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II ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA DA REGIÃO NORTE 13 A 15/09/2010 BELÉM - PARÁ GRUPO DE TRABALHO: CIDADES DA AMAZÔNIA

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II ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA DA REGIÃO NORTE

13 A 15/09/2010 BELÉM - PARÁ

GRUPO DE TRABALHO: CIDADES DA AMAZÔNIA

BETIANA DE SOUZA OLIVEIRA - UNIFAP MARINETE ANSELMO A. GUERRA - FAMAP

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OIAPOQUE: RELAÇÕES SOCIAIS E MODO DE VIDA NA FRONTEIRA

*Betiana de Souza Oliveira **Marinete Anselmo A. Guerra

RESUMO:

Este trabalho ocupa-se em apresentar um estudo etnográfico do modo de vida e das relações sociais dos trabalhadores migrantes da cidade de Oiapoque. A trajetória desse município é marcada por sua posição geográfica e nos últimos anos têm se destacado no contexto nacional e internacional por fazer fronteira com a Guiana Francesa. Em face dessa situação, o presente artigo objetivou levantar os problemas sociais gerados a partir do fenômeno migratório para o local, visto que migrantes de todas as regiões do país buscam do outro lado da fronteira, melhores condições de vida e trabalho, em cidades da Guiana ou nos garimpos ilegais que ficam do lado francês. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista com os moradores, sendo que foram elaboradas perguntas abertas e fechadas. Na ocasião, foram tiradas diversas fotos da cidade, objetivando ter uma visão mais detalhada do município. Os resultados alcançados demonstram que a maioria dos moradores da região migrou de outros Estados com a intenção de chegar à Guiana Francesa, em busca do sonho de adquirir muito dinheiro, devido a presença do “euro” e do “ouro”, todavia, ao se depararem com uma realidade diversa, acabam por ficar em Oiapoque, sem condições financeiras, fato que tem trazido graves problemas sociais para o município.

Palavras-chave: Fronteira. Oiapoque. Relações Sociais.

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* Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amapá- UNIFAP - Mestranda da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP – MINTEG/2009.

**Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amapá/UNIFAP – Especialista em Educação, estudante de Especialização em Segurança Ambiental – Estácio-Amapá.

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1 INTRODUÇÃO

Regiões fronteiriças têm se configurado no campo da ciência como objeto de pesquisa para profissionais que se dedicam em analisar fatores que podem ser compreendidos sob a ótica cultural, sócio-ambiental, econômico e político dessas regiões, com efeito, as produções textuais têm sido fonte inesgotável para intensos debates e contextualização dos problemas locais. Há três décadas a Amazônia vem sendo palco de conflitos sociais e elevada produção de desigualdade, motivando a preocupação nas esferas da sociedade nacional e internacional, cada uma com discursos e interesses divergentes, que debatem seu destino. Nesse bojo, a questão da mobilidade social representado pela migração atraída para a região desde a década de 70, destaca-se como principal agente determinante dos demais fenômenos sociais ocorridos na atualidade, principalmente após a implantação dos grandes projetos de ocupação. Assim, o fenômeno migratório na Amazônia não é um processo recente e pode ser analisado como uma arena de conflitos que coexiste em constante diálogo com as transformações do mundo globalizado.

A necessidade de compreender a questão dos fluxos migratórios para a Amazônia auxilia no objeto de estudo deste artigo, em particular os movimentos de mobilidade social intensificados no Estado do Amapá desde a criação da Zona de Livre Comércio de Macapá e Santana (ALCMS)1, como destaca PINTO (2003) ao afirma que a maioria destes migrantes, provenientes destes fluxos migratórios ao chegarem a cidade de Macapá, depararam-se com uma realidade totalmente diferente daquela que permeava seu imaginário social e que também eram difundidas pelos meios de comunicação. Dessa forma, os migrantes que não conseguiram se fixar na cidade de Macapá foram novamente incentivado a migrar, desta vez para a cidade de Oiapoque, pela possibilidade de conseguir emprego e nova expectativa de vida. Nesse período o local já era propagado como “novo eldorado” da Amazônia, pelo fato de fazer fronteira com a Guiana Francesa e promover grande circulação de dinheiro proveniente da garimpagem.

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Criada em 1991 com o objetivo de promover o desenvolvimento das regiões fronteiriças e incrementar as relações bilaterais com os países vizinhos, segundo a política de integração latino-americana.

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Com base nessas informações este trabalho procura discorrer suas análises em torno do modo de vida e das relações sociais na fronteira, construídas a partir destes movimentos migratórios que sofrem atração e repulsão, que gerou uma série de problemas sociais, contribuindo para a construção da dinâmica que compõe o cenário material e simbólico desse município.

Neste artigo exploramos as análises de alguns estudiosos locais, das ciências humanas, que tem se dedicado em investigar o município de Oiapoque para elaboração de trabalhos científicos sobre diferentes perspectivas. Suas contribuições cooperam para a composição deste artigo, ressaltando-se: NASCIMENTO (2009) que considerou as implicações do contexto da zona de fronteira/BR-156/Ponte Binacional na configuração da paisagem urbana de Oiapoque. TOSTES (2007) que analisou as implicações e transformações na paisagem urbana das cidades do Oiapoque (Norte) e Laranjal do Jarí (Sul). PORTO e SILVA (2010) que faz uma reflexão acerca da construção da condição fronteiriça amapaense: de periferia a espaço estratégico. MARTINS (2008) que discute as Relações Bilaterais Brasil/França e a nova perspectiva brasileira fronteira Amapá/Guiana Francesa no contexto Global. PINTO (2009) faz uma abordagem sobre a presença de brasileiros nas cidades do Departamento Ultra-Marino Francês, principalmente Caiena, considerando a dimensão social, econômica, histórica e política. Bem como outros autores de relevância Nacional

Infere-se ainda que este artigo originou-se da revisão do Trabalho de Conclusão de Curso/2006 sendo atualizado a partir das discussões do grupo de pesquisa: Migrações, relações de trabalho, políticas publicas na fronteira entre o Estado do Amapá e a Guiana Francesa2. Vinculado ao programa de Mestrado Integrado em Desenvolvimento Regional (MINTEG).

2 PECULIARIDADES DO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE

Desde meados do século XVI a história desse município revela um cenário de intensas disputas por parte das nações colonialistas na obtenção de espaço de poder, na ânsia de fixar ao sul do rio Oiapoque ou Vicente Pinzon e ao

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norte do rio Amazonas, a posse do território. Esse período está vinculado ao monopólio das expedições ultramarinas e ao comércio de especiarias necessário para impulsionar o acesso a lugares desconhecidos e geograficamente isolados.

Os grupos indígenas pertencentes aos “Oiampis” que ocupavam o rio Oiapoque, e os Galibis e Palikur fixadas no vale do rio Uaçá e seus afluentes, constituíam naquela época os primeiros moradores daquela região. Conforme a tradução da linguagem tupi-guarani Oiapoque significa OIAPI – OCA (casa dos Oiampis ou casa dos guerreiros). Contudo, segundo depoimento de moradores antigos e a descrição de alguns trabalhos de autores regionais (SANTOS, 2003; MORAIS, 2003), a cidade hoje denominada Oiapoque foi habitada pela primeira vez por Émile Martinic, o que originou mais tarde o nome “Martinica do Oiapoque”. Localizado no extremo norte do Brasil, limita-se ao norte, com a Guiana Francesa; ao sul com Calçoene, Serra do Navio e Pedra Branca do Amapari; a leste, Calçoene e a oeste, Laranjal do Jarí. Foi elevado à condição de município pelo Decreto 7.578 de 23 de maio de 1945. Possui aproximadamente uma área territorial de 22.625 km2. Além de ser a sede do município, a Cidade de Oiapoque também é constituído do distrito militar, de Clevelândia do Norte, Vila Velha do Cassiporé e Taperebá, de três tribos indígenas Uaçá, Galibi, Juminá, com quatro etnias, dentre as quais os Karipuna (aldeias do Manga), Galibi do Oiapoque, Galibi do Kumarumã os Palikur, na aldeia de Kumenê, no Rio Urucauá.

Atualmente é referência nacional e internacional de preservação ambiental e cultural, principalmente após a criação do Parque Montanhas do Tumucumaque (8.810,00 km²), pelo Governo Federal, em 09 de agosto de 2002. Além disso, conta com uma unidade de conservação o Parque Nacional do Cabo Orange que responde por uma área de (2.137,00 km²), abriga extensas áreas indígenas (5.441,00 Km²). (NASCIMENTO, 2009). A população do município é de aproximadamente 20.962 (IBGE-2009) e a densidade demográfica é de 0,71 hab/km, a maior parte concentra-se na área urbana, formada pelo grande número de pessoas provenientes de vários estados brasileiros, destacando-se os da região norte e nordeste.

A cidade de Oiapoque está distante aproximadamente 590 km de Macapá, capital do Estado do Amapá. A única forma de acesso atualmente é a

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rodovia BR-156, que corta o Estado de norte a sul. Apenas 02 empresas de ônibus promovem viagens para o local, como são aproximadamente 12 horas de duração, as empresas disponibilizam aos passageiros apenas uma saída diária, por uma estrada constituída de asfalto e terra batida, sendo que nesta extensão são quantificados 60% de asfaltamento que saindo de Macapá atinge o município de Calçoene, o percurso inverso Oiapoque/Macapá conta-se com 50km de pavimentação. Nesse trajeto existem aproximadamente 50 pontes das quais a maior parte construídas de madeira, que facilitam a passagem por cima de rios e riachos, destacando-se as precárias condições dessas estruturas e o constante perigo para viajantes e veículos, uma vez que alguns trechos são estreitos, escorregadios e cercados de abismos, muitas vezes inviáveis para tráfego em conseqüência da lama. Embora a falta de manutenção dessas pontes seja um aspecto fundamental para compreensão de sua deterioração, soma-se a isso as características regionais do inverno amazônico, que contribui para esse processo. Em recente viagem ao município por ocasião da I Feira Internacional de Oiapoque/Saint George3 realizada no período de 09 a 15 de agosto de 2010, observou-se durante o trajeto que para amenizar o atolamento na estrada, máquinas a serviço do Governo do Estado auxiliavam a passagem dos veículos, conforme fotografia abaixo:

Fotografia 1: Estrada para Oiapoque

Fonte: Pesquisa de campo realizada no dia 09/08/10

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Fotografia 2: Máquinas do Governo do Amapá na BR 156

Fonte: Pesquisa de campo realizada no dia 09/08/10

3 FRONTEIRA: DINÂMICA SOCIAL E GEOPOLÍTICA

O município de Oiapoque apresenta uma singularidade que a geografia explica: “No meio da floresta Amazônica, o Brasil faz fronteira com a

União Européia” (REVISTA PROBLEMAS BRASILEIROS, 2006, p. 34). Fator

preponderante para a constituição de relações sociais e internacionais, configurando novas implicações geopolíticas, bem como novos conflitos decorrentes das reconstruções da fronteira, neste sentido as interações na fronteira amapaense “tem sido recorrentemente reinventada, exigindo novas

diretrizes econômicas, políticas e legais” (PORTO e SILVA, 2010: p. 2).

Regiões fronteiriças servem irremediavelmente de troca material e simbólica de conexão entre os indivíduos de culturas diferentes. RODRIGUES (2006) salienta que zonas de migração funcionam como lugar de empréstimos e apropriações de valores, esta particularidade é de fundamental importância para a compreensão do fenômeno migratório internacional, uma vez que essas áreas fronteiriças tanto podem se configurar como lugar de controle, quanto de transgressão envolvendo fronteiras geopolíticas, culturais e da subjetividade. Em

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Oiapoque esta dinâmica social deve ser vislumbrada a partir da relação desse município com a Guiana Francesa, principalmente a partir do asfaltamento da BR-156 e da construção da ponte que ligará o Estado do Amapá a Guiana Francesa. Reafirma NASCIMENTO (2009):

A zona de fronteira, portanto, é um espaço peculiar onde se estabelecem relações transfronteiriças de variada intensidade de pessoas e mercadorias, cuja circulação dada por movimentos pendulares constitui-se em uma dinâmica específica dessas populações, em face às vantagens que esse tipo de localização pode proporcionar (NASCIMENTO, 2009)

Essa dinâmica ocorre de forma intensificada na BR-156, rodovia de suma importância para o Estado, uma vez que possibilita a conexão com outras localidades e o escoamento de mercadorias para os municípios durante seu percurso. Segundo CARVALHO (2005) a BR-156 pode ser comparada a “uma espinha dorsal para locomoção de pessoas e o transporte de mercadorias”. A rodovia também pode ser interpretada como um marco de interferência e modificação na sociabilidade das populações ribeirinhas de Oiapoque, capaz de redefinir novas dinâmicas de ocupação (NASCIMENTO, 2009)

Oiapoque tem uma importância estratégica para o país pela sua condição de guarda e proteção das fronteiras nacionais com a Guiana Francesa. Este município possui ainda um significado especial no universo simbólico dos migrantes, inúmeros trabalhadores que inicialmente pensam em fazer fortuna e retornarem aos seus Estados de origem, mudam de idéia a partir do momento que percebem a facilidade de circulação monetária na cidade. É muito comum ouvir frases como esta: “vou trabalhar mais um pouco em Oiapoque e depois aplicarei meu dinheiro na minha terra”. Realidade esta que só é possível pela peculiaridade apresentada pelo município que tem como atrativos o ouro, o euro e o movimentado comércio local com bem relata um taxista que migrou para Oiapoque em 2001:

Quando estava no Rio Grande do Sul e ouvi falar que existia no Brasil um único lugar que corria três moedas: o ouro, o euro e real, então

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pensei quando uma entra em crise a outra sustenta, ou quando uma delas falhar a outra daria o suporte, foi que decidi vim para Oiapoque.4

É importante destacar que Oiapoque é uma cidade que agrega nuance sociais multifacetadas. Os atores sociais, quais sejam: o garimpeiro, o catraieiro, o taxista, o comerciante etc. vislumbram o município a partir do sentimento que está vivenciando no cotidiano. Este cenário é construído a partir da condescendência do Estado legal com a ilegalidade, e revela a funcionalidade singular do município, desafiando o próprio Estado de direito (PINTO, 2009).

Outro dilema que envolve o município e que merece uma reflexão detalhada por parte deste trabalho, é a questão da prostituição, na qual é responsável por alimentar a malha econômica desenvolvida na cidade, a afirmativa pode ser melhor explicada se considerarmos outros núcleos urbanos, os quais tem como sustentáculo econômico a agricultura, a indústria ou o comércio. Em contrapartida, na fronteira a exploração sexual é o fio condutor que fomenta a economia local. Esta lucrativa atividade atrai inúmeras meninas de várias cidades do país, com destaque para os Estados do Pará e Amapá. Entre essas se destacam aquelas que chegaram até a região para se prostituir por meio de aliciamento, em boates que estabelecem cárcere privado e semi-escravidão, como mostra um trecho da reportagem publicada pela Revista Terra:

A prostituição é um capitulo a parte na novela em que se transformou a região do Oiapoque. Não poderia ser diferente em um lugar em que há tantos homens longe de seus lares, todos com bolso carregado de ouro (...). Na cidade de Oiapoque em si, moças como a paraense Luana, de 21 anos, espreitam os clientes na praça, nos bares ou em casas noturnas (...). Lá dentro, as mais belas “garotas” da fronteira. E o público é seleto: a boate visa o turista que vem da Guiana Francesa. O mesmo que atravessa o rio pela manhã para fazer compras nos supermercados e nos dias de pagamento.

Na mesma direção TOSTES (2007) infere:

Oiapoque convive em sua paisagem com algo sinistro, de alguma maneira fere os brios da população residente. De acordo com estudos realizados na cidade de Oiapoque cerca de 40% da economia local provem da atividade da prostituição que abarca um bom número de atividades como: taxista, bares e restaurantes, hotéis, pousadas, lojas e comércio local, entre outras. A dinâmica do Oiapoque está diretamente relacionada à presença de guianenses e franceses que buscam nesta cidade a satisfação no comércio da prostituição. Há um duplo sentimento em Oiapoque que contém dupla interpretação. O primeiro da

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necessidade de movimentar a economia local e a segunda, a vergonha por não admitir que parte do sustento da cidade provenha desta fonte. (TOSTES, 2007: p.11-12)

O parecer de Wilsa Morais coordenadora da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, implantada em 2007, contrapõem-se a esse estigma social que vincula a economia local à rede de prostituição ao afirmar:

“Em todo lugar existe prostituição, em alguns lugares ela é mais percebida por ser pequeno, e aqui por ser um município de fronteira talvez apareça mais, em Macapá também tem prostituição, e o nosso município é visto como área de prostituição, mas eu não vejo desta forma. A área de prostituição é uma área que as mulheres se envolvem nesse mercado, que agora é “profissional do sexo”, elas vêm de outro município ou de outro Estado e acabam se envolvendo, ou por falta de dinheiro ou pela falta de trabalho”.

É oportuno lembrar que as frentes de trabalho que mais absorvem pessoas é o setor terciário com forte ligação com informalidade, na venda de produtos variados, esse ramo da economia sofreu no intervalo dos anos 2006 a 2010, significativa variação no atendimento das necessidades de sua clientela. Até 2006 o comércio estava centrado à clientela guianense, atualmente o comercio local é movimentado pelos garimpeiros, mas com estreitamento das relações políticas entre a polícia brasileira e francesa as mercadorias ilegais compradas antes livremente pelos guianenses e que abastecia os garimpos clandestinos do lado francês, tiveram o transito interrompido pela intensa fiscalização do governo francês. De acordo com CARVALHO (2006):

A impressão é de que as relações à distancia caracterizam o município, posto que seu abastecimento depende sobremaneira dos produtos oriundos de diversas parte do Pará (Belém, Altamira e Santarém) e de Macapá; e o comércio local é suscetível aos impulsos e contrações que emanam da Guiana Francesa que, apenas no plano físico encontra-se tão perto. (CARVALHO, 2006: p.85)

Este fenômeno pode ser melhor representado pela falência de um dos maiores empreendimentos comerciais inaugurado em 2006 voltado a clientela francesa, que atualmente tem seu prédio alugado ao Estado, para abrigar o projeto do sistema integrado de atendimento ao cidadão – Super Fácil. Como comprovam as figuras abaixo:

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Fotografias 3 e 4: Fachada do Super Fácil de Oiapoque Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 2006/2010

Oiapoque pode ser considerada “um entre lugar”, ou seja, lugar de passagem. O certo é que a cidade parece não parar, pois possui um movimento pendular. Durante o dia as pessoas se dirigem aos órgãos públicos, lojas e à feira municipal, quando chega a noite movimentação continua por conta das lanchonetes, bares e boates que funcionam até o amanhecer. Esta peculiaridade é observada por um morador que reside em Oiapoque há quatro anos:

”Eu nasci em Macapá, hoje já me acostumei com a agitação desta cidade, mas quando cheguei entranhei muito este estilo de vida movimentado. Geralmente na maioria das cidades, inclusive em Macapá, os bares e boates funcionam de quinta-feira em diante, aqui é de segunda a segunda, não sei como eles conseguem.” (sic)5

.

O comentário empírico deste morador é ratificado no estudo de CARVALHO (2006):

“Quando se chega ao Oiapoque a primeira impressão é de se está em um local diferente da maioria das pequenas cidades do interior amazônico. Isto porque, aos poucos, se percebe que grande parte das atenções locais está voltada para o outro lado do rio Oiapoque. É quando se toma consciência de que a fronteira possui uma dinâmica própria, estranha a quem vive distante dela. (CARVALHO, 2006: p.85)

Cidade de aventureiros, Oiapoque apresenta uma população flutuante que não entra nas estatísticas oficiais em virtude da intensa migração de pessoas, com objetivo de trabalhar em cidades da Guiana Francesa ou nos garimpos, e guianenses que se dirigem à cidade diariamente na busca de entretenimento e consumo de produtos brasileiros. Esses dados podem ser

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Entrevista realizada com o Sr. Paulo Viana, na pesquisa de campo realizada no ano de 2006. (Pinto, 2009: p. 96)

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justificados pela movimentação no ramo da hotelaria principalmente nos finais de semana e possíveis eventos promovidos pelo governo e município. De acordo com o que foi citado anteriormente, esse movimento de pessoas vem diminuindo em virtude do estreitamento das relações transfronteiriças. Como bem infere TOSTES (2007, p.12):

(...) “A grande maioria das pessoas que chegam ao Oiapoque sem ter nenhum vínculo de parentesco na cidade, e muitas vezes sem nenhum recurso no bolso para sua manutenção básica, isso faz com que a prefeitura local sofra uma pressão muita intensa desta população flutuante existente no local, não há números precisos sobre quanto é o percentual. De cada 4 pessoas que chegam a Oiapoque, três tem a intenção de atravessar a fronteira em busca de uma vida melhor, o que muitas vezes resulta em sofrimento e deportação do território francês. E acabam se estabelecendo no município para esperar o melhor momento de voltar novamente.(TOSTES, 2007: p. 12)

O fluxo migratório para esta região de fronteira está exigindo do município, maiores investimentos em infra-estrutura, a fim de atender às demandas sociais oriundas do aumento populacional ocorrido nos últimos dez anos, tornando-se um dos municípios do Amapá que mais cresceu, porém este não acompanhou as transformações demográficas ocorridas nesse espaço de tempo. A precariedade no atendimento a necessidades básicas como: saúde, educação, moradia, água, esgoto sanitário, luz elétrica, segurança pública e outros, são referencias que se destacam na composição da paisagem urbanística, onde as diferenças sociais são bem definidas. No caso de Oiapoque, a observação e a investigação realizada convergem para evidentes indicadores de que a cidade não acompanhou as metamorfoses sociais geradas em conseqüência do fenômeno migratório.

(...) A paisagem consubstancia-se através da percepção espacial. A forma das cidades e o modo como elas se organizam, refletem na paisagem, e esse reflexo é vital para entender como uma cidade funciona. Por outro lado, o espaço urbano (re) produzido, reflete a sociedade que o (re) produziu. Ou seja, sua história, sua cultura, seu modo de produção, seu estágio técnico e tecnológico, a divisão de classes, a luta pelo poder, dentre outros fatores que estão espelhados na configuração espacial da cidade, mostram-se através da paisagem urbano. (TOSTES, 2007: p.9)

Considerando que uma cidade necessita de um plano de desenvolvimento estratégico bem estruturado, definindo políticas de inclusão

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social, a fim de suportar as demandas que se impõe dialeticamente (TOSTES, 2007). Com base nesse princípio a administração municipal de Oiapoque deveria dar suporte às demandas, porém atua com debilidade de recursos em virtude da dependência da União e do Estado do Amapá que continuam tendo a maior parcela de responsabilidade/participação. Oiapoque é um dos municípios amapaenses mais problemáticos em termos de saúde pública, principalmente no que diz respeito a recursos humanos. A solução encontrada, em casos graves, é bater às portas do Governo Francês por meio de Saint George (PINTO, 2009). A saúde pública do município é considerada pelos moradores um dos maiores problemas que a população enfrenta.

Os conflitos urbanos e os moradores coexistem cotidianamente, configurando-se como um dos maiores problemas apontados pela população; essa interpretação para Pinto (2009) pode ser compreendida considerando-se que estes fenômenos estão interligados a um conjunto de práticas ilícitas que o município comporta: prostituição, tráfico de drogas, grupo de extermínio, câmbio negro e o comércio clandestino. O que segundo CANEJO e PAIVA (2006), são características de uma cidade que instituiu a “ilegalidade como modo de vida”.

Historicamente as relações na fronteira Oiapoque /Sant George desvelam um caráter desarmônico, nos dias atuais os confrontos envolvendo polícia francesa e brasileiros são constantes. Na tentativa de reprimir barqueiros e comerciantes que transportam equipamentos e mantimentos que abastecem a Vila Brasil6, Ilha Bela7 e garimpos ilegais dentro do território francês. Na atuação da policia francesa canoas são quebradas, mercadorias são jogadas no rio e pessoas são presas. O Governo francês justifica a atitude alegando o combate ao crime organizado e a ilegalidade de brasileiros que transportam irregularmente em suas embarcações mercadorias e até combustível sem nota fiscal para abastecer os garimpos clandestinos do lado francês.

Estes incidentes pioram ainda mais a tensão e rivalidade entre brasileiros e a Força Policial-militar de Saint Georges (GF), mais conhecida pelos

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Vila Brasil: Localizada a margem esquerda do Rio Oiapoque, vila de comerciantes que sobrevivem das relações comerciais com os indígenas da aldeia Camopí, do lado francês.

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Ilha Bela: Entreposto que serve de passagem para os garimpos ilegais localizados em território francês.

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oiapoquenses por “Gendarmes”. Em uma reportagem no Jornal da Fronteira, um mercador desabafa:

Nosso negócio é desenvolvido exclusivamente no rio Oiapoque, que eu sempre acreditei que fosse um bem comum entre os dois países. Agora os policiais franceses dizem que parte das águas do Rio e das Pedras são deles também, e estão pegando a gente no meio do rio. Quem é que pode com uma coisa dessas?8

Fotografia 5: rio Oiapoque

Fonte: Pesquisa de Campo realizada no dia 11/08/2010

Através deste relato é possível identificar as constantes dificuldades e incidentes que movimentam esta região fronteiriça, envolvendo brasileiros e policias guianenses, como também brasileiros entre si, principalmente nas regiões de garimpos, onde prevalece a lei do mais forte e a ilegalidade. Para minimizar a situação foi criada uma nova unidade da Polícia Civil para coordenar a Polícia de Fronteira (PFRON), com a finalidade de dar suporte às operações fronteiriças no combate ao tráfico de pessoas, armas, tráfico de drogas, veículos, mercadorias e o ouro.

Para SILVA (2005) os locais de garimpagem constituem-se em empreendimentos que envolvem riscos e ações temerárias, que podem ou não oferecer garantias dos resultados. Segundo esse mesmo autor, dentro desses locais há uma relação social de trabalho bem definida e estruturada; em que o dono do garimpo além de deter os meios de produção, regula ainda a distribuição de alimentos, remédios, combustível e etc. A força de trabalho é composta por trabalhadores contratados para ganharem conforme a produtividade. Os riscos e

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esforços reunidos na empreitada por parte desses garimpeiros podem ser melhor compreendidos a partir de uma racionalidade utilitária que se materializa no lucro adquirido e, por conseguinte, reinvestidos na cidade do Oiapoque, que é responsável por promover a dinâmica comercial e social do município.

Assim, as relações na fronteira vão ganhando formato diante do velho e do novo; são nuanças conflitantes que constroem e se desconstroem, concomitantemente, pelo encontro dinâmico de racionalidades, origens, interesses e disposições. (CASTRO, 2008: p. 23). Essas particularidades que compõe o todo reflexivo, estrutural de caráter funcional do município de Oiapoque, emergem em meio as relações sociais sendo fontes inesgotáveis de análises e interpretações no campo da ciência e que auxiliam na compreensão do real e do imaginário.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob esses aspectos, este artigo foi construído na intenção de conhecer e refletir sobre a realidade social que envolve o município de Oiapoque, considerando o cotidiano dos indivíduos, suas relações sociais e certos fenômenos que compõe a teia que alimenta o cenário desta cidade fronteiriça, que explicam os conflitos entre o tradicional e o moderno.

Em Oiapoque foi possível captar a lógica da desordem urbana que se encontra o município, que sofre com a falta crônica de infra-estrutura por parte do poder público, com a proliferação de bairros pobres e habitações construídas sem nenhum tipo de planejamento. Ressalta-se que a mera reconstrução física do espaço não pode estar acima dos interesses sociais.

Destaca-se que no decorrer das entrevistas realizadas com os moradores, constatou-se que a população local não constrói um sentimento de pertencimento com a cidade, e, portanto não busca nem a cura nem tampouco a prevenção destes males, que se apresentam cada vez mais na dinâmica social e urbana do município. A retomada do Plano Diretor pelo atual gestor pode ser considerada um grande avanço na instrumentalização do processo de planejamento da cidade, que corre contra o tempo nesta retomada, cuja finalidade é a inserção no

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mercado internacional que se apresenta promissor ao município e com efeito ao Estado do Amapá.

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Referências

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