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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A RESISTÊNCIA EM PUNIR OS AGRESSORES | Anais da Semana Acadêmica de Direito da FCR - ISSN 2526-8767

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Anais da V Semana Acadêmica de Direito da

Faculdade Católica de Rondônia Porto Velho

11, 12 e 13 de

maio de 2016 P. 124 a 137 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A RESISTÊNCIA EM PUNIR OS

AGRESSORES

VIOLENCE AGAINST WOMEN AND RESISTANCE IN PUNISHING OFFENDERS

Giselle Patrícia Teixeira Medeiros

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo trazer aspectos sobre a violência contra a mulher e a resistência que é verificada no momento de punir os agressores. Para isso, serão colocadas questões como a construção histórica da desigualdade entre os sexos, o crescente empoderamento da mulher, o tênue relacionamento existente entre o direito de retaliação e a violência contra a mulher, a nova postura de não submissão da mulher à violência doméstica e a construção da equidade.

Palavras-chaves: violência, mulher, resistência, punição.

ABSTRACT

The main objective of this article is to bring aspects about violence against women and the resistance to punish their aggressors. However, to achieve that, it is important to bring up the roots of gender inequality, raising female empowerment, relationship between violence against women and the right to punish them, no submission of women to domestic violence and building gender equality.

Key-words: violence, woman, resistance, punishment

INTRODUÇÃO

As decisões tomadas pelas pessoas, todos os dias, estão sempre encobertas pelas suas experiências de vida, assim como pela sua visão de mundo. Mas essa preconcepção, que norteia a decisão, é guiada, ainda, pelos princípios, valores e pelos diversos sentimentos que influenciam a capacidade de uma pessoa entender o mundo. Todo esse processo, que funciona de forma

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ininterrupta, pode não mostrar a realidade, mas somente parte dela, justamente por ser orientada por todas essas diversas questões subjetivas.

Essa visão, por vezes deturpada dos fatos, influencia o surgimento de comportamentos agressivos de quem ataca e passividade de quem é vítima como, por exemplo, os comportamentos violentos de homens contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Essa visão corrompida mostra-se carregada de sentimentos de vingança, egoísmo, orgulho e honra feridos.

A partir disso, criam-se inúmeras justificativas para esses comportamentos agressivos, que normalmente recaem na visão que o agressor tem da vítima, onde a agressão, em si, deixa de ser julgada para dar lugar ao julgamento da própria vítima. Essa visão é, novamente, carregada de conceitos pobres em reflexão que, mesmo quando são rebatidos pela sociedade, costumam ser relativizados por causa da situação em que são encontrados, em função de um pensamento que ainda justifica essa prática agressiva e que a protege pelo mesmo julgamento de que a vítima é a culpada.

Assim, mesmo com o advento da Lei Maria da Penha, a relutância em punir o agressor é muito grande, em razão das próprias mulheres acharem-se culpadas, e dos homens sentirem-se como vítimas. Dessa forma, o objetivo desse trabalho é relatar a atual situação de resistência da sociedade em punir práticas agressivas contra a mulher, buscando analisar a construção histórica da desigualdade entre os sexos, o crescente empoderamento da mulher, o tênue relacionamento existente entre o direito de retaliação e a violência contra a mulher, a nova postura de não submissão da mulher à violência doméstica e a construção da equidade. A lei vigente é muito importante, mas a mudança cultural ainda está por vir.

1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DESIGUALDADE

A violência contra a mulher é um tema muito contemporâneo, mas que tem raízes antigas, no início das civilizações ocidentais que são conhecidas atualmente. É um fenômeno que foi construído ao longo do tempo, influenciado pelos costumes e valores, como é colocado por Pinafi (2007), com o pensamento de um futuro promissor:

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A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica – portanto, passível de desconstrução – que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder.

Portanto, a violência contra a mulher, assim como todos os outros tipos de violência suportada por diversas minorias, é caracterizada por fazer parte da história da humanidade e justificava-se pelas diferenças inerentes aos gêneros, dando ênfase à supremacia do mais forte. Pressupõe, além da superioridade do gênero masculino, as relações de poder entre o mais forte e o mais fraco, o rico e o pobre, o branco e o negro, estando, estas relações de poder, intricadas na sociedade desde as suas primeiras civilizações até hoje. Assim, à mulher ficou relegado o cargo de submissão devido às suas características biológicas e sociais, valorizando um gênero em detrimento do outro, subjugando uma pessoa em relação à outra.

Durante o período em questão da história ocidental, não é difícil verificar a posição de inferioridade da mulher, assim como a do escravo, do negro e do estrangeiro, em relação ao homem branco. Na Grécia antiga, mesmo com toda a habilidade política e filosófica, a sociedade foi incapaz de verificar que pessoas são pessoas, independente de seu gênero, raça, nacionalidade ou credo. Desse modo, a dividida sociedade grega somente admitia como cidadão homens gregos que fossem donos de propriedades, deixando de fora da participação política a maior parte da população grega. Como coloca Pinafi (2007):

As mulheres não tinham direitos jurídicos, não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos.

Na Roma antiga, as mulheres não eram consideradas cidadãs e, dessa forma, não podiam exercer nenhum cargo público. Eram excluídas da sociedade, sendo comparadas a crianças e escravos, sua função era a procriação. Nesse pensamento, o patriarca detinha o poder de comandar a sua casa e tanto a esposa, como os filhos e os escravos, a ele pertenciam.

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Já durante o cristianismo, segundo Pinafi (2007), a mulher é retratada pela Igreja como a pecadora que foi culpada pelo desterro dos homens do paraíso, ―devendo por isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão aos homens – seres de grande iluminação capazes de dominar os instintos irrefreáveis das mulheres – como formas de obter sua salvação‖. Dessa forma, introduziu uma consciência de culpa onde foi possível manter a submissão e dependência feminina. Contribuindo com o conceito da Igreja, a medicina difundiu a ideia de existência de somente um corpo canônico, o corpo masculino, em que o corpo da mulher era o do homem invertido. A vagina é o pênis interno, os lábios como o prepúcio, o útero como o escroto e os ovários como os testículos, declarando o sexo único.

No século XVIII, em razão do interesse econômico e social, tornou-se razoável fazer a diferenciação entre homens e mulheres, não mais existia um sexo único, mas sim divergências anatômicas e fisiológicas dos sexos. Pinafi apud Laqueur (2001, p. 17):

Assim, o antigo modelo no qual homens e mulheres eram classificados conforme seu grau de perfeição metafísica, seu calor vital, ao longo de um eixo cuja causa final era masculina, deu lugar, no final do século XVIII, a um novo modelo de diformismo radical, de divergência biológica. Uma anatomia e fisiologia de incomensurabilidade substitui uma metafísica de hierarquia na representação da mulher com relação ao homem (LAQUEUR apud PINAFI, 2007).

Assim, o papel da mulher na sociedade ficou hierarquizado, como é possível ver em relação às suas atividades, pois incumbiam aos homens atividades de grandeza como a filosofia, a política e as artes; e às mulheres o cuidado com os filhos e atividades para a subsistência do homem como, por exemplo, a alimentação e tecelagem. Comprovando, assim, a visão naturalista de que a essa é a função natural da mulher na sociedade e por isso não poderia reclamar por desigualdade ou preconceito.

Mas, com o advento da Revolução Francesa, em que as mulheres participaram intensamente em busca dos propósitos da revolução, igualdade, fraternidade e liberdade, na esperança de extensão a seu gênero, foi onde esse pensamento começou a mudar. As mulheres, a partir desse momento, começaram a reivindicar os seus direitos não contemplados pela revolução.

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No século XIX, as transformações foram mais profundas, como explica Pinafi (2007), em função da consolidação do sistema capitalista:

Seu modo de produção (da Revolução Industrial) afetou o trabalho feminino levando um grande contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até então lhe era reservado e permitido – espaço privado, e vai à esfera pública. Neste processo, contestam a visão de que são inferiores aos homens e se articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória do movimento feminista.

O que é interessante de ser colocado é que, com esse processo, tudo o que era atribuído à mulher foi questionado. Segundo Pinafi (2007), com a criação do conceito de gênero, abriram-se as portas de uma análise mais profunda do binômio dominação-exploração que foi construído ao longo dos tempos. E é a ideia de dominação-exploração que está, realmente, na base da desigualdade imposta entre homens e mulheres, brancos e negros, ricos e pobres, entre outras tantas existentes na sociedade. Assim, atualmente, ainda está intrincada na sociedade a imposição do mais forte.

2 A EVOLUÇÃO DA LEI

Com o advento da Lei Maria da Penha, muitas foram as mudanças implementadas na proteção à mulher. Entretanto, no Brasil, essa é uma realidade recente. A Lei Maria da Penha, aprovada no dia 7 de agosto de 2006, é fruto de diversos movimentos, além da punição que a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) concedeu ao Brasil pela negligência em combater a violência contra a mulher.

Mas esse avanço na busca de proteção dos direitos das mulheres vem de uma construção.

Poucos anos atrás não havia nenhuma proteção especial para mulheres em situação de violência, porque essa situação era considerada assunto privado, em razão do Código Penal resguardar a integridade física de todas as pessoas.

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Porém, na década de 1970, organizaram-se diversos movimentos buscando defender os direitos das mulheres. Estes movimentos foram impulsionados por acontecimentos como, por exemplo, o assassinato da socialite Angela Diniz, em 1976. Como explica Pinafi (2007):

A busca destes dois movimentos – de mulheres e feministas – por parcerias com o Estado para implementação de políticas públicas resultou na criação do Conselho Estadual da Condição Feminina em 1983, em São Paulo; na ratificação pelo Brasil da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) em 1984; ao que se seguiu, em 1985, a implantação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; e da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM).

Em 1994, o Brasil ratifica a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA). Através da assinatura de tratados internacionais, o Brasil comprometeu-se em impedir todas as formas de violência contra a mulher e ―adotar políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência de gênero‖ (PINAFI, 2007).

Todo esse movimento culminou com a Lei Maria da Penha, fruto de uma denúncia acatada pela Comissão de Direitos Humanos da OEA. De acordo com o Observatório Lei Maria da Penha:

O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendação para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então reuniu-se para definir um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.

A Lei Maria da Penha foi um grande avanço na proteção da mulher. A partir desse momento, a agressão contra a mulher não foi mais considerada um crime de menor potencial ofensivo e, como colocado pelo Conselho Nacional de Justiça:

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A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. A Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, passou a ser chamada Lei Maria da Penha em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.

Mesmo com uma lei em vigor que trata especialmente sobre a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda é possível verificar uma certa resistência em promover a não violência. Vários fatores influenciam essa resistência como será abordado mais à frente.

3 A PROBLEMÁTICA FEMININA

As discussões sobre violência não são recentes, como foi colocado acima, o que realmente mudou foi o papel que a mulher tem na sociedade e, consequentemente, o reconhecimento dos seus direitos. Com isso, as questões relacionadas com o empoderamento da mulher ficaram mais em evidência, na busca de igualdade e respeito pelo gênero feminino. Assim, além das leis que protegem as mulheres de uma forma mais específica, iniciaram-se movimentos buscando dar mais autonomia às mulheres, para combater e, principalmente, diminuir as agressões.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, através dos Princípios de Empoderamento das Mulheres, dar mais poder às mulheres não traz somente benefícios sociais, como também benefícios econômicos. São os princípios:

1. Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no mais alto nível.

2. Tratar todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a não-discriminação.

3. Garantir a saúde, segurança e bem-estar de todas as mulheres e homens que trabalham na empresa.

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4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres.

5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empoderamento das mulheres através das cadeias de suprimentos e marketing.

6. Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas à comunidade e ao ativismo social.

7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade de gênero.

Promover a autonomia das mulheres inibe práticas agressivas, pois, dessa forma, a sua dependência ao parceiro diminui fazendo com que elas tenham coragem de levar ao conhecimento da autoridade competente a agressão sofrida pelo companheiro, encorajando outras mulheres a, do mesmo modo, saírem de um ambiente de violência.

4 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO FORMA DE RETALIAÇÃO

Na sociedade, está enraizada uma cultura que não é produto da realidade natural, de acordo com Heiborn (apud Instituto Patricia Galvão):

Há machos e fêmeas na espécie humana, mas a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Homens e mulheres são produtos da realidade social e não apenas da natural. É a cultura que humaniza a espécie. E a dimensão biológica da espécie humana é transformada pela necessidade de capacitação cultural, essencial à sobrevivência. Mas, sabemos que existem masculinidades e feminilidades hegemônicas, que aparecem como se fossem produto da natureza, mas não são. No Brasil, por exemplo, entre jovens, o acesso à masculinidade plena se dá através da iniciação sexual com uma mulher, para que ele seja reconhecido como um homem heterossexual e, portanto, participe dessa masculinidade hegemônica. Aqueles que agem de forma diferente, não têm o comportamento esperado pelos outros, é feminilizado e diminuído. Há também um desenvolvimento da estrutura psíquica masculina — do ponto de vista cultural, não de indivíduos em particular — que está pouco preparada para receber a rejeição feminina. As meninas,

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por outro lado, são incitadas a se hipersexualizarem para chegarem a uma feminilidade hegemônica.

A violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar surge, dentro desse contexto, quando os homens, motivados pela cultura local, não conseguem demonstrar a sua masculinidade. Sendo através da rejeição, da traição, da troca, do liberalismo sexual. Nesse momento de grandes mudanças culturais, é evidente o conflito entre a arcaica sociedade patriarcal, que entende que o homem é dono da mulher, e o novo empoderamento da mulher que não aceita mais ser submissa ao homem.

Se de um lado a mulher está mais consciente dos seus direitos e do seu espaço na sociedade, de outro lado, o homem se acha ultrajado por uma lei que quer tirar dele os meios de exercer a sua superioridade que, ainda, pune pessoas que defenderam a sua honra. A agressão, nesse caso, é uma forma de retaliação eficiente, pois restaura a honra do agressor. Mas, esse comportamento, que não é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, legitima o pensamento vigente de que é permitida a violência doméstica e familiar como uma forma de superioridade de um indivíduo sobre o outro. Além de tornar a violência um assunto banal, a torna privada, pois entende que esses assuntos não necessitam da intromissão do Estado e devem ser resolvidos no âmbito doméstico. Como colocado pelo estudo ―Tolerância social à violência contra as mulheres‖ do IPEA (2014, p. 4):

Por ordenamento patriarcal e heteronormativo da sociedade entende-se uma organização social baseada no poder masculino e na qual a norma é a heterossexualidade. A sociedade se organiza com base na dominação de homens sobre mulheres, que se sujeitam à sua autoridade, vontades e poder. Os homens detêm o poder público e o mando sobre o espaço doméstico, têm controle sobre as mulheres e seus corpos. Por maiores que tenham sido as transformações sociais nas últimas décadas, com as mulheres ocupando os espaços públicos, o ordenamento patriarcal permanece muito presente em nossa cultura e é cotidianamente reforçado, na desvalorização de todas as características ligadas ao feminino, na violência doméstica, na aceitação da violência sexual. A família patriarcal organiza-se em torno da autoridade masculina; para manter esta autoridade e reafirmá-la, o recurso à violência – física ou psicológica – está sempre presente, seja de maneira efetiva, seja de maneira subliminar.

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A questão da honra abre outra discussão que é o julgamento da vítima por valores do agressor. Os valores colocados normalmente refletem os valores da sociedade.

Uma mentalidade patriarcal não admite que as mulheres não sejam submissas aos homens. Dessa forma, o comportamento da vítima será o impulsionador da violência, mesmo o Código Penal não permitindo nenhum tipo de agressão. Não é difícil verificar a agressão como forma de retaliar comportamentos femininos inadequados, e essa agressão é socialmente aceita. O marido enciumado, traído ou mesmo as roupas que a vítima usava. Por ser aceita, a justificativa muda o conceito de violência na própria mulher que a aceita como uma punição por seu comportamento inadequado.

É o que aparece no estudo ―Tolerância social à violência contra as mulheres‖ do IPEA (2014, p. 23-24) onde 35,3% dos homens concordaram com a afirmativa ―se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros‖. Sobre essa afirmativa, a pesquisa comenta:

Mais uma vez, tem-se um mecanismo de controle do comportamento e do corpo das mulheres da maneira mais violenta que possa existir. Muitas autoras defendem que vivemos no Brasil uma ―cultura do estupro‖, na qual se tolera e muitas vezes se incentiva a violência sexual contra as mulheres, com a vítima culpabilizada pelo ocorrido, por causa do ambiente frequentado, da roupa que usava, ou do seu comportamento.

Recaindo a culpa na vítima legitima o comportamento lesivo do agressor. Mas, verificando essa pesquisa, fica claro que a agressão é uma forma de retribuição à mulher pela sua não submissão ao homem. A cultura atua de forma imperativa e prejudica a punição dos agressores, por tornar a vítima a própria culpada.

5 A RESISTÊNCIA DA SOCIEDADE

Do conflito entre a emancipação da mulher e os valores patriarcais da sociedade surge uma situação que até pouco tempo atrás não era verificada: a

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mulher quer que o seu agressor seja punido. E, da mesma forma, surge todo tipo de resistência.

A primeira é que os valores relacionados com a família ainda são patriarcais, como mostra o estudo ―Tolerância social à violência contra as mulheres‖ do IPEA (2014, p. 4):

A permanência da família patriarcal como modelo, positivamente valorizado e desejável, expressa-se nos altos níveis de concordância com algumas frases. Quase 64% dos entrevistados e das entrevistadas afirmaram concordar total ou parcialmente com a ideia de que ‗os homens devem ser a cabeça do lar‘. Presente na legislação brasileira até a Constituição de 1988, a supremacia do homem dentro da família ainda é um valor que ganha muitos adeptos, apesar de o número de famílias chefiadas por mulheres seguir aumentando ano após ano e a importância da renda do trabalho do homem vir caindo, e assim a exclusividade masculina no papel de provedor.

O mesmo estudo ainda traz a concordância de 63% das pessoas entrevistadas com a ideia de que ―casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família‖, ou seja, o Estado não deve se intrometer em assuntos domésticos. Assim, por mais que seja um caso grave não há necessidade de intromissão do Estado, a justificativa incide em se tratar de um caso isolado ou porque a pessoa que agrediu é uma pessoa de bem.

Essas afirmativas mostram que a violência contra a mulher, de certa forma, continua sendo uma situação banal. Sendo a sociedade inconstante, algumas agressões são punidas com toda a força, e outras agressões são encobertas por ser socialmente aceito.

Como exemplo é a grande dificuldade em punir o estupro, que deve ser extremamente violento para não deixar margens para dúvidas. Outros casos de estupro, mais sutis, não são tão averiguados e muitas vezes recaem no comportamento da vítima que se colocou em situação de perigo ou pela conduta inadequada para uma mulher.

Assim, os fatores culturais ainda estão contribuindo para impunidade dos agressores que se protegem nos valores patriarcais existentes na sociedade. Crimes muito violentos são mais propensos a garantir uma punição ao infrator, já as agressões menos violentas não são punidas e são, muitas vezes, aceitas

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como um comportamento normal e de acordo com os padrões da comunidade, legitimando a continuidade da violência.

6 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO IGUALITÁRIO

A construção da isonomia não está, necessariamente, em tratar desiguais de forma igual. Mas, o pensamento igualitário deve começar no sentido de dar as mesmas oportunidades para homens e mulheres. Tanto em relação ao acesso a educação, trabalho e condições de renda, como na autonomia do seu próprio corpo.

A Igualdade entre Mulheres e Homens, ou Igualdade de Género, significa igualdade de direitos e liberdades para a igualdade de oportunidades de participação, reconhecimento e valorização de mulheres e de homens, em todos os domínios da sociedade, político, económico, laboral, pessoal e familiar (CITE, 2014, p. 3).

Assim, equiparando homens e mulheres, quando todas as pessoas são colocadas no mesmo patamar de humanidade, é mais simples verificar que nenhuma pessoa tem o direito de agredir outra. Sendo este pensamento resguardado pelo Código Penal. Dessa forma, a ideia de construção da igualdade necessária nesse contexto é a que nenhuma pessoa ganha o direito de agredir outra independente da situação apresentada. Dar mais força à mulher fará dela a própria agente de transformação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com uma longa história de dependência, a sociedade contemporânea está aceitando, aos poucos, o novo papel das mulheres. Essa nova roupagem feminina é de mais autonomia, independência e mais consciência dos seus direitos. Mas, a mesma sociedade ainda vive um período já obsoleto, repleto de valores patriarcais. Esse conflito fica mais aparente na

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resistência em punir o agressor e no aparente comportamento inadequado das mulheres.

Por isso, ainda é visível a perpetuação de duas opiniões conflitantes. De um lado o reconhecimento da mulher como pessoa, assim como de todas as outras pessoas que de alguma forma são descriminadas. De outro lado, a persistência em crer que nem todas as pessoas são pessoas por inteiro, legitimando, assim, a supremacia do mais forte sobre o mais fraco na relação dominação-exploração.

Enquanto houver esse conflito, a dificuldade em punir o agressor continuará acontecendo. Presenciando até situações peculiares como, por exemplo, a mulher não querendo que o seu parceiro seja preso ou arrependendo-se de tê-lo denunciado. O que fica exposto nessas situações é a total dependência da mulher ao homem que ainda não pode promover o seu sustento ou, ainda, que precisa servir ao homem.

O empoderamento das mulheres vem, junto com a legislação específica, dar meios de promover a não aceitação de violência familiar e doméstica. Mas, mesmo que as mulheres sejam mais conscientes dos seus direitos, a mudança precisa ser feita nos valores da sociedade, sendo este mais trabalhoso de mudar.

As campanhas convocando as mulheres a denunciarem seus agressores precisam ser complementadas com conceitos de respeito pelas pessoas e empoderamento da mulher. A não aceitação de práticas agressivas contra às mulheres, mesmo que sejam mínimas, deve ser o propósito da coletividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Por que é importante falar em igualdade de género actualmente? Lisboa,

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