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DIREITOS HUMANOS, AUSTERIDADE E A VIA LEGISLATIVA NACIONAL

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RVMD, Brasília, V. 12, nº 1, p. 36-59, Jan-Jun. 2018

DIREITOS HUMANOS, AUSTERIDADE E A VIA LEGISLATIVA NACIONAL

HUMAN RIGHTS, AUSTERITY AND THE NATIONAL LEGISLATIVE RIGHT

Guilherme Pavan Machado Resumo: O presente trabalho toma como dois

palanques de discussão os direitos humanos, na sua acepção pós Organizações das Nações Unidas e a via legislativa nacional, em especial a brasileira, tendo como cenário do debate a austeridade. Esse triângulo argumentativo que será desenvolvido tem o objetivo de investigar se a via legislativa nacional, carregada com medidas de austeridade, identificadas pelas Emendas Constitucionais 86/2015 e 95/2016, podem impactar na proteção e realização dos direitos humanos pelo país. Nesse sentido, o problema que norteou a pesquisa consiste, justamente, na indagação: os direitos humanos podem ser violados quando a via legislativa nacional promulga textos com nítido caráter austero? Amparado pelo método fenomenológico-hermenêutico e por meio de revisão bibliográfica, buscar-se-á abordar a temática sobre dois frontes, sendo o primeiro direcionado para o delineamento de uma concepção de direitos humanos atrelada à Organizações das Nações Unidas, para num segundo tópico, abordar a crise do Brasil, assim como as medidas de austeridade da atualidade brasileira. De antemão, pode-se afirmar que em tempos de recessão permanece a necessidade de atentar para os direitos humanos, de garantir-lhes proteção e realização.

Palavras-chave: Direitos humanos; Emenda Constitucional; Austeridade.

Abstract: The present paper takes as two stages of discussion the human rights, in its meaning after United Nations Organizations, and the national legislative route, in particular the Brazilian one, having as a scenario of the debate the austerity. This argumentative triangle that will be developed has the objective of investigating whether the national legislative route, loaded with austerity measures identified by Constitutional Amendments 86/2015 and 95/2016, can impact on the protection and realization of human rights by the country. In this sense, the problem that guided the research is precisely the question: can human rights be violated when the national legislative route promulgates texts with clear austere character? Based on the phenomenological-hermeneutic method and through a bibliographical review, it will be tried to approach the theme on two fronts, the first one directed to the design of a conception of human rights tied to the United Nations Organizations, for a second topic, to address the Brazilian crisis, as well as the current Brazilian austerity measures. In advance, it can be said that in times of recession the need to pay attention to human rights, to guarantee them protection and fulfillment, remains.

Keywords: Human rights; Constitutional amendment; Austerity.

SUMÁRIO: Introdução 1. Relação (inter)nacional: direitos humanos e o legislativo 1.1 Direitos humanos pós-nações unidas. 1.2 Medidas legislativas de austeridade. Considerações finais. Referências bibliográficas

Mestrando em Direito pela Faculdade Meridional IMED, na linha de pesquisa Fundamentais do Direito e Democracia. Membro do Grupo de Pesquisa: Direitos Fundamentais, hermenêutica e proporcionalidade: crítica ao desenvolvimento prático-teórico do dever de proteção aos Direitos Fundamentais. Bacharel em Direito pela Faculdade Meridional IMED. Advogado.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho toma como dois palanques de discussão os direitos humanos, na sua acepção pós Organizações das Nações Unidas, e a via legislativa nacional, em especial a brasileira, tendo como cenário do debate a austeridade. Esse triângulo argumentativo que será desenvolvido tem o objetivo de investigar se a via legislativa nacional, carregada com medidas de austeridade identificadas pelas Emendas Constitucionais 86/2015 e 95/2016, podem impactar na proteção e realização dos direitos humanos ratificados pelo país.

Nesse sentido, o problema que norteou a pesquisa consiste, justamente, na indagação: os direitos humanos podem ser violados quando a via legislativa nacional promulga textos com nítido caráter austero? Vale ressaltar que tal tema, objeto deste artigo, vem acompanhado de uma série de promulgações pelo Legislativo nacional para tentar reverter a crise que paira sobre o Brasil, como o Novo Regime Fiscal, instaurado pela Emenda Constitucional 95/2016.

Amparado pelo método fenomenológico-hermenêutico e por meio de revisão bibliográfica, buscar-se-á abordar a temática sobre dois frontes, sendo o primeiro direcionado para o delineamento de uma concepção de direitos humanos atrelada à Organizações das Nações Unidas, assim como documentos internacionais importantes ratificados pelo Brasil. Para, num segundo tópico, abordar a crise do Brasil, assim como as medidas de austeridade da atualidade brasileira e as implicações que trazem para o funcionamento estatal, buscando, nas considerações finais, confirmar ou afastar as hipóteses erigidas.

A hipótese levantada para embasar a pesquisa consiste na confirmação que a via legislativa nacional, por meio das Emendas Constitucionais 86/2015 e 95/2016, ofendem a realização dos direitos humanos no Brasil, em razão dos efeitos que irradiaram para o ordenamento brasileiro, em desacordo com o ratificado em importantes documentos internacionais.

Por fim, a justificativa deste trabalho vem em um momento que se vivencia a forte crise ético-político-econômica brasileira, assim como impacta na realização dos direitos humanos e fundamentais, merecendo importância a análise de posicionamento do Estado brasileiro, se desvia ou permanece com os olhos voltados às garantias e direitos dos indivíduos.

1. RELAÇÃO (INTER)NACIONAL: DIREITOS HUMANOS E O LEGISLATIVO

1.1 DIREITOS HUMANOS PÓS-NAÇÕES UNIDAS

Preliminarmente, importante ressaltar que o recorte que será dado a concepção de Direitos Humanos no presente trabalho é derivado da Organização das Nações Unidas (ONU), de forma específica da cartilha de direitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Isso porque os temas que serão abordados tratam da violação sistemática de direitos humanos dos países pela via

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legislativa nacional. Assim, a perspectiva majoritária trabalhada pelos países em matéria de Direitos Humanos coaduna com o viés pugnado pela ONU e da Declaração de 1948, bem como uma abordagem jusfilosófica da matéria distancia-se do objetivo do trabalho.

Assim, como pano de fundo do artigo, será utilizada a concepção de Direitos Humanos defendida por Mazzuoli (2014, p. 23), que os define como direitos protegidos em um âmbito internacional em face das ofensas praticadas por Estados para com as pessoas sob sua jurisdição. Nesse sentido, é um dever do Estado para com a ordem internacional exercer um mínimo de proteção dos direitos humanos, secularizando a nacionalidade das pessoas, importando apenas que estejam sob a jurisdição estatal1.

Ademais, Mazzuoli (2014, p. 23) ressalta que o vetor para exercício dos direitos humanos consiste na própria condição de ser humano, pela existência. Por isso o referido autor afirma que tais direito tem como ponto fundante a dignidade, inerente a toda e qualquer pessoa.

A dignidade da pessoa humana, portanto, constitui-se “[...] verdadeiro núcleo-fonte de todos os demais direitos fundamentais do cidadão, por meio do qual todas as pessoas devem ser tratadas e julgadas de acordo com os seus atos” (MAZZUOLI, 2014, p. 23). Sarlet (2012, p. 77) ressalta que “a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano”, portanto, pessoa humana e dignidade fundem-se e tornam-se um único conceito.

Nada obstante, a noção de direitos humanos calcada na DUDH, tem como características basilares a (i) historicidade, (ii) universalidade, (iii) essencialidade, (iv) irrenunciabilidade, (v) inalienabilidade, (vi) inexauribilidade, (vii) imprescritibilidade, e (viii) vedação do retrocesso (MAZZUOLI, 2014, p. 24-25). De forma complementar, vale destacar em Ramos (2014, p. 25) os seguintes conceitos-chave: (ii) universalidade, (iii) essencialidade, (ix) superioridade normativa.

Ambos os autores, Mazzuoli (2014) e Ramos (2014), convergem quanto à ideia da (i) universalidade desses direitos, consistindo, em uma concepção simplista, de que são de todas as pessoas, e da (ii) essencialidade, compreendida pela indispensabilidade de tais direitos por estarem banhados de valores fundantes dos seres humanos, a exemplo da dignidade da pessoa humana, que vão embasar sua proteção.

1 Mazzuoli afirma que “Os direitos humanos são, portanto, direitos protegidos pela ordem internacional (especialmente por meio de tratados multilaterais, globais ou regionais) contra as violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. São direitos que estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim sendo, garantem às pessoas sujeitas à jurisdição do Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção (v.g., em nosso entorno geográfico, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que poderá submeter a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos). Destaque-se que, quando se trata da proteção dos direitos humanos, não importa a nacionalidade da vítima da violação, bastando que ela tenha sido violada em seus direitos por ato de um Estado sob cuja jurisdição se encontrava”. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 23.

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De modo particular, Mazzuoli (2014, p. 24-25), irá abordar algumas outras peculiaridades dos direitos humanos, como: (i) historicidade, baseada na ideia da construção de tais direitos ao longo do tempo, portanto, acumulam uma bagagem histórica; (iv) a indisponibilidade desse direito a seu titular, ou seja, o ser humano não tem a possibilidade de renunciar seus direitos humanos; (v) do mesmo a alienabilidade, não podem os direitos humanos tornarem-se moeda, valor monetário. Ademais, a características da (vi) inexauribilidade demanda a ideia de inesgotabilidade, ou seja, pode haver uma expansão de seu catálogo, mas não o seu esgotamento, bem como a (vii) imprescritibilidade garante o perpetuar destes direitos com o passar do tempo. Por fim, a (viii) vedação do retrocesso2 dá suporte para que “os direitos humanos devem sempre (e cada vez mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano, não podendo o Estado proteger menos do que já protegia anteriormente” (MAZZUOLI, 2014, p. 25).

Peculiarmente em Ramos (2014, p. 25-27) o aspecto da preferenciabilidade ou superioridade normativa (ix), por sua vez, denota a ideia de que os direitos humanos preponderam sobre outras normas, por exemplo, “razões de Estado”.

Incidentalmente, uma crítica exarada em face de uma concepção universalista dos Direitos Humanos é que isso se dá apenas abstratamente. Com a proposta de uma (re)aproximação entre Humanismo e Direitos Humanos, Caletti e Staffen (2016) afirmam que a crise que perpassam os últimos deve-se pelo afastamento do primeiro, considerado gérmen constituidor dos Direitos Humanos3. Nesse sentido, a crítica se dirige frente ao processo de universalização abstrata em detrimento da concepção material da pessoa, esquivo, portanto, aos ideais humanistas (CALETTI, STAFFEN, 2016, p. 208). Especula-se, complementarmente, que Stefano Rodotà (2012, p. 148-152), ao falar da constitucionalização da pessoa, almejava reviver esse ideal de Humanismo, por meio preponderância da pessoa, entendida na sua concretude, sobre o sujeito, na sua acepção abstrata.

Há que se atentar, também, que não se vivencia em um cenário onde a soberania estatal é referencial para as regulações normativas. Isso acontecia quando as fronteiras eram duras e o transnacionalismo ainda era um feto. Hodiernamente, portanto, percebe-se um deslocamento de algumas bases da regulação tradicional, baseada no positivismo jurídico clássico.

2 Do decorrer do trabalho será abordado o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que prevê uma obrigação do Estado que o ratifica do dever de realização progressiva dos direitos que compõe o documento internacional, ao passo que a Emenda Constitucional 95/2016 estagnou os patamares de financiamento e investimento nessas pautas.

3 “O ideal de Direitos Humanos nasce, nessa conformidade, integrado pela noção de proteção à pessoa enquanto ser humano e pelo pressuposto de dignidade. Importa pontuar, desde agora, que esse ideal não é fechado, imóvel e composto de um único caractere. Ele adveio com essa premissa dignitária do ser, todavia, na sua gênese, é poroso a outras demandas que, ao longo do tempo, pela conformação do momento histórico, lhe vão sendo atraídas”. CALETTI, Leandro; STAFFEN, Márcio Ricardo. A necessidade de uma universalidade rediviva para os direitos humanos. In: Revista Culturas Jurídicas, Niterói, Vol. 3, Núm. 5, p. 192-216, 2016, p. 196.

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Arnaud (2007, p. 271) vai destacar o deslocamento dos lugares da produção normativa para além das fronteiras estatais, bem como a presença de novos atores de uma regulação contemporânea. Vale apontar que os referenciais da nova regulação trazida pelo autor consistem na soberania estatal – ainda presente, entretanto não com a mesma força imperativa -, a democracia, os direitos humanos e a equidade.

Percebe-se, portanto, que no cenário transnacional vivenciado hoje, os direitos humanos assumem ponto de referência para a produção normativa, seja ela estatal ou internacional ou global, conforme denuncia Arnaud (2007, p. 271).

Com o fito de delinear o debate sobre os Direitos Humanos, tomar-se-á por base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, bem como o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, recepcionado pelo Brasil, além de abordar o Mandato A/HRC/34/L.3, que outorgava a ONU o monitoramento dos impactos das políticas fiscais de cada país para a efetividade dos Direitos Humanos, por meio da Human Rights Council Resolution S-10/1.

O surgimento das Nações Unidas em 1945 e a promulgação da Declaração dos Direitos Humanos em 1948 demarcam uma noção contemporânea de Direitos Humanos. Isso porque, conforme acentua Grubba (2014, p. 3), anteriormente a ONU, “[…] falava-se de direitos do homem e do cidadão”, não se trabalhava com o conceito de direitos humanos atualmente explorados.

A Carta das Nações Unidas de 1945, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 19841/45, que constitui o marco inicial da ONU após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial4. Esse diploma foi paradigmático para o desenvolvimento do Direito Internacional posterior sua vigência, trazendo em seu teor os propósitos que esteiam as Nações Unidas, sendo um deles a promoção, estímulo e respeito aos direitos humanos.

Em 1948, a ONU promulga a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que tem como ideia guia o esforço de todos os povos e nações para garantir que todos os seres humanos e órgãos da sociedade possam gozar das garantias dispostas na carta, colocando a dignidade e o valor da pessoa como fundamento da liberdade, da justiça e da ação dos Estados-membros no respeito efetivo aos direitos humanos.

4 No mesmo sentido, acentua DEFTA que o surgimento dos direitos humanos aconteceu em meio as atrocidades das Guerras Mundiais, principalmente a Segunda, como respostas às atrocidades e graves violações de direitos que compuseram esses eventos da história humana. "Human rights are one of the most sensitive subject for any developing or formed society. When it comes to how human rights or the protection of human rights was born, we can easily state that they were born in time of crisis. For instance, one of the first interests on human rights came to light soon after the World Wars, especially during the second one, when human rights were ignored and the human rase suffered from abusses and violences. [...] We can clearly see that at the origin of the international human rights protection was a crisis [...]". DEFTA, lulia-Lavinia. The ("Economic") Crisis And Human Rights. In: Journal of Law and Administrative Sciences, p. 105-108, No.2/2014, p. 105.

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A cartilha de Direitos da ONU dispõe de trinta artigos, contemplando inúmeros direitos humanos, tais como direito à vida (art. 3), liberdade e igualdade em dignidade e direitos (art. 1), saúde (art. 25), educação (art. 26), direito à nacionalidade (art. 15), à propriedade (art. 17), liberdade de opinião e de expressão (art. 19), a vontade do povo como fundamento da autoridade dos poderes públicos (art. 21), dentre outros dispostos na carta.

Assim, a medida que os Estados-membros ratificam a Declaração de 1948, assumem também o compromisso constante para com os Direitos Humanos na sua jurisdição e fora dela, por meio dos seus atos de governo. Não só esse diploma-símbolo, mas também inúmeros outros tratados e/ou resoluções ratificados pelos Estados-membros como forma de buscar garantir e promover direitos humanos.

Também será trabalhado o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Resolução S-10/1 do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. A justificativa para escolha desses textos gira em torno do seu propósito, que consiste no compromisso dos Estados-parte com a realização progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, assim como a preocupação com os efeitos das crises econômicas e financeiras mundiais na realização universal e efetiva dos direitos humanos.

Momento não mais oportuno para abordar tal documento, por três motivos principais: (i) especificamente o Pacto vai abordar a necessidade dos Estados que ratificaram o documento de adotarem medidas que visem assegurar progressivamente os direitos ali contemplados; (ii) trata de um contexto de crise econômica e financeira, buscando equalizar e manter estáveis a realização dos direitos humanos; e (iii) o Brasil, em 2017, não renovou o mandato que autoriza as Nações Unidas na fiscalização e mapeamento da dívida externa e outras obrigações financeiras internacionais dos Estados no pleno gozo dos direitos humanos.

Nesse último ponto merece ser destacado que o Brasil ratificou, em 2008, a Resolução e renovou o mandato em duas oportunidades subsequentes, em 2011 e 2014. Contudo, em 2017, votou contra o mandato A/HRC/34/L.35, invocando medidas de austeridade, incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro em razão da crise econômico-política que assombra o país, podendo citar o chamado

5 OPERA MUNDI. Brasil vota contra resolução de direitos humanos na ONU em defesa de medidas de austeridade de Temer, notícia veiculada em 23 de março de 2017. Disponível em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/geral/46745/brasil+vota+contra+resolucao+de+direitos+humanos+ na+onu+em+defesa+de+medidas+de+austeridade+de+temer.shtml. Acesso em 30 de junho de 2017.

ÉPOCA. Brasil abandona posição tradicional e vota contra resolução da ONU que critica reforma fiscal, notícia

veiculada em 23 de março de 2017. Disponível em:

http://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2017/03/brasil-abandona-posicao-tradicional-e-vota-contra-resolucao-que-critica-reforma-fiscal-na-onu.html. Acesso em 30 de junho de 2017.

ESTADÃO. Brasil abandona posição na ONU e vota contra resolução que critica reforma Fiscal, notícia veiculada em 23 de março de 2017. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-abandona-posicao-na-onu-e-vota-contra-resolucao-que-critica-reforma-fiscal,70001711390. Acesso em 30 de junho de 2017.

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Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95/2016), aprovado três meses antes do voto contrário à Resolução S-10/1.

Justificadas as razões, o Brasil, por meio do Decreto 591, de 6 de julho de 19926, recepcionou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, firmado em Nova York/USA, em 19 de dezembro de 1966. O documento internacional tem como objetivo fazer com que os Estados-parte do Pacto busquem constante promoção e respeito aos direitos e liberdades do homem, garantindo-lhes condições ideias para a fruição dos direitos econômicos, sociais e culturais7.

O Pacto contém trinta e um dispositivos, entretanto, será realizado um recorte para que se consiga abordar os artigos que vão harmonizar com a perspectiva do trabalho. Nesse sentido, inicialmente, vale apontar o segundo artigo do Pacto Internacional8. Esse dispositivo estabelece a necessidade do Estado, progressivamente, adotar medidas de realojamento dos recursos disponíveis para visando assegurar os direitos objeto do documento, “[...] incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas” (BRASIL, 1992).

Tendo em vista o compromisso progressivo de realização de direitos, diante das medidas legislativas, parece desafinado os últimos acordes promulgados pelo legislativo nacional quando da promulgação da Emenda Constitucional 86/2015, no que tange ao financiamento da saúde, e principalmente, a Emenda Constitucional 95/2016, que instaurou, por um prazo de 20 anos, o Novo Regime Fiscal no Brasil, demonstram claras medidas de austeridade, violadoras de direitos humanos, como será abordado nas próximas laudas.

6 BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em 30 de junho de 2017. 7 “[...] Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria. Não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos, [...]

Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem, [...]”. BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em 30 de junho de 2017.

8 “ARTIGO 2º

1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados e exercerão em discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

3. Os países em desenvolvimento, levando devidamente em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão determinar em que garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais”. BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em 30 de junho de 2017.

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Destarte, ainda no objetivo analítico ao documento, o artigo 5º vai restringir que qualquer Estado estabeleça limitações mais amplas do que as previstas no Pacto ou destruições dos direitos contemplados no documento9. Assim como no item 2 do mesmo artigo, não serão admitidos restrição ou suspensão aos direitos humanos com base na alegação de que o Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau10 (BRASIL, 1992).

A título exemplificativo, e não taxativo, os direitos que integram esse Pacto são o direito às condições de trabalho justas e favoráveis (art. 7º), direito de associação sindical e direito de greve (art. 8º), direito de toda pessoa à previdência social (art. 9ª), direito à um nível adequado de vida para si e para sua família (art. 11), direito à saúde e educação, personificados nos artigos 12 e 13, respectivamente, do documento (BRASIL, 1992).

Por fim, a quarta parte do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece algumas matrizes de monitoramento da ONU frente aos Estados-parte do documento. No artigo 16 se depreende que os Estados-parte se comprometem em apresentar relatórios sobre as medidas adotadas e o progresso na realização dos direitos do Pacto11 (BRASIL, 1992). Nesses relatórios podem constar as dificuldades que os Estados têm para cumprir com as normativas do Pacto (BRASIL, 1992).

A Resolução adotada pelo Conselho de Direitos Humanos na vigésima sessão especial (A/HRC/S-10/2) tem como objeto principal a crise econômica e financeira e a realização dos direitos humanos nesse cenário. Especula-se que tal documento internacional emergiu em meio a crise

9 ARTIGO 5º

1. Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas. BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em 30 de junho de 2017. 10 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau. BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em 30 de junho de 2017.

11 ARTIGO 16

1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a apresentar, de acordo com as disposições da presente parte do Pacto, relatórios sobre as medidas que tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto.

2. a) Todos os relatórios deverão ser encaminhados ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, o qual enviará cópias dos mesmos ao Conselho Econômico e Social, para exame, de acordo com as disposições do presente Pacto. [...]

ARTIGO 17

1. Os Estados Partes do presente Pacto apresentarão seus relatórios por etapas, segundo um programa a ser estabelecido pelo Conselho Econômico e Social no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do presente Pacto, após consulta aos Estados Partes e às agências especializadas interessadas.

2. Os relatórios poderão indicar os fatores e as dificuldades que prejudiquem o pleno cumprimento das obrigações previstas no presente Pacto. BRASIL. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em 30 de junho de 2017.

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financeira de 200812, a maior desde a Grande Depressão de 30, que pôde ser (e talvez ainda possa) sentida por grande parte dos países do mundo.

A Resolução, portanto, guiada pelas Carta das Nações Unidas de 45 e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 4813, busca reafirmar a necessidade de proteção e promoção dos direitos humanos14, lembrando que todos têm direito a uma vida adequada para si e para sua família15, consciente dos efeitos da globalização como o entrelaçamento das economias e da necessidade de transparência e accountability financeira16.

Ademais, preocupado com os efeitos da crise financeira e econômica na capacidade dos Estados na mantença dos direitos humanos, solicitou aos Estados que não diminuir a responsabilidade

12 O jornal The Economist publicou uma série de artigos que tratam as origens da crise financeira de 2oo8. No texto Crash Course, são abordados algumas causas e aspectos do colapso da Lehman Brothers, que ligou o sinal de alerta no sistema financeiro mundial. THE ECONOMIST. The origins of the financial crisis: Crash course. Disponível em: http://www.economist.com/news/schoolsbrief/21584534-effects-financial-crisis-are-still-being-felt-five-years-article. Acesso em 20 de junho de 2017.

13 “Guided by the principles and objectives of the Charter of the United Nations [...] Guided also by the Universal Declaration of Human Rights, and the Vienna Declaration and Programme of Action”. UNITED NATIONS, Human Rights Council. Report of the human rights council on its tenth special sesson. Disponível em: http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/10special_session/A-HRC-S-10-2.pdf. Acesso em 24 de junho de 2017.

14 “Reaffirming further that all human rights are universal, indivisible, interdependent and interrelated and that they must be treated in a fair and equal manner, on the same footing and with the same emphasis [...] Recalling General Assembly resolution 60/251, which affirms that the Human Rights Council shall be responsible for promoting universal respect for the protection of all human rights and fundamental freedoms for all without distinction of any kind; should serve inter alia as a forum for dialogue on thematic issues on all human rights and that the promotion and protection of human rights should be based on the principles of cooperation and genuine dialogue and aimed at strengthening the capacity of member States to comply with their human rights obligations for the benefit of all human beings”. UNITED NATIONS, Human Rights Council. Report of the human

rights council on its tenth special sesson. Disponível em:

http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/10special_session/A-HRC-S-10-2.pdf. Acesso em 24 de junho de 2017.

15 “Recalling that everyone has the right to an adequate standard of living for himself and his family, including adequate food, clothing and housing, and to the continuous improvement of living conditions, as reflected in article 11 of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights [...] Reaffirming the Universal Declaration of Human Rights, including its provision that everyone has the right to a standard of living adequate for the health and well being of himself and his family, including food, and recalling the Universal Declaration on the Eradication of Hunger and Malnutrition and the United Nations Millennium Declaration, in particular the first Millennium Development Goal of eradication of hunger and extreme poverty by 2015”. UNITED NATIONS, Human Rights Council. Report of the human rights council on its tenth special sesson. Disponível em: http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/10special_session/A-HRC-S-10-2.pdf. Acesso em 24 de junho de 2017.

16 “Cognizant that, as a result of globalization, domestic economies are now interwoven, and that good governance at the national and international levels, as well as fair, effective, transparent and accountable financial, monetary and trading systems, are essential prerequisites for attaining sustainable development and for the elimination of poverty”. UNITED NATIONS, Human Rights Council. Report of the human rights council

on its tenth special sesson. Disponível em:

http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/10special_session/A-HRC-S-10-2.pdf. Acesso em 24 de junho de 2017.

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e o compromisso para com a realização e efetividade desses direitos, clamando o Conselho por um auxílio mútuo e colaborativo com os países mais afetados pela crise17.

Esse documento foi adotado com base em 31 votos favoráveis e 14 contrários, estando o Brasil entre os Estados-membros da Organização que se manifestaram positivamente à Resolução, juntamente com Argentina, Chile, China, Rússia, África, Uruguai, dentre outros. Negativamente contabilizaram-se os votos de Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Suíca, entre outros18.

Com base nessa Resolução, foram outorgados pelos países que assim desejassem um mandato para que se pudesse ser mapeado pelo Conselho de Direitos Humanos, através de um Perito Independente, os efeitos da crise econômica e financeira, além da dívida externa e do débito público, na realização e efetividade dos direitos humanos na jurisdição do Estado outorgante.

O Brasil, em 2011 e 2014, outorgou mandato para a organização internacional, contudo, em março do ano em curso (2017), o país decidiu não o renovar, invocando a necessidade das políticas de austeridade em solo nacional, dada a crise que assombra a nação. O mandato não rubricado pelo país (A/HRC/34/L.3), dentre outras autorizações fiscalizatórias, reafirmando a Carta das Nações Unidas de 45, a DUDH de 1948 e a Resolução que lhe dá sustento, postula a especial atenção para os efeitos e impactos da dívida externa, as medidas de governo e a contínua necessidade de realização e efetivação com os direitos humanos19.

17 “Calls upon States to note that the global economic and financial crises do not diminish the responsibility of national authorities and the international community in the realization of human rights and calls upon them to assist, in particular, the most vulnerable in this regard, and in this context urges the international community to support national efforts to, inter alia, establish and preserve social safety nets for the protection of the most vulnerable segments of their societies”. UNITED NATIONS, Human Rights Council. Report of the human rights

council on its tenth special sesson. Disponível em:

http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/10special_session/A-HRC-S-10-2.pdf. Acesso em 24 de junho de 2017.

18 A relação completa dos países favoráveis e contrários é: “In favour: Angola, Argentina, Azerbaijan, Bahrain, Bangladesh, Bolivia, Brazil, Burkina Faso, Cameroon, Chile, China, Cuba, Djibouti, Egypt, Ghana, India, Indonesia, Jordan, Madagascar, Malaysia, Mauritius, Nicaragua, Nigeria, Pakistan, Philippines, Qatar, Russian Federation, Saudi Arabia, Senegal, South Africa, Uruguay; Abstaining: Bosnia and Herzegovina, Canada, France, Germany, Italy, Japan, Mexico, Netherlands, Republic of Korea, Slovakia, Slovenia, Switzerland, Ukraine, United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland”. UNITED NATIONS, Human Rights Council. Report of the human

rights council on its tenth special sesson. Disponível em:

http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/10special_session/A-HRC-S-10-2.pdf. Acesso em 24 de junho de 2017.

19 “Decides to extend the mandate of the Independent Expert on the effects of foreign debt and other related international financial obligations of States on the full enjoyment of all human rights, particularly economic, social and cultural rights for a period of three years, and requests the Independent Expert to pay particular attention to: (a)The effects of foreign debt and the policies adopted to address them on the full enjoyment of all human rights, in particular, economic, social and cultural rights; (b) The impact of foreign debt and other related international financial obligations on the capacity of States to design and implement their policies and programmes, including national budgets that respond to vital requirements for the promotion of the realization of social rights; (c) Measures taken by Governments, the private sector and international financial institutions to alleviate such effects in developing countries, especially the poorest and heavily indebted countries; (d) New developments, actions and initiatives being taken by international financial institutions, other United Nations bodies and intergovernmental and non-governmental organizations with

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Poderiam ser citados inúmeros outros documentos que foram rubricados pelo Brasil20, contudo, foi necessário fazer um recorte nesse acervo em razão do espaço disponível para diálogo nesse trabalho, assim como visando abordar documentos que coadunassem com o objetivo e problema propostos.

O que se depreende, agora, é a obrigação do Brasil no cumprimento das disposições desses documentos no interior da soberania nacional do Estado, por meio das vias legislativa, executiva e judiciária estatal.

O compromisso do Estado brasileiro assumido junto à ONU, seja como um dos países fundadores da organização, ou ainda frente a subscrição de inúmeros tratados internacionais, busca edificar uma identidade compromissória com a proteção e garantia dos direitos humanos, em harmonia com a sua globalização pelo globo e com a preocupação da comunidade internacional referente a temática humanitária.

De outro passo, a Constituição Federal de 1988 contempla dispositivos que expressamente ratificam a importância dos tratados internacionais para o Brasil, assim como a irradiação dos efeitos desses documentos para dentro do sistema nacional. Com escopo na dignidade da pessoa humana, contemplado no inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988, que é pano de fundo para interpretação de todo ordenamento jurídico brasileiro, mas em especial do art. 5º, § 2º do texto constitucional brasileiro, inclusive a prevalência dos direitos humanos, posta no inciso II do art. 4 da Constituição brasileira.

respect to economic reform policies and human rights; (e) The effects of public debt, economic reform and financial consolidation policies on the realization of the Sustainable Development Goals; (f) The impact of illicit financial flows on the enjoyment of human rights; (g) The process entrusted with the follow-up to the International Conference on Financing for Development, with a view to bringing to its attention the issue of the effects of structural adjustment and foreign debt on the enjoyment of human rights, particularly economic, social and cultural rights; (h) Enhancement of consultations with all relevant stakeholders in the fulfilment of the mandate”.UNITED NATIONS, Human Rights Council. A/HRC/34/L.3, Mandate of the Independent Expert on the effects of foreign debt and other related international financial obligations of States on the full enjoyment of all human rights, particularly economic, social and cultural rights. Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session34/Pages/ResDecStat.aspx. Acesso em 24 de junho de 2017.

20 Flávia Piovesan (2013, p. 55) adverte que, posterior a promulgação da Constituição Federal de 1988, “[…] importantes tratados internacionais de direitos humanos foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles, destaque-se a ratificação: a) da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Crueis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) da Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) do Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996; j) da Convenção Interamericana para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência, em 15 de agosto de 2001; k) do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002 [...]”, dentre outros tratados que a autora enuncia. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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O parágrafo segundo do artigo quinto da Constituição de 1988 vai dispor que “[…] Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988), atribuindo, portanto, o status de norma constitucional aos direitos contemplados nesses documentos internacionais. Nada obstante, enquanto norma constitucional, comungam do mesmo regime aplicado às normas constitucionais promulgadas pelo Estado nacional, como a aplicabilidade imediata e o princípio da máxima efetividade (SARLET, 2012a, p. 103).

O que se quer depreender dessas afirmações é que os tratados internacionais de direitos humanos nos quais o Brasil seja Estado-parte, ou seja, tenha ratificado o documento, passam a integrar materialmente21 o ordenamento jurídico brasileiro, comungando da qualidade de norma constitucional, de observância obrigatória pelo Poder Público.

Ademais, em um Estado Democrático de Direito, incentivado pelo Constitucionalismo Contemporâneo, empenhado em transformar a realidade22 (STRECK, 2009, p. 66), os direitos fundamentais assumem a centralidade do sistema (SARLET 2007, p. 73), imputando observância obrigatória pelo Poder Público na administração do Estado.

Nesse sentido, os direitos humanos contemplados nos tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, também constituem a cepa do ordenamento brasileiro, e, portanto, diretriz de atuação estatal, motivo pelo qual deve o sistema interno guardar harmonia com suas disposições, não ofendendo o compromisso internacional firmado pelo país, principalmente pela via legislativa, cerne deste trabalho.

1.2 MEDIDAS LEGISLATIVAS DE AUSTERIDADE

Recentemente o Brasil passou a adotar medidas de austeridade pela via legislativa, em razão da crise econômica que eclodiu no país, a exemplo das Emendas Constitucionais 86/2015 e 95/2016. Para dar seguimento ao trabalho, relevante destacar o conceito de austeridade e os motivos que a torna

21 Foi utilizado o termo “materialmente” porque também o texto constitucional de 1988, no art. 5º, § 3º, vislumbra-se a possibilidade de um reconhecimento formal dos tratados, vez que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (BRASIL, 1988). Assim, Piovesan (2013, p. 68), afirma que existem duas categorias de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma (i) dos materialmente constitucionais, e outra (ii) dos material e formalmente constitucionais. Diante disso, pode se depreender que todos os tratados internacionais de direitos humanos do qual o Brasil seja Estado-parte são materialmente constitucionais. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

22 Streck vai afirmar que “[...] o Estado Democrático de Direito agrega um plus (normativo): o Direito passa a ser transformador, uma vez que os textos constitucionais passam a conter as possibilidades de resgate das promessas da modernidade, situação que assume relevância ímpar em países de modernidade tardia como o Brasil, em que o welfare state não passou de um simulacro”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, constituição e autonomia do direito. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), 1(1):65-77 janeiro-junho 2009.

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tão mencionada em tempos de recessão. Após tais explicações, ficará mais claro e fácil entender o que alavancou o surgimento da crise brasileira e porque foram tomadas determinadas medidas, como as Emendas supracitadas.

Endossa-se o conceito de austeridade de Mark Blyth (2013, p. 12), que consiste no ato de frear ou reduzir a inflação através da redução de despesas e gastos públicos, redução de salários, com o intento de retomar ou aumentar a competitividade do Estado por meio da redução das dívidas, do déficit e do orçamento estatal, incentivando o investimento por parte das empresas23.

Discursos de austeridade pelo Estado em momentos de recessão, com redução de despesas e corte de gastos, impacta diretamente no crescimento econômico, entretanto, não produzindo o resultado que se esperava. Por isso se afirma que a austeridade é uma política falaciosa, pois ao invés de estimular o crescimento e investimento –solução para saída de um cenário de crise econômica -, há o movimento contrário, com a redução de gastos e despesas públicas, que induzem à redução de crescimento, acarretando novas quedas de arrecadação, exigindo novos cortes, criando um círculo vicioso (FORUM et al, 2016, p. 10).

Ademais, os efeitos de políticas de austeridade impactam de maneira distinta em diversos segmentos da sociedade e classes sociais, onerando de maneira mais severa os indivíduos que mais necessitam do uso dos serviços públicos, como saúde e educação. Blyth (2013, p. 20) afirma que a austeridade é uma ideia perigosa, especialmente em sociedades onde há uma disparidade grande de distribuição de renda, como o Brasil, porque ignora as externalidades que ela gera, assim como impõe às outras pessoas a decisão de uma pessoa24, de forte cariz econômico-financeiro em detrimento dos direitos humanos fundamentais.

Nesse sentido, o que se depreende, assim como alerta Blyth, as medidas de austeridade como maneira de reduzir (despesas e gastos, orçamento) para alavancar o crescimento econômico, pode ter resultado reflexo, contrário ao que se buscava. Ademais, em países como o Brasil, onde não se teve um Estado de Bem-Estar Social, mas sim um simulacro e ainda é emergente a necessidade de realização dos direitos fundamentais, o impacto que políticas de austeridade podem gerar são

23Austerity is a form of voluntary deflation in which the economy adjusts through the reduction of wages, prices, and public spending to restore competitiveness, which is (supposedly) best achieved by cutting the state’s budget, debts, and deficits. Doing so, its advocates believe, will inspire “business confidence” since the government will neither be “crowding-out” the market for investment by sucking up all the available capital through the issuance of debt, nor adding to the nation’s already “too big” debt. BLYTH, Mark. Austerity: the history of a dangerous ideia. New York: Oxford Press, 2013.

24 Blyth pontua que “In sum, when those at the bottom are expected to pay disproportionately for a problem created by those at the top, and when those at the top actively eschew any responsibility for that problem by blaming the state for their mistakes, not only will squeezing the bottom not produce enough revenue to fix things, it will produce an even more polarized and politicized society in which the conditions for a sustainable politics of dealing with more debt and less growth are undermined”. BLYTH, Mark. Austerity: the history of a dangerous ideia. New York: Oxford Press, 2013, p. 20.

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consideravelmente maiores e mais drásticos que em países onde já se tem um préstimo adequado dos serviços públicos (FORUM et al, 2016, p. 11).

No artigo publicado na revista Finance & Development por Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide Furceri, Vice-Diretor, Chefe de Divisão e economista do Departamento de Pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI), respectivamente, intitulado Neoliberalism:

Oversold? (2016, p. 39), a austeridade é empregada como sinônimo de consolidação fiscal, que tem

como objetivo a redução dos déficits fiscais e da dívida. Ademais, no mesmo texto, frente essas políticas, algumas das conclusões que se podem extrair é sua duvidosa efetividade, pois é difícil estabelecer os seus benefícios em prol do aumento de crescimento, além de propiciar a saliência das desigualdades, que vão preterir o nível e a sustentabilidade do crescimento25. Quando se primam por políticas de abertura e/ou austeridade, as desigualdades distributivas impactam negativamente na busca pela saída da recessão, prejudicando o objetivo da agenda neoliberal, que consiste em impulsionar o crescimento26 (OSTRY et al, 2016, p. 40-41).

Touraine é cirúrgico ao trabalhar a crise na sua obra “Após a Crise” (2011), onde afirma a possível ameaça das sociedades estarem sob a incidência de uma avalanche de crises. Por certo afirma que a crise de 2007-2008 pode ser considerada mais grave que o Crack de 29, e marcou o fim do capitalismo e a prévia derrocada da economia de mercado. De outra ponta, Touraine (2011, p. 123-124) afirma que “a situação de crise que no início do século XXI domina a economia mundial, e que em grande medida é devida ao desenvolvimento descontrolado do capitalismo financeiro, é bastante desfavorável ao desabrochar de um novo modelo de sociedade”.

Vislumbra o autor que este novo modelo de sociedade onde se perceba a preponderância dos direitos humanos-morais sobre a economia torna-se importante vetor para a saída da crise. Tal visão vai demonstrar a importância hodierna de primar pela realização dos direitos humanos, deixando de lado o ímpeto do mercado e a especulação, fenômenos esses aparentemente descontrolados. Há um apelo aos direitos humanos contra a globalização econômica do mercado, que obnubila tais direitos.

25 “An assessment of these specific policies (rather than the broad neoliberal agenda) reaches three disquieting conclusions: • The benefits in terms of increased growth seem fairly difficult to establish when looking at a broad group of countries. • The costs in terms of increased inequality are prominent. Such costs epitomize the trade-off between the growth and equity effects of some aspects of the neoliberal agenda. • Increased inequality in turn hurts the level and sustainability of growth. Even if growth is the sole or main purpose of the neoliberal agenda, advocates of that agenda still need to pay attention to the distributional effects”. OSTRY, Jonathan D.; LOUNGANI, Prakash; FURCERI, Davide. Neoliberalism: Oversold?. In: Finance & Development, p. 38-41, june 2016, p. 39.

26 “Moreover, since both openness and austerity are associated with increasing income inequality, this distributional effect sets up an adverse feedback loop. The increase in inequality engendered by financial openness and austerity might itself undercut growth, the very thing that the neoliberal agenda is intent on boosting. There is now strong evidence that inequality can significantly lower both the level and the durability of growth”. OSTRY, Jonathan D.; LOUNGANI, Prakash; FURCERI, Davide. Neoliberalism: Oversold?. In: Finance & Development, p. 38-41, june 2016, p. 40-41.

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Um visão mercadológica-especulativa do cenário da crise no Brasil pode ser sintetizado da seguinte maneira: o crescimento acelerado dos gastos públicos aumentou o déficit público, e, como forma de “encobrir” esse traço negativo na economia, foram utilizadas a chamada contabilidade criativa e as pedaladas fiscais para aquisição de créditos suplementares, que ocasionou na desconfiança do mercado e dos investidores, levando o país à estagnação e à inflação (FORUM et al, 2016, p. 39).

Importante, ademais, ter uma visão comparada com o desenvolvimento das medidas de austeridade propostas pelo Troika (Fundo Monetário Nacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) em Portugal27. As medidas de austeridade propostas mediante o Memorando do Entendimento ao território lusitano, firmado em 2011, ganhou o nome de Programa de Ajustamento Econômico e Financeiro (PAEF) (PINHEIRO, 2014, p. 169).

O objetivo era a redução do déficit orçamentário que afundou o país luso após a crise de 2007/2008. As medidas propostas pela Troika consistiam no corte dos subsídios de Natal e de Férias dos servidores estatais, além da redução de cinco por cento do salário das funções públicas, extensão do horário de trabalho em cinco horas semanais e o final de alguns feriados.

A adoção de tais medidas gerou revolta e comoção da sociedade lusitana, que realizou manifestações contra as reformas. Não era de esperar que, mais cedo ou mais tarde, o Tribunal Constitucional Português fosse chamado a analisar a (in)constitucionalidade das leis orçamentárias. Tornou-se “um actor público fundamental” (PINHEIRO, 2014, p. 169).

O Tribunal Constitucional chumbou algumas medidas de austeridade adotadas, como o corte das férias28, a suspensão do subsídio das férias dos funcionários públicos, suspensão de 90% do subsídio de férias dos pensionistas, corte de 5% do subsídio por doença, corte de 6% do subsídio dos

27 Também pode analisar o caso da Grécia, onde a Troika também propôs medidas de austeridade. No território grego a situação teve uma peculiaridade significativa porque o Governo convocou plebiscito para manifestação popular se concordavam ou não com o pacote de medidas destinadas a reduzir o déficit orçamentário. O “não” venceu com aproximadamente sessenta por cento dos votos. Contudo, uma semana após o resultado do plebiscito, o primeiro-ministro da Grécia assinou o memorando proposto pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

28 O acórdão 187/2013 do Tribunal Constitucional Português vai afirmar que “embora se reconheça, em relação à suspensão do subsídio de férias, que possa ter ocorrido um acréscimo de expectativas decorrente da circunstância de o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 353/2012, ter julgado inconstitucionais as medidas de suspensão do subsídio de férias e de Natal introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, não se afigura que a adopção de uma tal medida, ainda que subsequente à formulação desse juízo de inconstitucionalidade, mereça, na exclusiva perspetiva da tutela da confiança, uma ponderação substancialmente distinta daquela que suscitou a manutenção da redução salarial. Com efeito, a suspensão do subsídio de férias – que já havia sido adotada, no anterior exercício orçamental, em cumulação com a suspensão do subsídio de Natal – integra-se, ainda, numa linha de atuação programada, de caráter plurianual, que visa a realização de objetivos orçamentais essenciais ao reequilíbrio das contas públicas, num contexto de particular excecionalidade, o que manifestamente configura a prossecução de um interesse público real, percetível, claro e juridicamente enquadrável, coincidente com a preservação da capacidade de financiamento do Estado no âmbito das obrigações assumidas e, por essa via, com as possibilidades de realização das tarefas fundamentais a seu cargo”.

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desempregados, além de chumbar o regime de convergência das pensões da Caixa Geral das Aposentações e da Segurança Nacional.

Entretanto, seu entendimento alterou para dar prevalência à “jurisprudência da crise” (PINHEIRO, 2014, p. 170), cedendo às circunstâncias político-econômicas, relativizando a interpretação constitucional em prol de um pseudo-interesse público. Em outras palavras, “o que seria incompatível com a Constituição em tempos de normalidade constitucional, já o não será em tempos de memorandos e programas de assistência” (PINHEIRO, 2014, p. 186).

O que se assistiu foi a banalização da ideia do interesse público, a compatibilidade com o texto constitucional da medida de redução salarial com percentuais limites em dez por cento (10%), a constitucionalidade de reduções remuneratórios por serem idôneas, necessárias e indispensáveis, assim como o estabelecimento de um “quantum do sacrifício”29 (PINHEIRO, 2014, p. 174). Enfim, houve a preponderância de fatores circunstanciais econômicos em face dos direitos dos cidadãos portugueses, principalmente do quadro de funcionários públicos.

No Brasil, as Emendas Constitucionais 86/2015 e 95/2016, recentemente promulgadas, alteraram drasticamente sua política orçamentária, por meio da estipulação do máximo de despesas pelos poderes e casas parlamentares, além de estabelecer novos parâmetros financiais para a saúde, além de criar uma modalidade de orçamento impositivo, por meio das emendas parlamentares individuais. Necessário entender as mudanças trazidas para o funcionamento estatal, para, posteriormente, compreender como a austeridade das medidas impactas em serviços essenciais e ainda deficientes no Brasil.

A EC 86/2015 trouxe algumas alterações nos dispositivos constitucionais do orçamento público, entretanto, as mudanças mais significativas foram percebidas na inauguração de uma modalidade de orçamento impositivo no Brasil, configurada com as emendas parlamentares individuais, além de estabelecer alguns parâmetros a serem observados pelo Executivo no financiamento da saúde no país, através de uma escala progressiva de investimento.

O parágrafo 9º do artigo 166, incluído pela referida emenda, vai estabelecer que é de execução obrigatória as emendas parlamentares individuais, ressalvado os casos de impedimento técnico30,

29 Pinheiro (2014, p. 175) destaca a seguinte passagem do Acórdão 396/11 do TC: “apesar de se reconhecer que estamos numa gravíssima situação económico-financeira, em que o cumprimento das metas do défice público estabelecidas nos referidos memorandos de entendimento é importante para garantir a manutenção do financiamento do Estado, tais objectivos devem ser alcançados através de medidas de diminuição de despesa e/ou de aumento da receita que não se traduzam numa repartição de sacrifícios excessivamente diferenciada”. PINHEIRO, Alexandre Sousa. A jurisprudência da crise: Tribunal Constitucional português (2011-2013). In: Observatório da Jurisdição Constitucional, Brasília: IDP, Ano 7, no. 1, p. 167-189, jan./jun. 2014, p. 182-183.

30 § 12. As programações orçamentárias previstas no § 9º deste artigo não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos de ordem técnica. BRASIL. Emenda Constitucional n. 86, de 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc86.htm. Acesso em 25 de junho de 2017.

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limitadas a 1,2% da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Executivo, sendo que metade desse percentual (0,6%) deverá ser destinado para ações e serviços de saúde31. Essa verba destinada para as emendas não poderá ser utilizada para pagamento de pessoal ou encargos sociais, e será computada como cumprimento do percentual estipulado pelo inciso I, § 2º do art. 198 da Constituição Federal de 198832.

O art. 198, § 2º, I da CF/88 vai dispor que o mínimo a ser investido pela União, com base na receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, é 15%33, devendo ser lido cumulado com o art. 2º da Emenda Constitucional 86, pois estipula um ganho de investimento progressivo para a saúde, iniciado em 13,2% no exercício orçamentário de 2016 até 15% no quinto exercício subsequente à promulgação da emenda, a ser em 202034.

A Emenda Constitucional 95/2016 institui o Novo Regime Fiscal, disposto entre os artigos 106 ao 114 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com âmbito de incidência sobre o orçamento fiscal e a seguridade social da União (sabe-se que a seguridade social engloba três pilares: saúde, assistência social e previdência social). Essa medida tomada pelo Poder Executivo tem

31 § 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde. BRASIL. Emenda Constitucional n. 86, de 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc86.htm. Acesso em 25 de junho de 2017.

32 § 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais. BRASIL. Emenda Constitucional n. 86, de 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc86.htm. Acesso em 25 de junho de 2017.

33 § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento); BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de

outubro de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 25 de junho de 2017.

34 Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo:

I - 13,2% (treze inteiros e dois décimos por cento) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

II - 13,7% (treze inteiros e sete décimos por cento) da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

III - 14,1% (quatorze inteiros e um décimo por cento) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

IV - 14,5% (quatorze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;

V - 15% (quinze por cento) da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional. BRASIL. Emenda Constitucional n. 86, de 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc86.htm. Acesso em 25 de junho de 2017.

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vigência por vinte exercícios financeiros35, com objetivo de conter o “[…] processo degenerativo das contas públicas [...]”36 e buscando frear a dívida pública do governo geral37.

Ademais, foi demonstrado em parecer sobre a viabilidade da Proposta da Emenda Constitucional (que originou a EC 95/2016) o quadro preocupante das contas públicas, inferindo que a cepa da crise que paira sobre o Governo brasileiro está no rápido crescimento da despesa pública primária, que, no interregno de 2008-2015, cresceu 51% acima da inflação, ao passo que a receita aumentou apenas 14,5% (BRASIL, 2016).

Outros argumentos ventilados atestam a natureza procíclica38 da economia, bem como a necessidade de se alterar o financiamento de piso para um limite mínimo a ser gasto nas áreas da saúde e educação, para que se evite “[...]que nos momentos de forte expansão econômica seja obrigatório o aumento de gastos nessas áreas” (BRASIL, 2016). De outra banda, o documento ministerial refere que esse Novo Regime Fiscal constitui medida democrática, pois não tira as rédeas do Legislativo na condução do orçamento, apenas limita o âmbito de realocação cabível pelo Congresso39.

35 Art. 106. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos arts. 107 a 114 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. BRASIL. Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc86.htm. Acesso em 25 de junho de 2017.

36 BRASIL, Câmara dos Deputados. Proposta de emenda à Constituição nº 241-A, de 2016, de relatoria do deputado Darcísio Perondi. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1496778&filename=SBT+3+PEC2 4116+%3D%3E+PEC+241/2016. Acesso em 25 de junho de 2017.

37 Assevera o relator da proposta: “A EMI 83/2016 inicia-se com o alerta da necessidade de “mudança de rumos nas contas públicas”. Assinala que a Dívida Bruta do Governo Geral aumentou de 51,7% do PIB em 2013 para 67,5% do PIB em abril de 2016. Mantidas as condições legais e econômicas atuais, emerge o risco de esse índice ultrapassar o patamar de 80% nos próximos anos, acompanhado de suas deletérias consequências: elevados prêmios de risco, perda de confiança dos agentes econômicos, altas taxas de juros, redução dos investimentos e comprometimento da capacidade de crescimento e de geração de empregos”. BRASIL, Câmara dos Deputados. Proposta de emenda à Constituição nº 241-A, de 2016, de relatoria do deputado Darcísio

Perondi. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1496778&filename=SBT+3+PEC2 4116+%3D%3E+PEC+241/2016. Acesso em 25 de junho de 2017.

38 “O atual quadro constitucional e legal também faz com que a despesa pública seja procíclica, ou seja, a despesa tende a crescer quando a economia cresce e vice-versa. O governo, em vez de atuar como estabilizador das altas e baixas do ciclo econômico, contribui para acentuar a volatilidade da economia: estimula a economia quando ela já está crescendo e é obrigado a fazer ajuste fiscal quando ela está em recessão”. BRASIL. EMI nº

00083/2016 MF MPDG. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/EMI/2016/83.htm. Acesso em 06 de julho de 2017. 39 “Trata-se, também, de medida democrática. Não partirá do Poder Executivo a determinação de quais gastos e programas deverão ser contidos no âmbito da elaboração orçamentária. O Executivo está propondo o limite total para cada Poder ou órgão autônomo, cabendo ao Congresso discutir esse limite. Uma vez aprovada a nova regra, caberá à sociedade, por meio de seus representantes no parlamento, alocar os recursos entre os diversos programas públicos, respeitado o teto de gastos. Vale lembrar que o descontrole fiscal a que chegamos não é problema de um único Poder, Ministério ou partido político. É um problema do país! E todos o país terá que colaborar para solucioná-lo”. BRASIL. EMI nº 00083/2016 MF MPDG. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/EMI/2016/83.htm. Acesso em 06 de julho de 2017.

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O Novo Regime Fiscal estabelece limites individualizados para as despesas primárias do Poder Executivo, Legislativo, Ministério Público da União, Defensoria Pública e Judiciário, que contabilizar-se-ão na forma do art. 107, § 1º, incisos I e II40. O cálculo que estabelecerá os limites para os gastos desses órgãos consiste, para o exercício de 2017, à despesa primária paga em 2016 atualizada em 7,2%, e nos exercícios seguintes, o cálculo será realizado com base no valor limite calculado para o exercício anterior, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (BRASIL, 2016).

Essas limitações de orçamento não se aplicam às transferências constitucionais, créditos extraordinários, despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização das eleições, despesas com aumento de capital de empresas não estatais não dependentes, dispostas nos incisos I, II, III e IV do § 6º do art. 107 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Ademais, além de inúmeras outras alterações, que pelo breve espaço não serão abordadas, o art. 110 da ADCT estabelece que, no exercício de 2017, as aplicações mínimas em ações e serviços de saúde e na educação consistirá na progressividade de financiamento pugnada pela Emenda Constitucional 86/2015, para nos exercícios seguintes, o limite a ser aplicado seja o teto estabelecido no exercício imediatamente anterior, atualizado pelo IPCA. Logo, no exercício de 2017, o percentual definido pela EC 86/2015 para o financiamento de ações e serviços de saúde e educação foi de 13,7%, então, para o exercício de 2018, o teto de despesa nessas pautas corresponderá aos mesmos 13,7%, atualizado pelo índice IPCA.

Especula-se que essa medida adotada pelo Governo Brasileiro tem influência das medidas adotadas na União Europeia, que propôs no continente europeu a limitação do aumento da taxa de crescimento a longo prazo do PIB, o que consistir na ideia de que, conforme exista o crescimento do PIB, por exemplo, em um ponto percentual, assim também as despesas poderão progredir, em 1 por cento (FORUM et al, 2016, 47-48). Contudo, o que se depreende é que na Europa se tem uma maturidade nos préstimos dos serviços públicos, o que no Brasil tal realidade ainda é distante, assim como, tal medida de austeridade no continente não engessa as despesas, mas condiciona-as com base na taxa de crescimento do PIB.

40 “§ 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:

I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e

II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária”. BRASIL. Emenda constitucional n. 95, de 15 de

dezembro de 2016. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em 06 de julho de 2017.

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