• Nenhum resultado encontrado

Anais ISSN online:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Anais ISSN online:"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Universidade Estadual de Maringá, 11 a 14 de junho de 2018.

Anais

ISSN online:2326-9435 XXIII SEMANA DE PEDAGOGIA-UEM XI Encontro de Pesquisa em Educação

II Seminário de Integração Graduação e Pós-Graduação

EDUCAÇÃO JESUÍTICA NA AMÉRICA PORTUGUESA: AS CASAS DE BÊ-A-BÁ NO SÉCULO XVI

VIEIRA, Andreza da Silva. deza.vieira@live.com Universidade Estadual de Maringá (UEM) OLIVEIRA, Natália Cristina de. natdeoliveir@gmail.com Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)

Fundamentos da Educação

INTRODUÇÃO

Ao estudarmos o mundo no qual vivemos nos deparamos com formações estruturais que, deliberadas pelos próprios pesquisadores, acabam dando sentido à vida social. Ao procurarmos significados que qualifiquem ações do objeto de pesquisa, restringimos o campo de análise. Apesar de ser necessário este procedimento, é movimento que se deve fazer com demasiada cautela. A preocupação está intimamente ligada a produção histórica: é necessário estar ciente de que nem sempre as definições contemplam todo espaço que o pesquisador procura estudar. Os significados, porém, são importantes para dar sentido ao processo de conhecimento e análise. Conceitos não são significações fixas, são modificadas conforme a dificuldade da mesma em não conseguir dar conta de toda amplitude que deve abarcar. A forma como o pesquisador visualiza considerações específicas delimitará sua maneira de formular a pesquisa.

Aquele que pesquisa mesmo que subjetivamente, escolhe conceitos e estruturas que farão parte de sua análise. É importante ter esse fato em mente porque por meio da formulação da narrativa historiográfica é que se possibilita esclarecer inúmeras ideias. Caso isso não aconteça a narrativa se torna no mínimo confusa. “Todo conceito é não apenas efetivo enquanto fenômeno linguístico; ele é também imediatamente indicativo de algo que se situa para além da

(2)

língua” (KOSELLECK, 1992, p. 136). Por isso cabe ao narrador a detenção de sua prática, significando não se ater totalmente às definições e também não as ignorar, pois serão como norte à pesquisa histórica. Quem pesquisa tem parte fundamental nessa pesquisa, são eles que buscam o entendimento dos documentos; os mesmos não falam por si só (Paiva, 2012).

Estudar sobre períodos distantes daquele que o pesquisador vive, requer cuidado e atenção. Faz-se necessário analisar a maior quantidade de pontos de vista possíveis, além de não se deixar levar por ideias e sentimentos inculcados em sua própria época. Por isso, a ideia de significações antes de mais nada tem preceitos nas representações; a definição de um processo pode ser diferente dependendo da cultura, de onde o ser social está localizado e até mesmo dentro de seu espaço temporal. É difícil captar exatamente todas as nuances do aspecto social e individual de uma pessoa, de um contexto ou de uma situação em específico. A importância se dá quando aquele que narra entende suas limitações e compreende que o processo a ser feito durante sua pesquisa deve ser o mais honesto possível.

Quando vamos abordar temas referentes ao pensamento social, vem em mente o próprio conceito de organização social. Esta definição está atrelada as mudanças que ocorrem diariamente, tendo em vista que as pessoas que participam desta relação estão sempre se modificando. Como as pessoas não agem e participam socialmente da mesma forma, o funcionamento social não permanece inalterado. Portanto o meio social da sociedade europeia ocidental do século XVI tinha outros preceitos e definições, que eram considerados válidos ao bom funcionamento e convívio dos indivíduos. A partir das mais diversas análises feitas por pesquisadores, a partir de documentos deixados pelos contemporâneos do século XVI, visualizamos uma sociedade onde a religião era prioridade na vida das pessoas. É possível afirmar que no período em questão os dogmas religiosos eram estruturas estruturantes do formato de vida daquela sociedade. “A participação da religião na época não era algo adjacente à vida social do indivíduo como o é nos dias de hoje. Ela era a vida social dos moradores, tanto que o cotidiano era articulado com base nas imposições clericais” (PAIVA, 2012, p. 24).

DESENVOLVIMENTO

O contexto social renascentista na Europa do século XVI

O conhecimento de época, a escrita e a leitura sempre foi restringido aos leigos. Durante seis séculos apenas parte da nobreza e clero tinham acesso ao saber que significou o estudo bíblico, gramatical e celebração da liturgia. Esse controle do saber foi proeminente na Europa

(3)

até meados do século XVIII, onde Carlo Ginzburg (1989) relata grande ofensiva da burguesia culturalmente, que se apropriou de grande parte de saber e difundiu-a. Essa difusão também foi controlada: a maior parte da população permaneceu sem acesso à educação, a diferença foi que a partir daquele momento a burguesia também participaria da formação e compreensão do conhecimento. Clérigos renomados da história europeia eram contra a busca pelo saber; as perguntas acerca do universo, constelações e planetas estiveram sempre presentes no imaginário social, e questionavam mesmo indiretamente o saber bíblico.

O período renascentista pode ser considerado como tolerante para com os pesquisadores e todos aqueles que duvidavam do senso comum quando comparado aos séculos anteriores. Os anos que precederam o Renascimento foram prejudiciais a ciência, pois para o clero, grupo pertencente ao topo da pirâmide social, as respostas de todas as coisas estavam nas Escrituras Sagradas; não havia motivo para procurar além. Aqueles que ousavam a fazê-lo era porque não acreditavam na Bíblia, e consequentemente deveriam ser punidos.

O século XVI neste sentido trouxe abertura e certa tolerância à efervescência intelectual, mesmo que para alguns segmentos da Igreja o conhecimento era classificado como inútil. As dúvidas fizeram a sociedade deixar de lado (não totalmente) o autoritarismo que nela era imposta, em busca do bem comum: respostas práticas. Ousando pensar fora da caixa, as consequências de tais atos foram tanto boas quanto más. Difícil esquecer a quantidade de mortes causadas pela desconexão entre as escrituras sagradas e a cientificidade.

Tudo é colocado em dúvida; talvez tenha sido este o sentido do Renascimento, época das audácias. O homem não tem mais o que o dirija; talvez essa tenha sido a revolução (WOORTMANN, 1997, p. 29).

Enquanto alguns setores eclesiásticos repudiavam a ideia de conhecimento vindo da ciência outros apoiavam as pesquisas, inclusive financeiramente. Procurar respostas além-bíblico não deveria ser algo condenado pela Igreja, e foi o que diversos clérigos criticaram ao dizer que o saber deveria estar ao alcance da sociedade. Procurar respostas não era duvidar de Deus, era apenas analisar a criação cristã de modo prático e científico. A observação de que o período do Renascimento abriu frestas no forte que separava o conhecimento e as pessoas se torna incrivelmente válida; é claro que como pesquisadores é possível concluir que o conhecimento foi aberto ainda a um número restrito de pessoas dentro de certa classe social. Apesar destas limitações, se tornou marco importante num período que o saber era dificultado pelos senhores da moral e dos bons costumes. A problemática se encontrava em entender que os questionamentos não faziam o pesquisador menos crédulo ao cristianismo, mas vale ressaltar

(4)

que muitos aproveitaram da nova onda intelectual para expor o que sob circunstâncias normais não falariam, como o fato de não acreditar na Igreja e em seus dogmas.

Por muito tempo a ideia de ciência na historiografia foi vista como heterogênea em relação ao conceito de religião. Por terem visões distintas acerca de determinados assuntos e somados ao fato do controle moral da Igreja no século XVI, não se via possibilidade da junção desses dois temas. Entretanto Klaas Woortmann (1997) afirma que a ciência foi oriunda de espaços eclesiásticos. Inicialmente não fora radical e expansiva como o é hoje, mas o autor aponta que houve um tímido e depois crescente incentivo às pesquisas. Todo esse estímulo dado se justificava sob forma de comprovação dupla às escrituras sagradas: Deus já havia provado, e os pesquisadores trariam uma nova afirmação dentro de seus próprios estudos.

Ao contrário do que se pensou, os pesquisadores tiveram que lutar para terem a ciência sancionada pela Igreja ao invés de romperem bruscamente. Tendo o pensamento religioso como central durante séculos, diversas afirmações começaram a ser questionadas diante a nova realidade. Apesar dos questionamentos que incomodavam o clero, formulou-se uma justificativa válida para aprovação das pesquisas. A ciência era cultivada em benefício da humanidade, mas sobretudo de Deus. Em meio a expansão marítima e o encontro entre povos distintos surge uma necessidade sintomática de reformular as respostas a diversas questões. Àquelas que antes eram aprovadas foram sendo cada vez mais questionadas em razão as vivências, as relações e experiências que o próprio ser social começou a ter. Assim observamos que não houve conciliação entre o ensino da Igreja e o novo saber, mas isto não pode significar que houve ruptura total entre eles. A religião e a ciência continuaram se relacionando até meados do século XIX, onde a ruptura por fim foi oficializada.

Poder educativo jesuítico e o Novo Mundo

A Igreja pertencia a um lugar de grande destaque na sociedade, e fazia uso de seu poder para a propagação da fé cristã e sua adoção por parte dos novos fiéis. Os séculos XV e XVI foram marcados por mudanças em aspectos morais, no sentido da propagação de críticas aos ideais de fé que até então não havia liberdade para tal exposição. É importante lembrar que em toda Europa, a Igreja encarava uma forte e dogmática resistência da Reforma Protestante, pois até então a mesma monopolizava os conceitos religiosos, condenando aqueles que iam contra seus costumes cristãos e preservando a supremacia. Peter Johan Mainka (2012, p.17) afirma que a Reforma quebrou a união da cristandade ocidental, fundamentados pela Renascença e pelo Humanismo.

(5)

Sentindo-se ameaçada diante de situações conflituosas geradas pelo início de uma nova fase social, cultural, política e econômica, a resposta da Igreja foi tentar rebater à altura, criando métodos de fortalecimento de seus dogmas, tais como a Companhia de Jesus e a Inquisição Moderna. A insistência em legitimar o direito divino dos reis, os métodos inquisitórios e a própria criação da Companhia de Jesus foram meios encontrados que permitiu a Igreja se manter no poder ao lado do Estado, mesmo a despeito das referidas mudanças. No mesmo ritmo em que a Europa expandia seus mercados, os jesuítas ampliavam a participação nas decisões da Igreja e mostravam-se cada vez mais envolvidos com o trabalho educativo. (CASIMIRO, SILVEIRA, 2012, p. 200).

Todo este processo acabou gerando mudanças significativas em todos os aspectos. A saída de Portugal de uma quantidade grande de colonos esperançosos por melhores condições de vida, riqueza, somados a constante ideia de religiosidade onde deveriam propagar a fé cristã a todos os lugares, trouxe às Américas pessoas determinadas em reproduzir o meio social na qual viviam anteriormente. Com cada pessoa inserida em determinado espaço social, vieram com objetivos definidos.

A expansão marítima portuguesa iniciada no final do século XV trouxe novas realidades que não foram previstas no plano de ação prático da Coroa. O objetivo em si foi buscar respostas imediatas às necessidades econômicas comerciais, e investimentos postos nas navegações. Partindo desse pressuposto, a Coroa Portuguesa criou e planejou metas para alcançar o tão sonhado lucro intensivo. No caso das terras “recebidas” por meio do Tratado de Tordesilhas (1494), ficaram conhecidas como América Portuguesa. Para facilitar a administração colonial, a Coroa lusitana partiu a região em capitanias, das quais foram dirigidas a homens de confiança do Rei.

Em termos de um painel das principais esferas de ação administrativa, importa destacar cinco: civil, militar, judiciária, fazendária e eclesiástica. (GOUVÊA, 2000, p. 17). Mainka (2012, p. 71) aponta que em 7 de janeiro de 1549 Tomé de Souza foi declarado governador geral das terras portuguesas na América, já que o sistema de capitanias hereditárias não estava funcionando muito bem. A justificativa da extinção desse método se dava devido as altas exigências, falta de condições financeiras, de fiscalização e principalmente de abandono as terras partilhadas (Casimiro; Silveira, 2012). Assim, por sua vez, Tomé de Souza possuía como objetivo organizar o território e coordenar a colonização, fortalecendo as capitanias contra as resistências indígenas. Além disso, a instalação do governo geral foi acompanhada pela consolidação das estruturas eclesiásticas (Mainka, 2012). O governo então procurou

(6)

estabelecer relações pacíficas com os índios, tanto por razões econômicas quanto pela própria sobrevivência dos europeus. Sob ponto de vista religioso, os mesmos foram alvos de extensa catequização pelo clero.

O funcionamento da administração colonial na América Portuguesa demonstra a forma complexa e contraditória que a sociedade colonial se constituiu. O planejamento nem sempre gerou bons resultados, e ao final a prática prevaleceu durante as ações na colônia, mesmo contrariando os regimentos oficiais. A nova historiografia tem buscado analisar como os agentes administrativos fizeram funcionar todo esse processo, levando em consideração a precariedade dos recursos e a dissociação estrutural entre os interesses privados e as ações do poder público. (GOUVÊA, 2000, p. 19).

A Companhia de Jesus chegou à América Portuguesa no mesmo ano que Tomé de Souza, em 1549. Assim como o governador possuía objetivos políticos e econômicos para sua vinda, os jesuítas possuíam objetivos religiosos dentro da nova colônia portuguesa. Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro e Camila Nunes Duarte Silveira (2012) afirmam que enquanto a Europa via na colonização uma nova forma para alargar e expandir o mercado, a Igreja enxergava a possibilidade de catequizar, propagar a fé e conquistar novos adeptos. Fundador da Companhia de Jesus, Inácio de Loiola não possuía como plano inicial a atividade educacional nas colônias. Porém, a Ordem acabou entrando sob essa perspectiva e, “nos apresenta diversos colégios fundados (...), de grande destaque e fundamentais para o desenvolvimento e solidificação da Societas Iesu [Companhia de Jesus], em especial no Império Português” (COSTA; MEN, 2012, p. 151).

Apesar da Europa no período estar vivenciando um momento de grandes mudanças ideológicas, boa parte da cultura portuguesa permaneceu sob a visão teológica, se mantendo firme as ideologias que regiam a sociedade até então. Similarmente, os padres que para a colônia vieram, trouxeram consigo todas as esperanças possíveis de um bom resultado. Dessa forma os jesuítas deveriam desempenhar diferentes funções, como a de serem missionários, confessores e especialmente de educadores. “Esta última função eles desempenharam com tamanho zelo que acabou por se constituir na principal atividade da Ordem Inaciana” (CASIMIRO, SILVEIRA, 2012, p. 205). A visão que o jesuíta tinha sobre a educação é que para ele a mesma era forma de alcançar a virtude. Possuíam como objetivo formar indivíduos além da escrita e leitura, uma certa formação moral do indivíduo. A educação e a instrução caminhavam juntas (Costa; Men 2012).

(7)

As escolas jesuíticas na América Portuguesa

Com a chegada dos jesuítas no Novo Mundo, houve preocupação em catequizar e obviamente isto exigia dos padres muito mais do que apenas força de vontade. Os padres, no ápice de sua religiosidade e fé, acreditavam que as atividades não lhes custariam muito. Entretanto ao começarem a abrigar uma grande quantidade de crianças na região da América Portuguesa, o preço começou a elevar-se. A insistência em catequizar as crianças se deu devido à grande resistência cultural por parte dos índios adultos (BITTAR, FERREIRA JR., 2007). Para continuarem com o projeto de catequização e educação, deveriam encontrar formas para sobreviverem. Somado a isso tudo os jesuítas possuíam voto de pobreza, e isto significava que os clérigos deveriam se afastarem o coração e a mente das riquezas e bens materiais. O voto se tornou algo mais social, onde todos do grupo deveriam dividir, compartilhar e manter coisas em comum.

Haviam encargos que deveriam ser resolvidos para o bom funcionamento das casas e dos colégios como as vestimentas, os calçados e a comida principalmente. Visto que os padres recebiam certas doações, que na época eram caracterizadas como “esmolas”, os mesmos não poderiam confiar somente na caridade do povo, sendo necessários conseguirem uma outra forma de renda. Liderados pelo padre Manuel da Nóbrega os jesuítas viram como forma de subsistência a criação de gado dentro das terras cedidas a eles pela Coroa Portuguesa, porque não exigia muita mão de obra, e isto era importante na ocasião visto que os religiosos passavam dias catequizando os gentios em suas aldeias, em lugares longínquos das vilas criadas pelos capitães. Tinham o couro do animal como matéria prima e o leite, queijo e carne para alimentar as crianças que viviam nos colégios. Porém, nem todos os padres apoiavam a ideia do trabalho jesuítico. Luis da Grã então superior dos jesuítas no Brasil, foi um dos eclesiásticos que, embasados na ordem jurídica propriamente dita, ia contra os métodos que Nóbrega sugeriu para solucionar o problema da precariedade dos colégios na América (Casimiro; Silveira, 2012).

Marisa Bittar e Amarilio Ferreira Junior descrevem a fala de Manuel da Nóbrega, a qual o padre queixa-se e relata ser impossível sustentar tal empreendimento da fé com base apenas na mendicância, “pois entendia que a questão da base material de sustentação das casas seria um fator fundamental, em larga medida, para que a iniciativa catequética lograsse êxito” (2007, p. 39). Além disso, Nóbrega afirmava veemente que era pouco provável a manutenção das casas de bê-á-bá sem o compromisso do braço escravo.

As discussões internas acerca desta perspectiva eram bem distintas dependendo do jesuíta e onde estava por serem de caráter regimental, por isso acabaram sendo levadas à análise

(8)

em Roma. Depois de analisar, o papa concedeu aos jesuítas o direito de trabalharem e conquistarem riquezas terrenas, pois só assim conseguiriam a sobrevivência no Novo Mundo. O trabalho se tratava e se tornava de cunho essencial, de grandes necessidades econômicas. Os jesuítas então passam a ser conhecidos na historiografia como missionários fazendeiros, pois além de terem como objetivo alcançar a espiritualidade da população residente no período, teriam também que administrar os negócios materiais porque financiariam estas atividades catequético educativas. Assim a educação jesuítica começou a crescer e, portanto, para melhor organização, começou a ser dividida e homologada para que todos seguissem os mesmos parâmetros onde quer que estivesse.

A pedagogia inaciana acabou tendo um método excepcional dos demais, que ficou conhecido como Ratio Studiorum, publicado em 1559. “O Ratio Sudiorum, no que se refere especialmente, mas não exclusivamente, à instrução, tornou-se a linha mestra que definia os métodos a serem adotados para a educação nos Colégios Jesuítas, incluindo punições e castigos” (COSTA, MEN, 2012, p. 150). A educação e a instrução foram questões bastante enfatizadas na América Portuguesa no século XVI, sendo as normas seguidas e respeitadas. A ideia e o significado propriamente dito relativo a descoberta da infância se deu no século XVI, segundo as autoras Casimiro e Silveira (2012), e os padres inacianos trouxeram essa representatividade ideológica para a América. Todavia, os padrões encontrados em terras brasileiras eram completamente diferentes e os clérigos tiveram então de se adaptarem a nova realidade. Por isto foi de muita importância e colaboração a chegada de órfãos as terras brasílicas em 1550 provindos de Lisboa porque ao se juntarem com os meninos índios nas escolas aprenderiam com maior facilidade a língua nativa, o tupi e ajudariam os jesuítas na catequização (CASIMIRO; SILVEIRA, 2012, p. 211).

A educação dos jesuítas era baseada na catequização, instruindo de forma complementar a leitura, a escrita e matemática básica. “Em boa parte das aldeias da costa, por onde passavam, os padres inacianos estabeleciam ‘pequenos seminários’. Eram as chamadas casas de bê-á-bá, espaços onde ministravam às crianças indígenas o ensino da doutrina e das primeiras letras” (CASIMIRO e SILVEIRA, 2012, p. 218). A disciplina educacional era rígida assim como os professores, que por sua vez exigia o mesmo dos alunos, com uso de castigos corporais e penas caso não houvesse total submissão. Célio Juvenal Costa e Priscila Kelly Cantos Men (2012) afirmaram que Inácio de Loiola se preocupou em suavizar os castigos dos discentes, transformando muitas vezes um castigo corporal em penas morais. Por exemplo: Pediram para um menino que buscasse algumas limas doces e o menino foi, mas escondeu algumas no

(9)

quintal. O jesuíta José de Anchieta que estava sentado na escola com o Padre Vicente Rodrigues, chamou então outro menino estudante, Domingos Garcia (mais tarde Padre e grande sertanista) e pediu para que ele fosse ao quintal e lhe buscasse certas limas escondidas num certo buraco. Quando as limas foram entregues ao padre, este a devolveu a Domingos pedindo para que não furtasse mais, pois aquelas limas eram dele. O menino ficou envergonhado e se ‘arrebentou em lágrimas’, e a lição do padre fora expressiva sem ao menos utilizar um castigo físico sequer (COSTA; MEN, 2012, p. 163).

Segundo o relato de Manuel da Nóbrega, a criação de novas casas de bê-á-bá ganhou impulso com a chegada de mais missionários jesuítas à terra em 1550. Essas casas funcionaram fornecendo os requisitos básicos de aprendizagem como o ler e o escrever, mas a sua estrutura funcionava de forma precária porque necessitavam de muitos requisitos indispensáveis para um bom andamento do percurso. Essas casas constituíram na primeira experiência pedagógica praticada pela Companhia de Jesus nas terras brasílicas. As crianças e os clérigos dormiam juntos porque não havia condições para divisões de dormitórios. A alimentação se provinha por meio do trabalho escravo e das vacas. Os mesmos autores também discutem a similaridade entre as casas de bê-á-bá com a educação provida pela cultura hebraica: construíam sala de aula aos fundos da Igreja, assim como nas sinagogas judaicas. Recuperavam assim, indiretamente, elementos de uma tradição que até então era considerada proibida e errônea pelos próprios cristãos ibéricos (BITTAR; FERREIRA Jr, 2007, p. 40).

Em uma carta endereçada à Loiola em 1556, o padre José de Anchieta descreve como funcionava as escolas e o que os meninos indígenas e mamelucos faziam nas casas de bê-á-bá. Ele explica que os meninos vão à escola duas vezes por dia, principalmente na parte da manhã porque a tarde se ocupa com a caça. Os professores passam os rudimentos da fé em conjunto com o hábito da leitura e escrita e Anchieta afirma que os indígenas gostam bastante, talvez por esta razão tenham conquistado a confiança de alguns deles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da narrativa podemos perceber a grande influência da catequese na educação jesuítica na América Portuguesa do século XVI. As casas de bê-á-bá assim se transformaram numa das primeiras disseminadoras de valores cristãos ocidentais de caráter efetivo no Brasil colonial. Para alcançar este objetivo, os padres jesuítas utilizaram uma pedagogia fundamentada nos seguintes elementos: bilinguismo (português e tupi), ensino da memorização, catecismo

(10)

com os dogmas cristãos, ridicularização dos mitos indígenas e o ensino de música e teatro. As casas de bê-á-bá simbolizaram momento distinto onde os padres deslocaram o centro do interesse catequético do indígena adulto para a criança, que acreditavam que ensinando a ideologia aos pequenos esta pudesse conquistar o coração da família. Não somente isso, mas também tinham a convicção de que passados a religiosidade cristã as crianças desde pequenas, ridicularizariam a cultura de seus pais, condenando seus valores culturais (BITTAR e FERREIRA Jr., 2007, p. 45).

Um adendo que vale a pena destacar é no que diz respeito a situação da mulher durante o período da Idade Moderna. A educação aqui relatada e que foi feita pelos jesuítas teve como requisito ensinar apenas as crianças do sexo masculino. Rozely Menezes Vigas Oliveira (2015) informa que a educação feminina era diferenciada durante o período. As meninas eram ensinadas por suas mães, avós, tias, governantas e escravas a fazerem tarefas domésticas, para serem futuramente boas esposas submissas e zelosas a seus maridos. Porém, durante esse mesmo contexto histórico, houve, segundo Oliveira, o surgimento e o crescimento de instituições como recolhimentos e conventos femininos, “que se destinavam à formação moral e à valorização dos bons costumes da sociedade” (OLIVEIRA, 2015, p. 181).

REFERÊNCIAS

BITTAR, Marisa. FERREIRA Jr, Amarilio. Casas de bê-á-bá e colégios jesuíticos no Brasil do século 16. In: FERREIRA Jr, Amarilio. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. v. 1, n. 1. Educação Jesuítica no Mundo Colonial Ibérico (1549-1768) Brasilia: O Instituto, 2007.

COSTA, Célio Juvenal. MEN, Priscila Kelly Cantos. Características da educação nos colégios jesuíticos em Portugal e no Brasil no século XVI. In: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut, RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto, SKALINSKI Jr, Oriomar (organizadores).

Origens da educação escolar no Brasil Colonial. Vol. I Maringá: Eduem, 2012.

MAINKA, Peter Johann. O início da colonização do Brasil no contexto da Expansão marítima portuguesa (1415-1549). In: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut, RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto, SKALINSKI Jr, Oriomar (organizadores). Origens da educação escolar no

Brasil Colonial. Vol. I Maringá: Eduem, 2012.

OLIVEIRA, Rozely Menezes Vigas. Recolhimentos e Conventos: A educação e moralização feminina na Goa do século XVII. In: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut, RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto, SKALINSKI Jr, Oriomar (organizadores). Origens da educação

(11)

CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt Santos. SILVEIRA, Camila Nunes Duarte. Notas sobre a ação pedagógica da Companhia de Jesus no Brasil de 1549 a 1599. In: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut, RIBAS, Maria Aparecida de Araújo Barreto, SKALINSKI Jr, Oriomar (organizadores). Origens da educação escolar no Brasil Colonial. Vol. I Maringá: Eduem, 2012.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. In: GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 134-146.

PAIVA, José Maria de. Religiosidade e cultura brasileira: séculos XVI-XVII. Maringá: Eduem, 2012.

WOORTMANN, K. Religião e Ciência no Renascimento. Brasílias: UNB, 1997.

VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

Referências

Documentos relacionados

Através do experimento in vivo, verificou-se que o pó nebulizado de nanocápsulas (Neb-NC) é efetivo na proteção da mucosa gastrintestinal frente à indometacina, enquanto que os

As variedades linguísticas registradas no Atlas Linguístico da Mesorregião Sudeste de Mato Grosso evidenciam a influência da fala de outras regiões do Brasil, como ficou

Excluindo as operações de Santos, os demais terminais da Ultracargo apresentaram EBITDA de R$ 15 milhões, redução de 30% e 40% em relação ao 4T14 e ao 3T15,

Tautologia – Quando uma proposição sempre é verdadeira, o que acarreta que toda sua coluna na tabela- verdade possui somente valores Verdadeiros. Contradição – Oposto à

Os prováveis resultados desta experiência são: na amostra de solo arenoso ou areia, a água irá se infiltrar mais rapidamente e terá maior gotejamento que na amostra de solo

5.2 Importante, então, salientar que a Egrégia Comissão Disciplinar, por maioria, considerou pela aplicação de penalidade disciplinar em desfavor do supramencionado Chefe

Box-plot dos valores de nitrogênio orgânico, íon amônio, nitrito e nitrato obtidos para os pontos P1(cinquenta metros a montante do ponto de descarga), P2 (descarga do

No entanto, quando se eliminou o efeito da soja (TABELA 3), foi possível distinguir os efeitos da urease presentes no grão de soja sobre a conversão da uréia em amônia no bagaço