TERAPIA
DO ESQUEMA
EMOCIONAL
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) L434 Leahy, Robert L.
Terapia do esquema emocional / Robert L. Leahy ; tradu-ção Carolina Gaio ; revisão técnica Irismar Reis de Oliveira. — Novo Hamburgo : Sinopsys Editora, 2021.
152 p. ; 21 cm. – (Série Características Distintivas) Tradução de: Emotional Schema Therapy
ISBN 978-65-5571-026-7
...1. Psicologia cognitiva. 2. Terapia cognitivo-comporta- mental. I. Título. II. Série. III. Gaio, Carolina. IV. Oliveira, Irismar Reis de.
CDU 615.851 Bibliotecária responsável: Vanessa Levati Biff — CRB 10/2454
2021
Robert L. Leahy
Tradução
Carolina Gaio
Revisão técnica
Irismar Reis de Oliveira
TERAPIA
DO ESQUEMA
EMOCIONAL
Obra originalmente publicada sob o título
Emotional Schema Therapy: Distinctive Features, 2019
Robert L. Leahy All Rights Reserved
Authorised translation from the English language edition
published by Routledge, a member of the Taylor & Francis Group. Supervisão editorial: Ricardo Gusmão
Editora: Paola Araújo de Oliveira
Assistente editorial: Vitória Duarte Martinez Capa: Márcio Monticelli
Preparação de originais: Razzah Publishers Editoração: Razzah Publishers
Todos os direitos reservados à
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Robert L. Leahy, PhD, é diretor do American Institute for Cognitive Therapy, em Nova York, e professor de psicologia clínica do Departa-mento de Psiquiatria do Weill Cornell Medical College. Sua pesquisa se concentra nas diferenças particulares da regulação emocional.
O modelo do esquema emocional... Da cognição à emoção... As emoções são multifacetadas... Adaptação evolutiva e emoções... Construção social da emoção... As emoções são um objeto de cognição... As crenças sobre emoções refletem vieses cognitivos... Catorze dimensões dos esquemas emocionais... Como os outros respondem às nossas emoções... Previsão afetiva... Normalizando e patologizando as emoções... Metáforas de inclusão de emoções... Perfeccionismo emocional... Identificando estratégias de regulação emocional mal-adaptativas... Socialização emocional... Esquemas emocionais na terapia... Parte 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 9 11 19 23 25 27 33 35 41 45 51 55 61 65 69 73
Sumário
Sumário
Modificando esquemas emocionais... Identificando e avaliando as teorias de causa e mudança.... Estratégias adaptativas de regulação emocional... Conceituação de caso... Expressão de emoções... Validação, autovalidação e autocompaixão... Estratégias problemáticas na busca de validação... As emoções são universais... Culpa e vergonha... As emoções não são permanentes... Escalada e controle... Fortalecimento pessoal... Tolerância à ambivalência e à complexidade... Relação das emoções com os valores... Esquemas emocionais interpessoais... Pesquisa sobre esquemas emocionais... Referências... Índice... Parte 2 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 75 77 83 87 91 99 103 107 111 115 119 123 127 131 135 139 143 149 VIII
O MODELO
DO ESQUEMA
EMOCIONAL
DA COGNIÇÃO À EMOÇÃO
Quando refleti sobre a forma como cheguei ao ponto de desenvolver um modelo de esquemas emocionais, comecei a pensar na longa jornada que pareço fazer em termos de ideias e sentimentos em relação à psicoterapia. Como muitas pessoas da minha geração, comecei como um acólito apaixo-nado pelo pensamento psicanalítico, lendo quase todos os livros que Freud publicou, até mesmo imaginando que minhas interpretações das manchas de tinta de Rorschach e outras técnicas projetivas lançariam luz sobre as brechas internas das almas das pessoas que testei. Durante três anos na faculdade, estudei literatura inglesa, o que significa que fui exposto às grandes tradições da literatura ocidental e, para mim, à natureza especial da visão trágica. Não foi apenas Shakespeare que me fascinou, mas também o gênero trágico da literatura grega e sua mensagem de condenação inesperada, mesmo para os nobres e poderosos. Encontrei-me fascinado pela visão trágica que Unamuno descreveu e com a complexidade dos personagens e dos destinos nos roman-ces de Dostoiévski. O pensamento psicanalítico parecia confortável com as forças culturais que me encantavam e pareciam ter uma resposta para tudo.
Mas então, na pós-graduação, a realidade se estabeleceu para mim e co-mecei a ler mais sobre as pesquisas, um tanto limitadas daquela época, sobre a eficácia da terapia psicodinâmica e a falta de confiabilidade dos testes psi-codiagnósticos. Era altamente desolador, e fiquei menos apaixonado, even-tualmente desiludido. Voltei meu interesse para a crescente pesquisa e teoria sobre cognição social.
As pesquisas sobre cognição social demonstraram que muitas vezes somos enviesados em nossas percepções pelos esquemas que empregamos, nossas explicações de desempenho, que seguem um paradigma de atribuição, e nos-sas inferências de traços, que muitas vezes são determinadas se estivermos
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servando ou agindo. Por exemplo, explicamos o comportamento de pessoas que observamos inferindo traços, enquanto somos mais propensos a explicar nosso próprio comportamento pela situação específica — isso é conhecido como o viés do “ator-observador”. Essa tradição psicossocial deve muito ao trabalho preliminar de Fritz Heider (1958) e dos que o endossaram nas dé-cadas de 1970 e de 1980. O modelo de atribuição, desenvolvido por Wei-ner e posteriormente aplicado à depressão por Seligman, Alloy e Abramson, foi uma consequência direta do campo da cognição social que descreveu os processos que usamos para inferir intenção e outros processos psicológicos em outras pessoas. Essa foi a base da cognição social, que hoje tem outros nomes — “teoria da mente”, ou “metacognição” — mas deve sua inspira-ção aos trabalhos anteriores desenvolvidos em psicologia social. Ao mesmo tempo, participei de pesquisas sobre cognição social de desenvolvimento, in-fluenciado pelo trabalho maduro e pelo modelo construtivista proposto por Jean Piaget. Meu modelo pregava que as pessoas “constroem” aspectos de sua experiência social, às vezes em uma sequência de desenvolvimento. Eu estava pesquisando sobre como crianças e adultos “constroem” a desigualdade social — como eles explicam, justificam ou desafiam a desigualdade econômica e inferem traços nos outros.
Quando li Beck e Ellis pela primeira vez, no final da década de 1970, fiquei impressionado com o quão sensata e poderosa era sua abordagem para compreender e tratar a depressão e a ansiedade. Essa abordagem “racional” apelou para a parte lógica da minha mente — permitiu-me recorrer à minha formação em filosofia analítica e lógica argumentativa, e parecia capacitar tanto o paciente quanto o terapeuta. Isso me atraiu de volta ao trabalho clí-nico e — como muitas pessoas que “encontram a resposta” — me tornei um devoto. O modelo cognitivo também parecia coerente com o que eu vinha trabalhando em cognição social — em particular, a ênfase no processamento esquemático, que era um processo bem estabelecido no campo da cognição e da cognição social. Senti que havia encontrado a resposta. Mais tarde, perce-bi que tal resposta me levou a fazer mais perguntas.
Eu não tinha certeza se deveria continuar com as pesquisas acadêmicas ou buscar trabalho clínico. Então, em uma tarde triste, enquanto estava no meu escritório em Vancouver, na University of British Columbia, recebi um
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telefonema de Sara Sparrow, do Yale Child Study Center — antiga amiga dos meus dias de Yale — avisando que nosso amigo e colega, Dave, havia cometido suicídio. Dave era pesquisador associado de Yale, colaborador em pesquisas e um amigo próximo. Fiquei destruído, sobrecarregado, confuso e até com raiva, e eu soube, com o passar dos dias, que gostaria de traba-lhar com pessoas que lutavam contra os demônios sombrios da depressão. Eu queria me certificar de que alguém como meu amado amigo teria uma saída. É importante notar que a tragédia me ajudou a tomar um rumo que deu maior significado ao meu trabalho. Nunca me arrependi dessa decisão. Decidi fazer um treinamento intensivo com Beck no Center for Cognitive Therapy na University of Pennsylvania.
Abordagens anteriores à terapia cognitiva
Durante os primeiros anos do meu trabalho em terapia cognitivo-comporta-mental (TCC), eu seguia um estilo de terapia cognitiva focado em técnicas, despejando uma técnica após a outra. Muitos dos meus pacientes melhora-ram, mas também comecei a perceber que estava dando murro em ponta de faca com alguns deles. Em vez de avançar com mais técnicas, decidi parar e ouvi-los, para entender os motivos de sua resposta nada positiva. Também ouvi os críticos da terapia cognitiva. Isso incluía quem dizia que não lidamos com resistência, transferência, contratransferência, experiência da primeira infância, inconsciente ou emoções. Como qualquer acólito e seguidor dedi-cado de uma “causa” ou “movimento”, a princípio fiquei na defensiva, rejei-tando essas críticas. Mas no fundo da minha mente, eu pensava: “Talvez eles tenham razão”.
Em vez de rejeitar de imediato as críticas à TCC, considerei-as como boas oportunidades para expandir o escopo da terapia cognitiva. Escrevi e editei livros sobre esses tópicos, incluindo Superando a resistência em terapia
cogni-tiva, The therapeutic relationship in the cognitive behavioural psychotherapies, Roadblocks in cognitive-behavioural therapy e Treatment resistant anxiety disor-ders. Como eu entendia as emoções como uma questão central na terapia,
escrevi dois livros sobre elas: Regulação emocional em psicoterapia e Terapia do
esquema emocional. Quando os críticos da TCC tentam retratar nossa
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Junto com o trabalho sofisticado sobre transtornos de personalidade e con-ceituação de caso, de Aaron Beck, Judy Beck, Art Freeman, Denise Davis, Jeffrey Young, Arnoud Arntz, Jackie Persons, Christine Padesky e William Kuyken, acho que a abordagem da TCC conta com modelos poderosos e complexos por abordar as muitas questões que antes eram vistas como domí-nio reservado da terapia psicodinâmica. O modelo cognitivo tem potencial para integrar pesquisa e teoria da psicologia evolucionista, socialização, teoria do apego, neuropsicologia, cognição social, teoria da personalidade, previsão de afeto, teoria da regulação emocional e outros modelos. Em certo sentido, acho que estamos apenas começando a expandir nosso trabalho para um modelo mais sofisticado de funcionamento humano.
O papel das emoções é uma parte importante disso. Meu interesse por elas sempre existiu, mas algumas observações e experiências foram decisivas. Muitos anos atrás, quando minha mãe morreu, repentinamente, de hemor-ragia cerebral, eu estava falando ao telefone com um colega da TCC. Ao falar com ele, comecei a chorar, e ele comentou: “É interessante que, quando adulto, eu nunca chorei”. Eu sabia que ele também estava me validando e se preocupando comigo, mas seu comentário refletia uma peça que faltava no modelo da TCC da época. E essa é a experiência da perda inevitável, da tragédia e da validade da dor e do sofrimento. Isso me lembrou de algo que li em Do sentimento trágico da vida, de Miguel de Unamuno. Sua narrativa compara as visões pragmáticas e trágicas da vida. Um velho está sentado à beira da estrada chorando, e surge um jovem que comenta: “Por que você chora?”. O velho responde com tristeza: “Choro pela morte do meu filho”. O jovem diz: “Por que você chora? Chorar não muda nada”. O velho reflete: “Choro exatamente por isso”. E Unamuno continua e observa que devemos aprender a “chorar os males — não apenas os curar”. A tragédia é sofrimento compartilhado, é a validade da dor que machuca; e faz parte da dor necessá-ria de uma vida plenamente experimentada.
Em vez de pensar que o objetivo é “se sentir bem”, devemos aprender que encontrar sentido envolve a capacidade de sentir tudo. É impossível viver uma vida profunda e significativa, com apegos e perdas, sem experimentar toda a gama de emoções. Todos nós sentiremos raiva, ansiedade, tristeza, ciú-me, inveja, desamparo e desesperança. Mas é nossa resposta a essas emoções
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que determinará se usamos tais experiências de maneira eficaz ou se tentamos escapar das emoções inerentes.
Avanços recentes da terapia cognitivo-comportamental
Nos últimos anos, avanços foram feitos na TCC que abordam como os indi-víduos podem lidar com emoções difíceis. Os modelos cognitivo-comporta-mentais mais importantes agora abordam a complexidade de todos os níveis de emoções e de seu processamento, oferecendo uma abordagem transdiag-nóstica baseada em processos, não nas categorias do Manual diagnóstico e
es-tatístico dos transtornos mentais (DSM) (Hayes & Hofmann, 2018; Hofmann,
2015). A terapia de aceitação e compromisso (ACT), com a ênfase em
mind-fulness, acentua a relação que o indivíduo tem com seus pensamentos e
emo-ções, em vez do conteúdo dos pensamentos que as originam (Hayes, Strosahl et al., 2011). O modelo da ACT também enfatiza o papel dos valores no esclarecimento dos propósitos que nos permitem tolerar a frustração e des-conforto enquanto buscamos sentido em nossas vidas. O modelo da terapia do esquema emocional, em inglês, emotional schema therapy (EST), baseia-se em algumas das ideias da ACT, mas o que apresento se relaciona mais à des-crição da teoria da emoção do indivíduo e à teoria da regulação emocional (Leahy, 2015; 2018). É um modelo cognitivo sobre a forma como as pes-soas pensam e respondem às suas emoções, mas utiliza estratégias consistentes com a ACT. Outro modelo relevante é o da terapia comportamental dialética (DBT, do inglês dialectical behavior therapy), que foca habilidades de regula-ção emocional e comportamental e auxilia os pacientes a reconhecerem seus “mitos” sobre as emoções (Linehan, 1993). Novamente, a EST reconhece e incorpora muitas dessas ideias e técnicas, mas o modelo da DBT não é, em si, focado na forma como as pessoas pensam sobre as emoções, as avaliam, as explicam ou as valorizam. O modelo metacognitivo desenvolvido por Wells é o que se relaciona mais diretamente com a EST, com sua ênfase na síndrome atencional cognitiva, em inglês, cognitive atentional syndrome (CAS), na qual os indivíduos se fixam em seus pensamentos, tentando controlar ou suprimir pensamentos indesejados, e, assim, perpetuam um ciclo de preocupação ou de ruminação (Wells, 2000). Pode-se ver o modelo da EST como tendo algumas semelhanças estruturais com o modelo metacognitivo, mas sua ênfase está nas
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emoções, não nos pensamentos, uma vez que eles estão ligados a valores, com-portamentos e ao funcionamento interpessoal. Como tal, o conteúdo da EST baseia-se em uma elaborada “teoria ingênua” sustentada pelos pacientes sobre a avaliação das emoções, da vergonha e da culpa, sobre o papel da expressão e da validação, e sobre a normalização das experiências emocionais (Leahy, 2015). E, é claro, o valioso trabalho de Paul Gilbert sobre a terapia focada na compaixão (CFT) moveu a TCC na direção dos efeitos calmantes e curativos de ativar as emoções de apego que muitas vezes fazem parte da compaixão — cuidar, nutrir, aceitar e criar segurança (Gilbert, 2009). Certamente, o modelo da CFT tem um valor considerável ao abordar crenças e estratégias negativas a respeito das emoções. E, finalmente, a terapia focada na emoção, de Greenberg, enriquece nossa compreensão de que as emoções podem “con-ter” informações sobre nossas necessidades, intenções e pensamentos, e que a elaboração de emoções primárias e secundárias pode aprofundar o significado da terapia (Greenberg, 2002).
Por mais que eu valorize o importante trabalho da psicologia positiva, não devemos confundir isso com a ausência de sentimentos dolorosos. É esse reconhecimento que me levou a desenvolver um modelo de “esquemas emo-cionais” — isto é, um modelo de como pensamos sobre nossas emoções, as avaliamos e lidamos com elas. Dessa perspectiva, as emoções são um “dado” ao qual respondemos. Por exemplo, “dado” que estou triste, o que penso dessa tristeza? Acho que faz sentido, acredito que vai durar para sempre, acho que não tenho controle sobre meu humor, sinto vergonha da minha tristeza e acho que ninguém poderia me entender? Quais estratégias de regulação emocional invoco? Tento evitar situações que me lembrem da minha tristeza? Bebo, uso drogas ou desconto na comida para suprimir aquela sensação que não suporto? Ou aceito a tristeza como algo que atravessarei no momento, algo que passará e com o qual posso aprender?
No meu livro Terapia do esquema emocional (Leahy, 2015), revisei a his-tória de como a emoção tem sido vista na filosofia e na cultura ocidentais, oscilando entre o status privilegiado da racionalidade na filosofia analítica socrática, estoica e britânica e, em contraste, a sua importância na tragédia, no existencialismo e na tradição romântica. Também revisei as mudanças na socialização da emoção na sociedade ocidental ao longo dos últimos séculos,
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com maior ênfase na internalização, no autocontrole e na tentativa de reduzir emoções “indesejadas”, como o ciúme. Na minha opinião, a emoção não é apenas determinada biologicamente, mas também construída socialmente. Pessoas de diferentes culturas têm expectativas diferentes sobre a expressão das emoções — e, especialmente, sobre tocar umas às outras. O modelo do esquema emocional coloca a emoção no centro do pensamento e da expe-riência, e tenta elucidar como essas construções sociais e estratégias de regu-lação e expressão se manifestam.
A cognição e a emoção estão entrelaçadas e podem se comunicar. Afinal, as emoções frequentemente me dizem o que importa para mim — e o que me motivará. Devemos ter em mente que a palavra “emoção” é derivada do latim para “mover”. As emoções nos movem. Mas nossas interpretações dos eventos, nossas avaliações de nossas emoções e nossas estratégias para lidar com elas também fazem parte de um quadro mais completo. É esse quadro maior que o modelo do esquema emocional explora. Descartes disse: “Penso, logo existo”, sugiro uma alternativa: “Sinto, logo existo”.