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TEORIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEO: NOVAS REFLEXÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA DAS TRÊS MATRIZES JURÍDICAS

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Academic year: 2021

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PERSPECTIVA DAS TRÊS

MATRIZES JURÍDICAS

CONTEMPORARY THEORY OF LAW:

NEW REFLECTIONS FROM THE

PERSPECTIVE OF THREE

LEGAL MATRICES

Luis Gustavo Gomes Flores

1

Resumo: Pretende-se, com o presente texto, apresentar a perspectiva das Três

Ma-trizes Jurídicas como uma importante contribuição de Leonel Severo Rocha, autor de grande relevância para a formação do pensamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito do desenvolvimento da pesquisa e Pós-Graduação em Di-reito. Trata-se de uma perspectiva crítica sobre as insuficiências da dogmática jurídica, privilegiando uma observação e reflexão complexa do Direito da Soci-edade. Para tanto, a reflexão aqui proposta se pauta por uma epistemologia sistêmico-construtivista, que se inscreve na própria perspectiva da Matriz Prag-mático Sistêmica, cunhada por Rocha, vista como um espaço único para pensar o Direito em face dos desafios contemporâneos. Com base em uma pesquisa bibli-ográfica, reconstroem-se alguns singelos aspectos importantes da trajetória desse grande pensador, bem como algumas particularidades de sua construção teórica que nos interessa acentuar, em especial, a configuração representativa do campo jurídico a partir das Três Matrizes do Direito.

Palavras-chave: Teoria do Direito. Três Matrizes Jurídicas. Teoria dos Sistemas

Sociais. Autopoiesis do Direito.

1Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Advogado, Professor do Curso de Direito da FADERGS, RS.

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Abstract: The aim of this text is to present the perspective of the Three Matrices of

Law as an important contribution of Leonel Severo Rocha, an author of great relevance for the formation of the Brazilian legal thought, especially in the development of research and postgraduate studies in Law. It’s a critical perspective on the shortcomings of the legal doctrine, favoring an observation and complex reflection of Law Society. Therefore, the reflection proposed here is guided by a systemic- constructivist epistemology, which is in very prospect of Matrix Pragmatic Systemic coined by Rocha, seen as a privileged to think the law in the face of contemporary challenges space. Based on a literature review, it reconstructs some single and important issues of the trajectory of this great thinker as well as some aspects of his theoretical construction that interests us emphasize, in particular the scope of the legal representative configuration from the Three Matrices of Law.

Keywords: Theory of Law. Three Matrices of Law. Theory of Social Systems.

Autopoiesis of Law.

Sumário: Introdução. 1 Sobre o Autor da Teoria das Três Matrizes Jurídicas. 2 A

Teoria das Três Matrizes Jurídicas. 2.1 Matriz Analítica. 2.2 Matriz Hermenêu-tica. 2.3 Matriz Pragmático-Sistêmica. 2.4 Teoria dos Sistemas Sociais. 2.5 O Direito a partir da noção de “Organização”. 2.6 A herança temporal da Moder-nidade no Direito. 3 Paralelismo Temporal. 3.1 O Direito e suas duas formas de programação. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Escrever sobre Leonel Severo Rocha é escrever sobre um grande pen-sador da sociologia e filosofia jurídica, um dos principais nomes da Teoria do Direito Contemporâneo no Brasil. Assim, com o presente texto, busca-se aprebusca-sentar algumas contribuições de Leonel Severo Rocha, de grande relevância para a formação do pensamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito do desenvolvimento da pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Para tanto, em um primeiro momento, busca-se conhecer melhor Sobre o autor da Teoria das Três Matrizes Jurídicas (1). Trata-se de uma observação sobre aspectos relevantes de sua jornada teórica, que é mais ampla do que o exposto e continua se desenvolvendo como contribuição para sofisticação da Teoria do Direito. Em um segundo momento, numa perspectiva mais teórica, propõe-se a apresentação de sua Teoria das Três Matriz Jurídicas (2).

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Nessa perspectiva, descrevem-se a Matriz Analítica (2.1); a Matriz Hermenêu-tica (2.3) e a Matriz Pragmático-Sistêmica (2.3), com destaque para esta últi-ma últi-matriz, que indica a perspectiva de seus trabalhos contemporâneos. A partir dessa perspectiva teórica, outros temas ganham novos contornos. Para melhor compreensão, interessa-nos apresentar a Teoria dos Sistemas Sociais (2.4), enquanto ponto de partida para essa perspectiva teórica; O Direito a partir da noção de “Organização” (2.5), um tema referência não apenas à perspectiva autopoiética, mas também aos tribunais como um espaço privile-giado para a produção da decisão jurídica; e A herança temporal da Moderni-dade no Direito (2.6), na qual o tema do Tempo, revisto sob a perspectiva auto-poiética, é observado a partir de um Paralelismo Temporal (3). Nesta mesma linha teórica é que Rocha apresenta reflexivamente O Direito e suas duas for-mas de programação (3.1). Trata-se de alguns tefor-mas fundamentais desenvolvi-dos por Rocha, que servem de estímulos para arriscarmos novos percursos.

Vale destacar que este trabalho2 é fruto de um olhar específico,

inca-paz de esgotar as perspectivas possíveis sobre a obra de Leonel Severo Ro-cha. Uma espécie de observação da observação, mas, cabe aqui destacar, através de uma perspectiva contingencial, pois não se pretende indicar como Rocha pensa, e sim como, a partir de um “observador”, se pode compreen-der alguns aspectos do trabalho deste autor.

Em larga medida, esta exposição traz consigo, de forma silenciosa, além da gratidão, respeito e admiração, também um pouco de quem

escre-ve3. Isso significa que escrever sobre Leonel Severo Rocha é também

escre-ver sobre o meu percurso, assumidamente muito inspirado no autor e em

sua trajetória com Luis Alberto Warat4. Como na perspectiva autopoiética,

2Convém mencionar também que o presente trabalho constitui-se, sobretudo, como um registro de respeito, gratidão e profunda admiração por esse grande pensador, orientador e amigo, Leonel Severo Rocha.

3Aqui, conscientemente, assumo algumas lições transgressoras da forma (da narrativa impessoal) para escrever na primeira pessoa, a fim de priorizar a importância da mensagem a ser compartilhada com o leitor.

4A partir dessa influência, também se justifica que os pontos tratados no presente trabalho foram aqueles que mais me chamaram a atenção. A escolha dos assuntos traz impressa a minha tônica de observação e, por sua vez, também explica a inspiração de alguns de meus trabalhos – um local de partida, que também impulsiona desenvolver, em algum momento, uma produção de diferença, um movimento natural de construção de autonomia, nada para com a ideia de afastamento ou de rompimento, mas de uma construção autônoma e respeitosamente forjada nos ensinamentos de Leonel Severo Rocha e Luis Alberto Warat. Algo que, de certa maneira, pode nos remeter simbolicamente à ideia de “Autopoiese”.

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quando um elemento novo é recepcionado pelo sistema, podendo desenca-dear uma nova reorganização a partir da diferença assimilada, as ideias de Leonel Severo Rocha tiveram uma importante ressonância em minha jor-nada acadêmica, possibilitando novas formas de observação, o que fez gran-de diferença.

As reflexões deste trabalho transportam o sentimento de que já era o momento de textos como este serem produzidos: uma homenagem mais do que merecida. Um espaço para compartilhar as ideias de Rocha, um olhar praticamente transdisciplinar, com conexões sofisticadas que atraves-sam amálgamas complexos de conhecimentos filosóficos e sociológicos. Um pensador de “peso” intelectual ímpar, com incursão internacional, em meio a tantos outros autores renomados. Extrema competência e modéstia andam ao lado da grandiosidade de sua contribuição teórica, tanto no de-senvolvimento da pesquisa, da docência e da Pós-Graduação em Direito no Brasil.

1 SOBRE O AUTOR DA TEORIA DAS TRÊS MATRIZES JURÍDICAS

Leonel Severo Rocha é um pensador brasileiro de grande importân-cia no Direito. Sua trajetória intelectual se confunde com o desenvolvimen-to da pós-graduação em Direidesenvolvimen-to no Brasil. Rocha possui uma grande histó-ria no âmbito da docência, coordenação de programas de pós-graduação e desenvolvimento teórico do Direito.

Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Fede-ral de Santa Maria – UFSM (1979). No âmbito da graduação, Rocha viveu um momento especial, que teria consequências marcantes para sua jornada acadêmica: o encontro com Luis Alberto Warat na cidade de Santa Maria. Na época, Warat tinha sido contratado pela UFSM, onde ministrava a dis-ciplina de Filosofia do Direito e montou um grupo de estudos que inicial-mente possuía quatro alunos, entre eles, Leonel Severo Rocha.

Posteriormente, o autor argentino foi transferido para a Universida-de FeUniversida-deral Universida-de Santa Catarina – UFSC. RenUniversida-dendo-se aos estímulos Universida-de Wa-rat para realizar o mestrado, Rocha decide seguir o mestre, indo para Florianó-polis, onde ingressou no Curso de Mestrado na UFSC (1980). Construiu sua dissertação sob orientação de Warat, com quem também desenvolveu uma grande amizade e compartilhou inúmeras realizações. Rocha

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defen-deu sua dissertação no ano de 1982. No ano seguinte, juntamente com inú-meros juristas importantes da época, Rocha participou da refundação do CONPEDI, do qual, posteriormente ocupou o cargo de presidente.

Em 1984, Rocha foi à Paris fazer seu Doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales – EHESS. Um período intelectual extremamente fértil, no qual Rocha teve a oportunidade de interagir com os maiores pen-sadores da época. Com efeito, um privilégio único poder realizar o curso de doutorado em um local “de ponta”, onde se poderia ter contato com mui-tas das maiores mentes da filosofia e sociologia ocidentais.

Foi por este motivo que, durante esse período de doutoramento na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales – EHESS –, Rocha teve a oportu-nidade de participar de inúmeros seminários ministrados por pensadores renomados, como Cornelius Castoriadis, Edgar Morin, Alain Touraine, Pierre Rosanvallon, entre outros. Também assistiu inúmeras palestras no Colége de France, entre as quais se poderia citar, com destaque, Jürgen Ha-bermas e Karl Otto-Apel. Além disso, também participou de diversos con-gressos internacionais, nos quais estavam presentes François Ost, Andre-Jean Arnaud, Boaventura de Souza Santos, Ota Weinberger, MacCormick e Ronald Dworkin.

No desenvolvimento de sua formação, Rocha interagiu com autores renomados e consagrados mundialmente, como também, por exemplo, Michel Foucault, de quem quase foi orientando – como Foucault estava no Colege de France, que não era propriamente uma universidade, e também, em seguida, acabou falecendo, Rocha foi orientando de Claude Lefort. De-senvolveu sua tese de Doutorado em francês sobre Rui Barbosa, entre os anos de 1984 e 1989, uma obra de dimensões políticas, filosóficas, socioló-gicas, jurídicas e históricas extremamente ricas.

Rocha retorna, então, ao Brasil, sendo Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina en-tre os anos de 1993 a 1994 – mesmo ano em que, na Itália, Niklas Luhmann fundava o Centro de Estudos sobre o Risco, na cidade de Lecce. Atento aos grandes debates em nível mundial no âmbito do Direito, da Filosofia e da Sociologia, Rocha, em 1996, vai para a Itália fazer o seu Pós-Doutorado com Niklas Luhmann. Assim, Rocha ingressa do Pós-Doutorado em Socio-logia do Direito pela Universita degli Studi di Lecce. O contato de Rocha com Luhmann imprime novos rumos na perspectiva teórica do pensador

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brasi-leiro. Nesse momento, Rocha tem contato com a Teoria dos Sistemas

So-ciais, sobretudo com sua perspectiva autopoiética5.

A partir de então, Rocha6 passa a assumir uma perspectiva sistêmica

complexa em seus trabalhos na linha da Teoria dos Sistemas Sociais, de Niklas Luhmann. Essa influência pode ser encontrada em inúmeros arti-gos nacionais e internacionais, bem como em três de suas principais obras: Epistemologia Jurídica e Democracia, publicada pela editora da UNISINOS, no ano de 2003; Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético, publicada pela Livraria do Advogado no ano de 2005, juntamente com Germano Schwartz e Jean Clam; e a obra A Verdade sobre a Autopoiese no Direito, publicada pela Livraria do Advogado no ano de 2009, também conjuntamente com

Ger-mano Schwartz e com Michael King7. Pode-se verificar que Rocha,

duran-te toda a sua formação, desde a Graduação ao Pós-Doutorado, sempre es-teve interagindo com grandes pensadores do seu tempo. Isso justifica o peso

intelectual, concisão e profundidade de seus textos8. Para melhor

observar-mos isso, convém reverobservar-mos alguns aspectos do trabalho de Rocha, a partir da sua Teoria das Três Matrizes Jurídicas.

2 A TEORIA DAS TRÊS MATRIZES JURÍDICAS

A Teoria das Três Matrizes Jurídicas, de Leonel Severo Rocha, traz um olhar interessante sobre a Teoria do Direito. Primeiramente, isso acen-tua uma questão importante, a saber, a relevância da noção de “matriz” ao invés de se falar em “paradigma”, que é uma observação que parece ser mais adequada no atual contexto da sociedade complexa. Mas, no que implica a noção de matriz para dar suporte à sua construção teórica?

5Essa perspectiva autopoiética é desenvolvida em uma espécie de segunda fase de Luhmann, abrindo um novo horizonte para observar a complexidade e os inúmeros pressupostos implicados nela. 6Atualmente Leonel Severo Rocha é Professor Titular da Universidade do Vale do Rio dos

Sinos e Coordenador Executivo do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado, Capes 6), bem como Professor do curso de Mestrado da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai (URI), estabelecendo Convênio PROCAD. Também convém mencionar que Rocha é membro pesquisador do CNPq desde o ano de 1983.

7É importante mencionar que, embora existam outras obras de Leonel Severo Rocha, como, por exemplo, Genealogia da Crítica Jurídica: de Bachelard a Foucault, publicado pela editora Verbo Jurídico, no ano de 2007, em conjunto com Albano Marcos Bastos Pêpe, optou-se por citar as principais obras que estivessem relacionadas à perspectiva da Matriz Pragmático-Sistêmica. 8Até mesmo, em uma ironia aparentemente despretensiosa, muitas vezes traz “um não dito”

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A escolha da palavra matriz sugere uma superação lúcida das expec-tativas anteriormente depositadas da concepção de paradigma, em face do contexto atual. A concepção clássica de paradigma se difundiu a partir de Thomas Kuhn, com sua obra, A Estrutura das Revoluções Científicas. Para Kuhn, paradigmas são “realizações científicas universalmente reconheci-das que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares

para uma comunidade de praticantes de uma ciência”9.

Rocha entende que a sociedade é altamente complexa e isso não deve ser desconsiderado em qualquer forma de observação. Em face da com-plexidade social contemporânea e da multiplicidade de teorias já desen-volvidas, é plausível a dificuldade em desenvolver um domínio de todas as teorias, para só então decidir qual a melhor a ser adotada. Parece inge-nuidade esperar que em meio à multiplicidade de perspectivas, um para-digma se torne tão unificado e preponderante a ponto de suplantar um paradigma anterior.

Parece sensato, na sociedade contemporânea, ter cautela em consi-derar a ideia de paradigma, na forma defendida por Thomas Kuhn, pois, dificilmente, haverá um único paradigma que alcançará um predomínio suficiente para sobrepor-se a outro e assim sucessivamente. Com frequên-cia, tem surgido uma vasta diversidade de perspectivas teóricas diferentes e, com isso, uma dificuldade maior de se alcançar uma unidade absoluta de aceitação.

A saída pode ser vislumbrada a partir da adoção da ideia de matriz, na qual se percebe uma espécie de âmbito teórico, através do qual se pode compreender posturas intelectuais que guardam traços em comum – trata-se, portanto, de uma alternativa que permite, a partir de certa matriz teóri-ca, buscar soluções para os problemas contemporâneos. Com a grande di-versidade de autores e teorias, é preciso encontrar um âmbito teórico no qual se esteja convencido de qual seja o mais adequado. Tem-se aí um espa-ço de reflexão que permite desenvolver soluções para os problemas sociais a partir de certo âmbito de conhecimento. Isso é concebido no Direito a partir da ideia de matriz jurídica.

Nesse sentido, ao invés de se buscar uma unidade teórica impecável, busca-se identificar traços comum em diversos autores, que, de alguma

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ma, estruturam seus trabalhos em pressupostos muito próximos10. Assim,

Rocha compreende a Teoria do Direito a partir da noção de Três Matrizes Jurídicas, nas quais são “aglutinadas as principais teorias jurídicas

contem-porâneas conforme o campo de racionalidade no qual se inserem”11. As três

matrizes jurídicas, a saber, são: a Matriz Analítica, a Matriz Hermenêutica (pragmática) e a Matriz Pragmático-Sistêmica; constituem-se de três âmbitos de saber, nos quais se pode compreender autores e teorias de maior desta-que no estudo da Teoria do Direito.

2.1 MATRIZ ANALÍTICA

Esta matriz faz referência à filosofia analítica, uma perspectiva racional moldada, basicamente, a partir da pretensão de transformar o saber em ciên-cia. No âmbito do Direito significou uma perspectiva voltada a forjar uma ciência jurídica, como bem salienta Rocha, “a filosofia analítica encontrou o seu desdobramento na teoria geral do Direito, através da análise

lógico-for-mal das normas jurídicas”12. Trata-se de uma orientação teórica muito forte

no século XX. Traços dessa teoria podem ser encontrados “desde o normati-vismo kelseniano, passando por Bobbio, até as tentativas de elaboração de

lógicas jurídicas, nas quais foram pioneiros Von Wright e Kalinowski”13.

Esta matriz revela os contornos assumidos pela razão moderna na esfera do Direito, sobretudo em relação ao chamado Normativismo Jurídi-co. Essa perspectiva teórica tornou-se a matriz dominante na Modernidade

e o autor referencial, certamente, foi Hans Kelsen14. Trata-se de uma

cons-10Significa dizer que já não é tão fácil compreender o mundo a partir de poucos e grandes grupos de teóricos que assumem uma grande corrente de pensamento. O que existe é uma multiplicidade de perspectivas teóricas, mas na grande maioria não possuem uma ampla aceitação; se verifica que existem adeptos de uma perspectiva ou outra.

11ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 94.

12 Ibid., p. 95.

13Rocha ainda salienta que “Esta linha, na América Latina, é muito representativa na Argentina, notadamente, com os trabalhos de Alchurrón e Buligyn, bem como de Vernengo”. Ibid., p. 95. 14A teoria do Direito de Kelsen, também influência de Kant, evidente no seu ideal de ciência pura. “Por isso, Kelsen tem como uma de suas diretrizes epistemológicas basilares, o dualismo kantiano entre ser e dever-ser, que reproduz a oposição entre juízos de realidade e juízos de valor. Kelsen, fiel à tradição relativista do neokantismo de Marburgo, optou pela construção de um sistema jurídico centrado unicamente no mundo do dever-ser. Tal ênfase acarretou a superestimação dos aspectos lógicos constitutivos da teoria pura, em detrimento dos suportes fáticos do conhecimento”. ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 96.

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trução teórica calcada na ideia de norma jurídica e na construção de uma linguagem rigorosa para o Direito. Nota-se que há uma racionalidade que organiza o poder da normatividade jurídica através de um Estado forte e da lógica normativa, além de uma hierarquia de normas que forma um escalo-namento no qual o fundamento de validade de uma norma passa a ser dado por outra norma, hierarquicamente superior e válida na conjuntura norma-tiva, dando ao ordenamento consistência e coerência suficiente para se ter a concepção de um “sistema fechado”.

No contexto contemporâneo é fácil observarmos fortes críticas a Kel-sen. Muitas delas sérias e consistentes. Contudo, também existem muitas críticas equivocadas sobre o autor que são largamente reproduzidas. Com

efeito, não se pode atribuir a Kelsen o que não foi pretendido por Kelsen15.

Há de se ter cuidado em distinguir o que seja a proposta de um autor de eventuais leituras, que podem ser equivocadas a partir de uma perspectiva particular. Por esse motivo, são de grande esclarecimento as palavras de Rocha:

Kelsen, ao contrário do que pensam seus críticos apressados, por filiar-se à tradição da teoria do conhecimento, assume como inevitável a complexidade do mundo em si. Para ele, o social (e o Direito) são devidos às suas heterócli-tas manifestações constituídas por aspectos políticos, éticos, religiosos, psi-cológicos e históricos. E a esse respeito não cabe ao cientista do Direito nada comentar. A função do cientista é a construção de um objeto analítico próprio e distinto destas influências. A partir desta constatação é que Kelsen vai procurar assim como Kant depurar essa diversidade e elaborar uma

ciên-cia do Direito. Ou seja, na teoria pura uma coisa é o Direito, outra distinta é a

ciência do Direito. O Direito é a linguagem-objeto, e a ciência do Direito, a metalinguagem dois planos linguísticos diferentes16.

De acordo com Rocha, “trata-se de uma meta-teoria do Direito, que ao contrário do positivismo legalista dominante na tradição jurídica (que confunde lei e direito), propõe uma ciência do Direito como uma

metalin-guagem distinta de seu objeto”17. Enquanto uma metalinguagem, Kelsen

centra sua teoria na ideia de norma jurídica enquanto um esquema de inter-pretação do mundo; ao passo que, como conteúdo de uma norma jurídica,

15É de se considerar nesse conjunto, que Kelsen teve uma proposta – construir uma ciência do Direito – e dentro dessa pretensão ele teve muita consistência e coerência.

16 Ibid., p. 96. 17 Ibid., p. 96.

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o mundo ganha uma significação normativa18. Como elucida Rocha, “a

norma jurídica é uma metalinguagem do ser, localizada no nível pragmáti-co da linguagem, que, ao emitir imperativos de pragmáti-conduta, não pode ser

qua-lificada de verdadeira ou falsa, simplesmente pode ser válida ou inválida”19.

Certamente existem muitas críticas a serem feitas a Kelsen, contudo isso não afasta a importância do trabalho desse autor. Saber distinguir esses

aspectos20 é fundamental para se construir uma crítica séria, como tantas

que sugiram, sobretudo no âmbito do que se convencionou chamar de Matriz Hermenêutica.

2.2 MATRIZ HERMENÊUTICA

A Matriz Hermenêutica é uma perspectiva que, basicamente, se ocu-pa das várias possibilidades de sentido, propriamente, com a dimensão se-mântica da linguagem. Como menciona Rocha, a matriz hermenêutica “está voltada à análise dos conteúdos de sentido das proposições, colocando o problema da interpretação de textos (Gadamer), típico da dogmática

jurí-dica (Robles, Ferraz Júnior)”21.

A Hermenêutica surge como uma reação crítica à filosofia analítica, uma forma de transcender a lógica rigorosa do positivismo e normativismo jurídico. Nessa perspectiva teórica, destacam-se as contribuições de Her-bert Hart, sobretudo com sua obra O Conceito de Direito, bem como, os auto-res Joseph Raz e Ronald Dworkin, por exemplo.

Na concepção de Hart, o Direito é um sistema de regras primárias e secundárias. As primeiras são regras de obrigação, que estão postas e de-vem ser obedecidas; já a dinâmica do sistema jurídico, na concepção hartia-na, pode ser explicitada somente através das chamadas “regras secundárias (adjudicação, mudança e reconhecimento), que permitem a justificação e

existência do sistema jurídico”22. Contudo, isto não sugere a completude

do Direito, pelo contrário: Hart considera que o Direito é insuficiente para

18Por sua vez, essa norma jurídica irá se transformar em uma linguagem objeto da ciência do Direito “a qual, por sua vez, passa a ser a sua metalinguagem”. ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 97. 19 Ibid., p. 97.

20É importante buscar compreender a proposta de Kelsen e distingui-la de releituras eventualmente equivocadas.

21 Ibid., p. 95. 22 Ibid., p. 98.

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compreender todas as situações do mundo, portanto considera que ele

pos-sui certa abertura, que se convencionou chamar de textura aberta 23.

Assim, em uma perspectiva mais pragmática da linguagem, pode-se compreender que, para Hart, “a preocupação da jurisprudência não é a ex-plicação da designação pura do signo Direito, como tenta fazer Bobbio”, mas “explorar as relações essenciais que existem entre o Direito e a moralidade, a

força e a sociedade (...)”24. Quando as pessoas reconhecem o seu dever e o de

outros, quando se sentem obrigadas diante de uma regra, isto revela que há, de fato, um reconhecimento de certa orientação de conduta aceita e compreen-dida como adequada. Sobre isso Rocha menciona que foi

a necessidade do reconhecimento que colocou a teoria de Hart no centro da Hermenêutica. Nessa lógica, não é surpreendente o fato de que, para Hart, o Direito possui uma zona de textura aberta que permite a livre manifesta-ção do poder discricionário do juiz para a solumanifesta-ção dos conflitos, nos chama-dos hard cases25.

Dentro dessa Matriz Hermenêutica, Hart propõe uma concepção de sistema jurídico mais aberto, em relação à concepção de sistema jurídico kelseniano (sistema fechado). Contudo, compreendendo que a abertura pro-posta por Hart é demasiadamente aberta, sobretudo por conceder grande liberdade de interpretação ao juiz – que poderá se valer do seu poder discri-cionário –, Dworkin se opõe a ela.

Dworkin, por sua vez, propõe certo fechamento do sistema a partir da noção de princípios do Direito, negando a indeterminação do Direito sustentada por Hart. Para Dworkin, o Direito é capaz de proporcionar uma resposta certa (a mais adequada). Para ilustrar essa compreensão, ele se utiliza da metáfora do romance, na qual o Direito é construído ou “escrito” como uma espécie de narrativa; cada decisão se configura como se o juiz estivesse escrevendo o Direito e, portanto, deve compreender o que se pas-sou antes para que possa dar coerência à continuidade da escrita. Nesse sentido, é possível vislumbrar uma resposta certa que, segundo Rocha,

seria aquela que resolvesse melhor a dupla exigência que se impõe ao juiz, ou seja, fazer com que a decisão se harmonize o melhor possível com a

23Cf. HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

24ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 98-99.

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jurisprudência anterior e ao mesmo tempo a atualize (justifique) conforme a moral política da comunidade26.

Embora a Matriz Hermenêutica tenha surgido como um viés crítico da perspectiva analítica, “num certo sentido, esta matriz, já bastante prescri-tiva, ainda é normativa (normativismo de 2º grau), embora se possa dizer que Dworkin possui uma teoria da interpretação capaz de avançar além do

posi-tivismo e do utilitarismo” 27. Apesar da Matriz Hermenêutica abrir novas

possibilidades para o Direito, ela demonstra certa fragilidade, por exemplo,

com o “excessivo individualismo da hermenêutica do common law”28.

De certa forma, este último aspecto sugere que o Direito precisa de uma Teoria da Sociedade. É importante compreender o Direito inserido em um contexto que produz múltiplas ressonâncias e estabelece com ele complexas conexões; pensando nisso é que Rocha vai propor a terceira matriz jurídica, a saber, a Matriz Pragmático-Sistêmica.

2.3 MATRIZ PRAGMÁTICO-SISTÊMICA

Diante do contexto social contemporâneo é necessário rever algu-mas posturas jurídicas, para que se possa repensar permanentemente as bases do Direito, em face dos desafios que a sociedade lhe apresenta. Con-vém repensarmos a própria noção de ciência jurídica (clássica) que, segun-do Rocha, embora tensegun-do sisegun-do forjada em bases sintático-semânticas, nos

últimos tempos, “tem se alterado para critérios pragmáticos”29.

Assim, após o rigor formalístico da Matriz Analítica e o advento do contraponto crítico da Matriz Hermenêutica, passa-se a ampliar o horizon-te reflexivo do Direito, abrindo possibilidades para perspectivas que levem em consideração a “pragmática”. Contudo, trata-se de pragmática redefini-da pela teoria sistêmica, o que traz inúmeras possibiliredefini-dades de diferencia-ções, inclusive a “vantagem de se romper com o psicologismo da versão

26 Ibid., p. 99.

27ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 99.

28 Ibid., p. 100.

29Ibid., p. 93. Convém mencionar que, a partir do momento em que se está transitando dentro de uma perspectiva teórica específica, como neste caso, tem-se à disposição a perspectiva luhmanniana como ponto de partida. A partir disso, todas as categorias ou expressões utilizadas, como, por exemplo, a noção de procedimento, são apresentadas já com a sua dimensão semântica revista por um olhar sistêmico complexo.

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pragmática tradicional”30. Essa perspectiva pragmática, revista a partir de

Luhmann, indaga sobre as formas de comunicação em meio à multiplici-dade de sentidos existentes na sociemultiplici-dade, bem como de procedimentos

utili-zados nos processos de tomadas de decisão31.

Para melhor compreendermos essa perspectiva, Rocha propõe a Ma-triz Pragmático-Sistêmica. Num primeiro momento, ilustrando a tônica de cada uma das três matrizes jurídicas, através da semiótica de Carnap, indi-ca-se que se poderia associar representativamente a dimensão da sintaxe com a Matriz Analítica e, por meio dela, principalmente, fazer referência ao Normativismo Jurídico; associando a dimensão semântica com a Matriz Hermenêutica e uma dimensão pragmática, que após ser revista pela perspec-tiva luhmanniana, ressurge como a Matriz Pragmático-Sistêmica. Rocha es-clarece que essa ilustração, a partir de Carnap, é realizada com fins didáti-cos. Contudo, é de se destacar que a partir da

pragmático-sistêmica, pode-se analisar simultaneamente os três níveis da semiótica com predominância do nível pragmático e suas conexões com o social, graças à sua perspectiva sistêmica. Na verdade este relato visa de-monstrar a superioridade desta matriz perante a semiologia numa sociedade complexa32.

Destaca-se que a matriz pragmático-sistêmica tem como ponto de

par-tida “as análises de Luhmann sobre a Teoria dos Sistemas de Parsons”33 e,

sobretudo, em sua perspectiva autopoiética.

Niklas Luhmann adaptaria, entretanto, alguns aspectos da teoria de Par-sons, somente numa primeira fase de sua atividade intelectual, que caracte-rizou a matriz inicialmente denominada de sistémica no texto sobre as ma-trizes teórico-políticas da teoria jurídica. Porém, recentemente Luhmann, ao voltar-se para uma perspectiva autopoiética (Varela-Maturana), acentu-ando a sistematicidade do Direito como autoreprodutor de suas condições de possibilidade de ser, rompeu com o funcionalismo parsoniano34.

A Matriz Pragmático-Sistêmica sugere enfoques diferenciados das

perspectivas tradicionais35, demonstrando grande fecundidade, na medida

30 Ibid., p. 95.

31ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 95.

32 Ibid., p. 95. 33 Ibid., p. 100. 34 Ibid, p. 100.

35As perspectivas tradicionais referidas no texto, dizem respeito basicamente aos pressupostos do normativismo jurídico, enquanto teoria jurídica dominante na Modernidade, que tem como

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em que visa a “produção de diferença”, o que, de certa forma, permite novas

problematizações do Direito e de toda a epistemologia jurídica36. Assim,

tem-se uma forma de observação diferenciada, envolvendo operações

com-plexas e estruturas inovadoras 37, além de uma maneira diferente de tratar

problemas sociais, rompendo com delimitações simplificadoras e abrindo fissuras para a complexidade.

Apesar de essa matriz exigir uma profunda mudança epistemológica e isto, segundo Rocha, ser um dos motivos pelos quais essa teoria “ainda

não chegou a ter grande influência na dogmática positivista dominante”38,

ela se constitui de uma ótima alternativa para se enfrentar os desafios da sociedade contemporânea.

Essa mudança necessária se justifica pelo fato de que Luhmann, por vários motivos, vai muito além de Kelsen (matriz analítica), sobretudo por ter uma grande e complexa abertura para a sociedade, algo inconcebível na

concepção da Teoria Pura do Dirieto39. Luhmann também vai além de Hart

e Dworkin (matriz hermenêutica), compreendendo o Direito como uma estrutura da sociedade, apta a realizar a estabilização de expectativas de forma normativa em três níveis sociais: temporal (normal), social

(insti-tucionalização) e prático ou objetivo (núcleo significativo)40. Sobre essa

pers-pectiva luhmanniana, Rocha menciona que

o comportamento social em um mundo altamente complexo e contingente exige a realização de graduações que possibilitem expectativas comporta-mentais recíprocas e que são orientadas a partir de expectativas sobre tais expectativas”. Estas reduções podem dar-se através de três dimensões: tem-poral, social e prática. Na dimensão temtem-poral, “essas estruturas de

expecta-expoente Hans Kelsen, assim como as práticas jurídicas que com ela se identificam, sobretudo em função de sua acentuação do passado que se constitui em uma dogmática jurídica, extremamente conservadora e defasada no sentido de não ser capaz de alcançar uma operacionalização adequada com a dinâmica da sociedade contemporânea. Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado, 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006; ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003.

36Uma perspectiva, que abre boas perspectivas para teorias que levem em conta categorias como: paradoxo, risco e complexidade.

37Isto pode ser visualizado desde a compreensão do Direito quanto da sociedade a partir das distinções e inter-relações orientadas pela distinção sistema/ambiente.

38 Ibib., p. 100. 39 Ibid., p. 100.

40LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

(15)

tivas podem ser estabilizadas contra frustrações através da normatização”; na dimensão social, essas estruturas de expectativas podem ser instituciona-lizadas, isto é, apoiadas sobre o consenso esperado de terceiros; e, na dimen-são prática, “essas estruturas de expectativas podem ser fixadas também através da delimitação de um ‘sentido’ idêntico, compondo uma inter-rela-ção de confirmações e limitações recíprocas”41.

Em face de um contexto social altamente complexo, é inevitável

cer-ta redução42 dessa complexidade, que significa a reestruturação da

comple-xidade social no interior do Direito. Assim, a partir de uma perspectiva sistêmica complexa, busca-se “harmonizar as dimensões, através de redu-ções que irão se dar em cada uma delas, por intermédio de mecanismos

próprios”43. Esses pontos iniciais necessariamente deverão ser

compreendi-dos a partir de uma teoria da sociedade, sobretudo no que diz respeito à perspectiva autopoiética assumida tanto por Luhmann como por Rocha. 2.4 TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS

A perspectiva sistêmico-complexa deste trabalho faz referência a uma epistemologia que tem como ponto de partida a Teoria dos Sistemas Sociais,

de Niklas Luhmann44. A partir daí, entende-se o Direito como estrutura da

sociedade, reorganizando a complexidade social através de sua diferenciação funcional e de sua estabilização generalizada de expectativas normativas45.

Por sua vez, a sociedade como um grande sistema social de comunicação, subdivide-se em sistemas parciais, entre eles o Direito, nesse sentido atua através de uma perspectiva autopoiética, que significa um grande potencial para desenvolver sua capacidade operacional. Assim, Rocha destaca a ne-cessidade de vislumbrar um “novo estilo científico mais apto à compreensão

41 ROCHA, Leonel Severo. Op. cit., p. 100-101.

42E aqui, quando se menciona “redução” não se está fazendo referência a uma concepção ingênua do termo; não se trata do “reducionismo”, muito frequente na dogmática jurídica, como uma herança da modernidade, mas sim de uma necessária redução e reorganização da complexidade a partir de um olhar jurídico.

43ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 101.

44Sobretudo no que diz respeito à sua fase autopoiética, que, por sua vez, já sugere um novo olhar sobre a sua própria fase anterior, numa espécie de círculo virtuoso da própria epistemologia que se mostra altamente reflexiva.

45Essa concepção de Direito está intimanente compreendida na noção de sociedade complexa, que vem a surgir com o advento da Modernidade, que, por sua vez, é fortemente marcada por certa tranformação social que na teoria de Luhmann ganha a denominação de diferenciação funcional.

(16)

das atuais sociedades complexas”46 e do Direito na atualidade, através de

sua Matriz Pragmático-Sistêmica:

É importante nesta matriz epistemológica demonstrar-se que certos elemen-tos básicos tornam possíveis distintas formas, entre infinitas possibilidades, de interação social. Isto implica uma grande complexidade, que exige cada vez mais subsistemas, como o Direito, a economia, a religião, etc., que por sua vez se diferenciam criando outros subsistemas e assim sucessivamente47.

São múltiplas e distintas as formas e as possibilidades de sentido na sociedade a serem operacionalizados pelo Direito – enquanto sistema par-cial de comunicação jurídica. Toda operação jurídica é produzida comuni-cativamente, embora, paradoxalmente, Luhmann afirme que a

comunica-ção é altamente improvável48. Por isso, Rocha menciona:

A sociedade moderna possui condições de controlar as indeterminações, ao mesmo tempo em que não cessa de produzi-las. Isto gera um paradoxo na comunicação. Nesta ordem de raciocínio, concorda-se com Luhmann, no sentido de que a pesquisa jurídica deve ser dirigida para uma nova concep-ção da sociedade centrada no postulado de que o risco é uma das categorias fundamentais para a sua compreensão49.

Assim, a Matriz Pragmático-Sistêmica traz uma proposta epistemo-lógica para além das teorias compreendidas no âmbito das Matrizes Analí-tica e HermenêuAnalí-tica. Uma alternativa diferenciada para enfrentar desafios

contemporâneos, sobretudo, permitindo novos olhares50.

Todos esses fatores exigem uma revolução epistemológica que, rompendo com a departamentalização dos campos de racionalidade dominantes, que isoladamente trabalham a analítica, a hermenêutica e a pragmática, aponte para uma perspectiva pragmático-sistêmica.

Dessa forma, tem-se uma estratégia reflexiva de mudanças na obser-vação do Direito e de suas organizações, sugerindo a revisão de “dogmas”

frequentemente abalados por questões atuais51. “Esta estratégia desloca-se

46 Ibid., p. 102. 47 Ibid., p. 104.

48Cf. LUHMANN, Niklas. A Improbabilidade da Comunicação. Tradução de Anabela Carvalho, 3. ed. Lisboa: Vega, 2001.

49ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 104.

50Isto permite um novo olhar, por exemplo, sobre o risco (Luhmann) e sobre a concepção de democracia (Lefort), como elementos de grande importância na reflexão jurídica atual. Ver ROCHA, Leonel Severo. Ibid., p. 94.

51Cf. FLORES, Gustavo. Direito e Cibercultura: para pensar uma “resiliência jurídica”. Novatio Iuris: Revista do Curso de Direito da Escola Superior de Administração, Direito e Economia – ESADE, Porto Alegre, v. 1, n. 2, out/2008, p. 98-120.

(17)

sucessivamente de uma perspectiva estrutural, voltada aos aspectos nor-mativos do Direito, até uma perspectiva funcionalista, dirigida às funções

sociais do Direito”52. O “Direito da sociedade” não pode ser reduzido à

figura do juiz ou da Constituição, é preciso considerar tudo isso em uma perspectiva sistêmico-complexa, na qual emerge a importância de repen-sarmos os contornos da noção de “Organização”.

2.5 O DIREITO A PARTIR DA NOÇÃO DE “ORGANIZAÇÃO” Entre aspectos complexos da sociedade, Rocha acentua a importância

das Organizações53. Os tribunais, sendo as organizações por excelência do

Di-reito, constituem um espaço privilegiado de tomada de decisão e garantem

certa coerência ao sistema54. Por isso, no centro do sistema jurídico, os

tribu-nais possuem diversas instâncias e possibilidades de recursos. Consiste-se, portanto, em um espaço no qual o “poder” ganha disposição hierarquizada a fim de ser operacionalizado na dinâmica do sistema, movimentando a auto-organização do Direito e forjando sua própria concepção de tempo.

2.6 A HERANÇA TEMPORAL DA MODERNIDADE NO DIREITO Durante longo período, a concepção de Tempo figurou como uma espécie de “pano de fundo”, praticamente sem mudança; até o momento

em que o normativismo kelseniano descongela na Modernidade55 a

percep-ção temporal jusnaturalista56. Contudo, com a operacionalização do

Direi-52 ROCHA, Leonel Severo. Op. cit., p. 93.

53Sobre isso é importante compreender que o juiz não está sozinho e muito menos isolado. Ele está inserido em uma organização que constitui uma conjuntura da qual o juiz não se torna independente. A própria teoria dos papéis de Max Weber já indicava que dependendo do papel que se estivesse assumindo o seu comportamento estaria sendo orientado pelo âmbito do respectivo papel, bem como, em relação às expectativas que se formam em torno de cada papel. Isso se torna ainda mais complexo quando se pensa na ideia de sistema autopoiético e na ideia de organizações existentes no interior desses sistemas.

54O que Dworkin chama de integridade, justamente porque o que se decide deve guardar correspondência com um âmbito de ação maior que o âmbito de ação do juiz, mas o âmbito de ação de todo o sistema do Direito.

55Com o surgimento da Sociedade Moderna, funcionalmente diferenciada, aos poucos a dinâmica de transformações passa a ser acentuada, mesmo que num primeiro momento essas transformações ainda sejam muito lentas. Até que essa dinâmica alcance o estágio contemporâneo, o Direito, em meio a processos burocratizados, experimenta uma estabilização radical de suas estruturas.

56Sobre isto, comenta ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 97.

(18)

to – muito voltada ao nível sintático da estrutura linguística –, cria-se na dogmática uma tendência de compreender as mudanças do Direito muito

ligadas à lei57. Dessa maneira, verifica-se uma cultura desenvolvida na

prá-tica de um positivismo legalista clássico.

Como herança do normativismo (matriz predominante na Moderni-dade), ainda hoje a concepção temporal do Direito remonta uma noção de Tempo de longa duração. Isso comporta a pretensão de realizar previsões sobre o que poderia vir a acontecer, com a esperança de certa segurança,

com a crença em uma ordem estável de mundo58.

Rocha nos mostra que a concepção temporal do Direito moderno remonta, como ponto de partida, ao pensamento de Isaac Newton – um pensamento da física moderna que é mantido na filosofia de Immanuel Kant, que aceita o caráter completo e verídico da dinâmica newtoniana em

seus trabalhos59. Kelsen, o maior expoente da filosofia analítica, foi um

neokantiano, trazendo para o Direito essa forte influência temporal de

Newton e Kant, reelaborada através da noção de “âmbito de validade”60.

O grande problema é que a concepção temporal do Direito moderno é o resultado de uma racionalidade extremamente conservadora. Esse con-servadorismo não permite que se recepcionem os trabalhos de Albert Eins-tein, que transcendem o paradigma temporal da ciência moderna. Apesar de haver inúmeras evoluções em outros âmbitos de saber, a racionalidade moderna parece tornar o Direito imune a essas transformações. Isso sugere reflexões sobre como abrir fissuras na dogmática a fim de equalizar postu-ras antigas a um contexto de rápidas transformações.

57Dessa forma, como os processos burocratizados também constituem uma característica marcante da Modernidade, as produções legislativas não fugiram à regra. Assim, com a sociedade cada vez mais dinâmica, torna-se demasiadamente ariscado depositar as expectativas de mudanças do Direito nos demorados processos de produção legislativa.

58ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 63.

59PRIGOGINE, Ilya, STENGERS, Isabelle. A Nova Aliança. Tradução de Miguel Faria e Maria Joaquina Machado Trindade. Brasília: Universidade de Brasília, 1991, p. 68-69; BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Tradução de Danilo Marcondes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 1997, p. 214-215.

60ROCHA, Leonel Severo. A construção do tempo pelo direito. In: ______; STRECK, Lênio Luiz. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Unidade Ciências Jurídicas, 2003-a, p. 311.

(19)

3 PARALELISMO TEMPORAL

O excessivo fechamento61 operacional promovido pela dogmática

jurídica é o que torna o Direito extremamente conservador. A dogmática jurídica, sob contornos de ressonâncias “precárias” do normativismo, é

ela-borada através da produção de normas contra-fáticas62 – uma estratégia de

repetição que acentua posturas estabelecidas no passado com a pretensão de controlar o futuro.

Num contexto no qual as novas tecnologias da informação indicam uma dinâmica praticamente instantânea, torna-se mais nítida a defasagem

temporal do Direito63 através da diferença entre a dinâmica do Direito e da

sociedade64. Observando isso, Rocha menciona a existência de um

paralelis-mo temporal. A defasagem na concepção temporal do Direito gera a impres-são de existir duas concepções temporais distintas e desconectadas: um Tempo da sociedade, altamente dinâmico e, paralelamente, um Tempo es-pecífico do Direito, extremamente conservador, fruto de uma

racionalida-de moracionalida-derna que acentua racionalida-demasiadamente o passado65. Assim, torna-se

importante compreender como o Direito operacionaliza a construção de sua temporalidade em face da sociedade contemporânea.

61O fechamento operacional não significa necessariamente um problema. Trata-se de uma operação regular da autopoiese do sistema e também de uma condição de possibilidade para a abertura do mesmo. O fechamento operacional, em certa medida, é de fundamental importância para a reorganização interna do sistema. É através dessa auto-organização que o Direito elabora internamente a sua concepção temporal. Nesse sentido, a construção do Tempo do Direito é fruto de uma autoconstrução. Contudo, o fechamento excessivo operacionalizado comumente pela dogmática jurídica parece gerar um distanciamento inconveniente, entre sistema e ambiente, que afeta a operacionalização do Direito. Quando esse distanciamento começa a ser muito grande, começam a emergir nas decisões jurídicas o contraste com a noção de tempo existente no contexto social.

62Historicamente o Direito esteve voltado a construir uma atmosfera de segurança, mesmo a custo de uma defasagem temporal ou de uma sensação de que a segurança não passasse de mera ficção.

63ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 185; Cf. OST, François. O Tempo do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

64A crença por uma dependência absoluta pela positivação, enquanto instrumento de efetivação do Direito e a morosidade deste processo, muitas vezes, ainda hoje, pode revelar a intenção dos juristas de criarem normas que tenham uma longa duração – isso se verifica, muitas vezes, quando tais normas surgem já estão defasadas.

65ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 197.

(20)

3.1 O DIREITO E SUAS DUAS FORMAS DE PROGRAMAÇÃO É preciso compreender a lógica de operacionalização do Direito (auto-organização), que permitirá compreender a sua programação. Para tanto, convém esclarecer que através da institucionalização de expectativas nor-mativas, o Direito moderno, tradicionalmente, acentua excessivamente o seu fechamento operacional em detrimento de sua abertura cognitiva. As-sim, o sentido fixado demasiadamente no passado, força a “repetição”

atra-vés de uma estabilização contra-fática66. O Direito torna-se um mecanismo de

controle e negação do futuro, na medida em que a racionalidade de repeti-ção garante que se tenham expectativas confirmadas normativamente.

Essa lógica de pressupostos permite que se tenham expectativas e sugere a possibilidade de se conceber a existência de certa programação. As-sim, Rocha indica que os juristas, ao operacionalizar o Direito, sobretudo no processo de tomada de decisão, o fazem através de duas programações:

a programação condicional e a programação finalística 67.

A programação condicional é uma forma de orientar os processos de tomada de decisão a partir da produção de repetição, que significa produ-ção no passado e, com isso, certa anulaprodu-ção do tempo. Além disso, está mais relacionada com a observação e com a operacionalização da dogmática

jurídica68. Dessa forma, a construção do sentido jurídico (futuro) já vem

dada pelo passado69; o problema é que essa noção de tempo de longa

dura-66A lei tendo, em um primeiro momento, o seu sentido fixado no passado, serve como uma estratégia de orientação para as pessoas saberem como devem se comportar e como podem esperar que os outros se comportem, embora isso não impeça que haja comportamentos desviantes.

67ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 194-198.

68Ibid., p. 195. Uma pretensão de controlar o futuro através da repetição, apresentando respostas predeterminadas para situações que ainda não aconteceram, mas que já existem, apresentando, para tanto, um sentido previamente definido pela lei para enquadrar e tutelar tal situação. Nessa ótica, é mais provável que um direito seja confirmado quando (de alguma forma) ele está de acordo com o passado, quando algo como uma decisão se repete.

69Ibid., p. 195. Trata-se de uma observação dogmática voltada a uma programação condicional, privilegiando apenas um lado do Direito, que está mais intimamente relacionado com o fechamento operacional do sistema jurídico, desprezando a importância do seu outro lado, que corresponde à sua abertura cognitiva. Contudo, a referência ao passado, além de proporcionar certa operacionalidade jurídica, de eventualmente frear pretensões inovadoras carentes de reflexões, gera uma simplificação epistemológica que produz uma espécie de ficção consoladora de segurança jurídica.

(21)

ção70, alimentada por posturas conservadoras71, contrasta com a

temporali-dade dinâmica da societemporali-dade contemporânea (Internet), evidenciando as fragilidades do Direito.

Assim, Rocha destaca a importância da programação finalística como operacionalização do Direito, que considera o futuro na reflexão de ques-tões contemporâneas. Embora o jurista precise lidar com estruturas jurídi-cas disponíveis no sistema, essa programação está voltada à “produção de diferença”, através de uma argumentação que, ao inserir discretamente a

diferença, acentue a coerência desta com as estruturas já existentes72.

Há, por um lado, uma forma de operacionalizar o Direito que tua a repetição e a produção de passado e, por outro, uma forma que acen-tua a diferença e a construção de futuro, que possibilita a recepção de nova realidade. Contudo, as duas formas de programação devem estar presentes em uma decisão jurídica ao mesmo tempo – deve ser equacionado simulta-neamente repetição e diferença (passado e futuro), a partir de sua dinâmica

autopoiética (aberta e fechada)73.

Quando se privilegia a programação finalística, procurando enxer-gar os dois lados do Direito, começa-se a sair de uma órbita

estruturalmen-te fechada, passando de uma abertura cognitiva para a complexidade74.

70ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003., p. 197; Sobre o tempo, Cf. ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005; OST, François. O Tempo do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 71ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003., p. 194-195. Por outro lado, também, a inovação ou a produção de diferença em si não significam necessariamente uma boa alternativa; é preciso que ambas sejam resultado de um processo reflexivo.

72Seria como o exemplo de uma peça teatral submetida à censura no período da ditadura: a partir de 1964, quando o Brasil passa por um período ditatorial, para que uma peça teatral pudesse ser exibida, havia uma condição necessária – ser submetida a certo controle de censura e ter sua exibição autorizada por este órgão. Sendo a obra um manifesto contra a ditadura forjada em contornos artísticos, os argumentos do autor deveriam ser de que a referida obra estaria de pleno acordo com a ordem estabelecida.

73Só existe sistema porque ele identifica-se enquanto fechado e aberto ao mesmo tempo. A observação do Direito como autopoiético permite que se veja o outro lado do Direito, permite pensarmos o impossível como possível, o improvável como provável, ou seja, permite-nos pensarmos os paradoxos, algo que se opõe e, ao mesmo tempo, se complementa.

74Quando se decide através da programação condicional não se vê o paradoxo. Só se vê o paradoxo quando se admite que se poderia decidir conforme a programação condicional e finalista. Um jurista conservador percebe apenas um dos lados do Direito, acentuando sua normatividade, e deixa de perceber o lado cognitivo que pode ser melhor observado através do surgimento dos novos direitos e de um processo argumentativo.

(22)

Nessa perspectiva, Rocha abre inúmeras janelas através das quais se podem desenvolver novas reflexões, como, por exemplo, sobre as ressonâncias ad-vindas do desenvolvimento das novas tecnologias digitais que destaca a dis-solução da noção moderna de Tempo, através de forte instantaneidade e desterritorialização das novas relações, cujas ressonâncias deverão ser ope-racionalizadas pelo Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde observar, Leonel Severo Rocha é um autor de grande importância para a Teoria do Direito. Pensador de múltiplas influências, doutorou-se pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales – EHESS – em Paris, onde teve a oportunidade de interagir com nomes como Cornelius Castoriadis, Edgar Morin, Alain Touraine, Pierre Rosanvallon, Jurgen Ha-bermas, Karl Otto-Apel, François Ost, Andre Jean-Arnaud, Boaventura de Souza Santos, Ota Weinberger, MacCormick, Ronald Dworkin. Também conheceu Michel Foucault, no Colege de France e foi orientado em sua Tese sobre Rui Barbosa, por Claude Lefort. Tendo ainda posteriormente indo à Itália realizar o Pós-Doutorado com Niklas Luhmann. Uma trajetória que, além disso, sempre esteve permeada pela amizade de Luis Alberto Warat. Na denominação de sua teoria, Rocha propõe uma reflexão voltada

ao abandono de nossas ingenuidades reproduzidas75, como a substituição

do termo paradigma pelo termo matriz, este último considerado mais

ade-quado no contexto da sociedade contemporânea76.

A sua Teoria das Três Matrizes é de fundamental importância como ponto de partida para novas reflexões, sobretudo no que diz respeito à ob-servação do Direito em face das novas tecnologias digitais. Nesse sentido, Rocha menciona que “somente uma nova Matriz Jurídica pode ajudar na reconstrução da teoria jurídica contemporânea, até então impotente para a

75Rocha desenvolve seus trabalhos a partir de um deslocamento de seus orientandos de lugares cômodos e convidando-os a um nível de reflexão diferenciado. Dessa forma, ocorreu um deslocamento em mim que culminou no presente texto.

76É plausível que seja uma ingenuidade esperar que um paradigma possa ser suplantado por outro. Por isso, a noção de matriz indica um âmbito coerente em que se busque desenvolver soluções para os problemas e buscar a melhor ressonância possível no sentido de comunicar suas contribuições.

(23)

compreensão e transformação dos acontecimentos”77 na sociedade

com-plexa. Assim, surge a proposta da Matriz Pragmático-Sistêmica como uma pesada crítica à dogmática e à epistemologia jurídica tradicional.

Essa matriz significa um novo espaço reflexivo, que tem como refe-rência basilar a teoria luhmanniana. Contudo, não se trata de um espaço engessado, mas sim de uma construção autopoieticamente aberta a outros autores que guardem um mínimo de compatibilidade, bem como a eventuais inovações que possam significar certa contribuição (diferença) evolutiva.

Para isso, a Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann fornece um importante passo para a construção de uma nova teoria do Direito. Consiste-se, portanto, em uma perspectiva capaz de desencadear uma refle-xão jurídica (autopoiese), de modo a reorganizar o Direito para o enfrenta-mento de desafios advindos de uma sociedade complexa, na qual as trans-formações são apresentadas em um ritmo altamente veloz. Trata-se de uma forma de transcender os pressupostos tradicionais do Direito

Todo o trabalho de Rocha significa um ótimo legado para o aprimora-mento da Teoria do Direito. Um legado que está em permanente construção e traz a confiança de um autor de uma capacidade intelectual ímpar,

reco-nhecida e respeitada, inclusive, pelo olhar exigente de Luis Alberto Warat78.

Considerando tudo isso, nada melhor do que as próprias palavras de Luis Alberto Warat sobre o talento e a competência de Leonel Severo Ro-cha ao escrever o prefácio do livro Epistemologia Jurídica e Democracia:

Nunca tive tanta satisfação elaborando o prefácio de um texto. Tenho pelo professor Rocha um conjunto de sentimentos que compreende o carinho e a admiração por um trabalho teórico que engrandece o pensamento jurídico brasileiro.

Conheço o autor desde seus tempos de estudante de Direito em Santa Ma-ria. Acompanhei passo a passo a sua trajetória teórica e tive o enorme pra-zer de contar com a sua parceria em inúmeros trabalhos, sem esquecer que há mais de quinze anos, compartilhamos o mesmo espaço docente,

sonhan-77ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p. 93.

78Para compreendermos essa última afirmação, convém mencionar que a jornada intelectual de Rocha sempre foi permeada por grandes diálogos com o mestre argentino. Warat era um grande e autêntico filósofo. Costumava filosofar constantemente, não havia pausas, mesmo durante um café ou um simples passeio. Suas análises eram intelectualmente muito complexas, mesmo quando revestidas de uma ironia “aparentemente” ingênua, em torno das quais incorriam os mais precipitados equívocos de alguns olhares cegos. Apesar disso, Warat era extremamente respeitado e exigente no que diz respeito ao reconhecimento da qualidade intelectual de outrem.

(24)

do, padecendo e gozando da vida acadêmica do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, de que foi coordena-dor (1993-94).

Sem sombra de dúvida, Rocha contribui notavelmente para o processo de transformação do pensamento jurídico surgido no Brasil nos últimos vinte anos. Faz parte do seleto grupo dos filósofos do Direito que alteraram o paradigma imperante no Brasil do final dos anos de 1970. [...] Neste contex-to, trata-se de um pensador com maiúsculas, uma cabeça que sempre surpre-ende e me surpresurpre-ende (o que não sucede com muita frequência)79.

Nada mais autêntico do que o relato de um grande pensador como Luis Alberto Warat, atestando a grande qualidade do trabalho de Leonel Severo Rocha, um raro privilégio de reconhecimento, respeito e considera-ção. Nesse sentido, embora a Teoria das Três Matrizes Jurídicas – dando-se ênfase à Matriz Pragmático-Sistêmica –, seja de grande relevância, na ver-dade, constitui apenas um aspecto de sua obra. Esta possui muitos pontos extremamente relevantes que ainda não foram explorados. Por isso, con-corda-se mais uma vez com Warat, compreendendo que a obra de Rocha é como “um álbum que contém muitas folhas em branco, que ainda serão complementadas com os melhores momentos de Leonel Severo Rocha.

Tenho absoluta certeza do que termino de afirmar”80.

REFERÊNCIAS

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FLORES, Gustavo. Direito e Cibercultura: para pensar uma “resiliência jurídica”. In: Novatio Iuris: Revista do Curso de Direito da Escola Superior de Administração, Direito e Economia – ESADE. v. 1, n. 2, out./2008, Porto Alegre: ESADE, 2008, p. 98-120.

HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 5 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gul-benkian, 2007.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado, 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.

79WARAT, Luis Alberto. Prefácio. In: ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003, p.7-9.

(25)

LUHMANN, Niklas. A Improbabilidade da Comunicação. Tradução de Anabela Car-valho, 3. ed. Lisboa: Vega, 2001.

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WARAT, Luis Alberto. Prefácio. In: ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2 ed. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003.

Recebido em: 23 de fevereiro de 2014. Aceito em: 02 de março de 2014.

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