• Nenhum resultado encontrado

O consumo de substâncias e a parentalidade

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O consumo de substâncias e a parentalidade"

Copied!
61
0
0

Texto

(1)
(2)

II

Agradecimentos

À Professora Doutora Orlanda Cruz, pelo apoio, dedicação e empenho ao longo de quase dois anos. E acima de tudo, por me fazer querer um dia chegar perto do seu profissionalismo!

À Jessica, pelo apoio, pela companhia, pela amizade. Não podia ser melhor a companhia neste fim de percurso.

A todos os elementos do Centro de Respostas Integradas (CRI) Ocidental e do Projeto Integrado de Apoio à comunidade (PIAC) pela forma disponível e acolhedora como nos receberam.

Aos participantes, pela disponibilidade, cooperação e humildade! À Dra. Isabel Sarmento, pelo apoio, pela disponibilidade, pelo exemplo. À Dra. Carina Parente, pela compreensão, apoio, inspiração e dedicação.

Ao meu filho, Tiago, por me fazer querer vencer, por ser o meu pilar, a minha vida.

À minha mãe, por me ajudar em todos os momentos difíceis e por ter estado ao meu lado nestes cinco anos.

Ao meu pai, que mesmo longe me apoiou sempre. À minha irmã e avó pela dedicação, amor e carinho. Aos amigos que levo para a vida.

Ao André, meu companheiro, meu amigo, meu amor.

(3)

III

RESUMO: Este estudo, de caráter exploratório, tem como objetivo analisar os comportamentos disciplinares e as atitudes educativas parentais, bem como os fatores de risco associados ao consumo de drogas numa amostra de pais em programas de tratamento de substâncias ilícitas. Pretende-se analisar as diferenças entre pais consumidores de substâncias ilícitas e pais que já deixaram de consumir mas ainda se encontram em tratamento.

Participaram neste estudo 43 pais e 22 mães, sendo 28 consumidores e 37 abstinentes, com idades compreendidas entre os 30 e os 60 anos. Os comportamentos disciplinares foram avaliados com a ECDP - Escala de Comportamentos Disciplinares Parentais (Cruz, Oliveira & Ribeiro, 2011). As atitudes educativas foram avaliadas com a versão Portuguesa do AAPI – Adult - Adolescent Parenting Inventory (Bavolek & Keene, 1999; Lopes & Brandão, 2005). Os factores de risco para o consumo foram avaliados através da versão Portuguesa do ASI-X - Addiction Severity Index (Brown, Frank & Friedman, 1997; NEICC/FPCEUC, s/d), tendo sido utilizada a versão curta para efeitos de investigação.

Os resultados revelaram que os pais consumidores de substâncias ilícitas apresentam menos comportamentos disciplinares de indução, mais atitudes educativas relacionadas com as expetativas inapropriadas e tendencialmente mais atitudes favoráveis ao uso da punição física e inversão de papéis entre pais e filhos. Contudo, e contrariamente ao esperado, pais consumidores apresentam atitudes educativas de maior empatia com os seus filhos. Quanto aos fatores de risco, os pais consumidores, apresentam mais emprego, e mais perceção de problemas com a família.

Em conclusão, os resultados deste estudo parecem apontar no sentido da parentalidade variar entre pais consumidores e pais que já deixaram o consumo. Pais consumidores parecem ser mais favoráveis à punição mas mais empáticos enquanto que os pais ex-consumidores aparecem como mais indutivos.

Palavras-chave: toxicodependência, parentalidade, comportamentos disciplinares, atitudes educativas, fatores de risco para a toxicodependência.

(4)

IV

ABSTRACT: The aim of this exploratory study is to analyze the disciplinary behaviors, the parental attitudes and the risk factors associated with the use of illicit substances in substance-abusing We intended to study the behavioral and attitudinal differences between active drug consumption parents and abstinent parents that are still under treatment.

Participants were 43 male and 22 female parents, 28 of them were active drug users and 37 were abstinent. The age ranged from 30 to 60 years. Parental disciplinary behaviors were evaluated with the ECDP - Escala de Comportamentos Disciplinares Parentais (Parenting Disciplinary Behaviors Scale, Cruz, Oliveira & Barros, 2011). The parental attitudes were assessed with the AAPI – Adult-Adolescent Parenting Inventory (Bavolek & Keene, 1999). Risk factors for addiction were evaluated with the ASI-X Addiction Severity Index (Brown, Frank & Friedman, 1997).

Results showed that active drug using parents were more likely to present less disciplinary induction attitudes and more inadequate expectations. This group also showed a tendency to be more prone to physical punishment and role inversion between parents and children. However, parents with active drug dependency showed more empathy with their children. Concerning the risk factors, the drug dependent group had higher employment rate and a higher perception of family problems.

As a conclusion, the present study seems to find differences in parenting between consuming and ex-consuming parents. The active drug abusing parents seem to be more favourable to punishment, but also show more empathy, while the ex-consuming parents are the most inductive.

Keywords: addiction, parenting, disciplinary behaviors, educational attitudes, risk factors for addiction.

(5)

V

RÉSUMÉ: Cette recherche, de caractère explorateur, vise à analyser les comportements disciplinaires et les attitudes éducatives des parents, et aussi les facteurs de risque associés à la consommation de substances illicites. On prétend analyser les différences entre parents consommateurs de substances illicites et parents qui ont cessé de consommer mais qui se trouvent encore en traitement.

Quarante-trois pères et vingt-deux mères, desquels 28 sont consommateurs et 37 abstinents, d’âges compris entre 30 et 60 ans, ont participé à cette recherche. Les comportements disciplinaires ont été évalués par l’échelle Escala de Comportamentos Disciplinares Parentais - ECDP (Échelle des Comportements Disciplinaires Parentaux; Cruz, Oliveira & Ribeiro, 2011). Les attitudes éducatives ont été évaluées par la version portugaise du AAPI – Adult - Adolescent Parenting Inventory (Inventaire sur les Attitudes Parentales; Bavolek & Keene, 1999; Lopes & Brandão, 2005). Les facteurs de risque associés à la consommation ont été évalués par la version portugaise du ASI-X - Addiction Severity Index (Brown, Frank & Friedman, 1997; NEICC/FPCEUC, s/d). Les résultats ont démontré que les parents consommateurs de substances illicites présentent moins de comportements disciplinaires d’induction, plus d’expectatives inappropriées envers les enfants et tendancieusement plus d’attitudes favorables à l’utilisation de la punition physique et à l’inversion de rôles entre parents et enfants. Les parents consommateurs présentent des attitudes éducatives d’une plus grande empathie avec leurs enfants.

En ce qui concerne les facteurs de risque, les parents consommateurs présentent plus d’emploi et plus de perception des problèmes familiaux.

En conclusion, les résultats de cette recherche ont mis en évidence que la parentalité varie entre parents consommateurs et parents qui ne consomment plus. Les parents consommateurs semblent plus favorables à la punition mais exhibent plus d’empathie tandis que les parents non consommateurs se montrent les plus inductifs.

Mots clés: Toxicodépendance, Parentalité, Comportements disciplinaires, attitudes éducatives, facteurs de risque associés à la toxicodépendance.

(6)

VI

Índice

Introdução ... 1

1. Enquadramento Teórico ... 3

1.1. O mundo das drogas ... 3

1.1.1. O emergir dos consumos ... 3

1.1.2. Drogas e drogas ... 4

1.1.2.1. A viagem do consumidor: heroína, cocaína e haxixe ... 6

1.2. O nascer do futuro ... 8

1.3.1. Ser pai e consumidor de drogas ... 10

1.3.2. As drogas e os efeitos nas crianças ... 13

1.4. Quando a droga deixa de ser o Mundo ... 14

1.5. Hipóteses e objectivos do estudo ... 17

2. Método ... 19

2.1. Participantes ... 19

2. 2. Instrumentos ... 19

2. 2. 1. Escala de Comportamentos Disciplinares Parentais ... 19

2. 2. 2. Adult - Adolescent Parenting Inventory ... 20

2.2.3. Addiction Severity Index ... 21

2.3. Procedimento ... 23

3. Análise dos resultados ... 25

3.1. Análises preliminares ... 25

3.1.2. Consistência Interna ... 25

3.1.3. Indicadores de distribuição normal... 26

3. 2. Análises descritivas e correlacionais ... 27

3. 2. 1. Correlações intra-dimensões ... 29

3.2.3. Correlações inter-dimensões ... 30

3.3. Análise comparativa inter-grupos ... 32

4. Discussão dos resultados e conclusões ... 35

(7)

1

Introdução

A informação disponível acerca de temas como a droga e a parentalidade é abundante e várias opiniões se cruzam. No entanto, há escassez de estudos e revisões da literatura que se foquem na combinação destes temas de forma decisiva. Em acréscimo, não há evidência científica que se reporte a pais ex-toxicodependentes.

Tendo em conta esta lacuna, esta dissertação visa fazer uma análise comparativa de dois grupos: pais consumidores e ex-consumidores de substâncias ilícitas em programas de tratamento. Espera-se encontrar diferenças entre estes dois grupos a nível quer dos comportamentos disciplinares e das atitudes educativas, quer de variáveis que influenciam e são influenciadas pelo consumo.

Este estudo, de caráter exploratório, integra uma investigação mais ampla sobre o consumo de substâncias ilícitas e a parentalidade, a partir da qual foram realizadas duas dissertações no âmbito do Mestrado Integrado em Psicologia: a presente dissertação sobre pais consumidores e ex-consumidores de substâncias ilícitas em programas de tratamento, e uma outra dissertação sobre diferenças nas práticas parentais consoante a substância de eleição: heroína, cocaína e álcool (Silva, 2013).

Foi eleita a toxicodependência como objeto de estudo por ser um fenómeno cultural, que produz exclusão, e por vezes, tentativas de inclusão numa sociedade que estranha fenómenos que não idealize. Esta dual exclusão-inclusão deriva das atitudes do individuo perante a sociedade e da sociedade perante o indivíduo (Fernandes, 1997). A perceção da sociedade raramente tem em conta que os toxicodependentes muitas vezes são pais ou mães. Tendo em conta que pouco se sabe sobre o que eles pensam, como se sentem e como agem, surgiu o interesse no segundo objeto deste estudo, a parentalidade.

Porém, sabe-se que os consumidores de substâncias ilícitas apresentam muitas vezes comportamentos e pensamentos que não correspondem à sua idade. Isto acontece por causa da atenuação do desenvolvimento psicológico que o consumo causa, uma vez que as drogas travam o amadurecimento pessoal, dado que a motivação de substâncias ilícitas, muitas vezes, se prende com a angariação de fundos para comprar drogas (Hapetian, 1997).

Para além da procura contínua do produto, o consumo de substâncias psicoativas gera disfunções internas, os acontecimentos são percecionados com défices e o diálogo

(8)

2 é comprometido (Curto, 2007), pondo em causa os comportamentos disciplinares e as atitudes educativas parentais.

Posteriormente, quando há motivação ou pressão externa para cessar o consumo, a própria realidade do indivíduo é posta em causa e este tem que voltar a entrar num mundo que já não conhece. A droga, que durante um período de tempo apenas dava importância à procura do prazer imediato (Hapetian, 1997) tem que dar lugar a novos objectivos, que podem ou não ver-se cumpridos.

Interessa saber se os novos objetivos dos ex-consumidores incluem a prática de uma parentalidade positiva, na manutenção de um ambiente seguro, responsivo, supervisionado, com expectativas realistas dos seus filhos, onde predomine a estimulação para a aprendizagem positiva (Cruz, 2013) ou se seguem o caminho que o consumo de drogas mais evoca, o da negligência.

No primeiro capítulo desta dissertação serão apresentados conceitos, especificidades, características e repercussões das drogas e da parentalidade, individualmente e numa abordagem conjunta. Explorar-se-á também o cessar do consumo de drogas. Na parte final do capítulo serão apresentados os objetivos e as hipóteses de investigação que nortearam este estudo.

No segundo capítulo será apresentado o método, descrevendo-se os participantes, os instrumentos de recolha de dados, bem como o procedimento utilizado.

Posteriormente, no terceiro capítulo, serão apresentados e analisados os resultados obtidos nesta investigação.

Por último, no quarto capítulo, serão discutidos os resultados. Procurar-se-á seguir um fio condutor de análise de dados através do qual, de modo progressivo, se consiga aprofundar o nível de compreensão e a relação entre as variáveis consideradas.

(9)

3

1. Enquadramento Teórico

1.1. O mundo das drogas

“I’m a creep I’m a weirdo What the hell am I doing here I don’t belong here”

Creep – Radiohead

1.1.1. O emergir dos consumos

Para se perceber melhor o fenómeno da toxicodependência é importante começar a estudá-lo pela raíz. Dizem muitos toxicómanos que no início não sentiram nenhuma atração causada pelas drogas, apenas um alívio da dor interna, ou sentimentos agradáveis e comportamentos desejáveis, que fizeram com que o consumo se tornasse em algo indispensável (Hapetian, 1997).

A dor, um dos fortes argumentos utilizados por sujeitos dependentes de drogas, é normalmente algo que está internalizado no sujeito, como um acidente ou situações traumáticas na infância/juventude, desde vivências em famílias com consumos de substâncias a perda de figuras significativas. Muitas vezes, comportamentos disciplinares parentais na infância influenciam também a entrada num mundo desviante, comentários como “és um menino mau”, “não sabes nada”, “não és capaz de fazer nada”, “vais ser um Zé-ninguém”, fazem com que a criança internalize desvalorização. Fala-se portanto na importância da empatia, e de elogiar as crianças (Hapetian, 1997).

Qualquer um dos aspetos apresentados pode levar à baixa auto-estima e à baixa assertividade na adolescência culminando numa possível não recusa à iniciação nas drogas. Estes domínios degradados vão levar a uma incapacidade por parte do sujeito de assumir valores e de adquirir opiniões próprias com autoconfiança (Pina, 2000).

Grande parte dos sujeitos quando vivencia episódios de frustração consegue superar a dor e seguir em frente. No entanto, uma minoria, tem uma atitude

(10)

4 intransigente e não consegue suportar a frustração momentânea. Esta adaptação aprendida inicia-se nos primeiros anos de vida e prolonga-se na adolescência: estes jovens aprendem a evitar a todo o custo sofrimentos momentâneos, embora o enfrentar destes sofrimentos seja parte importante do seu processo de maturação. De facto, é também com os problemas emocionais da adolescência, que se aprende a enfrentar os problemas e a fazer planos a longo prazo, e se definem objectivos. Quando não se tolera a frustração, a fuga imediata é imprescindível, sem avaliar consequências negativas, havendo já aqui uma possível predisposição para o consumo de substâncias ilícitas (Pina, 2000).

Cunha-Filho e Ferreira-Borges (2008), referem que um ambiente social e cultural desfavorável ou permissivo, a falta de acesso ou de utilização dos recursos comunitários existentes ou os problemas estruturais familiares, institucionais e socioeconómicos são fatores de risco para o uso de substâncias.

Depois da iniciação dos consumos, os fatores já referidos podem estar na base na manutenção do consumo, mas o prazer que a droga traz faz com que a busca de prazer inicial se repita (Sissa, 1997).

Com a escalada de consumos, vai sendo mais difícil parar. Numa primeira fase o consumo é quotidiano e uma pequena dose chega para alcançar o prazer e o bem-estar. Na segunda fase, há uma habituação do organismo ao produto, e a necessidade de aumentar as doses, assim como os meios para arranjar dinheiro. Por último, já não há prazer no consumo, este é mantido para se conseguir fazer uma vida normal: levantar, deitar, comer e consumir droga, ainda que tudo pareça um grande aborrecimento. Esta entrada num círculo vicioso vai desencadear uma procura de prazer/felicidade, que leva ao consumo de drogas para se conseguir uma solução do problema, mas passado uma hora ou pouco mais, origina ressaca e mal-estar (Hapetian, 1997).

1.1.2. Drogas e drogas

As drogas não são todas iguais, e divergem quanto à sua perigosidade intrínseca. A cocaína e a heroína são drogas muito perigosas para a saúde e o haxixe é uma droga mais leve. No entanto, para qualquer droga a perigosidade depende de um conjunto de factores que interagem de forma dinâmica e estão relacionados com três variáveis:

(11)

5 propriedades farmacológicas das drogas, caraterísticas do consumidor e características do ambiente social que o rodeia (Pina, 2000).

Existe uma variedade de definições de droga que estão sempre ligadas aos conceitos “droga/fármacos” e “drogas de abuso”. Na literatura pode-se encontrar várias definições do que é a “droga de abuso”, sendo várias vezes referenciada como “toda a substância que introduzida no organismo pode modificar uma ou mais das suas funções” ou “substância usada para tratar ou aliviar enfermidades ou como propósitos terapêuticos (uso indevido/uso não médico)” (Seibel & Toscano, 2004). O que distingue as drogas psicotrópicas das outras, é o seu poder de modificar ou alterar os pensamentos, sensações e comportamentos dos indivíduos que os consomem (Hapetian, 1997).

Segundo o DSM-IV revisto (2000), a droga de abuso provoca efeitos estimulantes, euforizantes e/ou tranquilizantes, e cria uma forte adição. O diagnóstico de dependência de substâncias pode ser aplicado entre outras drogas, à cocaína, heroína e haxixe. Para um sujeito ser considerado dependente tem que apresentar um padrão desadaptativo de utilização de substâncias, levando a alterações no quotidiano ou a sofrimento clinicamente significativos, no período de 12 meses. O critério passa pela inclusão de 3 ou mais dos seguintes sintomas: a) tolerância (necessidade de quantidades crescentes para atingir o efeito desejado ou diminuição acentuada do efeito com a utilização continuada), b) síndrome de abstinência, c) a substância é frequentemente consumida em quantidades superiores ou por um período mais longo de tempo do que se pretendida, d) desejo persistente ou esforços, sem êxito, para diminuir ou controlar a utilização da substância, e) o gasto de grande quantidade de tempo em atividades necessárias à obtenção da substância e à recuperação dos seus efeitos, f) abandono ou diminuição da participação em atividades sociais, ocupacionais ou recreativas importantes devido à utilização da substância, g) utilização continuada da substancia apesar da existência de um problema recorrente, físico ou psicológico, provavelmente causado ou exacerbado pela utilização da substância.

De frisar que a dependência pode ser física, quando está associada à adaptação do corpo à presença de uma droga numa concentração, e leva à vivência de sintomas de dependência. A dependência também pode ser psicológica, e quando a droga é parada ou reduzida surgem perturbações mentais e psicológicas, como irritabilidade e um craving persistente (impulso para consumir) (Brands, Spale & Marshman, 1998).

(12)

6 A dependência de drogas tem por base neuroadaptações (a nível genético, molecular e celular) em regiões cognitivas do cérebro que regem os efeitos das substâncias no sentido de manter a hemóstase interna. Este facto é visível através do desenvolvimento da tolerância, ou seja, os neurónios adaptam-se a uma exposição repetida da substância, só funcionando perante a sua presença. Quando o uso das substâncias é interrompido, as neuroadaptações resistem, o que se evidencia pelo síndrome de abstinência (Cunha-Filho & Ferreira-Borges, 2008).

A dependência difere do uso sem problemas e do uso nocivo, que se baseia num uso constante das substâncias, impedindo o cumprimento de obrigações no trabalho, escola ou em casa e no uso constante da substância em situações fisicamente comprometedoras, problemas legais relacionados com uso e uso continuo apesar de ter um problema social ou interpessoal persistente ou constante (Brands et al. 1998). A heroína e a cocaína são atualmente grandes responsáveis pela existência de inúmeros casos de dependência, mas o haxixe é, de todas as drogas, a que tem níveis mais elevados de consumo (APDES, 2005). A heroína, depressora do Sistema Nervoso Central, causa sentimentos de relaxamento e diminuição de consciência do mundo em redor. A cocaína, droga estimulante do Sistema Nervoso Central, provoca nos indivíduos sinais de alerta e energéticos (Brands et al. 1998). O consumo de haxixe tem implicação na regulação emocional e associa-se a transtornos de ansiedade e depressivos (Árias, Nestor, Veja, Beatreiz, Basurt, Morant, Ochoa, Poyo & Babin, 2013).

1.1.2.1. A viagem do consumidor: heroína, cocaína e haxixe

A heroína é um derivado semi-sintético da morfina, mas mais potente que esta. Apesar da administração tradicional ser por via intravenosa, cada vez mais se verifica outros métodos de administração, nomeadamente: inalar e fumar, provavelmente devido ao surto do VIH. O seu uso continuado provoca intensa dependência, necessidade crescente de aumentar quantidades e sintomas graves de abstinência (Seibel & Toscano, 2004).

Na intoxicação aguda com heroína, os sujeitos experienciam geralmente uma euforia intensa, que surge passado alguns minutos quando é administrada por via nasal ou respiratória, e, imediatamente, quando é administrada por via intravenosa. Surge

(13)

7 primeiro um efeito físico e psíquico, que dura entre 4 a 6 horas, de tranquilidade, bem-estar, devaneios calmos e de distanciamento de problemas. Em alguns indivíduos diminui também a ansiedade, o humor depressivo e sentimentos de cólera pré-existentes. Quando os efeitos passam, os heroinómanos tornam-se distróficos, irritáveis e ansiosos. A partir das primeiras ingestões começam a apresentar náuseas ou vómitos associados à intensa euforia (Seibel & Toscano, 2004).

A longo prazo podem-se ver várias alterações, como a instabilidade de humor devido à curta ação da droga, a diminuição da libido, compressão pupilar (afeta a visão noturna), irregularidade menstrual e problemas respiratórios (Brands et al. 1998). Ligados ao uso desta substância estão o desemprego, a desestruturação familiar e as perdas de referências inter-geracionais (Seibel & Toscano, 2004).

A cocaína pode ser absorvida pelas membranas mucosas, por via intranasal, pela mucosa bocal ou por via intravenosa. O crack é a forma molecular da cocaína, que pode ser fumada, atuando mais rapidamente. Alguns sintomas da cocaína são a ansiedade, a euforia, a hiperatividade, a desinibição, o aumento da autoestima e a estimulação sexual. Como consequências adversas ocorre desinibição eufórica, sintomas físicos e descarga adrenérgica generalizada, disforia, diminuição da capacidade de juízo crítico, ideias de

grandeza, impulsividade, hipersexualidade, excitação psicomotora, anorexia,

diminuição da necessidade de dormir e ataques de pânico. A longo prazo os indivíduos tendem a ficar nervosos, agitados, a ter pensamentos paranoides e a ter alucinações visuais ou auditivas ou sensação que insetos estão a andar debaixo da pele (Seibel & Toscano, 2004).

O haxixe é uma resina extraída da cannabis, substância que é retirada de uma planta constituída por várias espécies que variam no tipo e concentração de princípios ativos. Estão presentes na Cannabis mais de 60 substâncias psicoativas. Se for fumada ou vaporizada, os efeitos sentem-se quase de imediato e têm o seu pico cerca de 20 minutos depois, durando a experiência uma e quatro horas. Se for ingerida, os efeitos demoram uma a duas horas a sentir-se e são mais intensos e duradouros (três a dez horas). Estes podem induzir um aumento da sensibilidade aos estímulos visuais, auditivos e sensoriais em geral, mudanças subtis de pensamentos e de expressão, atenção dispersa, facilidade de abstração e dificuldade de concentração, criatividade, bem-estar, riso fácil, bom humor, sensação de relaxamento, boca seca, olhos vermelhos, aumento do apetite e aceleração cardíaca. Se as doses forem altas, os efeitos anteriores acentuam-se e podem aparecer ainda sintomas como a alteração da noção do tempo,

(14)

8 dificuldade momentânea de recordar eventos recentes, nervosismo, ansiedade, pânico, depressão, paranoia, confusão e cansaço mental. Se os consumos forem continuados podem causar tolerância, apatia, desmotivação e dependência a nível psicológico (APDES, 2005).

1.2. O nascer do futuro

"Educai as crianças para que não seja preciso castigar os homens." (Pitágoras cit in Hapetian, 1997)

Qualquer que seja a função que os pais têm no iniciar da vida dos seus filhos, deixam marcas para o futuro. Segundo Cruz (2013), a parentalidade diz respeito ao conjunto de ações encetadas por figuras parentais (pais/substitutos) junto dos seus filhos no sentido de promover o seu desenvolvimento de forma o mais plena possível, utilizando para tal os recursos de que dispõe dentro de uma família e, fora dela, na comunidade. O modelo de desenvolvimento ecológico proposto por Bronfenbrenner suporta este conceito e chama a atenção para a complexidade de contextos em que a criança se desenvolve.

Descreve quatro sistemas transversais à vida da criança: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema. No microssistema a criança interaciona diretamente com outros membros da família, escola, etc. O mesossistema diz respeito às inter-relações entre dois ou mais ambientes nos quais a criança participa ativamente, ou seja, é a conexão entre os microssistemas, como a família e a escola. O mesossistema insere-se no exossistema, que por sua vez integra estruturas sociais em que a criança não participa diretamente, tais como o emprego dos pais, os media, transportes, mas pelos quais é afetada. Por último, o macrossistema engloba todos os outros ambientes, que por norma se diferenciam de uma cultura para a outra, como por exemplo, a estrutura politica, o sistema de justiça, o sistema económico e o sistema social.

Os pais devem construir um contexto específico para o desenvolvimento da criança nos vários subsistemas através da implementação de práticas parentais adequadas (Bronfrenbrenner, 1996). Os acontecimentos dentro e entre os subsistemas geram consequências, períodos de reorganização e de crise, o que é normal e tem a ver com o ciclo de vida de cada família (Mondin, 2008).

(15)

9 Ter um filho é um dos maiores desafios que se coloca na vida individual e conjugal. Os pais têm de estar disponíveis para ouvir e perceber os anseios, necessidades e problemas dos filhos e devem impor limites razoáveis, assim como providenciar regras claras e disciplinar quando as regras são transgredidas. Devem também encorajar os filhos sistematicamente e dar incentivos verbais. A perceção que os pais se esquecem das necessidades, desejos e anseios das crianças tem repercussões na sua personalidade (Pina, 2000).

Há evidência científica que sustenta a relação entre o estilo educacional e as práticas a ele associadas como preditores e determinantes fulcrais do desenvolvimento psicossocial da criança/adolescente (Paula, 2012).

Potenciar a inteligência emocional, com ênfase numa supervisão adequada e em métodos disciplinares indutivos, sem recorrer à punição física, revela-se fundamental para o desenvolvimento de adultos emocionalmente competentes, evitando problemas de internalização e externalização do comportamento. Deverá existir supervisão, sem intrusão ou controlo excessivo. Um pai deve desde cedo fornecer orientação, feedback e segurança, situação que deve ser reduzida ao longo dos anos. O estilo autorizado poderá contribuir significativamente para o desenvolvimento de um adulto emocionalmente competente. Poderão contudo ser utilizados métodos indutivos, como a advertência verbal, o time-out (retirada) e métodos coercivos (Paula, 2012).

Grusec e Goodnow (1994) (cit in Mayes & Truman, 2002) definem a internalização moral como “a tomada de valores e atitudes da sociedade como seus de tal maneira que o comportamento socialmente aceitável é motivado não por antecipação de consequências externas mas por fatores intrínsecos ou internos”. O internalizar de normas sociais de conduta é uma compreensão do que é certo e errado e é o objetivo final de socialização (Kochanska, 1993, cit in Mayes & Truman, 2002) é portanto da competência dos pais auxiliarem a criança para que estas possam alcançar este objetivo.

A opressão da autonomia pode resultar da superproteção parental, e interferir com o processo de individuação da criança, resultando numa diminuta competência emocional e em alterações comportamentais. Por outro lado, a inexistência de supervisão parental leva a escasso envolvimento emocional (Paula, 2012).

É assim esperado que os progenitores/prestadores de cuidados facilitem o desenvolvimento das crianças a nível físico, psicológico e social, sem demasiada intrusão. Hoghughi (2004) refere que devem promover situações positivas que ajudem a criança ao longo da vida, assim como prestar cuidado físico, emocional e social,

(16)

10 assegurando assim o desenvolvimento adequado da criança. Devem também impor limites à criança de forma adequada à sua idade, e distinguir os limites negociáveis dos inegociáveis, por exemplo, a ida a escola é inegociável e o tempo de brincar já é negociável.

Neste seguimento, Cruz (2013) faz referência às seguintes funções e papéis desempenhados pelos pais, inspirando-se em Bornstein (2002), Palacios e Rodrigo (1998) e Parke e Burriel (1998): a) satisfazer as necessidades mais básicas de sobrevivência e saúde; b) disponibilizar à criança um mundo físico organizado e previsível, com espaços, objetos e tempos que possibilitem a existência de rotinas; c) dar respostas às necessidades de compreensão cognitiva das realidades extrafamiliares, os pais funcionam como os apresentadores, medidores e intérpretes do mundo exterior face à criança; é através deles que a criança entra em contacto, conhece e interage com o mundo físico e social que a rodeia; d) satisfazer as necessidades de afeto e segurança, que se traduzem na construção de relações de vinculação; e) promover a interação social da criança e a sua integração na comunidade. A família é o primeiro contexto de socialização da criança, responsável em grande parte pela adaptação desta aos contextos sociais posteriormente frequentados.

Fala-se então de uma Parentalidade Positiva (conceito introduzido pelo Conselho da Europa, 2006) caracterizada pela criação de condições para que as crianças possam desenvolver as suas capacidades de forma o mais completa possível, tanto dentro como fora do contexto familiar, assumindo que existe uma grande variedade de modelos familiares, em vez de um modelo ideal de parentalidade (Sanders, Turner, & Markie-Dadds, 2002).

1.3. A droga no seio da família

1.3.1. Ser pai e consumidor de drogas

A parentalidade em conjunto com o consumo de substâncias é vista, normalmente, como frágil e incompatível na sua execução, bem como nefasta e disfuncional na sua influência, quer ao nível da parentalidade, quer nas mais variadas funções sociais (Burns, 1986 cit in Mayes & Truman, 2002). Este problema agrava-se com outro

(17)

11 pressuposto de que estes problemas só ocorrem dentro das classes sociais mais desfavorecidas. Estas assunções históricas fazem-se sem bases empíricas significativas.

A qualidade da parentalidade e o seu efeito junto das crianças é realmente afetada pelo consumo de substâncias por diversas razões: primeiramente e durante a gravidez, o feto fica exposto a qualquer substância que se tome, podendo comprometer o seu desenvolvimento neuronal, bem como o seu desenvolvimento mental e comportamental ao longo do tempo (Hans, 1992 cit in Mayes & Truman, 2002). Estes efeitos podem, por sua vez, comprometer a maneira como as crianças vão responder às atividades e aos cuidados parentais.

Além da exposição fetal, a criança recém-nascida fica exposta – no caso de drogas fumadas – ao fumo proveniente do consumo, numa fase em que a maturação neuronal ainda ocorre, podendo ser afetada. Todas estas capacidades que ficam afetadas pelo consumo são essenciais para providenciar uma parentalidade pontual, responsiva e estável para uma criança (Mayes & Truman, 2002).

Como Hapetian (1997) refere, o sujeito pára de crescer psicologicamente quando começa a consumir intensamente. As suas motivações prendem-se apenas com o consumo. Além disso, pensam muitas vezes que quando querem parar, conseguem.

Os pais consumidores de drogas, têm alterado o seu comportamento parental, sendo as consequências mais frequentes, a diminuição da atenção e da sensibilidade a pistas ambientais, interferindo com a regulação emocional, capacidade de julgamento e aspetos relativos à função executiva e capacidades motoras (Lief, 1985 cit in Mayes & Truman, 2002).

Apesar das várias dificuldades e limitações da investigação neste tema, os estudos sugerem que basta existir consumo de substâncias por parte de um dos pais, para se constituir um fator de risco para a criança, significando um maior risco de um fraco ajustamento, menor controlo dos impulsos e problemas de conduta.

O consumo de substâncias alberga um número variado de fatores que independentemente ou interactivamente, contribuem para a alteração das práticas educativas parentais (Mayes & Truman, 2002).

Os toxicodependentes aparecem como mais neuróticos e extrovertidos em comparação com os não consumidores. Aparecem também como mais ansiosos, hostis, vulneráveis ao stresse e às características depressivas. Têm uma menor noção das suas habilidades e parecem muitas vezes desesperados e incapazes. Relatam falta de ambição

(18)

12 e falta de rumo. Os níveis de autocontrolo e autodisciplina são também mais baixos (Dubey, Arora, Gupta, & Kumar, 2010).

Quanto à especificidade do efeito das drogas na parentalidade, a heroína, droga altamente viciante, causa euforia inicial, e depois o sujeito fica alternadamente acordado e sonolento, podendo esquecer-se das responsabilidades parentais. Os pais podem também expor os filhos a traficantes, outros usuários e a situações inseguras e perigosas (Blythe, Cooke, McMahon & Price, 2012).

O uso da cocaína aumenta os sentidos: as cores, os cheiros e os sons parecem mais fortes. Depois de um uso prolongado, a irritabilidade e a agressividade aumentam, podendo inclusive existir distorções psicóticas. Um simples choro da criança, que normalmente é pouco incomodativo, é ampliado com a cocaína. De um momento para o outro, os pais podem-se tornar irritados ou impacientes com as crianças, mesmo por motivos mínimos. Isto acontece devido a uma distorção do pensamento e falha na perceção da intenção da criança. Um pai viciado em cocaína pode deixar a criança sozinha durante horas, ou dias, dependendo do tempo que demora a conseguir a droga. Em acréscimo, muitas vezes não respondem às necessidades básicas das crianças, como é possível verificar-se pela ausência de comida nos frigoríficos. Em casos extremos os pais podem prostituir as crianças como forma de obter droga (Blythe et al., 2012).

O haxixe deprime o sistema nervoso, e produz um efeito calmante. Os pais podem-se esquecer, negligenciar as responsabilidades parentais ou deixar a criança sozinha, enquanto tentam obter ou usar a droga. Podem também adormecer como se estivessem sob efeitos de depressivos e não supervisionar a criança (Blythe et al., 2012). Pais que usam marijuana, substância com efeitos equiparados aos do haxixe, podem ter problemas em responder adequadamente às necessidades das crianças, pois o tempo de resposta e as perceções são alterados. Quando isto acontece repetidamente, os sinais do bebé vão enfraquecendo em termos de procura de cuidados, o que leva a uma dificuldade em formar um relacionamento saudável e adequado. O abuso de drogas e a dependência dos pais tem um impacto negativo sobre o bem-estar físico e emocional das crianças, podendo causar ambientes familiares caóticos e imprevisíveis, incluindo maus tratos à criança. As necessidades físicas e emocionais das crianças são muitas vezes passadas para último plano, assumindo a procura de drogas um papel primário (Office on child Abuse and Neglect, Children’s Bureau & ICF International, 2009).

Pirsaraee (2007), verificou que em 41 casos de dependência de drogas, 8 tinham tido algum tipo de ato violento com os filhos, como queimar as mãos com um objeto

(19)

13 quente deixando cicatrizes e bater na cara. Nas descrições dos relacionamentos com os filhos, o autor descreveu também grande parte dos entrevistados como desprovidos de calor emocional. No mesmo estudo, o autor verificou que, apesar dos dependentes tentarem manter o relacionamento com os filhos, os efeitos das drogas deixava-os demasiado cansados e nervosos para conseguirem lidar corretamente com os filhos. Mesmo que tentassem, seriam demasiado superficiais, o que podia ser facilmente desvendado pelos seus filhos. Verificou-se também que quando não estavam a preparar drogas os pais preferem partilhar o tempo com os amigos e quando estavam em casa, muitas vezes estavam demasiado cansados para estabelecer relações empáticas, e por isso preferiam retirar-se do contacto.

Apesar de todos os problemas apresentados, frequentemente estes pais desejam melhores condições para os seus filhos do que aquelas que acham que têm ou que lhes podem providenciar. (Fanshel, Nichtern, 1975 cit in Mayes & Truman, 2002).

Colten (1982), verificou que mães aditas ou não aditas não diferiam nos sentimentos e nas perceções das crianças. Contudo expressam mais dúvidas sobre a sua adequação ao papel e na habilidade de controlar a criança. Verificou também que os pais toxicodependentes são menos rigorosos, punem menos fisicamente, e são mais propensos a sentir-se inadequados e a ter medo sobre o futuro.

1.3.2. As drogas e os efeitos nas crianças

A qualidade da parentalidade e o seu efeito junto das crianças é afetada pelo consumo de substâncias. Na gravidez, o feto é exposto a qualquer substância que a mãe tome, podendo comprometer o seu desenvolvimento neuronal, bem como o seu desenvolvimento mental e comportamental ao longo do tempo (Hans, 1992 cit in Mayes & Truman, 2002). Estes efeitos podem, por sua vez, comprometer a maneira como as crianças vão responder às atividades e aos cuidados parentais.

O consumo de opióides afeta o peso do feto, bem como o tamanho da cabeça (Finnegan, 1976 cit in Mayes & Truman, 2002), aumentando as probabilidades de ocorrer a síndrome de morte súbita. Ainda não é completamente claro quantos destes comportamentos se devem à exposição a opiáceos em período pré-natal ou à disfunção em famílias onde se pratica o consumo.

Alguma investigação mostra que, tanto a capacidade de atenção como a ativação, podem estar afetados pela exposição pré-natal à cocaína (Mayes, Bornstein,

(20)

14 Chawarska, Haynes, e Granger, 1996 cit in Mayes & Truman, 2002). Crianças de 3 meses que tenham sido expostas à cocaína no período pré-natal respondem mais negativamente (choram e demonstram afetos negativos) quando expostos a novos estímulos, do que as crianças sem contato com esta droga. Esta dificuldade na regulação da ativação pode estar intimamente associada à interação com as mães, que por estarem sob efeito da substância são menos responsivas e atentas. Poucos estudos têm investigado crianças depois dos 5 anos de idade, no entanto sabe-se que a cocaína tem repercussões futuras.

A negligência que os pais consumidores proporcionam, vai fazer com que as crianças se tornem mais desconfiadas dos outros, e menos dispostas a aprender com os adultos. Vão ter dificuldades em compreender as emoções dos outros, e a capacidade de remorso ou empatia fica também limitada. Podem agir mal com o outro sem sentir que as suas ações foram erradas e vão ter tendência a demonstrar falta de confiança ou de habilidades sociais que os impedem de ser bem sucedidas em diferentes áreas. A consciência de si em relação aos outros, ou seja, a cognição social vai também ficar afetada, o que leva a problemas de relacionamento social (Office on child Abuse and Neglect, Children’s Bureau & ICF International, 2009).

É no entanto verdade que algumas crianças ultrapassam estes fatores de risco e têm vidas adaptativas nas famílias disfuncionais. Além disso, na vida adulta mostram que esta capacidade de lidar com as circunstâncias é sustentada. Se atribuirmos a resiliência a fatores genéticos ou a elementos de sucesso nas relações construídas, ou ambos, não existe dúvida que estes fatores se sobrepõem à adversidade, incluindo a negligência (Stevenson, 2007).

1.4. Quando a droga deixa de ser o Mundo

A privação de substâncias abusivas gera habitualmente uma consciência emocional de consequências desagregadoras, perturbando a memória e dificultando o controlo do comportamento excitatório e conflituoso por perda de força interna.

Os sujeitos primeiramente expressam sintomas fisiológicos que acompanham o processo de reabilitação, especialmente nas primeiras fases quando se suspende o consumo de drogas. Apesar de existirem diferentes formas de encarar a situação, a ansiedade é comum no vivenciar da abstinência. Alguns sujeitos dizem que fazem

(21)

15 outras tarefas para minimizar esta sintomatologia, como ler e escrever. Este canalizar de energia que reprime o desejo de consumir não apaga os sentimentos vivenciados de angústia, tristeza, saudade, culpa e outros sentimentos que surgem com a saída do consumo. Surgem problemas ao nível físico, como dores de cabeça, psicológico, como propensão para pensar em todos os problemas, e de conjugação dos dois domínios, como dificuldades em dormir. No caso específico da heroína, a diminuição da ansiedade já não existe quando se deixa de consumir. Para as mulheres, principalmente, o aumento de peso pode também representar um problema, pois este ocorre após o cessar do consumo, o que interfere com a sua autoestima e representação enquanto mulheres (Lockley, 1995).

No entanto, quando um toxicodependente vivencia a síndrome de abstinência, revela a realidade que estava oculta por necessidades, interesses e procura pelo consumo contínuo. Tendo em conta que os laços vinculativos vão ser novamente estabelecidos, os ex-toxicodependentes chegam a compreender o ambiente de segurança e amor que a família proporciona. Quando o consumo é abandonado, as relações intra e interpessoais têm que ser novamente construídas, ou redefinidas, uma vez que as relações que constroem consigo próprios ou com os outros, estão relacionadas com o significado que dão ao mundo, e que anteriormente, esse significado tinha por base o consumo (Bustamante, Reyes, Gutiérrez & Payares, 2008).

Na prática, normalmente os consumidores não querem parar o consumo, ou não querem muito, fazem-no sobretudo por pressões externas (Lockley, 1995). Num exemplo citado pelo mesmo autor que inclui um depoimento de uma consumidora pode-se ver a ambivalência pela qual os sujeitos passam: “Eu quero realmente sair mas eu estive na heroína tanto tempo. Eu não sei se consigo. Sim, tem razão. Tenho medo de viver sem drogas. Eu esqueci-me do que é a normalidade”.

Muitos dos consumidores, apesar de terem cessado o consumo, não o dizem à população onde consumiam, porque acham que vão voltar a consumir; em acréscimo, muitas vezes os familiares também não acreditam, assim como amigos chegados, apesar de esta ser uma situação passageira.

Apesar do cessar do consumo, há inúmeros constrangimentos que se continuam a manter na vida do sujeito, e outros novos que surgem.

A imagem que os próprios consumidores têm de si quando param o consumo, é de que há tempo perdido, e que, regra geral, têm poucas competências e pouca experiencia de trabalho; para fazer as coisas acontecer, é importante que o

(22)

ex-16 consumidor acredite que são possíveis. Sair do mundo das drogas não é necessariamente um episódio único, ou um único processo. Muitas vezes, os sujeitos tentaram sair anteriormente vezes sem conta da dependência. Também a sociedade lança um problema: o rótulo de ex-consumidor, que muitos acabam por aceitar, apesar de já não se verem como tal, mas acabam por incorporar o estigma “uma vez drogado, para sempre drogado”. Tem de ser o próprio sujeito, primeiramente a acreditar que não o é (Hapetian, 1997).

No entanto, este pode também ser um período positivo, onde coisas boas acontecem, principalmente se o sujeito vir este tempo como um tempo de liberdade, e de oportunidades para reajustar a vida normal. Os problemas com a família podem também ver-se resolvidos, uma vez que a pessoa não se vai preocupar exclusivamente em obter drogas e a disfrutar do efeito destas.

A procura da recuperação é desencadeada por experiências críticas como situações de desamparo e debilidade física, ocorrências legais, e revitalização de laços familiares. Numa citação de uma ex-toxicodependente podemos ver uma motivação para parar o consumo: “A minha filha chamava-me no portão de casa, e eu estava a usar droga, então fingia que estava a dormir, e que não a estava a ouvir. ” (Favaro & Paula, 2012).

No que diz respeito ao tratamento de manutenção com metadona, quando a substância de consumo era a heroína, este tratamento proporciona quer a possibilidade de distanciamento ou mesmo paragem do consumo de substâncias psicoativas, quer a possibilidade de iniciar um processo de reorganização clínica, psíquica e social. Não sendo a cura mágica idealizada, a metadona é uma forma de terapia a longo prazo que ajuda os indivíduos a gerir a sua dependência e lhes dá a oportunidade de estabilizarem as suas vidas. Para o consumo é apenas o princípio da reabilitação. Um dos maiores sucessos no cessar dos consumos de substâncias psicoativas é conseguir que o indivíduo se torne um membro ativo e produtivo da sociedade. A cada dia aumenta o número de indivíduos interessados em modificar o seu estilo de vida, valorizando o que é importante para o seu bem-estar e afastando-se dos fatores de risco. A metadona pode não ser a cura para a adição de heroína, mas tomá-la retira a pressão de manter um hábito, dando tempo aos indivíduos para pensar, trabalhar, cultivar laços familiares e reestruturar a vida (Rodrigues, 2006).

(23)

17 1.5. Hipóteses e objetivos do estudo

Existe na literatura escassez de informação acerca dos pais que deixaram de consumir substâncias ilícitas. Surge a questão de, se o motor de procura de drogas, que os manteve ativos durante um período de tempo, é substituído por outras práticas que incluam alterações a nível da parentalidade.

Todos os consumidores de substâncias apresentam um risco considerável para comportamentos negligentes com os seus filhos e possível exposição destes a grupos de risco (Blythe et al., 2012). Também em situações de privação temporária da droga (heroinómanos) e sob efeitos das substâncias (cocainómanos) podem-se tornar agressivos (Seibel & Toscano, 2004).

Para parar de consumir têm que ser refinadas todas as relações intrapessoais e interpessoais e os toxicodependentes chegam a dar valor ao amor e segurança que a família proporciona. A construção de relacionamentos é portanto uma das motivações para o cessar do consumo (Bustamante et al., 2008).

Este estudo pretende contribuir para o conhecimento sobre os comportamentos disciplinares, as atitudes educativas e os fatores de risco dos consumidores e ex-consumidores em programas de tratamento. Espera-se que estes dois grupos apresentem comportamentos disciplinares e atitudes educativas distintas. De uma forma mais específica pretende-se:

1. Verificar que comportamentos disciplinares, atitudes educativas, e fatores de risco para o consumo de substâncias ilícitas estão associados ao fator de risco drogas.

2. Analisar a relação entre os comportamentos disciplinares e a existência de consumos. Espera-se que os pais consumidores apresentem menos comportamentos de indução, e mais comportamentos de punição física e não física e de punição verbal e emocional.

3. Analisar a relação entre as atitudes educativas e a existência de consumos. Espera-se que pais consumidores apresentem uma atitude mais favorável às expetativas inapropriadas, à falta de empatia, à punição física, à opressão da autonomia e à inversão de papéis.

(24)

18 4. Analisar a título exploratório, a relação entre fatores de risco relacionados com o emprego, questões legais, aspetos médicos, consumo de álcool, e aspetos psicológicos, por um lado, e a existência de consumos, por outro. 5. Analisar a relação entre o fator de risco familiar e a existência de

consumos. Espera-se que a nível familiar os consumidores de substâncias ilícitas apresentem mais problemas percecionados e necessidade de os resolver, enquanto que os ex-consumidores percecionem menos problemas de caráter familiar.

(25)

19

2. Método

2.1. Participantes

Para efeitos deste estudo, foram selecionados 65 sujeitos, 43 homens e 22 mulheres, todos eles pais, provenientes de um nível socioeconómico baixo e residentes no distrito do Porto. Os sujeitos apresentam uma idade média de 40 anos (M=40.02; DP= 6.69; min: 30; max:60) e sete anos de escolaridade (M=6.98; DP= 3.40, min:0, max:12).

Foram criados 2 grupos, o grupo 1 é constituído por 37 ex-consumidores de substâncias ilícitas (21 homens e 16 mulheres) e o grupo 2 é constituído por 28 consumidores de substâncias ilícitas (20 homens e 7 mulheres).

A fim de constituir a amostra, foram contactados dois locais onde esta população se encontrava em tratamento, o Centro de Respostas Integradas (CRI) Ocidental e o Projeto Integrado de Apoio à comunidade (PIAC). A seleção dos participantes foi feita pelas terapeutas das instituições, uma vez que uma relação terapêutica lhes permitia com facilidade identificar e encaminhar os sujeitos com as características necessárias ao estudo. Foi portanto uma amostra de conveniência, não representativa da população. Os sujeitos que consomem haxixe estão em acompanhamento por duas razões: serem ex-consumidores de drogas pesadas ou por cumprimento de programas judiciais.

2. 2. Instrumentos

Neste estudo foram utilizados 3 instrumentos:

 Escala de Comportamentos Disciplinares Parentais (ECDP)

Adult-Adolescent Parenting Inventory Forma A (AAPI - 2)

 Addiction Severity Índex (ASI-X).

2. 2. 1. Escala de Comportamentos Disciplinares Parentais

A ECDP (Cruz, Oliveira & Ribeiro, 2011) tem como objetivo avaliar as estratégias disciplinares dos pais, quer as coercivas, quer as não coercivas (Cruz, 2013). É composta por 16 itens, cuja seleção decorreu da revisão da literatura realizada pela autora. Os respondentes devem avaliar numa escala de cinco pontos (1: nunca; 2

(26)

20 raramente; 3: às vezes; 4: quase sempre 5: sempre) a frequência com que utilizam os comportamentos listados, quando os filhos apresentam comportamentos desadequados.

Da análise de componentes principais e do conteúdo dos itens foram extraídos três dimensões que foram nomeadas como "indução", "punição física e não física" e "punição verbal/emocional". A primeira dimensão está relacionada com a intervenção disciplinar indutiva e com um nível de coerção muito baixo; a segunda dimensão está relacionada com comportamentos de punição física e verbal, com um nível de coerção elevado e a terceira, está relacionada com a intervenção disciplinar verbal/emocional e apresenta um nível de coerção moderado. Estas dimensões revelaram uma consistência interna razoável (.70; .69; .69) (Cruz, 2013, Junho).

2. 2. 2. Adult - Adolescent Parenting Inventory

O APPI-2 (Bavolek & Keene, 1999) é um inventário desenhado para avaliar as atitudes, atributos e práticas educativas de pais, pais adolescentes e futuros pais relativamente à educação da/s criança/s. O AAPI-2 permite obter um índice de risco para a prática de comportamentos parentais de abuso e negligência da criança É composto por 40 itens, que devem ser respondidos de acordo com uma escala tipo Likert de 5 pontos (1: Concordo totalmente; 2: Concordo; 3: Não tenho a certeza; 4:Discordo; 5: Discordo totalmente). Os itens organizam-se nas seguintes subescalas: a) Expetativas inapropriadas, b) Falta de empatia, c) Castigo corporal, d) Inversão de papéis, e e) Opressão da autonomia.

Pais abusadores e negligentes têm muitas vezes expetativas inapropriadas acerca das capacidades dos seus filhos. Pode-se explicar este facto através do défice de conhecimento e informação acerca do que as crianças devem ser capazes de fazer em cada estádio de desenvolvimento. As expetativas inapropriadas dos pais abalam a autoestima e a perceção que a criança tem de si mesma.

Quando os pais têm falta de empatia, têm dificuldade em compreender as necessidades, sentimentos e características da criança. Pais empáticos são sensíveis aos seus filhos e criam um ambiente estimulante a nível emocional, intelectual, físico, social e criativo, para promoção de um desenvolvimento saudável das crianças. Pais com níveis baixos de empatia, sentem as necessidades dos seus filhos como irritantes e excessivas, transformando as atividades quotidianas em dinâmicas relacionais stressantes.

(27)

21 O castigo corporal ou físico faz frequentemente parte das dinâmicas relacionais de pais abusivos. Estes comportamentos têm como objetivo reforçar a autoridade de quem os pratica, promovendo a obediência e submissão da criança. Pais abusivos não só consideram o castigo físico como uma medida disciplinar correta, como defendem o seu uso.

A inversão de papéis também é uma atitude dos pais abusivos. Eles esperam que as crianças sejam sensíveis e responsáveis por grande parte da felicidade dos seus pais. Esperam também que as crianças sejam responsáveis, inclusive na concretização de tarefas e adoção de comportamentos característicos dos adultos. Levada ao extremo, as necessidades das crianças são negligenciadas.

Associada a todas as dimensões anteriores está a crença de que a autonomia da criança deve ser oprimida. Pais abusivos acreditam que, se as crianças usarem a sua independência para explorar os meios em que estão inseridas, vão sentir-se à vontade para questionar, desobedecer e desrespeitar a autoridade parental.

Para cada subescala, é calculada uma nota que corresponde à média dos itens que a compõem. As pontuações baixas indicam concordância com as dimensões e alto risco de abuso e/ou negligência. As pontuações altas indicam discordância com as dimensões e baixo risco de abuso e/ou negligência.

Num outro estudo realizado em amostras portuguesas, aparecem reportados os seguintes valores de consistência interna: .73 para as expectativas inapropriadas .80 para falta de empatia; .70 para a punição física, após retirar o item 18; .61 para a Inversão de papéis e -.01 para a Autonomia (Costa & Cruz, 2012).

(A Forma A do APPI-2 é usada frequentemente no pré-teste, uma vez que a Forma B é usada no pós-teste).

2.2.3. Addiction Severity Index

O ASI-X foi adaptado a partir do instrumento original denominador The Expanded Female Version of the Addiction Severity Index (ASI) - ASI-F (Brown, Frank & Friedman, 1997) por comparação com o EuropASI. A adaptação portuguesa do ASI-X foi realizada pelo Núcleo de Estudos das Perturbações pelo Uso de Substâncias (NEPPUS) e pelo Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitiva-Comportamental da

(28)

22 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (NEICC/FPCEUC) e é a versão utilizada nesta investigação.

O ASI-X é uma entrevista semiestruturada que permite recolher informações sobre sete domínios: médico, emprego, consumo de drogas, consumo de álcool, legal, familiar/social e psicológico. Este instrumento permite reunir dados relevantes sobre a história do consumo de cada sujeito e sobre o seu quotidiano (Brown et al, 1997).

Pode ser usada uma versão longa, quando se pretende elaborar um diagnóstico, ou uma versão mais curta, para efeitos de investigação. O quadro 1 apresenta a constituição das duas versões.

Quadro 1. Domínios e número de questões da versão longa e versão curta ASI-X

Domínios Versão Longa Versão Curta

Total Questões Total Questões

Secção A 15 AA-AO - 0

Secção B 22 B1-B15 - 0

Médico 19 C1-C17 3 C11-C13

Emprego 32 D1-D27 4 D4, D9, D10

Álcool e drogas 35 E1-E29 18

E1, E2, E5-E10, E13, E21a,E23a/b,E24a/b

Legal 24 F1-F24 5 F15,F18-F20

Familiar 34 G1-G27 13 G3,G10-G20, G22,

Psicológico 30 H1-H23 11 H3-H13

Total 211 questões 54 questões

As questões do ASI-X implicam a utilização de três tipos de escalas de resposta: escala dicotómica (“Sim” ou “Não”), escala temporal (0-30 dias), e uma escala de 5 pontos Extremamente (0: Nada, 1: Ligeiramente, 2: Moderadamente, 3: Consideravelmente; 4: Extremamente).

Seguindo as instruções dos autores, foi construída uma nota compósita para cada domínio, que corresponde à média ponderada dos itens que o integram (Brown et al., 1997).

(29)

23 2.3. Procedimento

Antes da recolha dos dados com a amostra selecionada, foi feito um estudo piloto dos três instrumentos, recorrendo a quatro sujeitos (dois do sexo feminino e dois do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 25 e os 30 anos), com o 11º ano de escolaridade e sem problemas de saúde, com o objetivo de perceber se as questões eram compreensíveis. Todos os sujeitos consideraram as perguntas dos questionários acessíveis e fáceis de responder.

A constituição da amostra de participantes envolveu diversas ações. Optou-se por contactar instituições que prestam cuidados a populações ex-toxicodependentes e toxicodependentes. Deste modo, selecionou-se, primeiramente o Centro de Respostas Integradas (CRI) Ocidental, e posteriormente, o Projeto Integrado de apoio à Comunidade (PIAC).

O projeto de investigação, incluindo os objetivos, a seleção de participantes, os instrumentos a ser utilizados e o procedimento a ser aplicado foi submetido à direção destas instituições (cf. anexo 1). Após aprovação, deu-se início à recolha de dados em Setembro de 2012, que se estendeu até Abril de 2013. Esta recolha foi mais demorara do que o inicialmente previsto dada a especifidade da população e os critérios de inclusão.

Era explicado a cada participante o procedimento e o objetivo geral da investigação. Para garantir a autorização do tratamento de dados e sua confidencialidade era primeiramente apresentado um formulário de consentimento informado (cf. anexo 2), que após leitura, investigador e participante, assinavam. Foi previamente atribuído um código a cada participante, de modo a garantir que não existiriam falhas de identificação.

A recolha de dados foi efetuada nas instalações das instituições, visto ser mais cómodo para os sujeitos, diminuindo assim a taxa de recusa de participação. Algumas informações sociodemográficas e de consumo eram fornecidas previamente pelas terapeutas, o que permitiu encurtar o tempo de recolha de informação direta junto dos participantes.

As salas eram desprovidas de distrações, bem iluminadas, confortáveis, e preservadas de qualquer perturbação exterior.

(30)

24 A aplicação de todos questionários, foi feita através de entrevista e registada em papel, tanto para maior comodidade e compreensão dos sujeitos, como para recolha de informação adicional.

Em primeiro lugar foi aplicada a ECDP, sendo a instrução dada aos sujeitos a seguinte: Todas as crianças se portam mal de vez em quanto. Quando o seu filho/a se porta mal, como costuma reagir? Após o esclarecimento, seguia-se a leitura dos 16 itens correspondentes às possíveis reações, face aos quais os sujeitos respondiam dentro da escala de resposta.

Em segundo lugar foi aplicado o AAPI-2 Forma A, sendo explicado aos participantes que iam responder a um inventário de 40 afirmações relacionadas com a forma como os pais lidam com os seus filhos. Era mais uma vez pedida sinceridade, e relembrado que as respostas não seriam cotadas como certas nem erradas.

Por último, no ASI-X era referido que ia ser feita uma pequena entrevista, que englobava dados pessoais e de consumo, e reforçado que podiam não responder quando se sentissem desconfortáveis.

Por vezes, os participantes acrescentavam dados sobre o consumo ou sobre a parentalidade após darem as suas respostas, e por isso, a duração das entrevistas variou entre os 20 minutos inicialmente estimados e os 40 minutos (só utilizados quando os participantes assim o entendiam). De uma forma forma geral, todos os participantes cooperaram e se mostraram disponíveis para qualquer esclarecimento necessário à investigação.

(31)

25

3. Análise de resultados

3.1. Análises preliminares

3.1.2. Consistência Interna

Foi calculada a consistência interna dos resultados, utilizando o alfa de Cronbach. Para o QCDP foram utilizadas as dimensões encontradas por Cruz (2013). Constituem a dimensão indução os itens 14, 11, 7, 10, 13, 3, a punição física e não física os itens 4, 16, 9, 1 e 2, e a punição verbal e emocional, os itens 6, 12, 5, 8. Inverteu-se o sentido de resposta dos itens 3 e 13.

Face ao valor baixo da consistência interna na punição verbal e emocional (.54) foram analisados os itens que contribuem para este valor, tendo-se optado por retirar o item 8 desta dimensão, apesar do fator ficar só com 3 itens. Foram obtidos os seguintes valores de consistência interna: .85 para a indução, .87 para a punição física e não física e .66 para a punição verbal e emocional.

Também para o AAPI–2 Forma A, foram utilizadas as dimensões construídas pelos autores (Bavolek & Keene, 1999). Os itens 2, 10, 12, 17, 21, 28, 34 fazem parte da dimensão expetativas inapropriadas, os itens 1, 6, 11, 16, 19, 20, 22, 38, 39 e 40 da dimensão falta de empatia, os itens 5, 9, 15, 18, 23, 24, 25, 26, 31, 32 e 37 da dimensão punição física, os itens 18, 14, 30, 36 da dimensão inversão de papéis e os itens 4,8, 14, 30, 36 da dimensão opressão da autonomia. Foi invertido o sentido de resposta dos itens 4, 8, 14, 18, 24, 26 e 31, como sugerido pelos autores.

Foram obtidos os seguintes coeficientes de consistência interna: .73 para as expetativas inapropriadas, -.12 para a empatia, .84 para a punição física, .17 para inversão de papéis e .51 para a opressão da autonomia. Após verificação destes valores, e para uma análise mais congruente das dimensões empatia e inversão de papéis, foi realizada uma análise aos itens integrantes de cada uma. Verificou-se que após retirada do item 7 da dimensão inversão de papéis, a consistência interna subia para .63. Quanto à empatia, não foi possível identificar itens que explicassem a inexistência de consistência interna, tendo-se contudo optado por manter esta dimensão nas análises posteriores.

Para o ASI-X, versão curta, foi construída uma nota compósita, seguindo a instrução dos autores (Brown et al, 1997).

(32)

26 3.1.3. Indicadores de distribuição normal

A fim de estudar a distribuição das variáveis em estudo foram utilizados três indicadores: teste de Kolmogorov-Smirnov, Curtose e Assimetria. Foi feito o teste de Kolmogorov-Smirnov para todas as dimensões e verificou-se que o pressuposto da normalidade não é cumprido em nenhuma das dimensões dos comportamentos disciplinares, das atitudes educativas nem dos fatores de risco associados ao consumo de substâncias ilícitas (p<.001).

Ao analisar a distribuição das variáveis concluiu-se que em geral a distribuição é leptocúrtica e assimétrica, com a curva normal pontiaguda prolongada para a direita.

Analisando o rácio entre a estatística e o erro padrão da curtose (ver quadro 2) verificou-se que o padrão de distribuição não se aproxima da normalidade com a exceção das variáveis: punição física e não física (.73), inversão de papéis (-.02). e emprego (.12). Para a assimetria apenas as variáveis opressão da autonomia (.80), emprego (-1.80) e família (0.17) seguem uma distribuição aproximada da normal.

Face a estes dados optou-se por utilizar o teste não paramétrico para comparação de dois grupos independentes, Mann-Whitney, que, distintamente da alternativa paramétrica (T-student para amostras independentes), compara o centro de localização das duas amostras como forma de detetar diferenças entre as populações.

Quadro 2. Medidas descritivas e indicadores de distribuição normal

Curtose Assimetria M DP Min-Max Estatística EP Estatística EP Comportamentos disciplinares

Indução 3.63 .69 1.67-5 1.20 .59 1.20 .30 Punição física e não física 2.93 .84 1. 2-4. 20 -0.43 .59 -1.01 .30 Punição verbal e emocional 2. 26 .55 1.33-4.33 4.94 .59 1.15 .30 Atitudes educativas Expectativas inapropriadas 2.43 .35 1.71-3.57 3.20 .59 1.39 .30 Falta de empatia 2.60 .20 2-3.30 4.67 .59 1. 21 .30 Punição física 3.55 .47 2.7-4.1 -0.78 .59 -1.01 .30 Inversão de papéis 2.66 .31 1.86-3 -0.01 .59 -1.17 .30 Opressão da Autonomia 3.40 .37 2.8-4.4 -1.14 .59 .24 .30 Fatores de risco Médico .30 .33 0-2.42 27.36 .59 4.26 .30 Emprego .65 . 25 .07-1 .07 .59 -.54 .30 Álcool .12 .12 0-.53 4.15 .59 2.14 .30

(33)

27

Droga . 22 .25 0-.97 2.61 .59 1.98 .30

Legal .30 1.29 0-6.14 18.90 .59 4.40 .30

Familiar .38 .12 .10-.72 .41 .59 .05 .30

Psicológico .71 .98 0-6.42 19.58 .59 4.18 .30

3.2. Análises descritivas e correlacionais

O quadro 2 revela que o comportamento disciplinar parental mais utilizado pelos participantes é a indução (M=3.63; DP=.69), destacando-se consideravelmente da punição física e não física (M=2.93; DP=.84) e da punição verbal e emocional (M=2. 26; DP=.55).

Quanto às atitudes educativas parentais, Bavolek & Keene (1999) definiram um grau de risco para cada dimensão. Tendo em conta a população americana, quando aplicados os limites a esta amostra, verifica-se que as atitudes favoráveis às expetativas inapropriadas (M=2.43; DP=.35), à punição física (M=3.55; DP=.47) e à opressão da autonomia (M=3.40; DP=.37) se enquadram num nível de risco médio. Por outro lado, as atitudes favoráveis à falta de empatia (M= 2.60; DP=.20) e à inversão de papéis (M=2.66; DP=.31) enquadram-se num nível de risco elevado. É necessário relembrar que a variável falta de empatia não é uma variável consistente e que para todas as dimensões das atitudes educativas, resultados mais elevados revelam mais adequação e resultados mais baixos revelam maior desadequação e consequentemente, mais risco.

Quanto aos fatores de risco associados ao consumo de substâncias ilícitas (ver quadro 2), destacam-se o fator emprego (M=.65; DP= . 25) e o fator psicológico (M=.71; DP=.98).

O quadro 3 apresenta a análise dos resultados para os comportamentos disciplinares, as atitudes educativas e os fatores de risco associados ao consumo obtidos em função do sexo.

Quadro 3. Médias ordenadas para homens e mulheres

Médias ordenadas Mann-Whitney-U Z Sig Masculino (n= 43) Feminino (n=22)

Referências

Documentos relacionados

Definidos os dois eixos do domínio analisado, foram escolhidas três, das onze abordagens mencionadas por Hjørland (2002), a saber: 1) Estudos bibliométricos, no que se

5.2 Importante, então, salientar que a Egrégia Comissão Disciplinar, por maioria, considerou pela aplicação de penalidade disciplinar em desfavor do supramencionado Chefe

Quando contratados, conforme valores dispostos no Anexo I, converter dados para uso pelos aplicativos, instalar os aplicativos objeto deste contrato, treinar os servidores

No entanto, quando se eliminou o efeito da soja (TABELA 3), foi possível distinguir os efeitos da urease presentes no grão de soja sobre a conversão da uréia em amônia no bagaço

Os alunos que concluam com aproveitamento este curso, ficam habilitados com o 9.º ano de escolaridade e certificação profissional, podem prosseguir estudos em cursos vocacionais

hospitalizados, ou de lactantes que queiram solicitar tratamento especial deverão enviar a solicitação pelo Fale Conosco, no site da FACINE , até 72 horas antes da realização

Como irá trabalhar com JavaServer Faces voltado para um container compatível com a tecnologia Java EE 5, você deverá baixar a versão JSF 1.2, a utilizada nesse tutorial.. Ao baixar

No entanto, as perdas ocasionadas na cultura do milho em função da interferência imposta pelas plantas daninhas têm sido descritas como sendo da ordem de 13,1%, sendo que em casos