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A QUESTÃO DE LIVROS DA ESCOLA-MODELO BENEDITO LEITE: cultura material escolar e poder disciplinar no Maranhão (1900-1911)

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM EDUCAÇÃO. ANA CAROLINE NERES CASTRO LICAR. A QUESTÃO DE LIVROS DA ESCOLA-MODELO BENEDITO LEITE: cultura material escolar e poder disciplinar no Maranhão (1900-1911). São Luís 2010. 12.

(2) ANA CAROLINE NERES CASTRO LICAR. A QUESTÃO DE LIVROS DA ESCOLA-MODELO BENEDITO LEITE: cultura material escolar e poder disciplinar no Maranhão (1900-1911) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. César Augusto Castro. São Luís 2010. 13.

(3) Licar, Ana Caroline Neres Castro A Construção de um edifício deve começar pelos alicerces: cultura material escolar e poder desciplinar no Maranhão (1900-1911) / Ana Caroline Neres Castro Licar. – São Luís: 2010. 163f.:il. Orientador: Prof. Dr. César Augusto Castro Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Maranhão, 2010 1. Escolas públicas – Maranhão, 1900-1911. 2. Educação primária – Maranhão. 3. Livros didáticos. I. Título. CDU 37.018.591“1900-1911”(812.1). 14.

(4) A CONSTRUÇÃO DE UM EDIFÍCIO DEVE COMEÇAR PELOS ALICERCES: cultura material escolar e poder disciplinar no Maranhão (1900-1911). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Aprovada em _____/_____/______ BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Prof. Dr. César Augusto Castro Universidade Federal do Maranhão - UFMA. ___________________________________________ Prof.ª Dra. Sônia Maria Silva Araújo Universidade Federal do Pará - UFPA. ___________________________________________ Prof.ª Dra. Diomar das Graças Motta Universidade Federal do Maranhão - UFMA. ___________________________________________ Prof.ª Dra. Iran de Maria Leitão Nunes Universidade Federal do Maranhão - UFMA. 15.

(5) A todos os apaixonados pela História da Educação. 16.

(6) AGRADECIMENTOS. A Deus, doador de todas as boas dádivas da minha vida; À minha família, pela torcida e pelo apoio incondicional a este projeto; Ao meu marido, Heberton Licar, pela compreensão, carinho, apoio e companheirismo ao longo dessa jornada; Ao Sr. Carlos Gaspar, pela parceria, apoio e generosidade em ceder seu arquivo pessoal para essa pesquisa; Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, pelas valiosas contribuições e exemplos de profissionalismo deixados para minha formação; Aos colegas da 9.ª turma, pela convivência e experiências vividas; Ao Prof. Manoel Barros Martins (Manoelzinho), pelas conversas inspiradoras e disposição em contribuir com alguém que, timidamente, pediu que ele lesse um trabalho; Finalmente, ao professor César Augusto Castro, meu orientador, pela atenção dispensada, pelas ricas idéias e por tudo o que me ensinou. Muito obrigada!. 17.

(7) Aqueles que cuidam dos detalhes muitas vezes parecem espíritos tacanhos, entretanto, esta parte é essencial, porque ela é o fundamento, e é impossível levantar qualquer edifício ou estabelecer qualquer método sem ter os princípios. Não basta ter o gosto pela arquitetura. É preciso conhecer a arte de talhar pedras. Marechal Mauxe. 18.

(8) RESUMO Este trabalho de natureza histórica objetiva analisar as relações de poder – sob a perspectiva foucaultina – no espaço escolar público primário da capital maranhense, na primeira década do século XX. Nessa análise, o objeto de estudo foi polêmica sobre os livros da EscolaModelo Benedito Leite, principalmente, a cartilha Escripta rudimentar (1908), envolvendo Barbosa de Godóis, autor da cartilha e diretor das escolas Normal e Modelo, e Antônio Lobo, inspetor da Instrução pública, em 1911. A rejeição da cartilha, para a iniciação à leitura dos alunos do 1º ano da Escola-Modelo, pela Inspetoria da Instrução pública, fez emergir intenso debate a respeito da aplicação dos métodos intuitivo e analítico. Como pano de fundo para a polêmica, evidencia-se a disputa por poder – entendido como discurso verdadeiro – no campo pedagógico, travada entre Lobo e Godóis por meio de seus discursos materializados no jornal Diário do Maranhão. Este trabalho está inserido no campo da cultura material escolar e a metodologia utilizada pautou-se no paradigma indiciário de Ginzburg (1989), onde, por meio da análise das fontes, buscou-se os indícios da utilização de tecnologias de poder empregadas nas relações dentro do campo escolar. Para esta análise foram utilizados, regulamentos, leis, decretos, artigos de jornais e obras publicadas pelos envolvidos na polêmica. Constatou-se que a escola é um espaço de relações de poder, onde o poder disciplinar por meio da vigilância hierárquica, controle da atividade e do tempo foram os principais dispositivos de poder utilizados, tendo em vista o projeto civilizador da nação. Palavras-chave: Livro didático; Polêmica; Intelectuais; Relações de poder.. 19.

(9) ABSTRACT This work to analyze the historical nature of power relations - from the perspective Foucaultians - within the public school's primary capital of Maranhão, in the first decade of the twentieth century. In this analysis, the object of study has been controversy over the books of the Model School Benedito Leite, especially The Writings Rudimentary Primer (1908), involving Barbosa Godoy, author of the booklet and director of the Normal and Model Schools, and Antonio Lobo, Inspector Public Instruction in 1911. The rejection of the primer, to initiate the reading of the 1st year of School Model, by Inspector of Public Instruction, gave rise to intense debate regarding the application of intuitive and analytical methods. As background to the controversy, highlights the struggle for power – understood as true discourse – in the educational field, fought between Lobo and Godoi through his speeches materialized in the newspaper Diario do Maranhão. This work is entered in the field of material culture school and the methodology used was based on circumstantial paradigm of Ginzburg (1989), where, through the analysis of the sources, we sought evidence of the use of technologies employed in power relations within the school field. For this analysis were used, regulations, laws, decrees, newspaper articles and works published by those involved in the controversy. It was found that the school is a place of power relations, where the disciplinary power through hierarchical supervision, control the activity and time were the main power devices used in view of the civilizing project of the nation. Keywords: Textbooks; Controversy; Intellectuals; Power relations.. 20.

(10) LISTA DE FIGURAS Fig. 1. Folha de rosto do livro Primeiras lições de coisas, de N. A. Calkins ................... 29. Fig. 2. Benedito Leite ....................................................................................................... 30. Fig. 3. Escola Modelo ..................................................................................................... 44. Fig. 4. 1.º Grupo da Escola Modelo ................................................................................. 45. Fig. 5. Uma sala de aula da Escola-Modelo ..................................................................... 47. Fig. 6. Capa da Revista de Ensino .................................................................................... 53. Fig. 7. Aula de Desenho. Escola Modelo ........................................................................ 65. Fig. 8. Luís Domingues .................................................................................................... 68. Fig. 9. Barbosa de Godóis ................................................................................................ 69. Fig. 10. Antônio Lobo ........................................................................................................ 72. Fig. 11. João Köpke ........................................................................................................... 90. Fig. 12. 41.ª Lição, do livro de Köpke ............................................................................... 108. Fig. 13. Carta de Antônio Lobo a Luís Domingues ........................................................... 118. Fig. 14. Cartilha Analytica, de Arnaldo Barreto (ed. 1952) ............................................... 133. Fig. 15. Cartilha Analítica, de Arnaldo Barreto (ed. 1955) ................................................ 134. Fig. 16. João de Deus ......................................................................................................... 140. Fig. 17. Cartilha Maternal, 5.ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881 .................................. 140. Fig. 18. Primeira historieta da Cartilha Analytica ............................................................. 146. 21.

(11) LISTA DE TABELAS Tabela 1. Currículo do Liceu Maranhense (1838) .................................................. 25. Tabela 2. Currículo do Liceu Maranhense (1899) .................................................. 26. Tabela 3. Horário das escolas estaduais .................................................................. 38. Tabela 4. Horário do 1.° Grupo Escolar / 1.ª Cadeira ............................................. 58. 22.

(12) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12. 2 OFICINA DESLUMBRANTE ..................................................................................... 23. 2.1 TENDA DO PROGRESSO ......................................................................................... 24. 2.2 A ARTE DE TALHAR PEDRAS ................................................................................ 33. 2.2.1 Escolas Isoladas: Permanências ............................................................................... 33. 2.2.2 Escolas Estaduais e a Elaboração Temporal do Ato ............................................... 37. 2.2.3 Escola-Modelo Benedito Leite: Oficina do Progresso ......................................... 42. 2.2.4 Grupos Escolares e a Disciplina do Minúsculo ...................................................... 53. 3 A QUESTÃO DE LIVROS DA ESCOLA-MODELO BENEDITO LEITE: O PERIGO DE NEGLIGENCIAR O DETALHE .................................................... 67. 3.1 A VERDADEIRA ESSÊNCIA DO MÉTODO ANALÍTICO” .............................. 68. 3.2 “DO GERAL PARA O PARTICULAR”: CRITÉRIOS PARA A LEITURA INTELIGENTE .................................................................................................................... 79. 3.2.1 Método e Processo ...................................................................................................... 81. 3.2.2 Educação Moralizante ................................................................................................ 87. 3.2.3 Seleção de Frases ........................................................................................................ 91. 3.2.4 Imagens Ilustrativas .................................................................................................... 103. 3.2.5 A 1.ª Lição da Cartilha: O Ensino das Vogais ........................................................ 108. 4 OS MESTRES E A ESCOLA: RELAÇÕES DE PODER NO CAMPO EDUCACIONAL MARANHENSE ............................................................................... 114. 4.1 INTELECTUAIS EDUCADORES ............................................................................. 115. 4.2 NA CORDA BAMBA ................................................................................................... 123. 4.3 ERA JOÃO, MAS... JOÃO DE DEUS ...................................................................... 139. 4.4 MODELOS DE LIÇÕES .......................................................................................... 146. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 152. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 156. 23.

(13) 1 INTRODUÇÃO Estudar o cotidiano não é tarefa simples. Compreender comportamentos, desejos, tomadas de decisões, pensamentos forjados numa visão de mundo que não é a sua, em um tempo distante do seu, coloca, diante do pesquisador, um grande desafio, mormente quando se trata de um objeto que exige um exercício de desnaturalização 1, como é o caso da escola, concebendo-a como produto e produtora de práticas sociais. Essa instituição, vista durante muito tempo apenas como um reduto transmissor de valores importantes para a vida em sociedade, há alguns anos passou a ser questionada em seus princípios, motivos e organização, revelando-se um campo fértil de investigação. Neste trabalho, aborda-se a polêmica sobre A questão de livos da Escola-Modelo Benedito, ocorrida em 1911 na capital maranhense, por conta da rejeição – pela Inspetoria da Instrução Pública – da cartilha Escripta Rudimentar da autoria de Barbosa de Godóis. Nesta pesquisa, a escola é concebida como um espaço de relações de poder envolvendo os diversos indivíduos que a compõem. A proposta é localizar, com as coordenadas fornecidas por Foucault, as técnicas disciplinares2 mais generalizadas em diferentes instâncias da hierarquia institucional ligadas à educação. Foucault (1987b) afirma que as disciplinas são, por vezes, tão minunciosas e sutis – mas que têm a sua importância por definirem um certo investimento político sobre o corpo –, que compõem o que ele chamou de “anatomia política do detalhe”, uma microfísica do poder. Esse autor priorizou esse nível molecular de exercício do poder mostrando que, longe de estar situado em um lugar privilegiado, ou exclusivo, ele permeia toda a sociedade formando uma rede de dispositivos3 e mecanismos; logo, o poder não existe como um objeto do qual podemos nos apropriar. O que existe são relações de poder. Entendendo que as técnicas disciplinares são dispositivos de poder dentro das relações sociais, analisamos, num primeiro momento, as disciplinas no contexto escolar por meio de uma reconstituição do cenário da instrução pública primária, de São Luís, na primeira década republicana, quando noções da chamada Pedagogia Moderna4 foram introduzidas no 1. Desnaturalizar a fonte ou o objeto de estudo, “é ultrapassar a barreira simbólica em que em que ela [ele] se constitui para a compreensão do próprio pesquisador” (NUNES & CARVALHO, 2005, p.72). 2 Foucault (1987b) explica que a disciplina envolve diversas técnicas de sujeição, sendo mais apropriado chamar de “disciplinas”. 3 Deleuze (1990, p.1) afirma que, na perspectiva de Foucault, o dispositivo “é uma espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear”. O dispositivo pode ser analisado separando-se as linhas que o compõem, a saber, curvas de visibilidade e de enunciação, linhas de força e as linhas de objetivação. Quanto à sua função, “os dispositivos são como [...] máquinas de fazer ver e de fazer falar [...]”. 4 A Pedagogia Moderna caracterizou-se pela introdução do conceito de “criança”, que começou a ser esboçado no século XIX e se consolidou no início do século XX. Com a instituição de um novo campo de saber, a. 24.

(14) currículo e no cotidiano das escolas públicas primárias. A escola moderna caracterizou-se, fundamentalmente, pelo ensino seriado e pela aplicação do método intuitivo, que tinha como premissa fundamental a aprendizagem por meio dos sentidos. Ao verificarmos como essas mudanças foram efetivadas, o que nos interessa é perceber a cristalização da noção de poder disciplinar na fabricação de indivíduos adestrados e úteis para o regime republicano. Como pano de fundo, temos a república recéminstalada e o trabalho de construção ideológica da natureza do novo regime em contraposição à monarquia. Embora, como discurso, as ideologias republicanas circulassem no espaço limítrofe das elites, portanto, inacessível ao público sem instrução formal, o imaginário popular foi alcançado por meio de sinais de leitura mais fácil (CARVALHO, 1990). Entre os símbolos utilizados pelos republicanos na tentativa de propagar a ideia de um novo sistema político – que lançaria as bases de uma sociedade civilizada e moderna –, a educação, materializada na figura da escola, foi uma importante ferramenta para o entalhamento de um novo homem, o cidadão republicano. Comentando o papel exercido pela escola nesse momento histórico, Barbosa (1991, p.19) afirma que “Era preciso garantir a ordem e a estabilidade social através de uma instituição que, ao mesmo tempo, veiculasse os valores dominantes e dotasse o cidadão dos rudimentos da leitura e escrita adequados à situação emergente”. Assim nasceu o mito da alfabetização como sinônimo de mudança social. A imagem de progresso, defendida pelo novo regime, passou pela introdução de práticas pedagógicas inovadoras ancoradas em métodos de ensino considerados modernos. É o momento da introdução oficial do método intuitivo no currículo das escolas, que tinha o objetivo de preparar os novos cidadãos para uma sociedade capitalista e industrializada. Em meio a essas transformações, os discursos de autoridades políticas e pedagógicas evidenciam o antagonismo entre o tradicional – entendido como conservador e arcaico – e o moderno – sinônimo de progresso. A escola, como parte integrante de um sistema simbólico, pode atuar como mediadora da comunicação ou instrumento de distinção, legitimando uma cultura considerada superior em relação às outras que lhe estão distantes. Bourdieu (2006, p.150) aduz que as classes e frações de classes estão envolvidas em uma luta simbólica, objetivando a imposição de uma definição de mundo social e um lugar de tomadas de decisões que sejam um espelho Psicologia, mais especificamente a Psicologia Educacional, a criança passa a ser o foco de interesse e objeto de investigação sistemática, tornando-se ator singular do processo ensino-aprendizagem (BARBOSA, 1991).. 25.

(15) do campo das posições sociais. “Posto isto, a força simbólica das partes envolvidas nesta luta nunca é completamente independente da sua posição no jogo”. Esta luta se dá, tanto na vida cotidiana, quanto através da disputa entre especialistas, intelectuais que disputam o poder de inculcar conceitos arbitrários. Considerando esse pensamento, num segundo momento, nossa lente de análise sobre as disciplinas escolares tornou-se mais precisa, e o foco recaiu sobre uma técnica específica de disciplina, a vigilância. Relembramos um episódio ocorrido no ano de 1911, que ficou conhecido como A questão de livros da Escola-Modelo Benedito Leite, envolvendo Antônio Lobo, inspetor da Instrução Pública, e Barbosa de Godóis, diretor das escolas Normal e Modelo; dois personagens da história política e educacional do Estado do Maranhão. Aqui, veremos como, dentro da microfísica do poder, o “detalhe” 5 torna-se um dispositivo relevante nas relações de disputa por poder, disputa travada por meio do discurso. Foucault indica que há uma relação íntima entre discurso e poder. Nesse sentido, o discurso não seria apenas um instrumento de comunicação transparente e neutro, ou a tradução de uma luta travada no interior de um sistema de dominação, mas seria, ele próprio, o objeto de desejo, aquilo pelo qual se luta. Nesse contexto, do discurso como poder, do qual o indivíduo deseja apoderar-se – a vontade de saber, que é a busca pela verdade –, criou-se a oposição entre o discurso falso e o discurso verdadeiro. No caso da Educação, é o suporte institucional por trás do discurso que determina o verdadeiro discurso pedagógico de uma época, ou seja, o modo como o saber é aplicado, valorizado, distribuído e repartido em uma sociedade. Esse saber institucional assume um caráter coercitivo e passa a exercer pressão sobre as outras formas de saber (FOUCAULT, 1996). A polêmica em torno dos livros da Escola-Modelo Benedito Leite faz emergir o debate sobre métodos de ensino, especialmente o método analítico6, caracterizador da chamada Pedagogia Moderna no início do século XX. Outra questão que vem à tona é a utilização do livro didático, mais precisamente, o livro de leitura. Há aproximadamente dez anos, a categoria cultura escolar passou a ganhar maior visibilidade dentro da historiografia educacional brasileira. Novas abordagens, novos métodos veem descortinando um universo de temáticas ainda inexploradas. De tudo isso, o que há em 5. Foucault (1987b, p.121) define o “detalhe” como uma “observação minuciosa, [...] um enfoque político das pequenas coisas para controle e utilização dos homens”. 6 No campo da leitura, o método analítico caracterizou-se por partir do mais simples para o mais complexo – do “todo para as partes”. Por esse método, o ensino da leitura deveria iniciar pelas unidades de sentido, frases ou palavras, que deveriam ser decompostas até a unidade mais abstrata, a letra. Foi largamente utilizado no início do século XX, em contraposição ao método sintético, que seguia processo oposto, e foi considerado mecânico pelos defensores do método analítico (MORTATTI, 2000).. 26.

(16) comum é o interesse pelos vários sujeitos da educação em suas ações cotidianas. Julia afirma (2001, p.10) que a cultura escolar pode ser definida “como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos [...]”. O autor chama a atenção dos pesquisadores para as práticas cotidianas desenvolvidas dentro da escola. Lado a lado com as normas, essas práticas funcionariam como elementos reveladores das representações de mundo construídas pelos atores sociais que pertencem a esse espaço social. Nesse sentido, Abreu Júnior (2005, p.145) diz que, assim como os estudos em história da educação têm caminhado no sentido das instituições educacionais, a fim de conhecê-las por dentro, a partir de suas “formas de organização e das ações empreendidas por todos os sujeitos envolvidos naquilo que é mais comumente conhecido como cultura escolar: valores, saberes, práticas e estratégias educacionais a partir de dentro de suas formas de organização”, há também uma cultura material escolar “que se manifesta vivamente pela concretude não só dos objetos, mas, também, das práticas empreendidas com esses (por meio desses) objetos [...]”. Isto posto, as categorias teóricas que norteiam este trabalho são: técnicas disciplinares, com ênfase na vigilância hierárquica; Discurso, entendido como poder, aquilo pelo qual se luta; e cultura material escolar. No campo das categorias empíricas, utilizaremos o método analítico e o livro didático. O desentendimento entre Barbosa de Godóis e Antônio Lobo iniciou quando o primeiro, no exercício da sua função de diretor da Escola-Modelo Benedito Leite, sugeriu a utilização do compêndio Escrita Rudimentar, de sua autoria – e que já era utilizado para o ensino da escrita na mesma escola – para a iniciação à leitura dos alunos, juntamente com o livro História do Maranhão, no auxílio da disciplina que levava o mesmo nome. Na execução do cargo de inspetor geral da Instrução Pública, Antônio Lobo rejeitou a adoção dos livros, sob a alegação de que estes não se adequavam ao método de aprendizagem utilizado naquele estabelecimento de ensino, o método analítico. Barbosa de Godóis, por sua vez, recorreu da decisão através de uma representação encaminhada ao governador Luís Domingues (19101914), que pediu ao inspetor que justificasse sua decisão. A disputa entre os dois educadores, travada durante três meses, diariamente, no Jornal Diário do Maranhão, a respeito da rejeição dos dois livros da autoria de Barbosa de Godóis, despertou em nós o interesse de compreender a importância da posse do discurso autorizado, legitimado, para aqueles dois intelectuais, no contexto da primeira década do século XX. 27.

(17) A leitura dos artigos da polêmica fez que surgissem questionamentos, tais como: Quais os argumentos do inspetor para a rejeição do livro? Por que Barbosa de Godois reagiu tão energicamente à rejeição de seus livros? Que interesses estariam por trás desse fato? Qual o significado da rejeição? Qual a importância da palavra final em uma discussão desse nível? O nosso interesse por esse estudo vinculado aos intelectuais e à história da educação tem uma longa trajetória. Diferentes objetos e diferentes abordagens até o delineamento final. Tudo começou na graduação em História-Licenciatura, na Universidade Estadual do Maranhão, concluída no ano de 2007, quando trabalhamos o período da literatura maranhense conhecido como Decadentismo. A pesquisa empregada resultou no trabalho monográfico intitulado Atenas brasileira X Babilônia de exílio: uma análise sobre a decadência intelectual do Maranhão (1894-1932). Esse trabalho nos proporcionou um primeiro contato com os intelectuais de maior expressão no início do século XX no Maranhão, dentre eles, Antônio Lobo e Barbosa de Godóis. Nesta pesquisa de pós-graduação, reduzimos para dois o número de personagens centrais e direcionamos o olhar para o campo educacional. Uma longa trajetória até aqui. Em comum, apenas o interesse pelos intelectuais maranhenses que movimentaram o Maranhão no início do século XX. Isto revela que um trabalho de pesquisa não é produto de uma “sentada”, como adverte Bourdieu (2006); na realidade, configura-se numa espécie de alquimia, em que novas experimentações, alterações de trajetória, mudança de perspectiva, e elementos inesperados, tão temidos por aqueles que ainda engatinham no território das pesquisas – com suas hesitações, embaraços e constrangimento pela falta de domínio das ferramentas que utiliza – podem, muitas vezes, trazer grandes contribuições. Esta pesquisa tem como lapso o período que vai de 1900 a 1911, que apesar de arbitrário, justifica-se pela necessidade de recorte para uma melhor compreensão do objeto da pesquisa. O ano de 1900 foi escolhido como ponto de partida por ter marcado o início do funcionamento da Escola-Modelo Benedito Leite, com Barbosa de Godóis na direção dos trabalhos, e a introdução de novos métodos de ensino determinados pela reforma educacional de 1899. O ano de 1911 foi determinado como limite porque foi quando ocorreu a polêmica sobre os livros da Escola-Modelo, que envolveu diretamente a introdução dos novos métodos de ensino prescritos no regulamento de 1900, e também por ser o último ano de Godóis na direção daquele estabelecimento de ensino. Obviamente, esses marcos temporais não nos impediram de, num momento ou noutro, recuar ou avançar um pouco mais no período determinado. Saviani (2004) aponta três tendências, em termos de periodização, que dominam os 28.

(18) trabalhos em história da educação. A primeira delas, e talvez a mais tradicional, baseia-se pelo parâmetro político, em que geralmente o modelo educacional adotado em um período é visto como uma consequência de decisões políticas do regime em vigência. A segunda caracterizase pelo determinismo econômico e busca, nas muitas fases da economia brasileira, os marcos necessários para a compreensão da educação no país. A terceira tendência, menos utilizada, mas em curso, é a que busca uma periodização baseada nos fatores internos do processo educativo. Esta última perspectiva orientou a produção deste trabalho; por isso nos desviamos da contextualização social, política e econômica do início do século XX, sobejamente conhecida, para nos debruçarmos apenas sobre as inovações pedagógicas em voga no início desse mesmo século, especialmente no Maranhão, a partir do Decreto de 7 de março de 1900, que regulamentava o funcionamento da Escola-Modelo Benedito Leite, recomendava o ensino intuitivo, nas escolas públicas primárias, e prescrevia o método analítico para a iniciação à leitura. Essa espécie de coordenada – definição do tempo e espaço dos objetos – é uma dimensão fundamental da pesquisa, pois focaliza a visão do pesquisador e aumenta o alcance do tema pretendido como objeto de estudo. “Precisamos nos perguntar, assim compreendo, o que essas coordenadas nos permitem enxergar e com que alcance” (NUNES, 2005, p.73). O percurso metodológico utilizado dessa investigação se baseia em dois marcos conceituais apontados por Abreu Júnior (2005). O primeiro marco refere-se ao paradigma indiciário, abordado por Ginzburg (1989, p.157), quando compara o trabalho do historiador à de um caçador de vestígios, ao afirmar que o “conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural”. Comentando o método indiciário, Abreu Júnior (2005, p.148) entende que “Guinzburg, procurou escapar [...] daquela forma de análise que [...] só vê a construção de estruturas globalizantes que desconsideram a leitura do que é pequeno e dos detalhes [...]”. Assim, o método indiciário consiste na observação atenta dos detalhes, dos “pormenores negligenciáveis”, dos “resíduos marginais” que permitem ao investigador penetrar em questões que uma visão globalizante descarta, ou seja, “remontar uma realidade complexa não experimentável diretamente” (GINZBURG, 1989, p.152), isto porque “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la” (GUINZBURG, 1989, p.177). Ginzburg (1989) afasta-se de uma investigação determinista, racionalizadora, e orienta-se por uma atitude que pode lidar com o inesperado, afirmando que a rigidez metodológica, aquela que Boudieu (2006) também condena, por engessar a atividade criativa do pesquisador, não é só inatingível, mas, também, indesejada para as formas de saber ligadas 29.

(19) à experiência cotidiana. Mais adiante, em suas considerações, Guinzburg (1989, p.179) afirma que “ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras pré-existentes”, sinalizando que o pesquisador deve ousar, ir além do preestabelecido. O segundo marco conceitual apresentado por Abreu Junior (2005), e que se faz necessário nesta investigação, é o conceito de estranhamento. Abreu Junior (2005, p.153) explica que “o estranhamento é um esforço para nos tirar da automatização a que somos levados pela força do hábito [...] é como afastar-se do senso comum [...] para encontrar a verdadeira realidade [...] cheia de mistérios e desafios para o nosso entendimento”. Bourdieu (2006, p.34) afirma que “construir um objeto científico é, antes de mais e sobretudo, romper com o senso comum”, uma vez que o “pré-construído está em toda parte”. No entanto, “não cair na armadilha do objeto pré-construído não é fácil, na medida em que se trata por definição, de um objeto que me interessa” (BOURDIEU, 2006, p. 30). Porém, de forma enfática, esse autor adverte que uma prática científica que não põe a si mesma em causa, não sabe o que faz. Dentro do contexto da cultura material escolar, o estranhamento é um convite para nos aproximarmos dos objetos do cotidiano escolar como se não fossem habituais, retirando-os da rotina diária e colocando-os numa posição de destaque, resgatando o sentido as práticas escolares. Para Certeau (2008, p.81), “em história tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira”. Dessa forma, “um trabalho é científico quando opera uma redistribuição do espaço e consiste, primordialmente, em se dar um lugar, pelo estabelecimento de fontes” – quer dizer, por uma ação instauradora e por técnicas transformadoras. Isto significa que, assim como as categorias e a periodização, as fontes não estão dadas. “São resultado de um laborioso trabalho do investigador” (NUNES, 2005, p.71). “Ao tomarmos as fontes históricas, devemos compreender que elas trazem as marcas, as intenções e as visões de mundo e de sociedade de quem as escreveu” [...] (CASTRO, 2009, p.325). É preciso desnaturalizar as fontes, só assim torna-se possível findar com a ilusão de que as fontes mostram os fatos como “realmente aconteceram.”7 A princípio, pensamos em trabalhar somente a questão do discurso como exercício de poder, porém, as leituras da obra foucaultiana, em sua fase arqueológica sobre o poder, nos fizeram perceber que a polêmica travada entre Antônio Lobo e Barbosa de Godóis, por conta 7. O modelo histórico que caracterizou o século XIX, embasado no positivismo, acreditava encontrar a verdade através dos documentos oficiais, considerados mais confiáveis. Com a emergência da nova história e dos estudos culturais, essa visão foi suplantada pelo alargamento do conceito de fonte.. 30.

(20) da rejeição da cartilha Escripta rudimentar, também estava inserida em um outro aspecto do poder que não pôde ser ignorado: o poder disciplinar – na forma da vigilância hierárquica, que já permeava toda a estrutura educacional no início do século XX. Esta conclusão mudou, em parte, a prioridade da análise – do discurso, para as disciplinas –, porque entendemos que a disputa pelo poder – neste caso, o poder identifica-se com a posse do discurso verdadeiro, autorizado, legitimado – foi detonada por uma ação disciplinar (sanção normalizadora), ou seja, a recusa da cartilha pela Inspetoria. A polêmica entre Antônio Lobo e Barbosa de Godois, em 1911, chegou até nós pelas páginas do jornal Diário do Maranhão (1911), entre os meses de abril e julho, no qual foram publicados os artigos por meio dos quais os autores contenderam a respeito da questão em litígio. Assim, o material sobre o qual está concentrado o foco de análise dessa pesquisa está embasado fundamentalmente nos artigos produzidos pelos dois intelectuais nas páginas desse jornal. Por conta da extensão da polêmica, e pela variedade de assuntos que ela envereda, optamos por apresentar apenas os temas centrais e o debate em torno de cada um deles, a despeito da ordem de datas dos artigos, ou seja, aqui os artigos foram reorganizados, não pela sequência de datas, e sim de temas para facilitar a exposição das ideias. Dessa forma, em cada tema serão apresentadas as concepções dos dois polemistas acerca do assunto em questão. A imprensa periódica é uma ferramenta importante para a compreensão do pensamento de uma época e suas representação, uma vez, que “a imprensa cria um espaço público através do seu discurso – social e simbólico – agindo como mediador cultural e ideológico.” (BASTOS, 2002, p.152). “Nessa direção analítica, o jornal pode ser representado pela metáfora do espelho que reflete a realidade, desde que entendamos, assim como a física explica, que refletir envolve distorção e refração” (VIEIRA, 2007, p.16). Portanto, cabe ao pesquisador fazer uma desmontagem do texto, como aconselha Bastos (2002, p. 153): Essa desmontagem significa análise do processo e das contradições de sua produção/construção, a partir dos discursos disponíveis – “composto de contradições o texto não é mais restrito a uma leitura única, harmoniosa e confiável. Ao invés disso torna-se plural, aberto à releitura e não mais objeto de consumo passivo, mas objeto de trabalho, através do qual o leitor produz significado.. Castro (2009) salienta que a pesquisa na imprensa periódica contribui para o desvio do olhar do curso oficial e da documentação manuscrita, possibilitando uma comparação entre os enunciados. No Maranhão, os intelectuais atuaram nos principais jornais do início do século XX na capital maranhense, entre eles, Pacotilha e Diário do Maranhão. Através da 31.

(21) leitura desses jornais, é possível encontrá-los a defender ideias no campo da educação, da política, publicando seus trabalhos que posteriormente foram compilados em forma de livro, polemizando sobre questões ortográficas, ciências e tantas outras. A origem do jornal Diário do Maranhão, palco da polêmica, é incerta, apesar de ser comumente atribuída a Frias8, este, em sua Memória sobre a tipografia maranhense (2001), indica que a iniciativa de publicar o jornal teria sido do Sr. Torres, primeiro proprietário da tipografia na década de 1850. Isto pode ser depreendido da sua afirmação: “Este mesmo senhor, projetando a publicação do Diário do Maranhão, que levou a efeito [...]” (FRIAS, 2001, p. 23). A data dessa primeira publicação é apresentada por Serra (2001, p. 35), quando afirma que, em 1855, “Aparece o Diário do Maranhão, sob a redação do Dr. Antônio Rego [...] dedicado a notícias comerciais”. O jornal desaparece provisoriamente, em 1858, para reaparecer em 1870. Serra (2001) afirma que, em 1873, tornou-se publicação diária, dando a entender que, apesar do nome, até essa data, não era publicado diariamente. Nesta segunda fase, o jornal fora contratado para a publicação dos atos oficiais e cumpriu essa função até 1905, quando, por meio do Decreto n.º 57, de 23 de dezembro, foi criada a Imprensa Oficial. Em 1911, o jornal apresentava-se como o mais antigo do Estado (DIÁRIO DO MARANHÃO, 23 nov. 1911), e atribui sua fundação a José Maria Correia de Frias, em 18699. Autointitulava-se um órgão imparcial e propriedade de uma empresa que levava o mesmo nome do jornal. Além da impressão do jornal e de alguns livros, a tipografia contava com um ateliê onde eram vendidos diversos tipos de materiais, como papel para cartas e cartões para diversas ocasiões, vendidos a “módico preço” (DIÁRIO DO MARANHÃO, 23 nov. 1911). O jornais foram as ferramentas mais utilizadas nesta pesquisa para nos situar no contexto citadino e escolar da capital maranhense naquele início de século. Como as autoridades escolares geralmente compunham a redação dos principais jornais da época, a exemplo de Antônio Lobo e Barbosa de Godóis, muito das atividades escolares – como festas, exames, frequência, entre outras – eram divulgadas pela imprensa local. Outras fontes também foram utilizadas neste trabalho, tais como: leis e regulamentos da instrução pública e mensagens de governadores, porque são esses dispositivos do final desse século que guiarão os destinos da educação nas primeiras décadas do século XX, além dos trabalhos publicados 8. José Maria de Correia Frias foi um dos mais importantes tipógrafos do Maranhão. Viveu a fase áurea da impressão tipográfica no século XIX e foi responsável pela introdução de importantes melhoramentos na produção de livros e jornais. Para saber mais sobre Frias, ver Hallewell (1985) e Frias (2001). 9 Talvez essa divergência de informações a respeito do verdadeiro fundador do jornal deva-se ao fato de Frias ter se tornado proprietário da tipografia após a morte do Sr. Torres em 1857, portanto, dois anos após a data de fundação do jornal marcada por Joaquim Serra (2001). A data apresentada pela redação do jornal como sendo sua fundação (1869) é, na realidade, sua reaparição, e diverge em um ano da data afirmada por Serra (2001), que é 1870.. 32.

(22) pelos dois intelectuais envolvidos na disputa. Por meio dessas ferramentas, objetivamos reconstituir parte do cenário educacional do Maranhão do início do século XX, tendo em vista o funcionamento da Escola-Modelo, anexa à Escola Normal, e das demais escolas públicas primárias, além das relações de poder travadas nas mais diversas instâncias do campo educacional. Conflitos periféricos, relacionados à questão dos livros da Escola-Modelo envolvendo personagens como o professor paulista Arnaldo de Oliveira Barreto, também serão destacados. Durante a elaboração deste trabalho, nos deparamos com algumas dificuldades. Entre elas, o fechamento da Biblioteca Pública do Estado, que impossibilitou o acesso a um número maior de jornais e documentos que poderiam ampliar essa discussão, e o fato de não termos encontrado nenhum exemplar da cartilha Escripta rudimentar para uma análise mais detalhada do material. “Sendo uma espécie de produção marginal, o livro escolar não foi e nem tem sido depositado em bibliotecas públicas de forma sistemática” (BITTENCOURT, 2008, p.18). No caso das cartilhas, esse quadro agrava-se mais ainda. Isso ficou evidente quando percebemos que, de toda a produção didática de Godóis, a cartilha Escripta rudimentar é a única indisponível por não constar em nenhum acervo no Estado. Assim, a caracterização da cartilha que apresentamos neste trabalho foi recolhida da descrição feita pelos polemistas no Diário do Maranhão. Outra dificuldade refere-se à impossibilidade de analisar toda a polêmica, que se relaciona a dois livros didáticos – História do Maranhão e Escripta rudimentar – da autoria de Godóis. A densidade do material coletado nos forçou a delimitar para esta pesquisa apenas a discussão em torno da cartilha Escripta rudimentar, que concentra a maior parte do debate. Após esses esclarecimentos, vale ressaltar que o trabalho está dividido em três capítulos. Iniciamos pela reconstrução do cenário da educação pública primária no Maranhão, na primeira década do século XX, e toda a construção imagética da escola como ferramenta para o progresso da nação, focalizando os principais dispositivos disciplinares utilizados naqueles contexto escolar. Em seguida, abordamos a polêmica sobre a cartilha Escripta rudimentar, rejeitada pela Inspetoria de Instrução para a iniciação à leitura dos alunos do 1.º ano da Escola-Modelo Benedito Leite, no ano de 1911. A partir da prespectiva foucaltiana de saber/poder, tentamos compreender o que significava, para os envolvidos na polêmica, o domínio do saber institucional legitimado, disputado por meio do debate acerca dos detalhes da cartilha em comparação ao método analítico. Finalmente, para uma melhor compreensão das enunciações, buscamos compreender os lugares institucionais dos envolvidos na polêmica, a origem do desentendimento entre 33.

(23) Lobo e Godóis, mostrando que a polêmica era mais um ato do drama que vinha se desenrolando desde a chegada de Luís Domingues ao governo do Estado (1910-1914) e a nomeação de Antônio Lobo para a Inspetoria Geral de Instrução Pública. Depois, fazemos uma tentativa de caracterização da cartilha Escripta rudimentar dentro das tendências pedagógicas da época, e finalizamos com as críticas feitas por Godóis à adoção da Cartilha Analítica do professor paulista Arnaldo Barreto, em detrimento da sua Escripta rudimentar. A relevância desta pesquisa justifica-se, não apenas pela discussão que propõe, mas também pelo resgate histórico dos personagens envolvidos e da cartilha Escripta rudimentar, que acreditamos ser a primeira cartilha elaborada por um autor maranhense. Outro aspecto que ganhou destaque é o provável pioneirismo do Maranhão, em relação a outras capitais brasileiras, na implantação oficial do método analítico de leitura já no ano de 1900, uma vez que a capital paulista, que serviu de parâmetro para a maioria dos estados brasileiros na questão da implantação de métodos, só oficializou a utilização do método analítico nos grupos escolares do interior e do estado durante a primeira gestão de Oscar Thompson na Diretoria Geral da Instrução Pública, entre os anos de 1909 e 1910 (MORTATTI, 2000). Este trabalho não encerra conclusões definitivas sobre o tema proposto, apenas levanta possibilidades de análise e oferece elementos para a ampliação do debate sobre esse momento da história da educação no Maranhão. Acreditamos que este estudo será complementado, posteriormente, com novas pesquisas e novas abordagens que ajudarão a montar o quebra-cabeça da história da educação e, mais especificamente, da cultura material escolar do país.. 2 OFICINA DESLUMBRANTE. 34.

(24) Este capítulo trata das escolas públicas primárias da capital maranhense, na primeira década do século XX, momento inciático da implantação do ensino seriado e simultâneo, concomitante às escolas isoladas. Foi o momento da introdução de novos métodos de ensino e materiais didáticos que implicavam na adequação de professores e alunos às novas exigências do campo pedagógico. Esse modelo de ensino, considerado moderno, foi acompanhado da criação de um corpo de dispositivos legais que prescreviam normas de comportamentos e penalidades aos infratores. Nesse contexto, vigilância e punição são faces da mesma moeda, envolvendo os atores sociais em uma rede de micropoderes. Como pano de fundo, temos a representação imagética da escola como agente conformador das “pedras” que compõem o alicerce de uma nação civilizada e industrial. Associações da escola a outras representações como luz, sacerdócio, progresso, liberdade e futuro, em contraposição às trevas, ao pranto e às sombras da ignorância, foram comuns nos discursos políticos e literários desse período.. 2.1 TENDA DO PROGRESSO. 35.

(25) A Escola Os astros no firmamento Despredem raios á flux... A Escola como os astros Tambem se desdobra em luz. A estrella é o pranto d’aljofar que cae dos olhos de Deus; a Escola é o sol no horisonte que a treva expelle dos céos... Precisa a estrella da noite, para expandir seo clarão; a Escola é um dia perenne. Porque derrama a intrucção. Retirando d’alma a sombra, A escola prodigios faz E se converte n’um templo do sacerdócio da paz. Pela estrada do futuro ei-la que estende o fulgor... Salve, a tenda do progresso, da liberdade e do amor! (DIÁRIO DO MARANHÃO, 02 ago. 1902). A segunda década republicana caracterizou-se, no campo educacional, pela representação da escola na condição de reduto de saber e instrumento pelo qual haveriam de ser expulsas as trevas da ignorância. Isso explica a inclusão sistemática da educação no debate político-administrativo de quase todas as capitais brasileiras. As sucessivas reformas visando a modernização do ensino são sintomáticas dessa preocupação. Nagle (2001, p. 135) afirma que: O entusiasmo pela educação [...] que tão bem [...] [caracterizou] a década de 1920, [...] [começou] por ser, no decênio anterior, uma atitude que se desenvolveu [...] e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos.. A discussão em torno da aplicação de eficientes métodos de ensino foi outra característica marcante daquele início de século, momento em que o pensamento positivista havia alcançado boa parte do mundo ocidental e era o modelo de cientificidade, orientando debates nos círculos intelectuais. No Brasil, esta corrente filosófica chegou por intermédio dos filhos da elite econômica do país, que, ao retornarem de seus estudos na Europa – para ocuparem cargos dos mais variados setores da administração pública –, passaram a disseminar a literatura e os novos pensamentos pautados no positivismo.. 36.

(26) No campo educacional, esta doutrina defendia a laicização do ensino e a introdução das ciências no currículo escolar, até então de caráter humanístico, com ênfase em disciplinas como Teologia, Filosofia, Literatura e línguas clássicas. Intelectuais, como Émile Durkheim, Alfred North Whitehead, Bertrand Russel e Ludwig Wittgenstein, deram importantes contribuições para o avanço do pensamento pragmático da pedagogia, enfatizando a formação do espírito científico e o desenvolvimento da lógica (GADOTTI, 2008). Um exemplo desse processo de laicização e introdução das ciências no currículo pode ser observado no Liceu Maranhense, se compararmos sua primeira estrutura curricular, em 1838, com a estrutura curricular de 1899, após dez anos de regime republicano. Pela comparação entre os dois currículos abaixo, pode-se inferir que foi significativo o aumento do número de disciplinas que concentravam os avanços científicos mais recentes, como Mineralogia e Geologia. Também é possível constatar o surgimento da tendência nacionalizante do ensino com a introdução da História do Brasil e da Literatura Nacional. Ao lado das Línguas Latina, Francesa e Inglesa, houve o incremento da língua da Alemanha, outra potência econômica e grande centro irradiador de conhecimentos científicos no início do século XX. Essa tendência cientificista foi confirmada pelo desaparecimento de outras disciplinas que caracterizavam o currículo humanístico clássico, como Gramática Filosófica e Filosofia Racional e Moral. 1838 1.° MATEMÁTICA 2.° GEOGRAFIA 3.° GRAMÁTICA FILOSÓFICA 4.° LATIM 5.° RETÓRICA 6.° FRANCÊS 7.° INGLÊS 8.° HISTÓRIA UNIVERSAL 9.° COMÉRCIO 10.° FILOSOFIA RACIONAL E MORAL Tabela 1. Currículo do Liceu Maranhense (1838). Fonte: Fernandes (2003). 37.

(27) 1899 1.° LINGUA PORTUGUESA 2.° LÍNGUA LATINA 3.° LÍNGUA GREGA 4.° LÍNGUA FRANCESA 5.° LÍNGUA INGLESA 6.° LÍNGUA ALEMÃ 7.° MATEMÁTICA 8.° ASTRONOMIA 9.° FÍSICA 10.° QUÍMICA 11.° GEOGRAFIA 12.° MINERALOGIA 13.° GEOLOGIA 14.° METEREOLOGIA 15.° BIOLOGIA 16.° HISTÓRIA UNIVERSAL 17.° HISTÓRIA DO BRASIL 18.° LITERATURA GERAL E NACIONAL 19.° HISTÓRIA DA FILOSOFIA 20.° DESENHO 21.° MÚSICA 22.° GINÁSTICA 23.° ESGRIMA Tabela 2. Currículo do Liceu Maranhense (1899). Fonte: Fernandes (2003).. Sintetizada no lema “ordem e progresso”, a doutrina positivista concebia a educação como uma ferramenta poderosa contra a estagnação social, considerada uma chaga impeditiva do progresso. Portanto, a instrução das massas tornou-se a bandeira de luta dos partidários do republicanismo (GADOTTI, 2008). Nagle afirma que naquele início de século se configurou a oposição entre o “espírito literário” e o “espírito científico”, argumentando-se, contra o primeiro, que as humanidades clássicas representavam a “aristocrática pedagogia literária grego-latina”, que mais serviam aos retóricos, poetas e filósofos. A favor do segundo, “[...] descobriu-se que o modelo mais adequado às exigências do mundo contemporâneo é aquele que se constrói à base do princípio da utilidade [...] a formação científica se transforma no mais rico, vigoroso e atual padrão de ensino e cultura, o único capaz de colocar a nação à altura do século e dar as bases sólidas ao desejado progresso econômico do país (NAGLE, 2001, p. 157-158).. O pensamento em torno da necessidade de instrução como veículo para o progresso, que caracterizou o regime republicano, foi gestado ainda na monarquia. Algumas vozes dissonantes àquele regime, desde meados do século XIX, já apontavam para os novos rumos que a educação deveria tomar. No Maranhão, Almeida de Oliveira10 (1843-1887), mesmo vivendo em pleno regime monárquico, ansiava pela 10. Advogado, jornalista, educador, deputado pelo Partido Liberal do Maranhão e fundador da Escola Onze de Agosto, onde proferiu várias conferências relativas à questão educacional. Dentre elas, estão: “A. 38.

(28) república, pois via nessa forma de governo as ferramentas que resgatariam o país do atraso. Em seu trabalho O ensino público (1873), dedicado ao republicanismo, foram reunidos pensamentos inovadores no campo da educação – influenciado pelo modelo norte-americano, no qual buscou inspiração. Oliveira acreditava que o triunfo do país viria por meio da instrução, pois, como ele mesmo afirmava: “[D]e nada vale uma grande herança no meio de uma sociedade ignorante, corrompida e atrasada” (OLIVEIRA, 2003, p. 14). Em sua análise da situação, no último quartel do século XIX, Oliveira assevera que, apesar de rico, o Brasil era o país que mais oferecia incertezas e dificuldades aos seus cidadãos, devido ao quadro de ignorância em que vivia mais de 80% da população. Por essa razão, a vida intelectual no Brasil era uma grande aspiração. Nesse trabalho, traçou as linhas gerais do que denominou “a grande obra da instrução pública”. Suas reflexões giraram em torno de questões como: obrigatoriedade, gratuidade, liberdade, secularização do ensino e coeducação dos sexos. Ao tratar desse último aspecto, a coeducação, Oliveira sabia que este tema seria alvo de muitas críticas devido ao vigor do pensamento conservador da época, ao que afirmou: “Proponho a co-educação dos sexos. Mas oh! Ainda não expendi as razões da minha proposta, e já me parece ouvir o preconceito bradar contra ela. ‘Que perigo... Escola de meninos e meninas! Para que serve isso? Para se amarem antes do tempo? [...]” (OLIVEIRA, 2003, p. 115). Quanto ao ensino primário, utilizando-se do exemplo norte-americano, já apontava para um modelo de ensino seriado dividido em três graus: classe primária, secundária e superior, correspondentes, respectivamente, à primary school, secundary school e a high school dos americanos. Em sua visão, “Essas divisões são exigidas pela capacidade dos alunos que varia de uns para outros, e faz com que nem todos possam marchar pari passu” (OLIVEIRA, 2003, p. 134). Os alunos levariam cerca de quatro anos em cada classe, encerrando seus estudos com aproximadamente 18 anos. A ideia de um ensino graduado reunindo todas as classes num mesmo prédio, com materiais e mobília adequada para o ensino, como defendia Almeida Oliveira (2003), seria uma realidade no Brasil muitos anos mais tarde, nas chamadas escolas graduadas do período republicano.. necessidade da instrução”, “A instrução e a ignorância”, “Discurso sobre a educação feminina” (OLIVEIRA, 2003 / Prefácio de Vieira).. 39.

(29) Em suas considerações a respeito do “ensino inferior”, o autor dedica-se à explanação de um método “seguro de exercer utilmente e desenvolver nos discípulos a atenção, a observação, a reflexão e o raciocínio” (OLIVEIRA, 2003, p. 136), conhecido como objects lessons ou lessons on objects ou ainda teaching objects, e que ficou conhecido no Brasil como Lições de coisas, cujos objetivos eram: Cultivar as faculdades pela ordem natural do seu desenvolvimento; por conseqüência começar pelos sentidos; não dizer à criança nada do que ela pode descobrir por si mesma. Reduzir cada objeto aos seus elementos mais simples. Explicar apenas uma dificuldade de cada vez; caminhar passo a passo sem parar, pois que a medida da informação não está no que o mestre pode dar, mas no que o discípulo pode receber; dar a cada lição um fim determinado, imediato ou próximo. Desenvolver a idéia, depois a palavra, aperfeiçoar a linguagem, ir do conhecido para o desconhecido, do particular para o geral, do concreto para o abstrato, do simples para o composto; [...] seguir não a ordem do assunto, mas a ordem da natureza [...] os primeiros objetos de que lhes falará serão os que já lhe são familiares (OLIVEIRA, 2003, p. 135).. Após dar exemplos de aulas que ele presenciou numa escola em Boston, concluiu que o ensino intuitivo pelas lições das coisas “preparam maravilhosamente o espírito para um ensino científico” (OLIVEIRA, 2003, p. 139), e sugeriu que o ensino intuitivo, por meio das lições de coisas, fosse introduzido no ensino brasileiro: “não cessaremos de lhes recomendar o uso do método americano do ensino por meio dos objetos; é extremamente proveitoso. Com certeza se alcançariam excelentes resultados” (OLIVEIRA, 2003, p. 141). Almeida Oliveira reflete o pensamento de uma época em que o método intuitivo era visto como um instrumento capaz de reverter a ineficiência de um ensino escolar, caracterizado por Valdemarin (2004), como insatisfatório por priorizar uma aprendizagem baseada na memorização e na abstração, formando alunos que não dominavam a leitura e a escrita. Esse pensamento, voltado para o progresso do país, tão evidenciado no discurso de Almeida Oliveira, foi a bandeira de luta do liberais e do partido republicano e acompanhou os intelectuais por toda a primeira década do século XX. Acreditava-se que um regime, autointitulado como sendo do povo, necessitava de uma sólida organização escolar (REIS FILHO, 1995). O método intuitivo que Oliveira conheceu nos Estados Unidos foi divulgado no Brasil por intermédio do livro Primeiras lições de coisas, do educador americano Norman Allison Calkins, traduzido por Rui Barbosa, e que se tornou símbolo da renovação pedagógica no início do século XX, tendo muitos adeptos. Desse modo, a maioria das escolas graduadas das primeiras décadas da República foram regidas por 40.

(30) essa orientação pedagógica, expressa na utilização de moderno mobiliário escolar, materiais didáticos, museus e laboratórios (SAVIANI, 2004). Com base no empirismo, que afirmava estar a origem das ideias nas percepções dos sentidos, Calkins considerava as palavras como expressões de concepções internas, utilizadas para comunicar ideias, logo, deveriam ser o ponto de partida do ensino da leitura, largando do princípio de que o melhor método de ensino era aquele que partia do conhecido – palavras que a criança já conhecia –, para o desconhecido – palavras abstratas que a criança ainda não entendia. Objetivando uma “leitura inteligente”, a aplicação do método intuitivo de Calkins ao ensino da leitura pode ser considerado um exemplo do movimento de renovação pedagógica ocorrido em fins do século XIX. Envolvendo processos mais complexos, contrapõe-se aos métodos mecânicos de memorização e soletração, que iniciam o ensino da leitura pelos sons ou pelas letras (VALDEMARIN, 2004). No Maranhão, o método intuitivo foi largamente difundido nas escolas seriadas, principalmente na Escola-Modelo Benedito Leite. Por isso, para uma melhor compreensão da aplicação desse método e da organização das escolas públicas primárias, faz-se necessário refazer o cenário da educação pública primária na capital maranhense no início do século XX, objetivando entender sua inserção no discurso da chamada “Pedagogia Moderna”. A primeira década do século XX, no Maranhão, refletiu, em termos de educação pública, as iniciativas modernizadoras encetadas no final do século XIX, quando Benedito Pereira Leite11, líder do Partido Federalista, que dominava o cenário político no Estado, influenciado pelos ideais liberais, lutou pela revitalização da educação primária, tendo ao seu lado o intelectual Antônio Barbosa de Godóis12, a quem, apesar das divergências políticas, confiou a execução do projeto modernizador. A primeira iniciativa de Benedito Leite, nesse sentido, foi a Reforma de 189513, transformada na Lei n.° 119, de 2 de maio daquele ano. A lei14 tratava fundamentalmente da reorganização do ensino público primário. Além de outras. 11. Deputado federal (1892-1896), senador da república (1896-1906) e governador (1906-1909) (FERREIRA, 2004). 12 “Político e jornalista, militou no Partido Liberal [...] foi um distinto pedoagogista e com Almir Nina muito ajudou o Maranhão, a partir da administração do gov. Torreão da Costa, a remodelar e modernizar a instrução pública no Estado. Deixou impressos vários livros didáticos [...] (MARQUES, 2008, p. 82). 13 Mais detalhes sobre a Reforma Benedito Leite, ver A Instrução pública primária maranhense na primeira década republicana (SALDANHA, 2008). 14 Original de Leis 1892-1895 (set/abr) – Arquivo Público do Estado do Maranhão. 41.

(31) disposições, elevou para 150$000 réis15 (cento e cinquenta mil réis) o salário dos professores primários formados pela Escola Normal, numa tentativa de atrair alunos e motivar os que ali se achavam a concluírem o curso, que, desde a sua fundação em 189016, vivia sucessivas crises e constantes ameaças de fechamento. Apesar do significativo aumento do número de matrículas17 verificado após essa reforma, Saldanha (2008) informa que, em dez anos (1890-1899), a Escola Normal diplomou apenas onze estudantes. Esse fato refletia diretamente na educação primária do Estado, que tinha seu corpo docente formado, em sua maioria, por pessoas despreparadas e que muitas vezes não dominavam nem os rudimentos da instrução básica. Motivado por esse quadro, Benedito Leite elaborou, em 1899, uma nova reforma que tinha como objetivo central reorganizar a Escola Normal e colocar em funcionamento a Escola-Modelo para o estágio dos normalistas, que, desde maio de 1896, existia só no papel.18 O ano de 1899 marcou, segundo Barbosa de Godóis (1911), o início de um movimento reformador da educação maranhense, que se desenvolveu por toda a primeira década do século XX, distinguindo a “cultura primária antiga”, dos “modernos métodos de ensino”. A reforma não atingiu apenas a Escola Normal e Modelo, mas também todas as escolas do ensino primário do Estado. As medidas reformadoras empreendidas por Benedito Leite se caracterizaram pela atenção com o ensino primário. Viveiros (1960, p. 166) afirma que no pensamento de Benedito Leite “nada valeriam as academias enquanto as escolas primárias não fossem uma realidade, [porque] a construção de um edifício deveria começar pelos alicerces”. Assim, o aumento do salário dos professores primários, a reforma da Escola Normal e a criação da Escola-Modelo foram os pontos principais dessas reformas. Somente o trabalho em prol da educação no estado colocaria Barbosa de Godóis e Benedito Leite lado a lado, uma vez que aquele era redator-chefe da Pacotilha19, jornal do Partido Republicano dirigido por Costa Rodrigues, e por meio do 15. Um ano depois por meio da Lei n.º 164, de 21 de maio de 1896, novo aumento foi aprovado elevando os salários das professoras normalistas para 250$000 (duzentos e cinquenta mil réis) mensais na capital e 200$000(duzentos mil réis) no interior. (Coleção das Leis do Estado do Maranhão de 1996 – Arquivo Público do Estado do Maranhão). 16 A criação da Escola Normal foi efetivada pelo Decreto n.° 21, de 15 de abril de 1890, no governo de José Tomás Porciúncula. 17 O relatório do diretor substituto da Escola Normal, Barbosa de Godóis, enviado ao governador João Gualberto T. Costa, em 1900, atesta que em 10 anos (1890-1899) as matrículas cresceram de 16 para 46 alunos (SALDANHA, 2008). 18 A Escola-Modelo foi criada através da Lei n.° 155, de 6 de maio de 1896. 19 Jornal fundado em 1880 por Vítor Lobato. “Auxiliado por dois amigos, o Libani e o Nemrod Vale, Vítor criou a gazeta moderna, barata, a 40 réis por exemplar – jornal leve, pazenteiro [...]. A gazeta tinha. 42.

Referências

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