despues de Bos.”158

Seguiram ambos no coche real e, das primeiras conversas que teve com a prima, o rei terá concluído “que era matrona dotada de grande juízo e entendimento.”159

No palácio foi recebida com grandes cortesias pela rainha Isabel de Bourbon, que não fora ao seu encontro por se encontrar em avançado estado de gestação. “Despues la condesa de Olivares la llevó al cuarto que llaman el Tesoro, donde tenian aderezado aposento.”160

A princesa Margarida ficaria assim instalada nos mesmos aposentos onde tinham residido os seus irmãos, mobilados com uma cama decorada de damasco e veludo negro que havia sido do rei seu avô:

«A Infanta (...) foi tratada como a própria pessoa da rainha, a qual, tendo percebido que o robe de quarto da infanta não tinha chegado, enviou-lhe um, recamado a âmbar, entre outras gentilezas»161

.

Em seguida, como sintetiza o sacerdote jesuíta, “haránla fiestas y despacharánla á Portugal.”162

Nos dias em que esteve em Madrid a princesa foi cumprimentar os conselhos e visitou igrejas e conventos, acompanhada de guarda espanhola e tudesca, e com as damas e meninas do seu séquito vestidas à espanhola.163

156

Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.

157

ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, pp. 146-147.

158

BNE, Mss. 2365, Sucesos del Año 1634, f. 139.

159

Matias de Novoa, Historia de Felipe IV, Rey de España, cit. por OLIVEIRA, 2005, p.287.

160

Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.

161

ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 146.

162

Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.

(34)

26 As visitas que o núncio e os embaixadores do Império, de França e de Veneza, para além de alguns dignitários espanhóis, como o cardeal Zapata, lhe fizeram no dia seguinte, reforçavam a sua posição de primeiro plano.164

Na visita que recebeu do embaixador francês, a princesa deixou bem patente a sua animosidade:

«El embajador de Francia fué á besar la mano á la duquesa de Mántua, y ella se espantó mucho, y le dijo que cómo tenia cara para parecer delante del Rey, su señor, sabiendo las cavilaciones y mal término que el rey de Francia hacía: esto contó quien lo oyó.»165

Prepararam-se festejos “en alegria dela venida de la Princesa Margarita, y de los años del Principe,”166

entre os quais se destacou uma magnífica receção no Palácio do Bom Retiro, manifestando “quanta satisfação a Espanha sentia em receber uma tão boa e grande princesa, descendente da falecida e prudentíssima Infanta Catarina, filha do augustíssimo Filipe II.”167

“A la duquesa de Mántua, gobernadora de Portugal, hacen los Reyes exquisitos agasajos,”168

enquanto o Conselho de Estado, procurando agilizar a sua saída até ao reino vizinho, tentava resolver os problemas financeiros da sua viagem.169

Foram destinados “4.000 escudos de ouro para D. Margarida e 2000 para as suas damas. Plata y demaás enseres. Así como tapíceria, silleria, doseles y camas que se tomarían de Portugal.”170

São enviadas ao Conde de Basto instruções com os preparativos que deveria realizar no palácio para que a governadora fosse acomodada em Lisboa, bem como as prevenções para o caminho na ida da princesa:

«a Princesa margarida minha muito prezada e amada senhora prima ha de estar em Elvas ate 14 de dezembro que vem, & assi ordenareis (...) as Camaras e Justiças das cidades, villas, e lugares por onde ha de passar, que a venhão a 163 OLIVEIRA, 2005, p.287. 164 RAVIOLA, 2012, p. 146. 165

Memorial Historico Español, t. XIII, pp. 108-109, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.

166

BNE, Mss. 2365, Sucesos del Año 1634, f. 139v.

167

ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 146.

168

Memorial Historico Español, t. XIII, p.111, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.

169

LUXÁN, 1988, p.405.

170

(35)

27 esperar no principio do lugar a cavallo, e que antes de chegarem à liteira em que vay se apeem e despois de haver feito sua cortezia se tornem a pôr a cavalo, e a vão acompanhando até a casa em que ouver de se aposentar e despois ate o sahir do lugar.»171

A estada em Madrid não seria prolongada: “La de Mantua partió le jueves último de Noviembre; iba por el Escorial; despidióse del Rey com grandes muestras alternas de amor e cariño.”172

Em Portugal, onde chegou no dia 14 de dezembro de 1634, o olissipógrafo oitocentista Eduardo Freire de Oliveira refere que:

«a princeza foi acolhida sem enthusiasmo, antes com bastante frieza e desconfiança, não excedendo as demonstrações de regozijo das manifestações officiaes e obrigatorias. No caminho d’Elvas para a capital, nas cidades e villas por onde passou, receberam-n’a as camaras municipaes e justiças d’esses logares, indo a cavallo esperal-a á chegada, apeando-se e fazendo-lhe a competente venia, tornando a montar a cavallo, acompanhando-a até ás casas em que pernoitou, e depois até á partida.»173

A cidade de Lisboa pediu ao rei instruções sobre o modo como deveria ser recebida a princesa:

«Soubemos a grande mercê que V. Mag.de

, que Deus guarde, era servido fazer a este seu reino, provendo no governo d’elle a princeza Margarida. (...) a tão acertada eleição, será impossivel que se deixem de seguir os bons efeitos que desejamos, e que este reino há mister, conforme ao estado em que se acha; como justamente nos devemos prometer de pessoa, com quem a V. Mag.de

lhe correm tão apertadas razões de parentesco, e por sua grande prudencia e raras virtudes. E assim esperamos sua vinda com grande alvoroço, para lhe mostrarmos o contentamento e satisfação geral que temos de nos vir governar. E porque não quizeramos faltar ou exceder nas demonstrações de alegria e obsequio em seu recebimento, pedimos a V. Mag.de

seja servido mandar-nos advertir, com particularidade, como n’isto devemos proceder, para nos ajustar em tudo com a ordem de V. Mag.de

»174

A resposta do rei seguiu na Carta regia de 14 de dezembro de 1634:

«E no que toca as demostrações, que se devem fazer, como a entrada da prinçesa há de ser pelo Forte [Forte da Victoria, no Terreiro do Paço], ali a

171

BNM, Mss. 2365, Para o Conde Viso Rey sobre as prevenções para o caminho na ida da Princesa, novembro de 1634.

172

Carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 11 de dezembro de 1634 in Memorial Historico Español, t. XIII, p.113.

173

OLIVEIRA, 1888, p. 90.

174

Carta da câmara de Lisboa a el-rei em 23 de novembro de 1634 in Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.92.

(36)

28 deveis ir a esperar com os mais tribunais, como se costuma; e a noite que entrar se porão luminarias pola cidade; e por ella, e polo Terreiro do Paço, se farão as festas e danças ordinarias, e todas as mais demostrações que parecer que não forem custosas.» 175

No dia 23 de dezembro de 1634 a princesa “de Almada se embarcou para Lisboa em um real bergantim que se fez para servir a pessoa de S. A. em semelhantes ocasiões. O tempo era mui chuvoso e ainda assim vieram buscar a S. A. muitos ministros e fidalgos,”176 tendo sido recebida na capital do reino “com todas as formalidades do

estylo, e conduzida debaixo do pallio pelos vereadores, desde o desembarque até ao paço.”177

Para além da receção protocolar, a chegada de Margarida de Saboia a Lisboa apenas foi festejada pela sua comitiva de italianos, que mandaram construir uma pirâmide pirotécnica, sobre a qual se abateu uma tromba de água antes da detonação.178

Os versos laudatórios compostos por ocasião da sua chegada revelavam algumas expetativas perante a mudança de governo:

«Tambem dizem tras poderes para grandes e pequenos

de tal sorte que disen Bento he o fruito todos lhe quererão muito

visto ser grã señora E dirão benta a hora

que nasceo.»179

175

Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.93.

176 BNP, Cod. 241, fl. 296v. in RAVIOLA, 2012, p. 147. 177 OLIVEIRA, 1888, p. 90. 178 SCHAUB, 2001, p.178. 179

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