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III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e IX Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental. Niterói 2008.

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III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e IX Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental. Niterói – 2008.

Texto completo da Mesa redonda: Assim não é... (se lhe parece): enigmas clínicos

Ouvir imagens1

: a hipocondria e a mulher madura

Regina Maria Guisard Gromann

(...) Saiba ler o que escreve o amor calado: Ouvir com os olhos é do amor o fado. Soneto 23 Shakespeare2

Sumário

Este trabalho aborda os sintomas hipocondríacos na clínica da mulher madura e o modo pelo qual esses são percebidos e comunicados no setting analítico, a partir da relação especular com o analista, sendo o afeto e os sonhos narrados os aspectos fundamentais desta passagem do corpo à fantasia. Nesse sentido, a hipocondria se oferece como paradigma no climatério sendo uma tentativa de enlace somatopsíquico.Serão utilizados momentos clínicos em que uma cena infantil perverso-polimorfa, isto é, a curiosidade em olhar, e, posteriormente, em se exibir, foi fortemente reprimida, retornando por meio da regressão no processo psicanalítico, como uma busca no corpo vivido como doente e impedido de ser afetado por Eros; corpo que surge camuflado pela doença até a formação de um sonho e a construção do erotismo. Esse trabalho fundamenta-se nas concepções de Fédida que menciona ser o hipocondríaco

1

Esse título baseou-se num artigo de Masud Khan “Ouvir com os olhos: notas clínicas sobre o corpo como sujeito e objeto” (1971) inserido em Khan, M. Psicanálise: teoria, técnica e casos clínicos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. Esse autor, por sua vez, utilizou-se dessa expressão, retirando-a de um soneto shakespeariano, o qual reproduzo em parte.

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um médico imaginário e na asserção de que “a hipocondria está promovida como paradigma de uma teoria infantil do somático.”3

Introdução

Este trabalho enfoca, a partir da clínica da mulher madura, a relação entre os sintomas hipocondríacos e o modo pelo qual eles são percebidos e comunicados no setting analítico, tendo o olhar e a escuta as bases dessa compreensão. Coloca-se o sonho e sua narrativa em imagens o ponto fundamental da compreensão da dissociação entre psique e soma, no trabalho analítico. Dessa forma, momentos sucessivos vão compondo a compreensão do modo pelo qual a analista se sensibiliza a “olhar” para a paciente desde aquilo que mostra à partir de seu corpo, posteriormente aquilo que é narrado dele, formando um sonho. Ou seja, o que comunica a paciente com seu corpo num primeiro momento da entrada na análise e seus movimentos posteriores.

Três momentos analíticos

Flora procurou psicoterapia em meio a uma crise de meia-idade. Num primeiro momento apresentou-se muito bem vestida, mostrando seu apuro e cuidado consigo mesma, não demonstrando estar em desacordo com seu próprio corpo. A primeira impressão era a de não saber propriamente em que consistia sua angústia ao iniciar seu processo analítico: sua fala pausada trazia fatos de sua história de vida ligada ao casamento, aos filhos que estavam saindo de casa, seu trabalho que ia muito bem; ou seja, uma impressão insistente de que não era possível localizar sua demanda, sua angústia. Com o passar de algumas sessões, queixou-se de alguns sintomas somáticos, dentre eles um aperto no peito que associava ao temor de possuir alguma cardiopatia, bem como oscilações hormonais de toda ordem, as quais detalhava com obstinação, mencionando uma nomenclatura médica técnica. Parecia ser uma maneira de ela se afastar, por meio de seu discurso, do afeto e da angústia, a qual, possivelmente tentava suprimir ou que ainda não se formara em seu horizonte psíquico. Isto é, parecia que Flora apegava-se a este tecnicismo como uma maneira de controlar os afetos a que estava submetida diante de seu corpo em mutação, mostrando-se pragmática. Não

3

Fédida, P. O hipocondríaco médico. In Aisenstein, M.; Fine, A.; Pragier, G. (Orgs.) Hipocondria. São Paulo: Escuta, 2002. P. 136

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acreditava que hormônios e afetos pudessem ter qualquer relação, deixando a analista com uma sensação de ineficácia e ignorância já que todo o seu saber já estava fechado a algum conhecimento novo. Todo o enigma ficou, portanto, projetado na analista, bem como sua angústia diante do desconhecido. O convite era o de “ouvir com os olhos”, ou seja, algo que só foi possível perceber num determinado momento clínico em que iniciou apalpações em seu próprio corpo para mostrar o lugar em que se encontrava sua estranheza: ora indicava em seu peito palpitações, ora era em seu ventre que sinalizava sua angústia. O que ficava cada vez mais claro era uma dissociação daquela mulher inicial que adentrara o consultório, bem vestida e bem articulada, com a que se apalpava e se agitava no divã. O que mais chamava a atenção não eram propriamente seus sintomas somáticos, mas a maneira como se relacionava com eles. Todo e qualquer sinal que advinha de seu corpo era vivido com estranheza indo ao médico com freqüência. Claro que não era a questão do saber intelectual e racional, mas de um corpo que parecia cindido da vivência afetiva. Parecia ter perdido a sensibilidade e o contato vital consigo mesma, sendo o leme da situação, a princípio, seu médico. No início seus encontros comigo eram distantes, oscilando, posteriormente com uma agitação e medos recorrentes. Fragmentos de cenas surgiam em que conteúdos fantasiosos de cunho perverso-polimorfos infantis tomavam a cena psicanalítica, como sua curiosidade em ver seus pais em atitudes eróticas, mesclados à narrativa de sua adolescência recatada e tardia em termos sexuais, compondo uma ambivalência emocional em torno do ver e ser vista; esse processo culminou com um sonho significativo em que combinavam nudez e sensações corporais agradáveis ao se expor ao sol: ao narrá-lo, associou com sua relação à figura materna que lhe trazia lembranças contrastantes de distância afetiva e paixões, num registro primitivo de vivências. Esse registro, portanto, passando pela vivência transferencial, pode ser ressignificado, trazendo um liame relevante à sua sensorialidade que se encontrava dissociada; isto é, angústias hipocondríacas e afetos primevos retornavam, por meio do sonho e seu trabalho psíquico, na transferência. Três momentos, portanto nos convocam a pensar a respeito do enigma clínico a que o analista fica submetido na clínica da mulher madura: um corpo que se dissocia da fala, a tentativa de desvendar esse corpo, sem uma ligação e a produção de um sonho revelando uma possível ligação somatopsíquica.

O que se pode depreender é que o trabalho empreendido nesse encontro é a gênese do labor psíquico diante da dissociação. Esse conceito é definido segundo

(4)

Rycroft4

“Dissociação 1. Situação em que dois ou mais processos mentais coexistem, sem se vincularem ou se integrarem...”

Na origem desse conceito, segundo Masud Khan, citando Rycroft (1962)

... a meta do tratamento psicanalítico não é,

fundamentalmente, tornar o inconsciente consciente, nem ampliar ou fortalecer o ego, mas restabelecer a conexão entre funções psíquicas dissociadas, de maneira que o paciente deixe de achar que há um antagonismo inerente entre suas capacidades imaginativas e adaptaivas.” 5

Masud Khan acrescenta ainda que “para atenuar ‘o antagonismo inerente’ a que Rycroft se refere, é preciso dar à pessoa condições de ter um acesso mais livre ao seu inconsciente, a partir de suas capacidades de ego ampliadas e fortalecidas.”6

. Dessa maneira, o relato clínico demonstra a dissociação entre o ver e o ouvir as cenas da paciente, salientando e revelando um parco ou nenhum trânsito entre materiais inconscientes e conscientes trazidos no setting analítico. Soma e psique, à princípio, não parecem atravessados ou envolvidos por Eros, tampouco estão conectados por alguma mediação de pensamento possível para perceber a estranheza daquilo que era dado ao olhar do analista versus o que era relatado. Atravessada pela regressão analítica, a paciente iniciou em três tempos uma jornada para a compreensão de sua história infantil e de cenas perverso-polimorfas de cunho voyeuerista e exibicionista que tomam a trama psicanalítica.

Nesse sentido é importante mencionar o quanto a presença corporal da paciente desde o início dos encontros analíticos motivou e impressionou a analista: ouvir e ver pareciam ser partes integrantes do processo que mostrou-se em certo sentido, paradoxal. Como aquela mulher demonstrando articulação pode ao longo do trabalho comunicar desarticulação, ou melhor, dizendo, revelar uma dissociação diante do seu mundo relacional e, principalmente, do seu corpo, estrangeiro.

4

Autor citado por Masud Khan em seu texto “Ouvir com os olhos”: notas clínicas sobre o corpo como sujeito e objeto (1971) In Khan, M. Masud Psicanálise: teoria, técnica e casos clínicos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. P. 294

5

Idem, p. 294. Grifo meu.

6

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Segundo Khan

A interpretação mutativa, para usar a expressão de James Strachey (1934), é facilitada, alimentada e possibilitada por muitos outros fatores além da linguagem na situação analítica e da relação total entre o paciente e o analista. Em outras palavras: le vécu (para usar o termo de Sartre) do paciente é muito mais amplo do que a linguagem jamais poderia metaforizar, simbolizar ou significar em si mesma. O discurso falado e partilhado na situação analíticos é o resultado de uma sofisticada capacidade do paciente e do analista.7

Há, portanto, uma comunicação que entrelaça realidades experienciais, segundo o autor, proporcionando comunicações “por outros meios de linguagem”, através de “aparelhos de ego que não a fala.”. Nesse sentido, as encenações empreendidas por Flora em seus movimentos psíquicos convocavam “uma testemunha que a experimente e informe.” Ainda segundo Khan, “os estados conflitivos são atuados, ao passo que os estados dissociados são encenados na vida.” 8

Nesse sentido encenação e atuação diferem em termos de que, no primeiro ainda necessita de um outro dando corpo ao vivido, assistindo-o em termos do que ainda não se formou enquanto precipitado psíquico, enquanto no segundo, já se apresenta estados intercomunicando-se, resultando em conflito intrapsíquico.

A hipocondria apresenta uma característica peculiar que é a necessidade por parte do paciente em ser assistido pelo médico, “documentando” de forma testemunhal o vivido do corpo. Por essa razão a busca incessante do paciente, por meio de exames infindáveis, se traduz como uma repetição e, ao mesmo tempo, sua tentativa de buscar um registro psíquico, um laço somatopsíquico às vivências estranhas somáticas advindas dessa dissociação.

O discurso hipocondríaco, portanto é uma tentativa de buscar uma nova solução àquilo que está sendo vivido de forma dissociada. Nesse sentido a “hiperatividade do funcionamento mental”9

que Flora apresentava no início de seus

7

Idem, p. 300-301

8 Idem, p. 302 9

Winnicott, D. W. (1949) A mente e sua relação com o psique-soma. In Winnicott, D. W. Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993, p. 413

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relatos clínicos, dava a ver o quanto não intercambiava vivências sensoriais e psíquicas, tornando-se assim um discurso desconectado de seu afeto, buscando uma testemunha nos médicos e, posteriormente no encontro analítico. A construção de seu sonho em análise revelou em imagens oníricas aquilo que estava dissociado; isto é, sua sensorialidade suprimida desde a adolescência e revivida na maturidade, à partir das mudanças da menopausa.

Para Fédida “ a hipocondria sempre testemunha um pensamento hermético adquirido pelo doente de uma experiência auto-erótica de seu corpo por retirada e ‘estase’ da libido objetal”10

; anunciando falhas, segundo ele, nas trocas vitais das primeiras relações com a mãe, associadas com o “auto-erotismo, em virtude de uma obsessionalização depressiva das angústias maternas.” Nesse sentido, o demasiado requinte em relação a si mesma, contrastava com suas angústias primitivas em relação ao seu corpo e não integradas em seu eu.

Fédida menciona ainda, na esteira dessa argumentação de que a “hipocondria está promovida como paradigma de uma teoria infantil do somático.”11

Assim, as cenas perverso-polimorfas que foram fortemente reprimidas retornaram como uma busca no corpo de um objeto doente, impedido de ser envolvido por Eros, surgindo camuflado pela doença. A manifestação hipocondria surge então como uma doença erotizada; ou seja, uma tentativa auto-erótica de resgatar o corpo de maneira camuflada em virtude do forte componente repressor a que ficara submetida e fixada em termos de sua evolução psicossexual.

Referências bibliográficas

10

Fedida, P. O hipocondríaco médico

11

(7)

- Fédida, P. O hipocondríaco médico. In Aisenstein, M.; Fine, A.; Pragier, G. (Orgs) Hipocondria. São Paulo: Escuta, 2002.

- Khan, M. (1971) Ouvir com os olhos: notas clínicas sobre o corpo como sujeito e objeto In Khan, M. Psicanálise: teoria, técnica e casos clínicos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

- Shakespeare Soneto 23. In http://www.starnews2001.com.br/sonnets.html

- Winnicott, D. W. (1949) A mente e sua relação com o psique-soma. In Winnicott, D. W. Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.

Regina Maria Guisard Gromann: Psicóloga clínica, psicanalista, mestre em Psicologia pela PUC-SP, doutoranda em Psicologia clínica pela PUC-SP, pesquisadora do laboratório de Psicopatologia Fundamental do Núcleo de Psicanálise dos Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, Supervisora e professora da Universidade Paulista (UNIP)

Av. Brig. Faria Lima, 2121/cj 33 Tel.: 3816.6845

Referências

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