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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FELIPE RIBEIRO CAMPOS MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS

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MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS

RIO DE JANEIRO 2011

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MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CENTRO DE LETRAS E ARTES COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM LITERATURA INFANTIL E JUVENIL, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO.

Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria de Carvalho Gens

Rio de Janeiro 2011

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MONSTROS ASSUSTADORES E TERROR NA LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS

MONOGRAFIA APRESENTADA AO CENTRO DE LETRAS E ARTES COMO REQUISITO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM LITERATURA INFANTIL E JUVENIL, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO.

APROVADA EM

( ORIENTADOR, TITULAÇÃO E INSTITUIÇÃO )

(LEITOR 1, TITULAÇÃO E INSTITUIÇÃO )

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Tenho que agradecer a algumas pessoas que sempre estiveram próximas, me ajudando de várias maneiras:

Aos meus pais, irmão e familiares por me apoiarem em minha pesquisa, entendendo a importância que a literatura tem na minha vida e os dias que eu passava em frente ao computador trabalhando na monografia.

À minha professora e orientadora Rosa Gens, por todas as conversas, reuniões, conselhos, carinho, paciência e por acreditar na minha capacidade.

Aos outros professores do curso de especialização, que me ajudaram a ser o pesquisador que sou hoje, sabendo que ainda tenho que estudar muito mais.

Aos meus amigos da turma, que souberam compartilhar conhecimento e também proporcionaram muitas risadas.

Aos meus amigos ilustradores que trabalham e que já trabalharam comigo: Renato Bittencourt, David Vieira, Luíz Felipe Piorotti, Anderson Magno, Hugo Daniel, Roberto Jales, Michel Mostacatto e Thiago Rocha, à Jéssica Pansini e às professoras Maria Aparecida Fernandes, Mariana Lima, Tamara Viana e Ingrid Mattos, que se preocuparam com o andamento dessa pesquisa e acompanharam todo o processo de perto. Obrigado pelo apoio e pela cobrança, na certeza de que no fim daria tudo certo. E porque não agradecer também a H.P. Lovecraft, Edgar Allan Poe, Neil Gaiman e a todos os autores pesquisados (alguns eu não conhecia) pela existência, talento e paixão pelo que fizeram ou ainda fazem.

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“De qualquer forma você sabe o que dizem sobre os lobos. Se os lobos

saírem de dentro das paredes, está tudo acabado.”

Neil Gaiman

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INTRODUÇÃO

1 LITERATURA DE TERROR ...10

1.1 H. P. Lovecraft, Edgar Allan Poe e a narrativa de horror ...10

1.2 Drácula, Frankenstein, O médico e o monstro e O retrato de Dorian Gray ...15

2 TERROR PARA CRIANÇAS E JOVENS ...19

2.1 Características no texto para crianças ...19

2.2 Pequenos heróis ...26

2.3 Monstros que não são assustadores ...27

2.4 Livros e monstros 2.4.1 Os lobos dentro das paredes ...31

...31

2.4.2 As bruxas ...34

2.4.3 10 + Histórias de terror ...37

2.4.4 Paúra – 20 coisas de que você morre de medo e como encarar todas elas ...39

2.4.5 Bicho de sete cabeças e outros seres fantásticos ...41

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...45

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Falar sobre terror, especialmente sobre monstros, permite a discussão de um mundo fantástico cheio de perigos, dificuldades e obstáculos, mas também de personagens que são decididos e que descobrem a força dentro deles mesmos. Para o leitor que encontra livros que descrevem essas aventuras, é a chance de fugir da realidade por um tempo e, além disso, depois que fechar o livro, compreender certos valores e estabelecer maior relação com a literatura e com o que está nas entrelinhas do texto.

Essa pesquisa também é uma oportunidade de selecionar, em meio a vários livros direcionados ao público infantojuvenil, alguns títulos que tratam de assuntos um pouco mais delicados de uma maneira que não se preocupa em ser didática e outros que tratam de temas que até tempos atrás eram considerados inapropriados para as crianças e, com todo o cuidado, são passados de forma divertida e não traumatizante.

A figura do monstro, quando bem trabalhada, pode causar pavor. Em qualquer site de busca na internet podemos encontrar facilmente imagens de monstros e também elementos da criptozoologia1

Os livros nos dão vários exemplos de monstros de diversas partes do mundo, sejam eles de lendas antigas ou crias das mentes fantasiosas de escritores para suas histórias maravilhosas. O livro dos seres imaginários

, considerada uma pseudociência por biólogos e zoólogos que seguem uma linha tradicional, com foco em espécies animais lendárias, mitológicas, hipotéticas ou avistadas por poucas pessoas, também incluindo o estudo de ocorrências de animais presumivelmente extintos, e a lista é grande e variada: abominável homem das neves, vampiro, lobisomem, homem-mariposa, kraken, pé-grande, monstro do lago Ness, verme-da-mongólia, chupacabras, yeti e jacaré luminoso são alguns exemplos.

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1 http://filosofiaimortal.blogspot.com/p/criptozoologia.html

, de Jorge Luís Borges, por exemplo, é uma coleção de criaturas estranhas pesquisadas pelo autor que saíram de várias fontes, como as mitologias egípcia e grega, do livro As Mil e Uma Noites e das aventuras escritas por C.S. Lewis, Kafka e Edgar Allan Poe. Até Giordano Bruno – teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano italiano – é citado por dizer que os planetas seriam grandes animais tranquilos de sangue quente, de hábitos regulares e dotados de razão.

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características que podem ser encontradas nas duas lendas:

O dragão possui a faculdade de assumir muitas formas, mas essas formas são inescrutáveis. Em geral o imaginam com cabeça de cavalo, cauda de serpente, grandes asas laterais e quatro garras, cada qual equipada com quatro unhas. Fala-se também de suas nove semelhanças: seus chifres se assemelham aos de um cervo, sua cabeça à do camelo, seus olhos aos de um demônio, seu pescoço ao da serpente, sua barriga à de um molusco, suas escamas às de um peixe, suas garras à da águia, as plantas de seus pés às do tigre e suas orelhas às de boi. Há exemplares desprovidos de orelhas e que escutam pelos chifres. É habitual representá-lo com uma pérola, que está pendurada em seu pescoço e que simboliza o Sol. Nessa pérola está seu poder. Se a tirarem dele, é inofensivo.

(BORGES, 2008. p. 76)

Diante de tantas novidades, o leitor se sente interessado em pesquisas além do livro que está lendo e pode descobrir infinitas possibilidades de leituras sobre tudo o que inspira as histórias buscando assim outras fontes de conhecimento. Outro tópico a ser observado é o modo de lidar com o medo e o que é desconhecido: o monstro no livro pode representar qualquer tipo de fobia e, na maioria das vezes, até o fim da narrativa seremos capazes de descobrir um jeito de vencê-lo.

Essa pesquisa abordará a literatura de terror para crianças partindo da produção feita para adultos, das características que existem na literatura adulta e que não encontraremos nos livros infantis e vice-versa: cenários, personagens e aproximação do leitor com eles, momentos de tensão, reviravoltas na história, jogo com as palavras, verossimilhança, elementos fantásticos e outros. Para apresentar melhor o assunto, autores como Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Stephen King, Bram Stocker, Robert Louis Stevenson, Mary Shelley e outros servirão de exemplo, com trechos de suas obras. Além desses autores clássicos, livros e contos que apresentam algum elemento de terror podem ser mencionados em alguma parte da pesquisa.

Segundo o Pequeno dicionário da língua portuguesa3, o verbete “monstro” apresenta diferentes definições:

3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Pequeno dicionário da língua portuguesa. Gamma.

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imaginado pela mitologia; animal de grandeza desmedida; figura colossal; prodígio; (fig.) pessoa cruel, desnaturada ou horrenda; adj. (Bras.) muito grande.

As várias acepções da palavra “monstro” podem ser encontradas em literatura de terror quando o grande vilão da narrativa é um monstro. Trata-se de uma criatura que deve despertar medo no leitor, mas também aproximação e identificação. H. P. Lovecraft, um dos escritores mais influentes em literatura de horror, trabalha o lado escuro e maléfico de todas as coisas de um mundo que pode ser desconhecido e assim ter uma infinidade de perigos. Tudo fica mais assustador porque contra o que é desconhecido não há defesa possível, deixando espaço para a angústia e a insegurança. Esse sentimento, a propósito, pode ser simbolizado como a presença da morte, e se apresenta como uma das sensações que sentimos quando estamos com medo. É como se fosse um alerta de defesa que nos dá garantia contra os perigos, um reflexo indispensável que permite ao organismo escapar da morte.4

Em literatura de horror para o público adulto, todas essas características e modos de escrita são bem apresentados, desenvolvidos e estruturados por vários autores, mas como é a literatura de terror para crianças? Se analisarmos as histórias de terror, podemos seguir por três caminhos: o terror de assombração, de serial-killlers e de monstros (nessa categoria incluímos vampiros, lobisomens, bruxas, extraterrestres, aberrações e outras criaturas assustadoras). Como a literatura para crianças apresenta como proposta o trabalho com o lúdico e evita temas que possam ter ligação com a violência que acontece na realidade, descarta-se a possibilidade de um serial-killer aparecer em uma história para o público infantil. Trabalhamos então com as assombrações e com os monstros. A figura do monstro pode sim ser assustadora, ao contrário da maioria que surge nos livros para o público infantil atualmente.

4

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1 LITERATURA DE TERROR

H.P. Lovecraft, no livro O horror sobrenatural em literatura, lista algumas obras que são importantes para o estudo do terror, já que elas possuem características essenciais para uma competente narrativa nesse estilo.

1.1 H. P. Lovecraft, Edgar Allan Poe e a narrativa de horror

Para o autor, uma atmosfera bem construída faz com que a história seja assustadora, e para isso o escritor utiliza a tensão psicológica que pode ser obtida com boas descrições de cenários e também personagens da história. Os personagens têm que enfrentar situações complicadas em uma atmosfera de terror que se baseia no medo do desconhecido. A narrativa, para conseguir o efeito esperado, deve ser refinada e sofisticada usando muitas imagens, efeitos de sons e simbolismos. O elemento fantástico entra na história em uma superfície cuja verossimilhança interna (a da própria narrativa) permita ocorrências sobrenaturais, tudo aquilo que não é esperado de uma realidade lógica.

Exemplos de uma narrativa competente, daquelas que prendem a atenção do leitor, estão espalhados nos contos de H. P. Lovecraft. No conto “Aprisionado com os Faraós”1, o escritor opta por não descrever com tantos detalhes o que o narrador viu, fazendo um texto tenso, que insiste em não mostrar diretamente o que está acontecendo, e assim, deixando a imaginação fluir para o total desconhecido. Formas imprecisas são apontadas em um trecho do conto que mostra a habilidade em apenas sugerir situações desesperadoras:

(...) Parecia não ter pescoço, mas cinco cabeças peludas separadas mexendo-se numa fileira de um tronco relativamente cilíndrico. A primeira era bastante pequena, a segunda de um bom tamanho, a terceira e a quarta iguais e maiores que as outras, e a quinta um tanto pequena, mas não tão pequena quanto a primeira. Dessas cabeças lançavam-se tentáculos rígidos esquisitos que agarravam ferozmente as quantidades excessivamente grandes de um alimento indizível colocado diante da fenda. De vez em quando a coisa dava um salto e voltava para o esconderijo de um jeito muito estranho. A sua locomoção era tão inexplicável que fiquei observando fascinado, torcendo para que ela saísse um pouco mais do covil cavernoso abaixo.

Então ela saiu... ela saiu, e com a visão voltei as costas e fugi

1

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na escuridão pela escada mais alta que se elevava atrás de mim; (...) (LOVECRAFT,. 2007. p. 63)

Os mistérios do Egito, com todas as pirâmides e histórias sobre as múmias, servem de tema para esse conto. Quando o protagonista é jogado em um mundo muito antigo e se vê sozinho em um lugar estranho e, apesar de ser milenar, ainda vivo e cheio de entidades iguais àquelas que ele tinha tanto estudado, o conto ganha atmosfera sobrenatural em um espaço misterioso, com pouquíssima luz, com sons que podem ser ouvidos atrás de uma pilastra enquanto o homem se esconde e aparentemente está sem saída. A tensão aumenta no momento que o deus que é descrito revela sua forma, mesmo que não seja possível perceber todos os detalhes. As palavras e expressões que o narrador escolhe nunca dão ao leitor a certeza do que realmente está acontecendo, fornecendo poucas informações : “indizível”, “jeito muito estranho” e “inexplicável” são apenas alguns dos exemplos que mostram que o texto pode ter várias interpretações, umas mais assustadoras do que outras, mas o que é mais interessante é esse exercício de imaginação e desprendimento da realidade proposto pela narrativa.

O narrador tem função importantíssima, já que é através dele que o leitor conhece a história. Sendo uma das personagens, apresenta uma história que já aconteceu, dando margem para a dúvida do leitor, ainda mais se a descrição dos fatos for econômica ou, pelo contrário, extremamente confusa com diferentes pontos de vista. Mesmo que essas personagens ocupem posições de destaque ou de autoridade (médicos, advogados, cientistas, pesquisadores), o jogo de adivinhação que é uma narrativa de terror sempre pergunta “E se...?” ou “Será que tudo o que foi relatado realmente aconteceu?” Os cenários das narrativas, apesar de serem “reais”, acabam tornando-se distantes por causa das atividades que ocorrem. O fantástico tem a característica de causar estranhamento mesmo se algo for completamente conhecido do leitor.

Outro trecho, dessa vez do conto “O horror em Red Hook”, também na coletânea A tumba e outras histórias, é mais um exemplo de como a imaginação do leitor é importante para que a história funcione:

(...) O grito veio do camarote de Suydam, e o marinheiro que derrubou a porta talvez pudesse contar coisas terríveis se não tivesse ficado completamente maluco logo depois. De qualquer forma, ele guinchou mais alto que as primeiras vítimas, e depois disso correu com um sorriso tolo em torno do barco até ser pego e colocado a ferros. O médico do barco que entrou no camarote e ligou as luzes em

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seguida não enlouqueceu, mas também não falou nada do que viu até mais tarde, quando se correspondeu com Malone em Chepachet. (...) (LOVECRAFT. H.P. 2007. p. 94)

O clima de tensão está nas linhas do texto, enquanto o narrador não revela o que realmente acontece. O leitor apenas é informado das reações das personagens, o que contribui com a narrativa de horror tipo cinematográfica que o conto possui, como se existisse uma câmera que conduzisse as imagens com momentos de terror psicológico deixando por conta, mais uma vez, todos os acontecimentos terríveis apenas a cargo da imaginação do leitor e por vezes cenas extremamente violentas e descritivas.

O autor também tem que escrever com naturalidade, tornando a história o mais verossímil possível, com cenários que sejam familiares aos leitores, com fluência e apelo. Uma escrita mais realista, quando parte para o sobrenatural, fica muito mais sólida e mórbida. Uma citação de Montague Rhodes James, considerado um dos melhores escritores de histórias de fantasmas da literatura inglesa, é apresentada no livro Introdução à literatura fantástica2

Uma das ferramentas de que o escritor dispõe é o cenário, que na literatura de horror tem a função de criar uma atmosfera apropriada para a história. É a descrição do cenário que apresenta ao leitor a história e elementos que serão usados ao longo da narrativa.

e resume bem as características do universo fantástico na narrativa de horror: “É às vezes necessário ter uma porta de saída para uma explicação natural, mas teria que adicionar que esta porta deve ser o bastante estreita como para que não possa ser utilizada.” (TODOROV, 1981. Pág. 16) Outro artifício que o autor pode utilizar para assustar seus leitores é o que o escritor Stephen King chama de pontos de pressão fóbica, os temores que afligem as pessoas como aranhas, cobras ou o medo de altura ou do escuro. São os medos interiores que têm origem no inconsciente coletivo e que muitas vezes não podem ser explicados. Diferente do horror explícito, com cenas de sangue e violência gratuita, o verdadeiro horror procura dentro de cada leitor o que é mais primitivo, os temores que podem ser psicológicos e também sobrenaturais, tendo como exemplo o subconsciente coletivo e sonhos (e pesadelos) que são bem comuns: ser perseguido, cair, tentar gritar e não conseguir, estar perdido e só em um lugar perigoso... São os “terminais de medo”, assim chamados por Stephen King, que estão enraizados em todos nós. O bom trabalho de um escritor de terror é encontrar todos eles e manipulá-los da melhor maneira.

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Alguns cenários já são conhecidos, sendo constantemente usados pelos escritores. Casas mal-assombradas, hospitais, cemitérios, florestas, cidades abandonadas e outros locais que podem tornar-se sombrios e têm infinitas possibilidades que colocam as personagens em diversas situações que podem ser aterrorizantes, assustadoras. Um exemplo que já é clichê é o posto de gasolina ou o hotel de beira de estrada que, na maioria das vezes, é o esconderijo de um monstro ou de um assassino em série pronto para atacar o primeiro grupo de amigos que aparecer.

Um recurso que é bastante valorizado é a maneira como o cenário é apresentado: para dar verossimilhança, o cenário deve ter o maior número de detalhes porque, quanto mais próximo da realidade, maior é a identificação, permitindo a visualização da narrativa e facilitando o envolvimento do leitor. Quando o improvável, o sobrenatural aparece na narrativa, tudo se dá de uma maneira muito mais natural. Edgar Allan Poe, em vários contos de suas Histórias extraordinárias, cria cenários claustrofóbicos e sombrios, paisagens nebulosas que não inspiram segurança alguma, sempre na iminência de alguma ameaça. No conto “O barril de Amontillado”3, história sobre vingança, um homem planeja enterrar vivo seu desafeto por todas as humilhações que ele o fez passar. É uma das histórias que nos remete á tafofobia (medo mórbido de ser enterrado vivo e acordar preso dentro de um caixão sem poder sair), que são comuns em narrativas de terror. Abaixo um trecho que serve como exemplo de cenário que é descrito em vários contos de Poe:

Na extremidade mais afastada dessa cripta havia outra, menos espaçosa. Suas paredes estavam ocultas por uma pilha de despojos humanos que subia até a abóbada, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três lados da cripta interior estavam assim ornamentados. No quarto, os ossos haviam sido derrubados ao chão e jaziam promiscuamente, formando, em certo ponto, um monte de alguma altura. Na parede, exposta pela remoção dos ossos, percebemos ainda mais uma alcova, de pouco mais de um metro de profundidade, uns noventa centímetros de largura e cerca de dois metros de altura. Parecia não ter sido construída para qualquer fim especial, e sim originada meramente do intervalo entre duas das colossais colunas que suportavam o teto da catacumba, sendo o seu fundo uma das paredes circunscritas, de sólido granito.

(POE, Edgar Allan. 2010. p. 105)

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Stephen King, em seu livro Dança macabra4

Segundo o autor, o terror na literatura surge através de um sentimento penetrante de desestruturação que tem horrores inventados por nós para que dessa maneira possa nos ajudar a suportar os horrores da vida real, sendo assim o sonho do horror um modo de extravasar o desconforto causado por essas situações.

, expõe algumas características do gênero terror que se aplicam às produções de H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, apesar de os dois autores terem criado estilos de horror diferentes.

O horror revolve a mente, brinca com o que podemos imaginar, nos dá um combinado de emoção e tensão que aparecem com a nossa mania de especular o que está acontecendo enquanto lemos uma história. No campo da imaginação o terror pode se valer de uma abordagem mais refinada, com um toque de thriller psicológico ou ter uma forma mais violenta, repulsiva, com bastante sangue. Não apenas nos livros, mas as histórias em quadrinhos, os games e principalmente a indústria cinematográfica passeiam por esses dois estilos de horror. Vários exemplos de terror em outras mídias são Contos da Cripta e Prontuário 666: Os anos de cárcere de Zé do Caixão nos quadrinhos; Resident Evil, Silent Hill, Fatal Frame e Mortal Kombat nos games; O exorcista, Halloween, O massacre da serra elétrica e Brinquedo assassino no cinema. Há uma tendência em aumentar a quantidade de sangue conforme sequências são filmadas enquanto o enredo se perde completamente. É uma maneira de continuar causando impacto na plateia de uma maneira certeira e mais fácil com cenas típicas de filmes de terror gore5. O escritor Clive Barker, na introdução do primeiro de seis volumes de seus Livros de sangue6

, utiliza o artifício da extrema violência. Um grupo em busca de fantasmas em uma velha casa é atacado por espíritos malignos que usam o corpo de um jovem médium como páginas de um livro que conta várias histórias sobrenaturais:

Mary Florescu sabia que estava sozinha. Acima dela, o belo rapaz, aquele jovem belo e mentiroso contorcia-se e gritava sob as mãos vingadoras dos mortos que agarravam sua pele jovem. Mary sabia das intenções deles; estavam marcadas naqueles olhos — não havia nada de surpreendente nisso. Toda história tem seu tormento tradicional. Este devia ser usado para registrar seus testamentos. Ele seria a página, o livro, o veículo das suas autobiografias. Um livro de

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KING, Stephen. Dança macabra. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 2007

5 No gênero do terror há uma subdivisão chamada gore, sem tradução específica para o português.

Trata-se de filmes com extrema e explícita violência física.. Muitas vezes, tudo isso é mostrado de uma maneira tão exagerada que se torna absurda e desnecessária, sem acrescentar nada ao filme.

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sangue. Um livro escrito com sangue. Ela pensou nos artefatos macabros feitos com pele humana que havia visto, que havia tocado. Pensou nas tatuagens que havia visto, apenas para exibições, em parques de diversão algumas delas, outras apenas em trabalhadores sem camisa, andando na rua com uma mensagem para suas mães gra-vada nas costas. Não era novidade escrever um livro com sangue.

Mas naquela pele, naquela pele tão translúcida — oh Deus! — isso era um crime. Ele gritava, enquanto as agulhas torturantes de vidro quebrado eram passadas por sua carne, abrindo grandes sulcos. Mary sentiu a agonia como se fosse dela, e não lhe pareceu assim tão terrível...

Mas ele gritava. E lutava e xingava seus atacantes com nomes obscenos. Amontoavam-se em volta dele, surdos a qualquer súplica ou prece, torturando seu corpo com todo o entusiasmo de criaturas de há muito obrigadas a um silêncio total.

(BARKER, Clive. Livros de sangue vol. 1. 1993. p. 10)

O terror tem várias formas e é papel do bom escritor fazer que o leitor tenha medo e insegurança, sinta prazer em viver através de personagens perigos que só poderão acabar quando o livro for fechado.

Podemos listar vários livros de terror, mas apenas alguns são considerados clássicos, colocando no imaginário dos leitores criaturas e situações totalmente absurdas. A literatura gótica tinha como características – citando apenas parte delas - a estética do terror, a deformação da forma, acontecimentos sobrenaturais, aspectos religiosos e questões filosóficas.

1.2 Drácula, Frankenstein, O médico e o monstro e O retrato de Dorian Gray

A figura do monstro está ligada à aberração da natureza e também à discriminação, pois uma criatura monstruosa significa a quebra da ordem e da normalidade. Representa o que deve ser evitado e perseguido. Os monstros muitas vezes podem ser classificados como alegorias nas histórias de terror, eles nos dão diversas interpretações sendo a materialização de um medo que o personagem deve enfrentar ou, de forma simbólica, exercita emoções que a sociedade nos faz manter sob controle. De tantos romances que formam o corpus da literatura gótica, quatro são muito conhecidos do grande público, tendo em comum a maneira complexa que trata o comportamento humano em eventos perigosos. Drácula7, O médico e o monstro8

7 STOKER, Bram. Drácula - O vampiro da noite. São Paulo: Martin Claret. 2002

,

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Frankenstein9 e O retrato de Dorian Gray10

Drácula, livro escrito pelo irlandês Bram Stoker em 1897, utiliza além do terror, o erotismo para descrever uma criatura que é maligna mas que ao mesmo tempo é muito sedutora. O livro mostra a capacidade que o mal tem de ser atraente, fazendo a vítima ignorar totalmente o perigo, a insegurança. Fazer a criatura ( ou o monstro ) ser sedutor deixa a narrativa mais tensa, sem chance de fuga para as personagens e também para o próprio leitor. Não há outra maneira a não ser participar, ser levado por tudo que acontece, tentar entender o que força aquela pessoa a correr tanto perigo, mesmo se ela não souber toda a real situação.

representam vários conceitos do mal, suas diversas facetas. Todas as personagens têm um segredo que não deve ser revelado e assim assumem as consequências de seus atos.

Stoker escreveu um romance cheio de horror, paixão, superstições, fé, folclore e eventos sobrenaturais. O realismo aparece através dos relatos dos personagens principais em diários e cartas e também em alguns recortes de jornal.

Outro livro que pode ser usado como exemplo é Frankenstein, escrito por Mary Shelley em 1818. O romance é uma mistura de história de terror com ficção científica, sendo assim um questionamento da natureza humana, sobre a vida e a morte e também o poder da criação. Até que ponto o homem é capaz de se superar, ser mais poderoso que a própria natureza? Será que ele está preparado para assumir as consequências? Essas são perguntas que o romance nos faz e a ascensão e a destruição de Victor mostram que o assunto é realmente muito complexo. A história também toca em questões como a religiosidade, já que o jovem cientista tem momentos de Criador, fazendo a ciência sobrepujar o poder da natureza.

A autora se preocupa em mostrar o descontrole do jovem cientista no ímpeto de atividade louca em um trecho do livro que nos é relatada a profanação dos túmulos:

Quem seria capaz de imaginar os horrores do meu trabalho árduo e secreto, enquanto eu chapinhava na umidade infecta dos túmulos ou torturava os animais vivos, a fim de dar vida ao barro inanimado? A lembrança me faz estremecer, e meus olhos se enchem de lágrimas (...) eu apanhava ossos nos ossários e perturbava, com dedos profanos, os segredos prodigiosos do corpo humano (...) eu trabalhava em minha criação imunda; meus olhos saltavam das órbitas enquanto eu cuidava dos detalhes desse projeto.

(SHELLEY, Mary. 2007. p. 57)

9 SHELLEY, Mary. Frankenstein. São Paulo: Martin Claret. 2007 10

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A criação de Victor Frankenstein que não tem nome e é sempre chamado de monstro, quando relata o que passou, o que sofreu, não se parece tanto como o monstro que o doutor tanto amaldiçoa. O monstro se humaniza, principalmente quando a necessidade de se relacionar com outras pessoas e sentimentos como a inveja começam a atormentar a criatura depois que ela sofre com o preconceito e sente a injustiça em sua pele.

Já o livro O médico e o monstro, escrito por Robert Louis Stevenson, mostra de forma assustadora a ideia de que seria possível existir várias personalidades em um único corpo. O monstro é a própria pessoa, no caso o médico Henry Jekyll que divide corpo com o estranho Edward Hyde.

Stevenson, que era conhecido por sua literatura feita para jovens leitores, criou uma história que mexe por lidar não com a ameaça que está à volta, mas que parte de dentro de cada um. Ninguém é totalmente bom ou totalmente mau, todos nós temos qualidades e defeitos, mas o que torna o questionamento do duplo interessante é lidar com a parte maligna que todos nós temos. Sr. Hyde, na aparência descrita como deformada, torta, um homem de baixa estatura se for comparado com o bem construído Dr. Jekyll, nada mais é do que a representação da parte sombria do bondoso médico. Também causa apavoramento a própria pessoa não ter controle de seus atos mais vis, podendo assim machucar amigos, familiares e até ela mesma. O monstro ser parte da personagem do médico ficou em segredo durante todo o romance para que no último capítulo fosse revelada toda a verdade. É esse jogo psicológico de ter controle de si mesmo para depois descontrolar-se completamente faz do livro o ponto de partida para uma discussão sobre o que ou quem de verdade devemos temer.

Escrito por Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray é uma viagem pela

transformação da personagem principal, a vontade de experimentar o que é proibido, inadequado, a impunidade e a monstruosidade sem nenhuma culpa a princípio. Dorian não precisa de remédios ou fórmulas para se afundar em uma vida sem limites, não se arrepende ou se atormenta. Vive o ímpeto de conhecer coisas novas, que até então eram impensáveis, mas que não são mais já que nenhuma doença ou outro tipo de mal pode feri-lo ou não tem o poder de impedir essa busca que torna aos poucos seu espírito tão negro.

O quadro, que no trato com a imortalidade fica feio, velho e decrépito no lugar do jovem e belo Dorian Gray nada mais é do que a imagem da destruição não apenas do

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jovem como de todos que estão à sua volta. A beleza de Dorian Gray atrai e ao mesmo tempo destrói, a juventude, o anseio e a sensação de que nada pode ir de encontro a ele fazem do jovem Dorian um monstro criado por sua determinação em conquistar o mundo com altas doses de irresponsabilidade. Não há dupla personalidade (assim como acontece do Dr. Henry Jekyll), mas existe um desejo muito forte de abraçar tudo que há no mundo, sem distinção do que é bom ou ruim, maléfico ou benéfico, em uma mudança gradativa para o fim que só pode ser autodestrutivo.

Nas últimas páginas do romance Dorian Gray encontra a saída para a situação:

Dorian Gray correu o olhar em torno. Viu a faca que lhe servira para apunhalar Basil Hallward, cintilante e limpa. Matara o pintor. Mataria o quadro e tudo o que este significava. E ele estaria livre, livre dessa tela monstruosa dotada de alma, livre de suas admoestações hediondas. Viveria finalmente em paz.

(...)

Ao entrarem na sala, viram na parede o magnífico retrato do amo, como eles o tinham conhecido, em pleno apogeu da sua esplêndida mocidade e beleza. No chão, jazia o cadáver de um homem em traje de rigor, com uma faca cravada no peito. Ele estava lívido, enrugado e repugnante. Só pelos anéis é que os criados conseguiram identificá-lo.

(WILDE, Oscar. 2004. p. 176-177)

Mais uma vez, aquele que tenta vencer a natureza sofre as consequências, cai em si e verifica quão suja é a condição de estar em posição superior para depois ficar na completa melancolia, a realidade sendo o resultado de ações impensadas. Como um imortal, Dorian ganha uma oportunidade única mas acaba sendo reduzido a nada. O jovem é vítima dele mesmo.

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TERROR PARA CRIANÇAS E JOVENS

2.1 Características no texto para crianças

Não é atual a utilização de elementos de terror em histórias contadas para as crianças.Seguindo a tradição oral, os contos de fadas chamados contos de advertência são histórias em que o perigo está presente na forma de um monstro, o que desencadeia o medo ao longo da narrativa. A ameaça pode ser o que mora no bosque ou qualquer criatura ameaçadora que aparece quando alguém desobedece uma ordem vinda de alguém mais velho.

Chapeuzinho Vermelho por exemplo, na versão escrita por Charles Perrault, tem o desfecho marcado pela tragédia: depois de encontrar o lobo no bosque e dizer a ele para onde estava indo e com quem iria se encontrar, a protagonista é enganada e devorada pela fera. O monstro vence, tendo devorado a menina e a sua avó. A moral do conto é a de que as jovens não devem conversar com os “lobos” que encontrarem pelo caminho. O lobo, aqui sendo a representação de um homem, é o que deve ser evitado, já que pelo menos nessa versão, não pode ser vencido.

Já na versão de Chapeuzinho Vermelho contada pelos irmãos Grimm, vemos algumas diferenças se compararmos com a versão de Charles Perrault. Nessa versão a mãe avisa a menina para não sair da trilha mas, desobedecendo o conselho, logo depois de conversar com o lobo e dar todas as coordenadas de como chegar na casa da vovó, Chapeuzinho Vermelho vai colher flores e esquece por um bom tempo o compromisso que tinha com a sua avó. O lobo chega antes na casa, devora a vovó, veste a camisola e engana a Chapeuzinho Vermelho quando a esta chega e entra na casa. Quando desconfia, já é tarde demais e também é devorada pelo lobo.

Mas, nessa versão dos irmãos Grimm, o final não é tão chocante pois no conto um caçador passa próximo à casa e, ouvindo roncos muito altos, decide entrar e se certificar de que está tudo bem com a senhora que morava ali e, por obra do acaso, encontra o lobo dormindo na cama. Mesmo sendo um castigo para o lobo pelas maldades que cometeu, a violência na narrativa está presente quando o caçador, com uma tesoura, corta a barriga do lobo para salvar a menina e a avó, e depois, para que a fera não fugisse, pedras são colocadas na barriga do lobo, que em pouco tempo morre. Mesmo com o final amenizado pela morte do lobo, a moral continua a mesma: não desobedecer os conselhos dos mais velhos e não falar com estranhos.

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Seguindo a linha da advertência, dessa vez tendo um final que não é trágico e sim mostrando que, com astúcia, o mais fraco pode vencer o mais forte, o conto Barba Azul11

A traição da jovem é descoberta por Barba Azul e, no último instante antes do marido cortar a garganta de sua esposa, os dois irmãos dela entram na casa e o matam. Mesmo com um final feliz para a mocinha, o conto é macabro, cheio de violência e mantém características dos contos de fadas como o sobrenatural na chave enfeitiçada e na estranha barba azul do homem.

tem como ponto principal a curiosidade de uma jovem. Casada com um homem muito rico e tendo permissão para entrar em todos os aposentos da casa – exceto um – ela desobedece a recomendação do marido e descobre um quarto no qual estavam guardados os corpos das jovens que tinham sido casadas com ele. Corpos degolados em um aposento tingido de sangue o chão até o teto.

É importante salientar um elemento que foi utilizado nos contos de fadas e que até hoje é encontrado nas boas narrativas de terror, não apenas para crianças: o momento de tensão, o clímax da história. Um trecho do conto Barba Azul exemplifica muito bem o que é esse artifício:

A irmã Ana subiu ao alto da torre e de vez em quando a pobre desesperada gemia: “Ana, minha irmã Ana, não está vendo chegar ninguém?”

E a irmã Ana respondia: “Só vejo o sol coruscante e o capim verdejante.”

Então Barba Azul, com um grande cutelo na mão, gritou para a mulher a plenos pulmões:

“Desça já, ou subirei aí. (Antologia.. 2010. p. 90)

Ana ainda demora um pouco para avistar os cavaleiros que salvariam a vida da jovem e, enquanto isso não acontece, Barba Azul não para de ameaçar a esposa, amaldiçoando-a e pronto para assassiná-la. Essa é uma parte do conto tensa, com a possibilidade de morte da moça, assim como todas as outras esposas de Barba Azul. Os momentos que se seguem são angustiantes até que Barba Azul é morto.

Alguns livros aproveitam o interesse pelo terror para crianças e podem ser uma boa maneira de introduzir o gênero para os jovens leitores. Um exemplo é o livro Monstro mania12

11Antologia. Contos de fadas: de Perrault, Grimm, Andersen & outros. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar. 2010.

, que não é um livro de ficção, mas serve como um guia (que está

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longe de ser completo) de monstros e assombrações que constantemente aparecem nas histórias de terror. Em uma pesquisa bem próxima aos sites de busca da internet – tudo muito rápido e nem um pouco aprofundado - , o livro tem imagens interessantes sobre as criaturas pesquisadas – vampiros, fantasmas, lobisomens e bruxas – traz uma versão muito resumida de Drácula, tenta contextualizar as lendas fornecendo datas e mapas onde o país do acontecimento fica em destaque e mostra algumas histórias verídicas, fatos estranhos ligados ao sobrenatural. Em uma dessas histórias, o leitor conhece uma história real de 1720, que aconteceu na Sérvia sobre Arnold Paole, um homem que pensou ter sido atacado por um vampiro e, após morrer alguns dias depois, havia rumores que Paole tinha voltado da sepultura e assassinado quatro pessoas. Como em várias histórias que são contadas nos livros, quando seu túmulo foi aberto, foi encontrado o corpo de Paole bem preservado, com sangue em sua boca. Para ter certeza de que os ataques aos aldeões acabariam, os habitantes locais enterraram uma estaca no coração de Paole, cortaram-lhe a cabeça e queimaram seu corpo.

O mérito do livro, além de trazer um apanhado das lendas e dos fatos que constituem toda a mitologia que serve de inspiração para as histórias de terror, é deixar o leitor na dúvida se realmente tudo o que nós lemos é apenas fruto da imaginação de pessoas muito criativas ou se deve realmente existir fatos verdadeiros sobre esses monstros. Livros desse tipo facilitam a leitura de narrativas de ficção, ajudam o leitor com o tão conhecido “pacto” entre a obra e aquele que está lendo.

Outro nicho dentro de terror para crianças é a adaptação de romances clássicos como O médico e o monstro, Drácula e Frankenstein. Essas adaptações possuem linguagem mais ágil e a narrativa contada através de cartas, documentos ou diários é substituída pela utilização de um narrador em terceira pessoa. As descrições dos personagens e dos cenários rápidas e consomem poucas linhas, completamente diferente de seus originais. Esse artifício compromete as histórias, subtraindo muitas vezes o clima de tensão e terror característicos das três obras. Uma das adaptações desses clássicos é o livro Três terrores da coleção Três por tr3s13

O romance Drácula, nessa adaptação, tem a narrativa condensada, mas competente no início da história quando Jonathan Harker começa sua viagem até a Transilvânia para encontrar-se com o Conde Drácula. O desenrolar da história, o castelo

que contém adaptações de Drácula e de O médico e o monstro.

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do conde, o período que Jonathan era prisioneiro no castelo, os primeiros ataques do vampiro, a doença misteriosa da Srta. Lucy Westenra, a vinda do Doutor Van Hellsing e posteriormente a morte de Lucy, apesar de não ser rico em detalhes, mantém um bom ritmo de leitura. No entanto, a partir do momento que Mina Murray é mordida e vampirizada e começa a corrida do grupo de amigos contra o tempo para salvá-la e matar o vampiro, a adaptação adquire um ritmo muito mais rápido e tem-se a impressão de um final extremamente curto, com todos os problemas sendo selecionados de maneira brusca.

A adaptação se manteve fiel ao original, mas no final a emoção da perseguição ficou comprometida, não mantém o nível de tensão e não emociona da mesma maneira quando acompanhamos o grupo desesperado de amigos com a missão de salvar Mina na perseguição a Conde Drácula no romance de Bram Stoker. Mesmo com o final apressado, é uma ótima adaptação, se levarmos em conta que o romance tem aproximadamente 400 páginas enquanto a adaptação tem apenas 42.

No mesmo livro a adaptação de O médico e o monstro não perde tanto com relação ao original e também se compararmos com a adaptação de Drácula. O romance de Robert Louis Stevenson tem aproximadamente 70 páginas e uma trama com menos personagens, o que facilita uma adaptação da história. Nessa história aconteceu justamente o contrário do que ocorreu na adaptação de Drácula: o início da história não teve tantos detalhes, com descrições muito breves de cada personagem para no final dar bastante ênfase ao clímax da história, não devendo em nada em questão de mistério e tensão se compararmos com o original. O segredo é guardado até o último capítulo, com o desfecho assustador contado de forma eficiente.

Retomando os contos de fadas, outro livro que desempenha muito bem o papel de apresentar o gênero tanto dos contos maravilhosos quanto do terror é O grande livro das bruxas14

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TELLO, Antonio. O grande livro das bruxas. Belo Horizonte: Editora Leitura. 2009

, que mostra as bruxas dos contos maravilhosos como verdadeiras vilãs, perfeitos exemplos de maldade sem fim, dando maior destaque a elas. Nem todas têm aparência monstruosa, mas com certeza todas compartilham de uma personalidade maligna, querendo conquistar seus objetivos a qualquer custo. Em uma coletânea de treze contos, com elementos macabros que não foram amenizados, a bruxas do conto de Rapunzel, a bruxa da casa de doces de João e Maria, a feiticeira dos mares, Baba Yaga e

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tantas outras têm no livro apresentados seus poderes especiais e atos vis, onde moram e de que parte do mundo a lenda se originou.

O autor deixa bem claro que o livro mostra o mundo de apenas treze bruxas, “um mundo” que abriga um número infinito de bruxas. Entramos em um mundo obscuro que tem habitantes no Brasil e também na China, passando pela França e Rússia. No fim do livro, como uma conclusão, temos a mesma sensação que o livro “Monstro mania” nos passa: a dúvida sobre a veracidade de todos os fatos.

Para as bruxas, as épocas do ano são iguais, e elas aparecem em todos os lugares onde as estações brilham por sua ausência. (TELLO. 2009. p. 112)

O cinema se apropria de alguns elementos da literatura – não apenas de horror, outros gêneros são aproveitados - e também não é diferente com os longas-metragens de animação, que infelizmente ainda hoje são chamados de “filmes para crianças” ou, em uma forma mais leve, “desenho animado”. Um bom exemplo de história de terror é a animação A casa monstro15

Em frente à casa de um menino chamado DJ Walters, mora o esquisito e mal-encarado senhor Epaminondas em uma casa de madeira assustadora. O senhor Epaminondas odeia quando alguma criança pisa em sua calçada e expulsa qualquer um que chega perto do seu quintal.

, filme de 2006 e dirigido por Robert Zemeckis.

Quando por acidente a bola de basquete de Bocão, amigo de DJ, cai no gramado da casa do outro lado da rua, o senhor Epaminondas aparece e encara DJ, bem na hora que o menino tinha criado coragem para buscar a bola. Em um momento de raiva e descontrole, o senhor sofre um ataque cardíaco e é levado para o hospital. Depois desse evento a casa misteriosamente cria vida, torna-se hostil e continua atacando crianças e animais, mas apenas DJ e Bocão sabem disso e, apesar dos esforços, avisar os adultos sobre a aura maligna da casa era um absurdo. E, em mais um dia de intensiva vigilância, DJ e Bocão salvam Jenny, uma menina ruiva que tentava vender biscoitos, de um dos ataques da casa e assim formam um grupo com a missão de descobrir o mistério que envolve o senhor Epaminondas e a sua casa.

O filme revisita um tema que costuma ser utilizado com frequência em outras produções para o cinema e também em alguns livros: a casa mal-assombrada.

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Tendo uma característica em comum com as narrativas de terror, o que aconteceu no passado é muito importante, tendo consequências sérias no presente. É um segredo que é como um fantasma que assombra a vida do senhor Epaminondas.

A utilização da casa mal-assombrada como cenário é o exemplo de um lugar onde aconteceram e/ou podem acontecer coisas ruins, é o palco de eventos paranormais e possivelmente lar de fantasmas que, nas histórias de terror, sempre são malignos e querem fazer o mal para aqueles que por acaso invadiram seu espaço.

Vários lugares podem ser mal-assombrados: hotéis, parques de diversão, escolas, hospitais, cemitérios, etc., mas a casa é o único lugar onde qualquer pessoa se sente segura, protegida de todos os males do mundo. A boa ficção de terror mostra que não trancamos o mal no lado de fora, mas que estamos nos trancando com ele dentro de nossa casa. Em outra interpretação, a casa de uma pessoa é a extensão dela mesma, a degradação de um lar consequentemente acarreta na profanação daquele que vive no ambiente. Nas histórias de terror os cenários funcionam como espelhos das personagens, tendo a casa e a mobília como elementos que podem identificar as nuances de cada um, o que acontece com os habitantes da casa. Cores, arquitetura, quadros e objetos pessoais também ajudam a montar o quebra-cabeça que é cada personagem. No filme A casa monstro, a casa do senhor Epaminondas se transforma, torna-se uma criatura terrível e assustadora: ripas de madeira da frente da casa na varanda formam dentes ameaçadores, o tapete é a língua que captura suas vítimas, janelas com luzes do segundo piso da casa acesas são dois olhos que podem localizar qualquer intruso, as árvores do jardim são os braços fortes capazes de levantar um carro e galhos como dedos sinistros em busca de alimento para a casa. Como um ser vivo que tem sentimentos (a raiva sendo um dos mais primitivos) e também um coração, a casa deixa de ser apenas cenário da história para ser mais um dos personagens da trama, tamanha é a importância dela na história.

O filme soube mexer com vários clichês de filmes de terror e, mesmo assim, tem estética de filme para o público infantil (e não por causa da técnica usada). Ter um trio de protagonistas pré-adolescentes, com todas as suas dúvidas, inseguranças e tentativas frustradas aproxima o público.

Outro longa-metragem que usa como cenário um local mal-assombrado é o terror O orfanato. O filme conta a história de uma mulher que se muda para uma antiga casa que anos atrás tinha sido o orfanato em que ela havia morado com outras crianças durante a infância. A intenção dela era fazer da casa um centro de cuidados para

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crianças especiais, mas o local começa a ficar perigoso principalmente quando seu filho começa a se comunicar com os fantasmas que ainda estão pela casa.

A casa mal-assombrada nessa tensa e ao mesmo tempo delicada história de terror faz da casa um lugar amaldiçoado, assombrado por lembranças do passado que formam um elo com o tempo presente. Os segredos de anos que estavam guardados são como feridas que devem ser curadas, os acontecimentos que originaram tal perdição ecoam tendo fantasmas como elementos principais nessa trama. Em O orfanato todos os elementos de uma boa história de suspense aparecem no filme – mesmo aqueles que já vimos em outros filmes ou em romances – como crianças e seus amigos imaginários perigosos, aparições assustadoras e estranhos acontecimentos pela casa. Na trama fica clara a ameaça que o passado exerce sobre as vidas das pessoas, mesmo sendo uma história que além do terror tem uma grande carga de drama. Outras características interessantes são a presença constante de algo maligno na casa e também a aceitação da protagonista de presenças e por fim, seu destino em enfrentá-las.

O pequeno conto Bu!16também nos mostra como a nossa casa nem sempre é o lugar seguro onde podemos nos afastar de tudo que nos ameaça:

A menina não gostou nem um pouco quando seu pai teve de ir para Londres, e, pela primeira vez na vida, precisou dormir sozinha na velha casa. Ela foi para cama cedo. Trancou a porta com chave. Passou o ferrolho nas janelas e fechou as cortinas. Depois inspecionou o guarda-roupa e abriu a última gaveta da cômoda; ajoelhou-se e espiou embaixo da cama.

Então tirou a roupa e vestiu a camisola.

Levantou as pesadas cobertas de linho e subiu na cama. Não para ler, mas para tentar dormir – queria adormecer o mais depressa possível. Estendeu a mão e apagou a luz.

- Que bom – disse uma vozinha – Agora estamos trancados em segurança para passar a noite.

( CROSSLEY – HOLLAND. 2010. 126 )

O conto é ao mesmo tempo assustador e cômico. A menina se prepara para dormir, fecha todas as portas e janelas, se certifica se não tem ninguém embaixo da

16 CROSSLEY-HOLLAND. Encantamento – Contos de fadas, fantasma e magia. São Paulo: Companhia

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cama, verifica todas as gavetas e quando fica satisfeita quanto à segurança da casa, vai se deitar. Na história acompanhamos a menina, sabemos que toda a casa está fechada após tantas fechaduras serem revistadas e tudo leva a crer que o ambiente é seguro. Então no escuro, quando a menina ouve a vozinha (e estando no escuro pode-se imaginar qualquer forma para a criatura ou talvez nem imaginar um corpo para ela) o terror se instala, já que ela está presa com algo que não sabe o que é e nem como entrou lá. O final, com apenas a voz dizendo que gostava de ficar fazendo companhia para a menina no confortável ambiente do quarto, é a total quebra de expectativa, um acontecimento imprevisível.

Todo o texto leva o leitor para uma atmosfera de segurança que é despedaçada nas duas últimas linhas. Não solucionar o problema, deixando em aberto o que poderia acontecer, arrebata o leitor causando-lhe as sensações de terror, insegurança e, em outra interpretação, resignação em se tornar a vítima de algo maligno.

2.2 Pequenos heróis

Os protagonistas de histórias de terror para crianças, de uma maneira ou de outra, enfrentam perigos e criaturas malignas, constantemente correndo perigo de morte. Apesar de toda a atmosfera de medo e, de início, esses protagonistas sentirem pavor pela situação assustadora que estão para enfrentar, eles precisam de coragem para vencer o inimigo.

Não teria como falar de medo sem falar de coragem, falar de perigos sem ter uma maneira de enfrentá-los e destruí-los. Por maior que sejam os monstros, é praticamente uma regra que o protagonista vai vencer o mal no final da história. Trata-se de trabalhar o medo e também uma forma de lidar com diversos desafios, mostrando por entre as linhas do texto para o jovem leitor que se pode vencer o que está assustando o protagonista na história por mais temível que seja. Assim está sendo trabalhada de forma implícita a autoestima. É a literatura ajudando a solucionar problemas que podem surgir na vida real, depois que o livro é fechado.

Mais uma vez voltando a mencionar os contos de fadas, algumas personagens enfrentam várias dificuldades até chegar ao final feliz. Mesmo os contos que tem final trágico, “A pequena vendedora de fósforos” de Hans Christian Andersen, por exemplo, mostra que o leitor não necessariamente terá o mesmo futuro da menina.

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Muito se discute sobre a violência na produção para crianças, mas alguns poucos estudos dizem que crianças, adolescentes e até adultos podem viver a emoção e a violência de faz-de-conta fazendo uma verdadeira catarse de algumas de suas experiências emocionais mais fortes. As personagens dos livros tornam-se modelos para dramatizar fantasias agressivas, não são incorporadas pelos leitores de forma passiva, elas (as personagens) são adaptadas às preferências e necessidades de cada leitor.

Não apenas a literatura, mas games de atirar, letras de raps , séries em animação como Pokémon, tudo se transforma em ferramenta para que pais e mestres ajudem os jovens a se sentirem mais fortes, a acalmarem seus medos e a aprenderem mais a respeito de si mesmos. Gerard Jones pesquisa, em seu interessante livro Brincando de matar monstros – Por que as crianças precisam de fantasia, videogames e violência de faz-de-conta17

Protagonistas normalmente têm suas personalidades modificadas quando algo de anormal acontece em suas vidas. Se pudéssemos fazer uma comparação, eles se tornam os heróis sem medo dos clássicos romances de cavalaria. Um jovem leitor, quando encontra esse tipo de literatura, tem a chance de fantasiar baseando-se na narrativa, podendo imaginar o que quiser sem limites. Cabe ao adulto responsável mostrar que pensar e fazer

Mas nem todas as crianças agem da mesma maneira: algumas reagem violentamente a certos estímulos e outras não. Jovens mais agressivos são inclinados a assistir programas de ação, ouvir músicas nervosas e jogar games de combate, precisando assim dar forma a seus sentimentos agressivos.

são bem diferentes um do outro e deixar que a criança possa discernir o que é a realidade e o que é a ficção. Uma boa maneira de trabalhar a literatura é deixar que os leitores vivam livremente a fantasia, não deixando de ensinar-lhes o que é a realidade.

Na contramão das histórias de monstros violentos e sanguinários que aterrorizam os pequenos protagonistas, existem livros que insistem em mostrar essas criaturas sobrenaturais de maneira demasiadamente ingênua, tirando assim toda a carga de terror desses personagens. Muitos são os livros que falam de “monstrinhos”, 2.3 Monstros que não são assustadores

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“fantasminhas” ou “bruxinhas” e, por ter monstros cheios de bondade descaracterizam completamente essas figuras tão conhecidas.

Um bom exemplo de livro, que apesar de não poder ser classificado como do gênero de terror, mas que apresenta de forma competente alguns monstros é O livro dos monstros!18

Um dos seis contos, entitulado “A garota sem medo”, da África do Sul, conta a história de uma princesinha que desrespeita a mãe dos monstros e, por conta disso, o grande monstro de olhos saltados e boca enorme sai do rio onde mora e devora todos os animais e humanos que encontra pela frente. Nesse banquete que parece não ter fim o monstro come o gado e os dois filhos de um caçador muito corajoso que, quando chega até a sua casa e vê tudo destruído, decide matar o monstro que tinha causado toda a confusão.

. O livro é uma pequena compilação de seis contos maravilhosos onde nem todos os monstros são maus, alguns são apenas incompreendidos. Como qualquer conto maravilhoso, os monstros são criaturas sobrenaturais que interagem com os seres humanos.

As lendas recontadas no livro mostram outro lado que os monstros podem ter: alguns deles tem medo dos humanos, e outros podem ser enganados por suas possíveis vítimas. Na tradição dos contos que mostram o mais fraco vencendo o mais forte, no livro também aparecem personagens corajosas que usam a esperteza ao invés da força bruta e assim vencem seus medos: o casal de namorados que amolece o coração de um monstro que estava disposto a devorá-los e a princesa que faz o gigante ogro emplumado dormir com uma de suas belas canções para fugir com seu salvador e futuro marido.

No campo dos contos populares brasileiros de terror, o livro Contos de enganar a morte19

Os contos têm muitos elementos parecidos com os contos maravilhosos europeus, mas aqui no Brasil as personagens são simples, algumas procurando melhorar de vida, buscando maneiras de ganhar dinheiro ou viajar o mundo e sempre com a preocupação em ter comida na mesa. O que é sobrenatural aparece na figura da morte, é uma pequena compilação de quatro contos de um dos personagens mais interessantes das narrativas de horror: a Morte. Nos contos a presença da morte não é assustadora, é até engraçada.As personagens tentam enganar a morte utilizando-se de vários artifícios para não serem levadas por ela.

18 PARNELL, Fran. O livro dos monstros! São Paulo: Companhia das letrinhas. 2011 19

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podendo ser um vulto ou uma pessoa bem idosa. A morte é mostrada como uma entidade que é justa, levando qualquer um sendo rico ou pobre, com algum cargo importante ou não, mas mesmo assim sendo tão honesta em seu ofício, ela tem dificuldades em executar seu trabalho, já que as pessoas dificilmente aceitam o fato de que têm que morrer.

O interessante no livro é que a morte não é retratada como uma vilã: ela leva quem tiver que ir para o mundo dos mortos porque é algo muito natural. Em um dos contos, após ser enganada por um homem que a fez subir em uma figueira para depois não conseguir mais descer por conta de um feitiço, ela grita desesperada e inconformada, reclamando que só estava fazendo o trabalho dela, que pessoas que nunca morrem são contra a natureza. Todo o discurso sobre a ordem natural do mundo faz sentido, pessoas tm que morrer para dar lugar às que vão nascer. Outro ponto interessante a ser comentado é que em nenhum dos contos a morte está ligada à ideia de dor. A morte leva as pessoas porque afinal é a única certeza que todo ser humano tem. A morte pode ser enganada e contrariada, mas ela sempre encontra uma maneira de voltar e resolver o assunto que está pendente. Os tratos com a morte são recorrentes nos contos e, por acreditar nas pessoas (ou por vezes ser obrigada a concordar com os termos das negociações) ela constantemente tem um trabalho extra. O livro tem a proposta de falar sobre a morte, um tema delicado para o público infanto-juvenil, mas que deve ser apresentado. A leitura está longe de ser assustadora, pelo contrário, é bem leve, divertida e descontraída.

Onde vivem os monstros20 também não é uma história de terror, mas tem monstros que à primeira vista podem ser assustadores, mas depois se mostram brincalhões. Em poucas linhas nos é contada a história de Max, um menino fantasiado de lobo que, depois de fazer malcriações, fica de castigo. No quarto as árvores crescem e pela janela o menino pode ver o mar e um veleiro que o leva para a terra onde monstros vivem. Lá Max se torna o rei de todos os monstros, com a única ordem de se divertir até cansar, quando decide voltar para casa. O filme21

20 SENDAK, Maurice. Onde vivem os monstros. São Paulo: Cosac naify. 2009.

inspirado no livro se aprofunda na viagem do pequeno Max, tendo a infância como pano de fundo, assim como a necessidade de aceitação e a vontade de estar inserido em um mundo de amor e compreensão. Os monstros podem ser apenas criaturas que se tornam servos do rei Max mas, em outra interpretação, podem ser a materialização da imaginação do menino, que

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transporta para esse mundo de fantasia seus problemas e frustrações. Prova disso são as constantes brigas entre os monstros e as tentativas de Max de controlar tudo da melhor maneira sem ferir ninguém. O filme tem uma visão séria e até um pouco melancólica do que é a infância, com o menino e também os monstros sempre pedindo atenção para mostrar para os outros o que eles podem fazer. Isso qualquer criança faz. Tanto no livro quanto no filme os monstros não estão na ilha distante para assustar ou serem enganados pelo menino, mas sim para mostrá-lo como se deve lidar com algum problema, não apenas fugir dele.

No divertido e criativo longa em animação Monstros S.A.22

Outra animação, dessa vez uma série francesa que teve em duas temporadas 117 capítulos e que utiliza o gênero de terror de maneira primorosa, é Ernest, o vampiro. Na história, Ernest é um vampiro que tem vários pesadelos, uns assustadores e outros nem tanto. O grande artifício utilizado pela animação é o clima sombrio causado por cores que passeiam pelos tons cinzentos, pouquíssimas vezes passando para os tons de terra e vermelhos. Outro destaque é o som, já que os curtos episódios são mudos, deixando para a música o papel de transportar o espectador para um mundo desconhecido e assustador. Ernest é um vampiro que sempre acorda assustado por conta

há uma brincadeira com os tão assustadores monstros que moram nos armários: no filme eles têm verdadeiro pavor de crianças. Quando uma porta é deixada aberta e uma menininha de três anos invade a cidade dos monstros, a confusão toma grandes proporções, deixando clara a ideia que os monstros tinham que qualquer criança seria muito perigosa por ser tóxica. Mike e Sully são os melhores na arte de assustar crianças na empresa Monstros S.A., eles são trabalhadores como qualquer adulto no mundo dos humanos, e se veem em um jogo de perseguição com o grupo responsável por expulsar invasores de Monstrópolis, a Agência de Detecção de Crianças. Os dois monstros tentam de qualquer maneira proteger a menina ao mesmo tempo em que começam a se afeiçoar por ela. Nesse filme temos uma história leve sobre monstros, que tem como argumento o medo que as crianças têm do escuro, de portas de armários abertas. A expectativa é quebrada quando nos deparamos com monstros que são medrosos, ou seja, tem as mesmas características humanas de autopreservação.

22 Monstros S.A. Dir. Peter Docter, David Silverman e Lee Unkrich. Estúdios Disney / Pixar. 2001. 92

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de seus pesadelos, o que já é uma quebra de expectativa já que espera-se que criaturas sobrenaturais tão temidas quanto os vampiros não tenham medo de nada.

2.4 Livros e monstros

Mesmo com tantos exemplos citados na pesquisa, ainda se faz necessário o estudo um pouco mais aprofundado sobre algumas obras que lidam com o terror para crianças destacando elementos de horror seja na narrativa ou nas ilustrações. Os cincos livros que servem como corpus para essa monografia tem as características descritas nas páginas anteriores, mas sem perder o humor que é uma maneira de aliviar a tensão da história.

2.4.1 Os lobos dentro das paredes

O livro Os lobos dentro das paredes23

Um trecho dá a noção de que Lucy estava sozinha nessa situação. Não apenas a mãe, mas o pai e o irmão dizem que “se os lobos saírem de dentro da parede está tudo acabado”. É uma frase simples, mas que ao mesmo tempo tem muito significado. Como se fosse a anunciação de uma tragédia, um evento espetacular que todos deveriam se preparar.

é um bom exemplo de livro de terror para crianças. Neil Gaiman, em seus livros para crianças, é conhecido por tratar de temas que não são muito explorados em narrativas para esse tipo de público. No caso de Os lobos dentro das paredes, temos a história de Lucy, que mora com seus pais e irmão em um casarão antigo. A menina começa a ouvir estranhos ruídos e tenta alertar a família sobre o perigo em ter lobos andando, arranhando e tramando planos malignos enquanto ficavam dentro das paredes do casarão. Apesar das outras três pessoas conhecerem histórias sobre lobos, ninguém acredita em Lucy.

Não – disse a mãe. – Não existem lobos dentro das paredes. - Você deve estar ouvindo camundongos. Eu acho.

- Lobos – insistiu Lucy.

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- Tenho certeza de que não são lobos – replicou a mãe. – E depois você sabe o que dizem... Se os lobos saírem de dentro da parede está tudo acabado.

- O que está acabado? – perguntou Lucy? - Tudo – disse a mãe. – Todo mundo sabe disso. (GAIMAN, 2003, p. 13)

Gaiman trabalha com a sensação de insegurança, já que a menina tem a impressão de estar sendo observada todo o tempo. O que agrava mais a situação é saber que ninguém faz nada para ajudá-la. O que resta é esperar pelo pior, já que a sua própria casa não é mais sinônimo de proteção.

O velho casarão não é o típico cenário de história de terror onde temos casas mal-assombradas com maldições, armadilhas mortais e segredos, mas os barulhos que saem das paredes podem ter uma conexão com acontecimentos ligados a presenças malignas que vemos em vários livros de literatura adulta de terror.

Quanto aos lobos, que seriam os monstros que amedrontam a menina Lucy na história, quando finalmente saem das paredes e invadem a casa, fazem uma grande bagunça e expulsam a família. Todos fogem correndo desesperados para o jardim, tarde demais para que se arrependessem de não terem acreditado em Lucy quando ela tentava avisá-los. Os lobos não têm atitudes violentas, não tentam devorar os moradores ou qualquer outras maldade característica dos vilões, o que eles fazem de tão grave – e o fazem muito bem – é destruir a casa comendo tudo que havia na despensa, fazendo festa, vendo televisão no máximo volume, usando as melhores roupas das pessoas, dormindo profundamente nas camas e arrumando várias outras confusões. O mais assustador no livro é ver a casa ser tomada pelas criaturas que trazem o caos, a menina perceber que tudo que era seu a partir daquele momento pertenceria aos lobos, que ela tinha sido tirada de sua casa e teria que viver em outro lugar bem longe para fugir dos lobos.

Mas como heroína de história de terror infantil, Lucy tem a coragem de resgatar seu porquinho de pelúcia e depois de expulsar os lobos, fazendo com que seus pai e irmão desistissem da ideia de morar em um lugar distante. O que acontece depois é bem interessante: uma vez que eles são fortes e decididos o bastante para mandar os lobos irem embora, os animais ficam com medo deles, correndo pela casa e fugindo para um lugar que ninguém sabe onde fica. No fim de tudo, os monstros não são tão assustadores quando decidimos enfrentá-los. Há uma inversão de papéis: o que causava medo não causa mais e o que vivia assustado não vive da mesma maneira.

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A família precisou de dias para que pudesse arrumar a casa, deixá-la da melhor maneira possível como tinha sido antes, mas pelo menos eles tinham recuperado a casa. Não há nenhuma necessidade de explicação para o aparecimento dos lobos e o que deixa a história mais próxima dos leitores é o acompanhamento da luta da menina para proteger sua casa dos invasores.

Lucy, com sua esperteza e temperamento decidido faz lembrar outra personagem criada por Neil Gaiman: Coraline, do livro homônimo24

As ilustrações com autoria de Dave McKean, colaborador de Neil Gaiman em vários outros trabalhos, são sombrias e com traços angulares, com muitas pontas que deixam com um ar assustador e sinistro todos os seus trabalhos, indo na direção contrária de ilustrações extremamente coloridas para livros infantis. McKean usa várias técnicas nas ilustrações e faz ótimo uso da técnica mista no livro. Os lobos, por exemplo, têm um tratamento totalmente diferenciado do restante dos personagens no livro, sendo representados de maneira deformada em ágeis traços de nanquim. A fotografia também está presente como alguns elementos das ilustrações: o porquinho de pelúcia, os potes de geleia, as mãos de Lucy e a tuba do pai. A arte complementa a história de Gaiman que foge dos padrões da literatura para crianças.

. As duas meninas enfrentam forças misteriosas para recuperar o lar e a companhia da família. Perder os pais e a casa, onde acreditamos ser um lugar de paz e carinho, é um pensamento capaz de causar arrepios em qualquer criança.

Com um papel muito importante na condução da narrativa, o livro tem páginas fragmentadas com blocos que parecem histórias em quadrinhos e também páginas duplas. As cores do livro mudam para demonstrar o pandemônio causado pelos lobos, assim como quando os personagens dormem no quintal. A ilustração não compromete a mancha gráfica, o que vemos aqui é um perfeito casamento entre figura e texto. Os diálogos podem aparecer dentro de balões riscados na ilustração ou em blocos inclinados em determinadas partes do texto, nunca em vão. Quando Lucy ouve os ruídos dos lobos, com a cabeça encostada na parede para ouvir melhor, o texto está justamente onde os lobos poderiam estar. Em momentos de mais ação, como a festa dos lobos com música alta e muita comida espalhada, ou quando a família se prepara para ter de volta sua casa antes de atacar os invasores, algumas palavras ficam em negrito ou em um número de fonte maior para que o leitor tenha outro entendimento, como se certos

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personagens gritassem. Tudo pensado com cuidado, sem exageros e muito eficaz. A mancha gráfica e as ilustrações acompanham a história, tendo como resultado um livro que assusta, diverte e de maneira sutil mostra como uma menina conseguiu lidar com os terríveis lobos que poderiam destruir qualquer lugar para onde eles fossem.

2.4.2 As bruxas

O livro As bruxas25

O livro não é basicamente uma história de terror, mas o modo como Dahl descreve as bruxas faz com que elas fiquem realmente assustadoras. Um menino começa a entender sobre o perigo que essas mulheres representam através das histórias que sua avó conta: são histórias de crianças que foram amaldiçoadas e maneiras de identificar uma bruxa são coisas que o menino acaba aprendendo e, por coincidência, ele acaba por encontrar essas mulheres perigosas. Narrado em primeira pessoa e com descrições detalhadas sobre os rostos, corpos e hábitos das bruxas, o livro pode ser também um guia para um bruxólogo (aquele que estuda a vida das bruxas, como explicado no livro).

tem o conhecido estilo literário de Roald Dahl, com situações engraçadas, heróis inteligentes e alguns adultos comportando-se como idiotas. Dahl se apropria das bruxas, personagens mais temíveis de qualquer folclore e as transforma em mulheres extremamente más, sádicas, feias e mortais. Verdadeiras máquinas de matar crianças. Na pequena introdução do livro podemos ler algumas dicas sobre como são as bruxas, o que elas costumam vestir para disfarçar suas deformações, hábitos, o que elas fazem para matar crianças, o que fazer para se proteger de suas maldades e muitos outros hábitos. Esse texto serve como um rápido guia de sobrevivências se por acaso alguma criança se deparar com uma delas. A introdução tem o propósito de preparar o leitor para a história que vem a seguir.

Com muita aventura e situações inusitadas, o livro tem algo que é muito importante na narrativa de terror para crianças: o protagonista tem que vencer seus próprios medos e assim destruir o monstro que representa a ameaça para sua existência e a de pessoas queridas, tendo assim a coragem necessária para completar a missão. A idade do menino (sete anos) e o fato de ele não ter um nome aproximam-no de qualquer jovem leitor.

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Referências

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