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Ser ou não ser: eis o conflito

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Academic year: 2021

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Ser ou não ser: eis o conflito

Marcos Mendes

Como visto no tópico anterior, a pós-modernidade trouxe consigo, já em seu nascedouro interrogações perturbadoras, que remetem à essência do homem e seu convívio em sociedade, uma certa reedição do questionamento shakespeariano de Hamlet, “ser ou não ser”. Aliás, esse é um conflito marcante na obra de Shakespeare onde, apesar da inicial pureza de princípios éticos de seus heróis, estes entregam-se ao desregramento de paixões incontidas, isto é, o idealismo moral confronta-se com uma insurreição interior, na qual a vontade individual sobrepõe a moral (uma reprodução ou reflexo do conflito Bem vs. Mal, Amor vs. Ódio, Justo vs. Injusto, etc). Como o herói shakespeariano cede à paixão (ou seria melhor dizer a si mesmo?) e consciente do mal praticado, vê na morte a saída para o conflito que já não pode gerir. E neste sentido, cremos que existem duas possibilidades para tentar explicar esse conflito. A primeira reside na incerteza de como seria a existência se sua escolha fosse outra, se o caminho percorrido fosse o outro; a segunda, a certeza de que não há como retroceder o tempo, fazer voltar atrás a existência para mudar os fatos, sabendo que suas conseqüências estarão sempre escrevendo os novos capítulos da história. Por outro lado, a própria morte traz em si um conflito, pela incerteza daquilo que lhe sucede. E estas considerações espelham-se no texto do próprio Shakespeare, nas palavras do príncipe Hamlet:

Ser ou não ser, eis a questão! Que é mais nobre para a alma: sofrer os dardos e setas de um destino cruel, ou pegar em armas contra um mar de calamidades paa pôr-lhes fim, resistindo? Morrer... Dormir; nada mais! E com o sono, dizem terminanos o pesar do coração e os inúmeros naturais conflitos que constituem a herança de carne! Que fim poderia ser mais devotamente desejado? Morrer... Dormir!... Talvez sonhar! Sim, eis a dificuldade! Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar que sonhos possam sobrevir, durante o sono da morte, quando nos tenhamos libertado do torvelinho da vida. Aí está a reflexão que dá a desventura de uma vida assim tão longa! [...] Quem gostaria de suportar tão duras cargas, gemendo e suando sob o peso de uma vida afanosa, se não fosse o temor de alguma coisa depois da morte, região misteriosa de onde nenhum viajante jamais voltou, confundindo nossa vontade e impelindo-nos a suportar aqueles males que nos afligirem, em vez e nos lançarmos a outros que desconhecemos? (SHAKESPEARE, 2007, p. 56-57)

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De fato, o príncipe da Dinamarca é um personagem controverso e fascinante. Muitos o consideram como a personificação da dúvida, da hesitação e da inação [...] Provavelmente, a melhor análise que pode ser feita sobre o príncipe Hamlet é a sua identificação como homem da Renascença, aquele que após o longo período de certezas calcado na fé absoluta no transcendente da Idade Média, despertou em um mundo em ebulição e ousou perguntar-se: ser ou não ser? (FONSECA, 2008, s.p.)

Diante dessas questões, acreditamos que a palavra chave seria conflito. Conflito que está presente nas páginas da Antígona de Sófocles em uma série de oposições: legitimidade x legalidade, vida x morte gloriosa, obediência x dever, indivíduo x comunidade, transcendência x imanência, humana x divino, etc. Conflito que conduz ao desespero, a um estado agônico, presente na contemporaneidade, diante da indefinição ética e, como vimos, da crise de identidade. Real ou virtual, local ou global, branco ou preto, pobre ou rico, oriente ou ocidente, ser ou não ser, são questões que, não raro, geram, espelham-se e falam através de fenômenos sociais como, por exemplo, a violência em suas multiformes manifestações.

Mas acreditamos que a questão do conflito abordada nos parágrafos anteriores, não reside meramente em um contexto circunstancial, histórico. Ele alcança a discussão sobre a subjetividade humana, onde residem elementos que irão compor aquilo que Ruiz exprime como “a encruzilhada do humanismo” a qual afirma que “consiste em assumir a sua historicidade sem negar a dimensão do humano” (BARTOLOMÉ RUIZ, 2006, p. 107).

Não há como contestar que o homem, enquanto pessoa, é a resultante de um conjunto de circunstâncias, isto é, nosso “eu” é composto por um conjunto de elementos históricos, o que pode ser constatado pelo próprio processo no qual somos introduzidos na cultura. Como propõe Bartolomé Ruiz:

As circunstâncias históricas se entrelaçam na nossa subjetividade constituindo-a como algo singular e irredutível. Isso impede de pensar a pessoa como uma essência universal predeterminada por natureza que possibilita padronizar os indivíduos segundo modelos naturais de classificação. Não podemos pensar a singularidade pessoal como o acidente de uma substância humana comum que todos incorporamos ao ser concebidos. Talvez a definição mais paradigmática desta visão da pessoa humana seja a que deu Boécio ao definir a pessoa como rationalis naturae

individua substantia (substancia individual de natureza racional), que existe

por direito próprio (sui iuris) e é perfeitamente ‘incomunicável” e se autopossui. (2006, p. 110)

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Todavia, seria a subjetividade humana unicamente o produto das circunstâncias? Nossa proposição é que não se pode explicar o sujeito em sua inteireza, como o resultado de uma teia de elementos históricos. Não há como reduzi-lo ou explicá-lo por qualquer teoria, seja ela complexa como for. E aí, diante dessa “insondabilidade” do homem, que ousaremos chamar de “infinitude”, parece naufragar a razão, o racionalismo da modernidade em sua tentativa de encontrar um conceito apropriado ao ser humano: indivíduo, consciência, pessoa, sujeito, “eu”, etc.

O drama que se apresenta, portanto, na contemporaneidade e que acreditamos ser uma discussão fundamental para a questão ética, reside em torno da pessoa. Segundo Bartolomé Ruiz:

Neste início de milênio, a pessoa encontra-se na encruzilhada da sua (in)existência. Os dilemas desta encruzilhada são:

a) Defender a existência da pessoa e do ser humano afirmando sua constituição como uma substância única e universal determinada para todas as pessoas e para todos os tempos.

b) Negar a existência da pessoa e do ser humano, porque ela nada mais é do que a efemeridade de uma produção histórica sobre nós mesmos. Proclamar e exigir a sua morte porque sua existência é uma ameaça à singularidade de cada sujeito e uma forma de dominação cultural sobre a diversidade social. (2006, p. 118)

Assim, quando olhamos para a subjetividade, aflora o “desespero” ao contemplar que a historicidade que aparentemente dá sentido ao sujeito, mescla-se aquilo que chamamos “insondabilidade” ou infinitude do humano e que o leva à permanente busca de um sentido para sua própria existência.

Nessa insondabilidade ou infinitude, histórica, porém sem categorias que a expliquem, reside a idéia do que denominaremos o “Absoluto Perfeito”, ou seja, ‘aquele que nos constituiu, que funciona como um paradigma primário, o qual serve de fundamento para a construção de todos os demais paradigmas. Entendemos que, sem a idéia de um “Absoluto Perfeito”, fica impossível estabelecer qualquer base a construção do pensamento, senão teríamos o “nada”, que conceituaremos como a inexistência de substância ou o “vazio pleno” onde, nenhum pensamento (ou reflexão) poderia surgir posto que, ainda que houvesse sujeito, não haveria o objeto da reflexão e não há sentido em que o sujeito reflita sobre si mesmo, sem que haja uma categoria que o referencie. Mesmo que nossa reflexão repousasse sobre o

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sentido de nossa existência, ainda assim teríamos a categoria “existência” (em sua finalidade, finitude ou infinitude, como referencial).

Logo nossa proposta é que a saída para o drama humano reside na busca por chegar a esse “Absoluto Perfeito”, seu princípio e seu fim último, representando uma espécie de círculo fechado (o Alfa e o Ômega), que constituiria o limite da infinitude humana. O homem, portanto, não pode ser unicamente um somatório de circunstâncias históricas, porque se assim fosse, não haveria “amarras” ou “elos” entre essas circunstâncias, isto é, não haveria uma causalidade entre elas e Hume teria razão em afirmar que não podemos saber se um evento causa o outro. Neste caso, qual o sentido para a vida humana?

Cremos que esse encadeamento entre as circunstâncias históricas que regem nossa vida dá um sentido, aponta uma direção para a existência, não em si mesmo, mas como um enredo em uma produção literária, onde o autor e as personagens mantém uma relação dialógica e dialética. Desta forma, propomos que esta relação, ou melhor, esse conjunto de sínteses que geram uma “síntese absoluta” – ou aquilo que poderíamos chamar de “Verdade” –, responde plenamente à idéia de conflito entre o dever e a liberdade, entre o ético e o estético, a fé e a razão, entre Antígona e Creonte. Dentro dessa visão, entendemos que o Cristianismo oferece a saída para o conflito contemporâneo que se fundamenta nas questões éticas.

Referências

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