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A Responsabilidade Dos Administradores Das Sociedades Anônimas Por Débitos Trabalhistas

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Revista da AMDE – ANO – 2016 – VOL. 16

A Responsabilidade Dos Administradores Das Sociedades

Anônimas Por Débitos Trabalhistas

Frederico Yokota Choucair Gomes

1. INTRODUÇÃO

A sociedade anônima (S.A.) tem origem no século XVII1, no contexto das

grandes expedições de comércio provindas da Europa. Para colocar estas expedições em prática era necessário assumir grande risco e arcar com vultosos investimentos que

1 Apontam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (2009, p. 3) que a primeira sociedade por

ações foi a Companhia das Índias Orientais. Algumas das S.A. desempenharam papel de colonizadoras, confundindo-se elas mesmas com os Estados-nação. Por exemplo, a Vereenigde Oostindische

CompagnieI, criada em 1602, utilizou o dinheiro arrecadado com a venda de suas ações para construir

navios e enviá-los à Asia, financiando atividades militares. Narra Yuval Noah Harari (2015, p. 321-322) que em poucos anos a companhia foi responsável pela conquista das ilhas indonésias, mantendo-as sob seu controle até 1800, quando o Estado Holandês formalmente transformou a Indonésia em sua colônia.

A Sociedade Anônima é um tipo societário que limita a responsabilidade de seus sócios e administradores, por constituir personalidade jurídica própria que presumidamente assume riscos em seu próprio nome. Este trabalho aborda o problema da responsabilização dos administradores das Sociedades Anônimas por débitos trabalhistas. Para tanto, discorremos brevemente sobre as diferentes teorias da desconsideração da personalidade jurídica e como elas vêm sendo aplicadas no entendimento construído pela Justiça do Trabalho. Ao final, analisaremos os possíveis efeitos e consequências dessa responsabilização sob a ótica da Análise Econômica do Direito.

Palavras-chave: Sociedade Anônima. Administradores. Responsabilidade trabalhista. Débito trabalhista.

Texto do resumo texto do resumo texto do resumo texto do resumo

Resumo

The corporation is a type of company that limits the liability of its partners and managers as it constitutes a legal personality which presumably takes risks in its own. This paper address the problem of managers’ accountability for labor charges. Therefore, we briefly present the different theories for piercing the corporate veil and how these theories are being applied by labor courts. Finally, we examine the possible effects and consequences of such accountability from the perspective of an Economic Analysis of Law.

Keywords: Corporation. Managers. Labor liability. Labor debt.

Texto do resumo texto do resumo texto do resumo texto do resumo

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cobrissem seus custos.

A forma encontrada para viabilizar esta economia foi a de uma abstração jurídica, a sociedade empresarial anônima, de personalidade jurídica autônoma e responsabilidade limitada. Por meio dela possibilita-se a concentração de capital privado necessária aos grandes investimentos e incentiva-se o investimento, posto que o acionista ponha a salvo seu patrimônio pessoal do risco do empreendimento, permitindo o acesso da sociedade à poupança popular como forma de financiamento. Como menciona Fábio Ulhoa Coelho (2009, p. 63), “as sociedades anônimas correspondem à forma jurídico-societária mais apropriada aos grandes empreendimentos econômicos”. A S.A. permitiu também a regulação das relações originadas de um nexo de contratos entre todos os envolvidos na atividade econômica2.

A responsabilidade limitada da S.A., porém, é característica que vem sendo longamente debatida no direito corporativo, por meio de estudos que buscam apontar a lógica jurídica e econômica por trás dessa concepção, suas vantagens e desvantagens e as consequências de uma responsabilidade ilimitada.

Este trabalho aborda a problemática originada pelas decisões da Justiça do Trabalho, que em grande medida impõem ao administrador da S.A. uma responsabilidade ilimitada pelo adimplemento dos créditos trabalhistas contraídos pela companhia. Situamos a questão no contexto da complementaridade das características da S.A. e da Análise Econômica do Direito, o que acreditamos possa enriquecer o debate no âmbito justrabalhista.

2 CARACTERÍSTICAS DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

Desde o surgimento da S.A. ocorreram mudanças nas normas que a regulam. A despeito disso, esse tipo societário possui características essenciais que se mantém de

2 A definição da firma como nexo de contratos é utilizada por Reinier Kraakman et al. (2009, p. 6), que

apontam que a companhia serve fundamentalmente como uma parte comum em numerosos contratos com fornecedores, empregados e consumidores, coordenando as ações de diversos agentes pelo exercício dos direitos estabelecidos nos contratos. A personalidade legal da firma permite que ela se constitua como parte única no contrato celebrado com terceiros, sem envolver seus acionistas ou administradores.

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forma mais ou menos constante nos países de economia de mercado, conforme apontam Reinier Kraakman et al. (2009, p. 5). São elas a (i) personalidade jurídica própria, (ii) limitação da responsabilidade, (iii) possibilidade de livre transferência das ações, (iv) gestão empresarial centralizada por um conselho, e (v) acionistas como investidores de capital.

As características jurídicas das S.A. devem ser analisadas de forma complementar, e não isolada. Com efeito, a personalidade jurídica da S.A. leva à limitação da responsabilidade, pois a companhia assume obrigações em seu próprio nome. A possibilidade de livre transferência das ações e a limitação da responsabilidade atraem os investidores de capital, os acionistas. Por sua vez, o quadro societário formado por investidores de capital, acrescido à pulverização desse mesmo capital, leva à gestão da companhia por administradores profissionais. A complementaridade destas características significa que a alteração em qualquer uma delas pode afetar as demais.

A limitação da responsabilidade talvez seja a característica mais importante das S.A., pois significa a transferência de riscos dos acionistas para os credores da companhia – colocando estes últimos como fiscalizadores do comportamento dos administradores3.

3 A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE NO DIREITO SOCIETÁRIO BRASILEIRO

A Lei nº 6.404/764 (Lei das S.A., ou LSA) regula as sociedades anônimas e, em

3 Nesse sentido, Reinier Kraakman et al. (2009, p. 11): “In effect, by shifting downside business risk from

shareholders to creditors, limited liability enlists creditors as monitors of the firm’s managers, a task which they may be in a better position to perform than are the shareholders in a firm in which share ownership is widely dispersed”.

4 Esta norma, em seu art. 4º, diferencia sociedades anônimas abertas e fechadas. As abertas são aquelas

cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários, enquanto as fechadas não admitem essa negociação pública. A diferenciação implica na mudança da própria conformação do capital, já que o acionista da sociedade fechada possui menor liquidez, sendo natural que em tais sociedades haja maior e mais direta participação do sócio na administração; alguns doutrinadores afirmam ser esta uma sociedade constituída com intuitu personae, presente também a affectio societatis, conforme descrito por Eduardo Goulart Pimenta (2013, p. 337-339). Esta diferença pode afetar a lógica da limitação da responsabilidade, mas não será analisado neste trabalho.

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harmonia com as características apresentadas acima, prevê que as companhias são geridas por administradores que possuem responsabilidade civil limitada5. A LSA segue

a mesma orientação geral estabelecida na Lei nº 10.406/02 (Código Civil)6, que se aplica

supletivamente à norma especial7.

A responsabilidade civil limitada dos administradores e a autonomia patrimonial implica que a prática de ato em nome da sociedade e em virtude de gestão regular gera efeitos somente à S.A8. Em outras palavras, via de regra, as obrigações

contraídas pela S.A. não se estendem ao administrador ou aos acionistas. A desconsideração da personalidade jurídica é a exceção. Marcelo Vieira Von Adamek (2009, p. 211) assim sintetiza o dispositivo da LSA:

Sem prejuízo do questionamento cabível acerca da distinção entre as hipóteses previstas nos incs. I e II do citado art. 158 da Lei das S/A, três seriam as regras dedutíveis dos comandos desse artigo, a saber: (i) a irresponsabilidade do administrador por atos regulares de gestão (LSA, art. 158, caput); e, pelo contrário, a sua responsabilidade civil por comportamento antijurídico, quando, (ii) dentro de suas atribuições ou poderes, proceder com culpa ou dolo (LSA, art. 158, I) ou (iii) agir com violação da lei ou do estatuto (LSA, art. 158, II).

Na medida em que o ato regular de gestão não enseje responsabilidade, - e o ato irregular de gestão será necessariamente um ato antijurídico - as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas na Lei societária descrevem a prática de atos ilícitos, de cuja aferição não se abstrai a culpa, caracterizando-se a

5 LSA, art. 158: “O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome

da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto”.

6 Código Civil, art. 50: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de

finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

7 Código Civil, art. 1.089: “A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos

omissos, as disposições deste Código”.

8 Como explica Maria Clara Maudonnet (2006, p. 63-64), “os diretores corporificam a companhia,

expressando a vontade dela, nas obrigações por ela contraídas, não como mandatários, mas como a própria companhia. É por essa razão que, perante terceiros, é a companhia que responde pelos atos ilícitos praticados pelos diretores ou em desacordo com a lei e o Estatuto Social”. Trata-se da aplicação da teoria da aparência, que implica que a companhia é obrigada a responder perante terceiros pelos atos ilícitos que porventura seus administradores pratiquem, na medida em que a vontade do administrador consubstancia

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responsabilidade subjetiva9.

Até quanto foi visto aqui, adotou-se a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que implica a relativização da limitação da responsabilidade dos sócios e/ou administradores desde que verificado o abuso da personalidade jurídica. Esta teoria surgiu como maneira de garantir que a personalidade jurídica própria e independente da sociedade não fosse utilizada como instrumento para fins indevidos. Asdrubal Franco Nascimbeni (2013, p. 9) assim a conceitua:

(...) a desconsideração da personalidade jurídica pode ser conceituada como medida excepcional que retira, de maneira episódica e momentânea, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com a finalidade de estender os efeitos de suas obrigações às pessoas de seus sócios e/ou administradores, como sanção pela prática de condutas de desvio da função da pessoa jurídica.

Como explica Rodrigo Rabelo Tavares Borba (2011, p. 380-382), a sistematização da teoria maior foi, em suas origens, desenvolvida pelo jurista alemão Rolf Serick, quem a definiu como uma regra exceção, aplicada a situações limites. A prática do abuso do direito seria elemento essencial à desconsideração, motivo pelo qual a teoria ficou também conhecida como subjetivista – pois necessário o elemento volitivo do agente responsabilizado. Um dos mais basilares princípios enumerados por Serick é que a desconsideração não pode ser aplicada somente pela insatisfação do credor10.

a vontade da companhia.

9 Este entendimento não é uniforme na doutrina, havendo aqueles que sustentem uma responsabilidade

objetiva no caso de violação da lei ou estatuto, ou, ainda, um caminho a meio termo. Como afirma Marcelo Vieira Von Adamek (2009, p. 216), “a maioria dos estudiosos pátrios sustenta que, em caso de

violação da lei ou do estatuto, a culpa do administrador seria presumida (presunção juris tantum)”. Este

mesmo autor, porém, concorda conosco que a responsabilidade é subjetiva (ADAMEK, 2009, p. 215), conjuntamente com Maria Clara Maudonnet (2009, p. 12) e, como destacado por Ricardo Villas Bôas Cueva (2014, p. 422), a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que assim entendeu no julgamento do REsp 1.014.496, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi.

10 Os princípios citados por Rolf Serick são enumerados por Fábio Ulhoa Coelho (2009, p. 38), sendo

eles: (i) o juiz pode desconsiderar a separação entre sócio e pessoa jurídica se verificado o abuso da forma da pessoa jurídica; (ii) não se pode desconsiderar a personalidade jurídica somente apenas porque o objetivo da norma ou o fim do negócio jurídico não foi alcançado; (iii) à pessoa jurídica aplicam-se as normas sobre a capacidade ou valor humano, caso estas não contradigam aquelas e, em caso de contradição, deve-se considerar as pessoas físicas que agiram em nome da pessoa jurídica; (iv) caso a lei preveja uma disciplina para determinado negócio jurídico, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada se tal negócio é realizado com o intuito de afastar essa disciplina.

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A desconsideração da personalidade jurídica surgiu, pois, como uma medida extravagante, dado que a limitação da responsabilidade é uma constante às companhias nos diferentes ordenamentos jurídicos, inserindo-se no sistema de complementaridade às demais características da S.A.

Porém, em alguns ramos do Direito esta teoria foi modificada para aplicação em ocasiões nas quais a personalidade jurídica represente objetivamente um óbice ao adimplemento do crédito. A extensão da desconsideração da personalidade jurídica a tais casos constitui a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Segundo Fabio Ulhoa Coelho (2009, p. 48), esta teoria seria incorreta, fruto de uma distorção que tem como consequência a “simples eliminação do princípio da separação entre pessoa jurídica e seus integrantes”.

Correta ou não, ela é adotada em legislações específicas, como no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)11 e na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº

9.605/98)12. Estas normas prescrevem que o administrador pode ser responsabilizado

independente da aferição de culpa, desde que a personalidade jurídica da companhia impeça os credores de terem seus créditos adimplidos. Esta seria uma condição objetiva para a desconsideração.

Pela interpretação sistemática do ordenamento brasileiro concluímos que a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que pressupõe a aferição da responsabilidade subjetiva do administrador, é a regra geral de aplicação para a S.A., porque prevista na LSA e no Código Civil. A aplicação da teoria menor se daria em casos específicos, expressamente previstos em Lei, pois implica na responsabilização

11 “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do

consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

12 “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao

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objetiva do administrador13.

4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO DO TRABALHO

Ainda que à falta de expressa previsão legal, o Direito Trabalhista é seara na qual a teoria menor é aplicada conjuntamente com a teoria maior. Não é nosso objetivo analisar pormenorizadamente o embasamento utilizado pela Justiça do Trabalho para a desconsideração da personalidade jurídica. Aos nossos fins basta constatar em quais hipóteses e sob quais circunstâncias os magistrados responsabilizam os administradores de S.A. pelo débito trabalhista contraído pela sociedade.

Esta constatação não é livre de restrições, na medida em que a jurisprudência trabalhista diverge, não se identificando um posicionamento uniforme ou hegemônico. Mas, a despeito da diversidade, podemos apontar três diferentes grupos de entendimento. São eles:

A desconsideração da personalidade jurídica da S.A. ocorre com base na aplicação analógica do art. 28, §5º do CDC, ou seja, o administrador pode ser responsabilizado sempre que a personalidade jurídica configure óbice à satisfação do crédito trabalhista14;

A desconsideração da personalidade jurídica da S.A. ocorre com observância do disposto no art. 158 da Lei das S.A., porém, considera-se o inadimplemento do débito trabalhista como infração à ordem legal, cabendo a responsabilização do administrador pelo simples inadimplemento do crédito trabalhista15;

13 Assim o determina o art. 927, parágrafo único do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

14 Nesse sentido: TRT-1, AP: 01940002919955010064 RJ, Relator Rogerio Lucas Martins, 7ª Turma,

Publicação: 13/06/2014 / TRT-2, AP: 969199802502009 SP, Relatora Anelia Li Chum, 5ª Turma, Publicação: 04/12/2009 / TRT-5, 956000220085050132 BA, Relatora Marizete Menezes, 3ª. Turma, Publicação: 13/10/2009.

15 Nesse sentido: TRT-5, AP 00422005119965050631 BA, Relator Edilton Meireles, 1ª. Turma,

Publicação 04/06/2014 / TRT-1, AP: 00504009319935010039 RJ, Relatora Claudia Regina Vianna Marques Barrozo, 8ª Turma, Publicação: 08/12/2015 / TRT-4, AP: 00088005219945040305 RS, Relatora Lucia Ehrenbrink, Julgamento em 03/06/2014, 5ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo / TRT-1, AP: 00314004820085010018 RJ, 8ª Turma, Publicação: 19/05/2016 / TRT-1, AP: 00000027320145010018 RJ, Relator Leonardo Pacheco, 8ª Turma, Publicação: 25/11/2014 / TRT-3, AP 679202

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A desconsideração da personalidade jurídica da S.A. ocorre com base no art. 158 da Lei das S.A., mas para que o dispositivo seja aplicado não basta o mero inadimplemento do débito trabalhista, devendo-se aferir a culpa ou dolo do administrador, inclusive a caracterização de má-gestão16.

Os entendimentos A e B unem-se na lógica de que, havendo o inadimplemento do crédito trabalhista, a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada. O fundamento jurídico utilizado em cada um deles é evidentemente diferente, posto que A adote a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, enquanto B adote um entendimento sui generis, já que se considera o inadimplemento do crédito trabalhista como infração à ordem legal17, ou seja, um ato ilícito passível de ensejar a

desconsideração por si mesmo. Conquanto o embasamento seja diferente, a consequência advinda da aplicação dos dois entendimentos é a mesma: havendo o inadimplemento do crédito trabalhista, a personalidade jurídica da S.A. pode ser desconsiderada para atingir pessoalmente os bens de seus administradores. Dessa forma, a desconsideração deixa de ocorrer de forma episódica, transformando-se na regra e colocando em questionamento a ideia mesma de personalidade jurídica própria e autônoma da S.A.

O entendimento C adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, já que exige a caracterização de um ato ilícito cometido pelo administrador, aferindo sua culpa (responsabilidade subjetiva). Considerando que adota a teoria mais conservadora na interpretação dos dispositivos legais, esse entendimento da Justiça do

03-00-6, Relatora Ana Maria Amorim Rebouças, Publicação: 18/12/2002.

16 Nesse sentido: TRT-1, AP: 01517007920095010058 RJ, Relator Jose Antonio Piton, 2ª Turma,

Publicação: 28/10/2015 / TRT-2, 00270000520085020263 SP, Relatora Riva Fainberg Rosenthal, 17ª TURMA, Publicação 26/07/2013 / TRT-1, AGVPET 13856220105010039 RJ, Relator Angelo Galvao Zamorano, 10ª Turma, Publicação: 11/10/2013 / TRT-2, AP 00016089620135020066 SP, Relatora Odette Silveira Moraes, Publicação: 13/01/2015.

17 Esse entendimento é digno de variadas críticas. Em sua essência o crédito trabalhista não diverge de

outros tipos de crédito, pois se origina de uma relação contratual. A maior parte das relações de crédito são contratuais. Utilizando-se do entendimento esposado pela Justiça do Trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica poderia ocorrer para que qualquer credor buscasse o adimplemento de qualquer tipo de crédito, pois todo inadimplemento significa uma infração à Lei – mais genericamente, ao Código Civil, que determina, conspicuamente, que contratos devam ser cumpridos. O sentido da norma societária, quando se refere à infração legal, parece se relacionar diretamente aos deveres e atribuições do administrador, e não genericamente a um inadimplemento de crédito – dado que isso é algo que ocorre com frequência no mundo negocial, por circunstâncias que lhe são inerentes.

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Trabalho não é específico, motivo pelo qual é despiciendo destacarmo-lo em nossa análise.

As consequências dos entendimentos A e B são diversas, pois em última instância significa considerar a personalidade jurídica da S.A. como inexistente frente às obrigações trabalhistas. Estas consequências podem ser avaliadas sob o enfoque da Análise Econômica do Direito (AED), utilizando teoria e metodologia científica econômica para prever possíveis comportamentos dos agentes, custo social e a eficiência decorrentes das decisões judiciais. Robert Cooter e Thomas Ulen (2000, p. 3-4) explicam:

Generalizando, podemos dizer que a economia fornece uma teoria comportamental para prever como as pessoas respondem a mudanças nas leis. Esta teoria supera a intuição, assim como a ciência supera o senso comum.

Além de uma teoria científica do comportamento, a economia proporciona um padrão normativo útil para avaliar a legislação e política. As leis não são apenas argumentos técnicos misteriosos; eles são instrumentos para atingir metas sociais importantes. Para se conhecer os efeitos das leis sobre essas metas, juízes e outros legisladores devem conhecer um método de avaliação dos efeitos das leis sobre valores sociais importantes. A economia prevê os efeitos das políticas na medida de sua eficiência. A eficiência é sempre relevante para a formulação de políticas, porque é sempre melhor alcançar uma determinada política a um custo menor do que a um custo elevado. Agentes públicos nunca defendem o desperdício de dinheiro.

Além da eficiência, a economia prediz os efeitos das políticas sobre outro valor importante: a distribuição. Uma das primeiras aplicações da economia à política pública foi sua previsão acerca de quem realmente carrega o fardo dos impostos alternativos. Mais do que outros cientistas sociais, economistas entendem como as leis afetam a distribuição de renda e riqueza entre classes e grupos. Enquanto os economistas recomendam frequentemente alterações que aumentam a eficiência, eles tentam evitar tomar partido em disputas sobre a distribuição de riquezas, deixando estas avaliações para os gestores públicos ou para os eleitores18.

18 No original: “Generalizing, we can say that economics provides a behavioral theory to predict how

people respond to changes in laws. This theory surpasses intuition, just as science surpasses common sense.

In addition to a scientific theory of behavior, economics provides a useful normative standard for evaluating law and policy. Laws are not just arcane technical arguments; they are instruments for achieving important social goals. In order to know the effects of laws on those goals, judges and other lawmakers must have a method of evaluating laws’ effects on important social values. Economics predicts the effects of policies on efficiency. Efficiency is always relevant to policy-making, because it is

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5. ANÁLISE ECONÔMICA DA RESPONSABILIZAÇÃO DO

ADMINISTRADOR DA S.A. NA JUSTIÇA DO TRABALHO

O entendimento da Justiça do Trabalho, a uma primeira análise, parece seguir uma linha de favorecimento aos credores trabalhistas. Este posicionamento não surpreende, pois, como destacam Reinier Kraakman et al. (2009, p. 29):

[…] os legisladores e os tribunais em geral são menos atenciosos quanto ao bem estar social em comparação aos interesses particulares de grupos relacionados, como acionistas controladores, administradores de S.A., ou sindicatos. Mais que isso, em todos países o direito societário continua a carregar a marca do caminho histórico pelo qual evoluiu, refletindo, também, as influências de uma variedade de correntes intelectuais e ideológicas que não são voltadas para a eficiência.19

Assim, o simples fato de que constitua uma justiça especializada voltada à resolução de litígios que versam sobre o cumprimento de direitos trabalhistas, além da própria carga ideológica e política historicamente associada à persecução desses mesmos direitos, revelam a tendência natural das decisões trabalhistas. Esta realidade, porém, reforça a relevância da análise econômica de tais decisões, pois implica ao raciocínio jurisdicional as possíveis consequências econômicas dali advindas, o que não pode ser ignorado. Ronald Harry Coase expõe que (1990, p. 119):

[…] parece, então, que seria desejável que os juízes entendessem a consequência econômica de suas decisões e deveriam, enquanto isso fosse possível sem gerar muita incerteza sobre a posição legal em si mesma, levar

always better to achieve any given policy at lower cost than at higher cost. Public officials never advocate wasting money.

Besides efficiency, economics predicts the effects of policies on another important value: distribution. Among the earliest applications of economics to public policy was its use to predict who really bears the burden of alternative taxes. More than other social scientists, economists understand how laws affect the distribution of income and wealth across classes and groups. While economists often recommend changes that increase efficiency, they try to avoid taking sides in disputes about distribution, usually leaving recommendations about distribution to policy-makers or voters.”

19 No original: “[…] legislatures and courts are sometimes less attentive to overall social welfare than to

the particular interests of influential constituencies, such as controlling shareholders, corporate managers, or organized workers. Moreover, corporate law everywhere continues to bear the imprint of the historical path through which it has evolved, and reflects as well the influence of a variety of non-efficiency-oriented intellectual and ideological currents”.

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tais consequências em consideração quando tomarem suas decisões.20

A AED tanto mais é relevante pelo fato de que o Direito do Trabalho se encontra intrinsicamente associado à vida econômica, repercutindo de forma decisiva na dinâmica empresarial21. Como destacado por Hans-Bernd Schafer e Claus OTT (2004, p.

15), uma decisão judicial que envolva certa liberdade interpretativa deve abordar não somente os interesses privados envoltos no litígio, mas também os interesses de toda a sociedade, utilizando-se de conceitos de justiça e bem-estar social que visem a um maior nível de consenso em torno da decisão. Para tanto, é necessário considerar uma lista de possíveis alternativas de decisões e suas consequências. É esta análise que buscamos neste trabalho.

Antes, porém, de adentrar a análise propriamente dita, é preciso refletir sobre o sentido da limitação da responsabilidade, ou seja, o que ela essencialmente significa para a dinâmica da S.A.

O mecanismo da limitação de responsabilidade pode ser explicado pela divisão dos riscos da empresa, ou, mais precisamente, pela definição de quem deve arcar com os danos decorrentes da insolvência da S.A.. Esse risco deve recair inexoravelmente sobre alguma das partes, como notam Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 98)22.

A responsabilidade limitada implica que, realizado o investimento pelos acionistas, encontra-se aí o limite de sua responsabilidade. A partir deste ponto, a

20 No original: “[…] it would therefore seem desirable that the courts should understand the economic

consequence of their decisions and should, insofar as this is possible without creating too much uncertainty about the legal position itself, take these consequences into account when making their decisions”.

21 Arnaldo Süssekind (2003, p. 135) destaca o fato de que “não obstante serem as finalidades do Direito

do Trabalho de política social e não de política econômica, não se pode negar, igualmente, a repercussão, no mundo econômico, das medidas de índole social que consagra”.

22 “Limited liabillity does not eliminate the risk of business failure. Someone must bear that loss. Limited

liability is an arrangement under which the loss largely lies where it falls. Loss is swallowed rather than shifted. Each investor has a guaranteed maximum on the loss he will bear. In a firm with debt, that guaranteed maximum is combined with a preference for the debt-holder. The shareholder is wiped out first. To this extent risk is ‘shifted’ from debt investor to equity investor. In a regime of unlimited liability still more risk would be shifted.”

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responsabilidade recai sobre os credores da companhia. Uma companhia com responsabilidade ilimitada imputaria os riscos do empreendimento exclusivamente aos sócios e aos administradores, enquanto a limitação divide o risco com os credores.

Conseguintemente, a primeira consequência perceptível à lógica de desconsideração da personalidade jurídica é a transferência do risco dos credores trabalhistas para o administrador. Enquanto a limitação da responsabilidade significa a transferência de risco do investidor aos credores, a desconsideração da personalidade para responsabilização do administrador da S.A. transfere o risco do credor ao administrador.

O risco do administrador passa a ser evidentemente maior. Analisaremos os possíveis resultados dessa modificação.

Podemos imaginar dois tipos de consequência: (i) uma maior aversão ao risco por parte dos administradores; (ii) maior compensação, ou custo, para o exercício da função administrativa, ou gerencial.

O primeiro fator se explica porque, atribuindo maior responsabilidade ao administrador, ele tenderá naturalmente a aumentar sua aversão ao risco. O que está em jogo, agora, é seu patrimônio pessoal. Esta maior aversão desincentiva a atividade econômica de maior inovação, posto que estas atraiam maior risco. Esse aspecto foi abordado por Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 97), sob o raciocínio de responsabilização dos acionistas. O mesmo parece-nos válido, porém, para os administradores:

[...] a responsabilidade limitada facilita uma decisão ótima de investimento. Quando investidores possuem um portfólio variado, administradores maximizam a riqueza dos investidores ao investir em qualquer projeto com um NPV (net present value) positivo. Eles podem suportar investimentos de alta variabilidade (como o desenvolvimento de novos produtos) sem expor os investidores à falência. Cada investidor pode se proteger contra o fracasso de um projeto ao possuir ações de outras companhias. Em um mundo de responsabilidade ilimitada, no entanto, administradores se comportariam diferente. Eles rejeitariam como muito arriscado alguns projetos de NPV positivo. Investidores iriam querer assim, pois seria a melhor forma de reduzir riscos. Por definição, isso seria uma perda social, porque projetos com um NPV positivo representam um uso

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Revista da AMDE – ANO – 2016 – VOL. 16 benéfico do capital.

Tanto os que desejam levantar capital para empreender em negócios mais arriscados, quanto a sociedade como um todo, se beneficiam da responsabilidade limitada. O investidor de capital consegue lidar com qualquer um dos tipos de responsabilidade. Todo investidor deve escolher entre papéis públicos sem risco ou investimentos mais arriscados. Quanto maior o risco do investimento, menos o investidor pagará. Investidores mantém um baixo preço no capital até que, na margem, o risco ajustado de retorno das ações e dos títulos públicos sejam o mesmo. Desde que a regra de responsabilidade seja conhecida, investidores irão avaliar o preço das ações de acordo. A escolha de uma regra ineficiente, no entanto, diminui o total de fundos disponíveis para investimento em projetos que exponham os investidores a risco. O aumento dos fundos disponíveis para projetos com um NPV positivo é um benefício real da responsabilidade limitada. 23

Deve-se refletir se a maior aversão ao risco significa o norte para uma gestão mais responsável, ou se inibe excessivamente os investimentos, a pesquisa e a inovação – na medida em que são as atividades de maior risco que contém as maiores possibilidades de ganho24. Assim, é um ponto questionável se a responsabilidade do

administrador, por gerar maior aversão ao risco, gera ineficiência, diminuindo o bem-estar social.

Como colocam Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 116), não há garantia de que o custo social do afastamento de atividades arriscadas não excederá o

23 No original: [...] limited liability facilitates optimal investment decisions. When investors hold

diversified portfolios, managers maximize investors’ welfare by investing in any project with a positive net present value. They can accept high-variance ventures (such as the development of new products) without exposing the investors to ruin. Each investor can hedge against the failure of one project by holding stock in other firms. In a world of unlimited liability, though, managers would behave differently. They would reject as ‘too risky’ some projects with positive net present values. Investors would want them to do this because it would be the best way to reduce risks. By definition, this would be a social loss, because projects with a positive net present value are beneficial uses of capital.

Both those who want to raise capital for entrepreneurial ventures, and society as a whole, receive benefits from limited liability. The equity investor will do about one rule of liability as another. Every investor must choose between riskless T-bills and riskier investments. The more risk comes with an equity investment, the less the investor will pay. Investors bid down the price of equity until, at the margin, the risk-adjusted returns of stocks and T-bills are the same. So long as the rule of liability is known, investors will price shares accordingly. The choice of an inefficient rule, however, will shrink the pool of funds available for investment in projects that would subject investors to risk. The increased availability of funds for projects with positive net values is the real benefit of limited liability.

24 Alexandre Couto e Silva (2007, p. 11) afirma que “espera-se e, muitas vezes, encorajam-se

administradores a entrar em negócios arriscados para maximizar o retorno dos acionistas. [...] O risco é diretamente proporcional ao retorno, conforme máxima administrativa de que ‘quanto maior o risco, maior o lucro’.”

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custo social de atividades excessivamente arriscadas que ocorreriam na ausência da possibilidade de responsabilização dos administradores25.

O segundo fator pode ser segmentado em três diferentes pontos, identificados como: (i) maior remuneração aos administradores; (ii) mais custos com seguro; (iii) mais custos de blindagem patrimonial.

O maior risco atribuído aos administradores leva-os a demandarem maior remuneração pelo exercício de sua função26, fenômeno possivelmente ampliado em

setores arriscados ou de alta empregabilidade. Isso significaria uma penalização a indústrias que empregam mais, o mesmo valendo para indústrias que atuam em setores mais instáveis da economia, ou que estão na borda da inovação. Adicionalmente, companhias em dificuldade financeira teriam ainda mais dificuldade na contratação de administradores competentes que a possam tirar de tal situação, pois evidentemente impõem um risco maior de insolvência.

A contratação de seguros de responsabilidade civil é outra consequência esperada27. Esse custo é evidentemente repassado à companhia. O seguro é uma

tentativa de diluição dos riscos do administrador – mas é uma diluição parcial, na medida em que as seguradoras tendem a não assumir integralmente um risco de proporção elevada28, considerando ainda a possibilidade de incentivo ao moral hazard.

Assim, o seguro terá um valor limitado, ou se aplicará a hipóteses específicas, dentre as quais não se incluirá o adimplemento integral de débitos trabalhistas.

25 No original: “[...] there is no guarantee that the social costs of this shift away from risky activities will

not exceed the social costs of the excessively risky activities in the absence of managerial liability”.

26 Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 116): “This inefficiency leads […] an increase in

the competitive wage for managers […].”

27 Como notam Robert Cooter e Thomas Ulen (2000, p. 49), “one of the most important behavioral

implications of risk aversion is that people will pay money to avoid having to face uncertain outcomes”.

28 Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 116): “The problem with managerial liability is that

risk shifting may not work perfectly. It is unlikely, for example, that managers who are liable for mass torts, with huge but uncertain expected liabilities, could shift all of this risk. Because of the huge amounts involved and the difficulty of monitoring, insurers are unwilling to assume the highest possible expected liability.”

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Além do seguro e da compensação financeira direta, é possível que a responsabilização do administrador incentive-o à procura de mecanismos de blindagem patrimonial. A contratação de advogados e contadores para esta função pode ser uma consequência esperada, gerando custos que se embutem na remuneração exigida pelo administrador.

As possíveis consequências da transferência do risco do credor trabalhista para o administrador foram bem delineadas. Resta saber, porém, o motivo pelo qual seria desejável a transferência desse risco, bem como quais alternativas seriam possíveis a esta transferência.

A temática pode ser abordada se a posicionarmos como um problema de agência – ou seja, uma dificuldade que surge na medida em que o bem-estar dos empregados, ou a defesa de seus interesses, depende de medidas tomadas pelos administradores da companhia.

Explicam Reinier Kraakman et al. (2009, p. 35) que a dificuldade do problema de agência reside no fato de que um agente tem melhor informação que o outro sobre fatos relevantes, o que dificulta a aferição da performance deste agente e incentiva seu comportamento oportunista. No âmbito de uma companhia, pode-se falar em problemas de agência entre os acionistas e os administradores, entre os acionistas majoritários e os minoritários, ou entre a companhia e seus credores, tais como seus empregados.

Como a companhia é um ente cuja personalidade é fictícia, sendo gerida pelos administradores, pode-se colocar, nos termos aqui propostos, que o problema de agência envolve os administradores e os empregados.

Sob este ponto de vista, a transferência do risco dos credores trabalhistas aos administradores busca resolver o problema de agência, na medida em que a possibilidade de responsabilização pessoal dos administradores passa a ser o inibidor de seu comportamento oportunista ou orientado ao risco excessivo, tornando-o o próprio fiscalizador de seus atos. A atribuição de responsabilidade coíbe a externalização dos riscos do empreendimento aos empregados, na tentativa de extirpar o moral hazard.

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Ao atribuir ao administrador a responsabilidade pelo adimplemento de créditos trabalhistas que não sejam cobertos pela própria companhia, passa-se o risco do negócio da S.A. para os administradores, posicionando-os como fiscalizadores dos riscos assumidos pela companhia, tarefa que de fato pode ser bem desempenhada por eles mesmos, na medida em que são responsáveis pela gestão. Nesse sentido, Arion Sayão Romita (in BICALHO, 2004, p. 52):

No campo da execução trabalhista, a responsabilidade dos gestores se traduziria na obrigação de satisfazer subsidiariamente os débitos da sociedade. A perspectiva de ter de responder com seus bens pessoais pelas dívidas sociais (embora somente depois de executado o patrimônio social) certamente estimulará os gestores no sentido de conduzirem sua administração a bom êxito, evitando arrastar a sociedade à posição de devedor insolvente ante seus empregados.

Esta medida pode ou não ser eficiente, considerando que os demais credores da companhia sofrem o mesmo problema de agência dos credores trabalhistas. O empregado é um credor voluntário, isto é, sua remuneração é, em tese, função do risco a que se submete, incluindo o de não receber seu salário29. Considerando que o

ordenamento jurídico brasileiro estabelece diversos direitos e vantagens ao empregado, de modo que seu custo é, para a companhia, muito maior que seu salário nominal, pela lógica econômica o empregado teria ainda maior capacidade de se submeter a tais riscos, ou seja, os riscos da relação companhia-empregado já estariam internalizados nos direitos e vantagens inscritos e decorrentes do contrato de trabalho.

No entanto, nesse caso a condição de credor voluntário é prejudicada na visão justrabalhista brasileira, pois o empregado é considerado hipossuficiente frente ao empregador, depreciado o conceito de autonomia da vontade na celebração do contrato de trabalho.

Assim, é possível afirmar que os credores de uma companhia contratam com esta em um valor que internaliza os riscos daquela relação jurídica, porém, talvez não

29 Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 104-105): “Employees, consumers, trade creditors,

and lenders are voluntary creditors. The compensation they demand will be a function of the risk they face. One risk is the possibility of nonpayment because of limited liability”.

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seja este o caso de um empregado, pela condição diferenciada da relação de emprego – e daí sua condição de credor voluntário poderia ser relativizada ou desconsiderada. Nesse sentido, o empregado se aproximaria de um credor não contratual, por possuir capacidade de negociação limitada, não conseguir aferir os riscos do negócio, e, em consequência, não internalizar estes mesmos riscos, não sendo recompensado ex ante pelo risco de insolvência ex post30. Trocando em miúdos, o empregado não seria

recompensado pelo risco que assume.

A questão é se a eliminação da externalização dos riscos aos empregados compensa o custo social imposto a todos em razão de uma responsabilidade ilimitada dos administradores pelos débitos trabalhistas. Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel (1985, p. 104) parecem entender que não, pelo fato de que o custo social de se extinguir a responsabilidade limitada pode exceder os ganhos com a mitigação do moral hazard, que, de toda forma, aparentemente continuaria existindo mesmo com uma responsabilidade ilimitada31. Não há, porém, dados empíricos a respeito – o que reforça

que esta é uma importante questão a ser tratada pelos magistrados trabalhistas.

Colocando o tema como um problema de agência entre empregados e administradores, podemos pensar em possíveis alternativas a mitigar este problema que não o abandono de uma responsabilidade limitada.

Uma alternativa pode ser encontrada em mecanismos de participação dos empregados na gestão da companhia (governança corporativa), tal como a presença de representantes no Conselho de Administração. Esta sistemática é adotada em alguns

30 Utiliza-se de forma analógica o raciocínio desenvolvido por Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel

(1985, p. 112) no que toca aos tort creditors.

31 “Externalization of risk imposes social costs and thus is undesirable. The implications of this point,

however, are unclear, both because modifying limited liability has its costs and because moral hazard would exist without limited liability. The social loss from reducing investment in certain types of projects – a consequence of seriously modifying limited liability – might far exceed the gains from reducing moral hazard. Too, even the abolition of limited liability would not eliminate the moral-hazard problem. The incentive to engage in overly risky activities is a general phenomenon that exists whenever a person or firm has insufficient assets to covers its expected liabilities. Although the problem of moral hazard may be more severe under limited liability, it will exist under any rule.”

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países, notadamente na Europa, especialmente na Alemanha32. A função de

representantes dos empregados no Conselho de Administração não seria somente de influenciar nos rumos da companhia, mas também de permitir que corra um fluxo de informações da gestão da empresa até seus empregados, o que se transmuta em transparência e fiscalização dos administradores. Reinier Kraakman et al. (2009, p. 110) assinalam:

O que exatamente tais conselheiros podem alcançar além de um objetivo estreito de aumentar o poder de barganha dos empregados? Um argumento cogente é de que os conselheiros beneficiam a companhia e seus acionistas tanto quanto os empregados. Na Alemanha, ao menos, conselheiros indicados pelos empregados influenciam na estratégia da companhia. Mas, além disso, eles desempenham um papel importante na área de informação, ao menos em teoria. Um comportamento de barganha que representa uma perda mútua, como greves e bloqueios advém, em parte, de uma desconfiança entre a companhia e seus empregados. Ao informar os empregados, os conselheiros indicados por eles podem limitar os danos desse comportamento. De forma semelhante, ao revelar as intenções futuras da companhia, os conselheiros indicados pelos empregados podem alertá-los de possíveis planos futuros que impliquem o fechamento de fábricas e as consequentes demissões.33

Assim, a participação de empregados na gestão da empresa, notadamente em seu conselho de administração, pode ser um fator apto a minimizar o problema de agência. A vantagem dessa sistemática é a desnecessidade de uma intervenção judicial e a possibilidade de composição privada e autônoma entre os agentes.

Embora a Constituição Federal mencione no art. 7º, XI a participação do trabalhador na gestão da empresa, tal norma é meramente programática, não tendo sido regulada por Lei. Como ressalta Arnaldo Süssekind et al. (2003, p. 470), “no Brasil é

32 Reinier Kraakman et al. (2009, p. 100) apontam que “the widespread introduction of

employee-appointed directors to the boards of large European corporations is the most remarkable experiment in corporate governance of the 20th century.”

33 No original: “What exactly can such directors accomplish apart from the narrow goal of enhancing

labor’s bargaining power? A cogent argument can be made that labor directors benefit the firm and its shareholders as well as its employees. In Germany, at least, labor directors can influence business policies. But in addition to this, they may also play an important informational role, at least in theory. Mutually wasteful bargaining behavior such as strikes and lock-outs result in part from distrust between firms and employees. By credibly informing employees, labor directors might plausibly limit such costly bargaining behavior. Likewise, by revealing the firm’s intentions, labor directors can alert workers about possible future plant closings and accompanying layoffs.”

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rara a participação de trabalhadores em conselhos de administração ou fiscais da sociedade empresária”. Portanto, não se trata de prática vigente no meio empresarial

brasileiro.

Ainda, outra alternativa é a internalização de riscos na relação empregado-empregador por meio da legislação trabalhista, ou seja, a concessão forçada de direitos impostos por Lei. Um bom exemplo disso é o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, que constitui, como explicam Arnaldo Süssekind et al. (2003, p. 654), um crédito trabalhista originado de uma poupança compulsória do trabalhador, cujo objetivo é socorrê-lo em demissões ou em circunstâncias excepcionais de fragilidade.

Sob a ótica que aqui se propõe, o FGTS pode ser entendido como uma forma de internalização dos riscos desta relação jurídica, na medida exata em que impõe ao empregador uma contribuição calculada sobre o salário de seu empregado, contribuição esta que reverte em benefício do empregado e visa assegurá-lo em situações nas quais se encontre vulnerável.

Pode-se, porém, questionar a eficiência desse mecanismo, na medida em que a imposição de encargos trabalhistas pode afetar a atividade econômica em geral, gerando distorções. Além disso, a efetividade destas medidas não é clara, porquanto uma situação de insolvência da companhia signifique justamente que tais direitos, assegurados em Lei, não seriam cumpridos concretamente.

6. CONCLUSÃO

A Justiça do Trabalho vem adotando, em grande parte, o entendimento de que a responsabilidade do administrador de S.A. é ilimitada perante débitos trabalhistas. Esse entendimento implica uma série de consequências econômicas no bem-estar social e nos aspectos complementares que caracterizam a S.A., consequências estas que não são inteiramente avaliadas ou consideradas no âmbito justrabalhista, mas que este trabalho apresentou de forma sintética, situando a questão como um problema de agência e de transferência de riscos.

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A utilização de ferramentas e metodologia da ciência econômica favorecem o entendimento das consequências das decisões judiciais e a mensuração de sua eficiência quanto aos fins pretendidos. É, portanto, desejável que a Análise Econômica do Direito seja utilizada por magistrados e juristas de forma mais constante no âmbito justrabalhista, na medida em que proporciona uma visão integrada do Direito, aproximando-a da concretude da realidade social.

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