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The Messiah in Judaism and Christianity

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Academic year: 2021

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O MESSIAS NO JUDAÍSMO

E NO CRISTIANISMO*

Severino Celestino da Silva**, Valmor da Silva***

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* Recebido em: 07.10.2017. Aprovado em: 21.11.2017.

** Professor titular e fundador do Curso de licenciatura e bacharelado em Ciências das Re-ligiões da UFPB. Pós-Doutor em Ciências da Religião pela PUC Goiás.

*** Mestre em Teologia Bíblica e em Exegese Bíblica. Doutor em Ciências da Religião. Pós-Doutor em Teologia pela FAJE. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da PUC Goiás.

Resumo: o artigo apresenta diferentes concepções de Messias no Judaísmo e no

Cristia-nismo. Embora presente em outras culturas e religiões, o conceito de messia-nismo se define na religião judaica, influenciado sobretudo pelos contextos de crise. Mesmo se tratando de um conceito fundamental, ele nem sempre é conver-gente. Na Bíblia Hebraica, se desenvolveram vários messianismos, com propos-tas de Messias rei, sacerdote e profeta. A figura de Davi foi fundamental para definir diversos tipos de messianismo, mas foi no período do pós-exílio ou do segundo templo que as ideias messiânicas se desenvolveram. No início da era cristã, a efervescência de propostas messiânicas aguçava as expectativas popu-lares. Candidatos a messias traziam como referência os modelos da tradição, principalmente Moisés como libertador, Aarão como sacerdote, Davi como rei e Judas Macabeu como político e militar. O Cristianismo retoma textos e ideias sobre o Messias, mas muda a interpretação, concentrando-a na pessoa de Jesus de Nazaré, chamado o Cristo, o Ungido ou o Messias. Embora Jesus encarne traços diversos do messianismo judaico, ele privilegia a imagem do Messias po-bre, servo, sofredor, pacificador, misericordioso e solidário na luta pela justiça. Apesar das diferentes compreensões, o messianismo deve ser motivo de esforço comum entre judeus e cristãos, em vista da paz e da justiça no mundo.

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ompetições, injustiças e lutas marcam a história da humanidade, dos seus pri-mórdios até os dias atuais. Nações fortes oprimem e destroem povos mais fracos, grupos tentam subjugar outros diferentes, pessoas violentas exterminam as pací-ficas. Lida nessa ótica, a história parece marchar na alternância “cosmos, caos” (COHN, 1996).

Mas, segundo o mesmo título do livro de Norman Cohn (1996), há uma espera entre “cosmos, caos e o mundo que virá”. Na esperança dessa reviravolta total do mundo, em vista da paz e da justiça, embalam-se diversos movimentos pro-féticos, milenaristas, apocalípticos e messiânicos.

O messianismo, concebido como movimento de expectativa em um Messias, tido como resgatador ou vindicativo, salvador ou redentor, político ou espiri-tual, está presente nas diversas culturas “no Brasil e no mundo” (QUEIROZ, 1965).

O Dicionário de messianismos e milenarismos, de Henri Desroche, apresenta as “tipo-logias do messianismo” em três linhas: a tipologia dos personagens, a tipologia dos novos reinos e a tipologia das cronologias (DESROCHE, 2000, p. 32-40). Segundo a tipologia dos personagens, a pessoa que representa o imaginário do messias pode ser alguém histórico presente, como também pode ser alguém ausente, seja sublimado de maneira mítica, seja projetado num representante vicário. Já a tipologia dos reinados messiânicos mistura fatores religiosos e sociais, com ênfase em diferentes níveis: religioso, político, econômico-so-cial, sexual e familiar, naturista e cósmico. A tipologia das cronologias, por sua vez, redistribui as duas anteriores em outra classificação: messianismos e milenarismos; pré e pós-milenarismo; imanência e iminência; micro e macro-milenarismo; violência e não-violência.1

Essas tipologias servem, aqui, para mostrar a amplitude e a complexidade dos messia-nismos e dos messias. Embora presente em outras religiões e culturas, contu-do, foi no Judaísmo que o conceito de messianismo se desenvolveu e adquiriu sua definição plena. Termos como messias, messianismo, messiânico foram definidos no contexto bíblico da religião judaica (QUEIROZ, 1965, p. 3). Mesmo sendo devedor de religiões anteriores, como egípcia, babilônica e

zoroastris-mo, o messianiszoroastris-mo, no antigo Israel, adquiriu contornos únicos e definidos (LAMBERT, 2005, p. 57-74).

Ausubel (1989, vol. I) afirma que a ideia de um salvador humano que, a chamado de Deus, surgisse para socorrer Israel em época de crise suprema, era realmente muito antiga. Parece-nos que este desejo sempre acompanhou a história dos hebreus. Situações de opressão e perseguições aprofundaram esse anseio por um libertador ou redentor.

A crença na vinda de um Messias e na redenção messiânica é uma convicção recorrente em toda a história do Judaísmo, de suas origens até a atualidade. O Messias

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é um homem com capacidades especiais, que julgará o mundo, o cobrirá com a consciência divina e o libertará da guerra (SCHOCHET, 1992; BAHBOUT, 2002; SILVA, 2016).

Entretanto, o conceito de messianismo não é convergente. E não poderia ser diferente, pois em questão religiosa não existe unidade de conceitos no Judaísmo. O pró-prio conceito de Judaísmo, por sinal, é uma realidade complexa, e envolve tal diversidade que seria melhor denominar Judaísmos, em plural. Um conhecido provérbio judaico afirma que “onde existem dois judeus, existem três opiniões diferentes e quatro partidos políticos”.

O Cristianismo, pois, assumiu as ideias messiânicas do Judaísmo e as reinterpretou de maneira diferenciada, aplicando-as a Jesus Cristo. Há, portanto, uma prolife-ração efervescente do messianismo no contexto dos inícios do Cristianismo. Conforme afirma Carvalho (2000, p. 49): “Este contexto multifacetado de con-cepções messiânicas, no judaísmo do início do primeiro século da nossa era, reveste-se de particular importância para entender a acção de Jesus e o modo como os seus contemporâneos o interpretaram”.

Os cristãos entendem que o ungido de Deus ou Messias já veio na pessoa de Jesus e buscam respaldos de confirmação na história e nos Evangelhos, bem como nos escritores antigos Flávio Josefo, Plínio o Jovem, Fílon de Alexandria e Tácito. Judaísmo e Cristianismo, portanto, têm diferentes interpretações do conceito bem como da interpretação histórica do messias. Basicamente os judeus esperam um messias libertador, enquanto para os cristãos este mes-sias já veio, na pessoa de Jesus, e possui uma missão preponderantemente espiritual.

Apesar da complexidade de conceitos e interpretações do messianismo, em torno ao século I da era cristã, na Palestina dominada pelo Império Romano, podem ser delimitadas claramente “Fronteiras entre messianismo judaico antigo e cristia-nismo primitivo” (SANTOS, 2015).

Essas diferenças, naturalmente, se acentuam ao longo da história, sobretudo em am-biente cristão, e se estendem ao Islamismo (DESROCHE, 2000, p. 27-32), em seu contexto e teologia próprios. A análise do messianismo ao longo da histó-ria foge ao propósito deste artigo.

Sobre as diferenças relativas a messias no Judaísmo e no Cristianismo é que se concen-tra o presente artigo. Sem a pretensão de lançar uma tese original, o estudo faz uma revisão parcial da literatura, com escopo didático.

MESSIAS NA BÍBLIA HEBRAICA

O vocabulário frequente da Bíblia Hebraica, relativo a Messias e messianismo, permite reconhecer sua importância e as convergências de ideias, que partem da

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tradi-ção oral e se fixam em relatos de reinados políticos ou idealizados para superar situações de crises e de guerras (SOUZA, 2009, p. 10).

O termo português messias é praticamente uma transcrição do hebraico mashiah que tem sua origem no verbo hebraico mashah, com o significado básico de ungir. Da mesma forma hamashiah pode ser traduzido como o messias ou como o ungido. Em grego, a palavra ungido é traduzida como Christos e, nesse sen-tido, passou para o Cristianismo e foi aplicada a Jesus Cristo (SCARDELAI, 1998, p. 46).

A origem do costume de ungir pessoas e coisas surgiu na antiga Mesopotâmia, onde escravos, noivas e objetos eram ungidos. A arca da epopeia de Gilgamesh foi ungida com óleo de Gergelim. No Antigo Testamento, ungiam-se objetos e pessoas. Assim escudos, pães ázimos, estelas, objetos de culto. Depois reis, sacerdotes e profetas (FABRY; SCHOLTISSEK, 2008, p. 23-4).

O costume de ungir com óleo, entretanto, se fixou como investidura da função do rei, no antigo Oriente Médio. A ideologia real ou régia, muito antiga nas culturas da Mesopotâmia e do Egito, atribui à pessoa do rei funções de representação da própria divindade. Essa ideologia foi assimilada por Israel, e projetada na pessoa dos seus reis, mesmo em contradição com a convicção de que só Yhwh podia reinar sobre o seu povo. Dessa forma, à imitação de outras culturas, o rei é chamado filho de Deus (Sl 2,7); senta-se à sua direita (Sl 110,1); chega até mesmo a ser divinizado como um ’elohim (Sl 45,7). Enquanto imagem de Deus, o rei é o pastor responsável por estabelecer a justiça, para realização do próprio reinado divino na terra (RÖMER, 2010, p. 30).

Assim sendo, o vocábulo messias foi adotado na Bíblia e, com o tempo, foi recebendo classificações e denominações diversas tais como: o Messias guerreiro, o Messias filho de José ou o Messias Efraimita, o Messias de Jerusalém, o Messias de Belém e o Messias descendente de Davi, além do Messias Pastor (SCHOCHET, 1992). Todas estas denominações referem-se a um ser libertador e redentor enviado por Deus

como seu representante. É crença comum no Judaísmo que o Messias surgirá e restaurará o Reino de Davi em seu Estado e soberania originais, reconstruirá o Templo Sagrado de Jerusalém (Beit Hamikdash), reunirá os dispersos de Israel, e, em seus dias, todas as leis da Torá serão reinstituídas, como o tinham sido nos tempos antigos.

As propostas messiânicas percorrem toda a história de Israel, desde suas origens. Tér-cio Machado Siqueira demonstra a presença de ideias messiânicas anteriores à monarquia. Mesmo reconhecendo que as tradições messiânicas se expandi-ram em Judá, após a morte de Davi, o autor apresenta elementos dessa antiga tradição no Reino do Norte, ainda no período tribal, através dos textos de Gn 49,8-12, a chamada bênção de Jacó a Judá e de Dt 17,14-20, denominado “lei real” ou “direito do rei” (SIQUEIRA, 2008, p. 167-76).

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Milton Schwantes, por sua vez, aprofunda a relação do messianismo com o davidismo, buscando as raízes históricas da tradição que liga as promessas messiânicas a Jerusalém e ao Rei Davi. A profecia de Natã, prometendo “uma casa”, “para sempre” a Davi e, portanto, uma dinastia duradoura, conforme expressa em 2 Sm 7,1-17, compendia experiências de gerações que viveram essa expectativa (SCHWANTES, 2008, p. 9-32).

Essa profecia de Natã, enquanto texto-chave para compreender o messianismo judaico, inspira-se na ideologia real do Antigo Oriente Médio, mas se projeta para o futuro com releituras diversas, em outros textos e personagens. As profecias, como Is 7; 9; 11; Mq 4-5 idealizam o rei como um novo Davi. Os relatos de promessa a Abrão (Gn 12; 17) possuem paralelos estreitos com as promessas a Davi, contendo a proposta de nome grande, nação grande, reis como descen-dentes e bênção abundante (OLIVEIRA, 2006, p. 27-37).

Mas é no pós-exílio que o Judaísmo desenvolve as ideias messiânicas, tais como as le-mos na Bíblia hoje. Nesse chamado período do Segundo Templo, sob o domí-nio persa e depois helênico, já sem maiores expectativas políticas, os escritos bíblicos desenvolveram e aprofundaram as propostas messiânicas que mantive-ram acesas as esperanças do povo. É assim que pode ser lida a Torah, particu-larmente sob a revisão Deuteronomista, as profecias, tanto profetas anteriores quanto posteriores, bem como a literatura sapiencial, sobretudo os Salmos. As ideias apocalípticas, sempre mais acesas no período pós exílico, alimentaram diversas expectativas, dentre as quais a de um Messias escatológico:

O judaísmo do período do Segundo Templo alimentava no povo judeu, especial-mente nos judeus do primeiro século da era cristã, a esperança da chegada de um redentor (messias) semelhante ao profeta Moisés, ao sacerdote Arão, a José e ao rei Davi, que iria libertá-los da opressão dos Estados estrangeiros, unificar o país e estabelecer a paz definitiva não só em Israel, mas também em todo o mundo (SANTOS, 2015, p. 70).

Nessa perspectiva podem ser lidos os vários textos messiânicos da Bíblia Hebraica, prova de que o Judaísmo sempre manteve a crença fundamental em uma figura messiânica e que a tradição judaica é a mais qualificada para descrevê-lo. A tradição bíblica manteve a memória da unção aplicada aos reis. Foi assim com Saul

(1 Sm 10,1), Davi (1 Sm 16,1) e Salomão (1 Rs 1,39), bem como com os reis que se seguiram, tanto em Israel Norte como em Judá Sul. Recorda-se o caso da unção do rei Jeú, pelo profeta Eliseu (2 Rs 9,1-3), que se configura como um golpe bem sucedido para derrotar a dinastia de Omri. Além de Davi e Sa-lomão, apenas reis relativamente insignificantes são designados como “ungi-dos”, observam Fabry e Scholtissek (2008, p. 23-4).

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Os relatos de eleição real se configuram, narrativamente, como histórias de unção mes-siânica, como é o caso da história da ascensão de Davi, apresentada por Marcos Paulo Bailão. No relato que ilustra a teoria, conforme 1 Samuel 13 a 2 Samuel 5, aparecem as características do Messias, como segue. Ele é escolhido por Yhwh; é tomado pelo espírito de Yhwh; corresponde a esperanças messiânicas anteriores; e catalisa os anseios do povo (BAILÃO, 2008, p. 77-8).

Também eram ungidos, em Israel, os sacerdotes, especialmente os sumo sacerdotes, que se distinguiam, por dignidade e função, dos sacerdotes comuns. Embora as relações entre rei e sacerdote sejam irregulares, nos diversos períodos da história de Israel, funções sacerdotais foram atribuídas ao rei e, por exceção, funções reais atribuídas a sacerdotes. Nessa realidade, a unção confere caráter sagrado à pessoa ungida, de modo que a realeza confere função sagrado aos seus ocupantes, enquanto o sacerdócio, sagrado por definição, não poderia tornar-se realeza (ROOKE, 2005, p. 214-6).

“Quanto aos membros do sacerdócio, não parece que a unção lhes tenha sido con-ferida antes da época persa” afirma a Bíblia de Jerusalém (2002) na nota

m a Ex 30,22. A mesma nota registra alguns textos antigos que reservavam a unção ao sumo sacerdote (Ex 29,7.29; Lv 4,3.5.16; 8,12) e outros que a estenderam a todos os sacerdotes (Ex 28,41; 30,30; 40,15; Lv 7,36; 10,7; Nm 3,3).

Há na Bíblia também notícias de unção de figuras proféticas, como a de Eliseu (1 Rs 19,16) e a de Isaías, ungido pelo próprio Yhwh, para proclamar boa nova de cura e libertação de pobres, quebrados e cativos (Is 61,1).

É, pois, nos círculos proféticos que mais se desenvolvem as propostas messiânicas. Decepcionados pelos desmandos dos monarcas, os profetas não lhes poupam críticas e ataques. Como afirma Carvalho (2000, p. 31):

Nos círculos proféticos, paralelamente à crítica dos desmandos reais, afirma-se uma esperança de salvação concretizada num líder ideal do futuro, repleto da sabedoria e da força de Deus, que libertará Israel e exercerá a justiça e o direi-to, mesmo para além das fronteiras nacionais.

Para Isaías, o nascimento do herdeiro ao trono de Acaz é saudado como o Emanuel, esperança de restauração futura do reinado de Davi (Is 7,10-17 e 8,23-9,6). Na interpretação de Suely Xavier dos Santos (2004), nestes textos isaianos, transparece o messianismo como movimento de resistência e de rompimento com a ideia davídica do messias guerreiro.

A profecia do Messias menino estende a função do “Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-eterno, Príncipe-da-paz” (Is 9,5) para toda a humanidade, fundado sobre o trono de Davi e consolidado no direito e na justiça.2

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Assim igualmente o ramo do tronco de Jessé, será repleto do espírito do Senhor, e com os seus dons estabelecerá a julgará, sendo que “a justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade, o cinto dos seus rins” (Is 11,5). Nesse reinado ideal de paz e segurança, em que o lobo pastará com o cordeiro, uma criança poderá guiá-los. Inúmeros outros textos proféticos projetam a ideia da proteção divina sobre Israel, através dos descendentes de Davi, tais como Is 8,23-9,6; 32,1-8; Jr 23,5-8; 30,9; 33,14-26; Ez 17,22-24; 34,23-24; 37,15-28; Os 3,5; Am 9,11-12; Mq 5,1-5 (CARVALHO, 2000, p. 33).

Acompanhando a síntese histórica de Carvalho (2000, p. 33-7), relativa ao período do pós-exílio, ressalta-se, dentre as tentativas de reestruturação do poder em Is-rael, os profetas Ageu e Zacarias que apresentam a alternativa de um governo que reúne o poder civil e o religioso, nas figuras do governador Zorobabel e do sumo sacerdote Josué como os dois ungidos, isto é, como os dois messias (Zc 4,14).

Para além do messianismo davídico, porém, no pós-exílio se projeta a figura do messias pobre, que virá montado num jumento (Zc 9,9), ou como o servo sofredor que assume as dores do povo, de acordo com o quarto canto do servo (Is 52,13-53,12). Além disso, há a ideia do messianismo que se estende aos governantes em geral ou ao povo como um todo (Zc 12,6-8). Essas ideias se expandem, ao longo do pós-exílio, para a figura de um messias ideal, estabelecido dire-tamente por Deus, com traços apocalípticos, para atuar de maneira efetiva e gloriosa (Zc 14), até mesmo como um novo Elias, para preceder o terrível dia do julgamento divino (Ml 3,23-24). Não faltam, entretanto, no pós-exílio, movimentos messiânicos insurgentes violentos, como a revolta dos Macabeus, que se estendem para a era cristã, como a guerra judaica do ano 70, e a resis-tência de Bar Kochba em 136.

O arco histórico do messianismo abrangido pela Bíblia Hebraica se fecha com a evo-lução para a apocalíptica, expressa principalmente no livro de Daniel, mas se abre para a literatura extra bíblica, atestada em textos diversos da literatura intertestamentária.

O livro de Daniel projeta a imagem do Filho do Homem, um personagem que virá so-bre as nuvens, para estabelecer um reino sem fim, projetado para o futuro (Dn 7,13-14). A figura apocalíptica do Filho do Homem será retomada em outros textos judaicos, como veremos em seguida.

MESSIAS NA ÉPOCA DE JESUS

Este item retoma a sistematização dos dados, a partir de estudos que abordam as ideias e movimentos messiânicos em torno à época de Jesus, desde livros mais abrangentes, como os de Vermes (1990), Horsley e Hanson (1995), Scardelai

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(1998), Sicre (2000) e Silva (2016), até artigos panorâmicos, como os de Mes-ters (1988), Carvalho (2000), Voigt (2007) e Ribeiro (2009).

O período histórico e literário chamado intertestamento abrange globalmente dois sé-culos, o que precede o nascimento de Jesus Cristo e o subsequente, primeiro século da era cristã. O ambiente sócio-político reflete uma situação geral de opressão e desigualdade, na passagem do domínio helênico para o imperia-lismo romano, com o crescente regime de dominação escravista. Diversas re-voltas incendeiam o povo judeu, agoniado pela repressão. A mentalidade que predomina é a visão apocalíptica, com sua típica linguagem simbólica e com expectativas de libertação e salvação.

Diversos textos apócrifos apresentam figuras messiânicas. O livro das Parábolas de

Henoc descreve um personagem divino, libertador e juiz, designado como “Eleito”, “Filho do Homem” e “Messias”. O IV livro de Esdras e o II livro

de Baruc estabelecem a mesma relação entre a vinda do Messias e o juízo final. O Apocalipse de Baruc também relaciona o Messias com a reedificação do Templo e com a salvação dos eleitos e destruição dos opressores, além do juízo e da ressurreição. O IV livro de Esdras apresenta o Messias “filho” de Deus, libertador de Israel e castigador dos pagãos, com um reinado de mil anos, culminado com a ressurreição para o inferno ou paraíso. Os escritos de

Qumran documentam textos com uma figura messiânica, outros com duas e outros até com três Messias, de acordo com a tradição, Messias rei, Messias Sacerdote ou Messias profeta. O Testamento dos XII Patriarcas, à semelhança de Qumran, traz a ideia de dois Messias, um descendente de Levi e outro de Judá. Os Salmos de Salomão têm a figura de um Messias justo e sábio, que resgatará Israel e esmagará as nações com cetro de ferro.

Podemos concluir, com Fabry e Scholtissek (2008, p. 92) que, por volta do século I a.C., o uso da palavra Messias, “resultou num feixe tão abrangente de tradi-ções messiânicas que se tornou impossível uma concentração numa expectati-va messiânica única e clara”.

Santos (2015, p. 77) descreve os personagens Moisés, Aarão, Davi e Judas Macabeu como as principais referências para os movimentos messiânicos populares na Judeia do século I da era cristã. Moisés representa o messias carismático li-bertador do êxodo; Aarão é a referência do messias ungido como sacerdote; Davi é a figura monárquica do messias rei pastor; e Judas Macabeu simboliza o messias do âmbito político-militar.

Carvalho (2000, p. 48) sintetiza essa diversidade de expectativas em duas grandes ten-dências: “dois filões messiânicos principais caracterizam a esperança messi-ânica, no tempo de Jesus”: por um lado o messianismo real-davídico, políti-co-militar, restauracionista da realeza de Israel; e, por outro, o messianismo apocalíptico, com uma figura divina, estabelecendo uma nova história. A

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pri-meira tendência atendia às expectativas das camadas menos favorecidas, en-quanto a segunda, apocalíptica, correspondia aos ambientes mais esotéricos. Historicamente, muitos personagens messiânicos apareceram na época de Jesus, alguns

mais autênticos, outros pretensos messias, mas todos candidatos a restaurar a nação e libertar o povo. Não pode haver dúvida de que todos os messias que surgiram dentre os judeus nos tumultuosos tempos romanos eram homens ex-traordinários. Eram idealisticamente dedicados, fanáticos mesmo, em relação à sua religião, e ao mesmo tempo, inflamados por um amor patriótico por seu povo oprimido, sentimento esse que os conduziu a tentar a derrubada do domí-nio imperial romano, embora nenhum tenha obtido sucesso.

A proposta majoritária desses personagens tendeu para o aspecto material, privilegian-do as lutas humanas, em vista da libertação política. Mas isso não exclui a sua apresentação com características messiânicas, visando satisfazer a ansiosa e incessante busca pela chegada do verdadeiro Messias. A opressão romana foi motivo para o aparecimento de muitos destes candidatos a messias.

Eles respondem às expectativas messiânicas do mundo judaico do I século, antes da queda de Jerusalém no ano 70, com suas diversas tendências. Scardelai (1998, p. 102-3) classifica, de maneira geral, uma categoria de “profetas”, como Teu-das, o anônimo egípcio, o movimento cirenaico de Jônatas e o libertador sa-maritano, e outra categoria nacionalista, davídica, como Judas, o Galileu; João de Giscala; Atronges; Simon bar Giora; Menahem. O mesmo autor os descreve com detalhes, nas páginas seguintes, além de alinhar outros personagens como falsos messias.

A tendência em classificá-los como falsos messias, segundo Scardelai (1998), se funda-mentava no fato de impressionarem o povo com milagres baratos e desonestos. Eram acusados também de aliciarem o povo e se aproveitarem da sua ingenui-dade. Tinham um poder de atração carismático muito especial, fazendo com que um considerável número de pessoas fosse magneticamente atraído por eles. O poder carismático revelava qualidades especiais de liderança cuja força era normalmente testada através de suas obras e realizações no meio do povo, tais como: milagres, curas, profecias, premonições e até mesmo por intermé-dio de inescrupulosas manifestações em público. O líder exercia influência no inconsciente coletivo da massa, a ponto de, em certas ocasiões, o controle passar a vigorar de forma obsessiva, arrogante e autoritária, chegando às vezes a levar uma multidão inteira à beira do suicídio.

O aparecimento desses falsos messias ocorreu como uma consequência natural daqui-lo que foi ensinado pedaqui-los mestres religiosos com relação ao Messias, pedaqui-los inúmeros sinais inequívocos e comprovações iniludíveis da inevitabilidade da redenção nos sermões dos Profetas, nas visões dos escritores apocalípticos pós-bíblicos e nos ensinamentos dos sábios talmúdicos.

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Diversos personagens, ao longo da história do Judaísmo, tentaram vestir as sandálias do Salvador, como demonstram as listas de alguns estudiosos, tais como Au-subel (1989, vol. II), Borger (2002), Silva (2016), além de Scardelai, acima citado. A lista se estende, nos rastros da história, para além dos tempos de Jesus e extrapola os limites do Judaísmo: Judas, o Galileu; Simão, o filho de José, Atronges; Teudas; Benjamim; o Messias Egípcio; dois outros Messias; Menahem ben Judah; Bar Kochba; Moisés de Creta; Ishak da Pérsia; Serene; Menahem; Abraão ben Samuel Abulafia; Nissim ben Abraham; Moisés Bota-rel; Asher Lemmlein; David Reuveni e Salomão Molko; Isaac Luria; Hayim Vital Calabrese e Abraão Shalom; Sabbatai Zevi e os Messias Cabalísticos; Shukr Kuhayl; Menachem Mendel Schneerson.

JESUS MESSIAS NO CRISTIANISMO

Os diversos elementos do Antigo Testamento são retomados pelo Cristianismo, mas com mudanças interpretativas sobre o Messias, que o distinguem, conceitual-mente das ideias propostas na Bíblia Hebraica e nos livros deuterocanônicos ou apócrifos. O ponto de partida são os mesmos textos, em torno à unção do rei e de outros personagens, às promessas da dinastia de Davi, aos Salmos reais e aos oráculos proféticos, às propostas apocalípticas, mas a mudança hermenêutica é radical.

O Cristianismo entendeu e sedimentou a proposta de um Messias como Salvador e Re-dentor do mundo, projetada e realizada na pessoa de Jesus de Nazaré, denomi-nado precisamente o Cristo, isto é, o Messias ou o Ungido. Por essa razão, o Messias no Cristianismo se reveste de conceitos e características bem diferentes das apresentadas no Judaísmo. Apesar da diversidade de correntes interpretativas do messianismo na Bíblia Hebraica, e da efervescência de teorias e expectativas no momento da vinda de Jesus, o Cristianismo possui uma interpretação conver-gente quanto à realização das Escrituras unicamente na pessoa de Jesus.

Embora a pesquisa bíblica não seja unânime com relação à identidade histórica de Je-sus, os dados do Novo Testamento deixam claro que ele foi reconhecido como o Messias:

Se examinarmos alguns dos conceitos fundamentais do Novo Testamento – Reino de Deus, ressurreição, céu na terra, a conquista dos poderes terrenos e celestes, cruz/ exaltação –, percebemos que todos parecem ter uma dimensão messiânico-escatoló-gica (ROWLAND, 2005, p. 491).

O Cristianismo reinterpretou o evento Jesus de Nazaré à luz dos textos messiânicos judaicos do Antigo Testamento e dos livros apócrifos. As diversas tradições da

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época influenciaram nessa interpretação, como atestam os escritos de Flávio Josefo, Plínio o Jovem, Fílon de Alexandria e Tácito.

Alguns textos bíblicos alcançaram importância paradigmática enquanto anúncios mes-siânicos do próprio Jesus. Os estudos de autoria cristã, de modo geral, inter-pretam automaticamente os textos do Antigo Testamento em chave cristoló-gica, como Siqueira e Santos (2008) e Ribeiro (2009), para citar apenas dois. Seguem-se ainda alguns exemplos, para ilustrar essa realidade.

O texto conhecido como proto-evangelho passou a ser interpretado como a primeira profecia messiânica. “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre a tua linha-gem e a linhalinha-gem dela. Ela te esmagará a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15). A nomenclatura para “linhagem (semente) da mulher” é aplicada ao extraordinário nascimento do Messias. Esse mesmo nascimento extraordi-nário é anunciado em Isaías “Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho” (Is 7,14) e realizado em Mateus “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Mt 1,23).

As promessas divinas a Abraão, extensivas à sua descendência e, através dela, a todas as nações, passam a ser outro paradigma da interpretação messiânica de Jesus. No contexto da oferta de seu filho Isaac, prova inconteste de sua fidelidade a Deus, Abraão recebe a confirmação da bênção de uma posteridade numero-sa: “Por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste” (Gn 22,18). Novamente a expressão “posteridade” (lite-ralmente: em tua semente), no singular, é interpretada como simbolizando o Messias Jesus, novo Isaac imolado sobre a cruz (Gl 3,16).

O poema das bênçãos de Jacó oferece outro exemplo da interpretação messiânica cris-tã. No texto da bênção a Judá, o patriarca declara: “O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão de chefe de entre seus pés, até que o tributo lhe seja trazido e que lhe obedeçam os povos” (Gn 49,10).

Esses textos da Bíblia Hebraica, assim como os demais textos messiânicos, são re-conhecidos como anúncio da vinda de um libertador, salvador ou redentor, embora a maneira de interpretá-los se diferencie. Enquanto o Judaísmo possui interpretação aberta, com diversas possibilidades de realização messiânica, o Cristianismo já a tem definida, na pessoa histórica de Jesus de Nazaré.

Algumas novidades, entretanto, marcam o messianismo de Jesus de Nazaré. Com o anúncio do Reino de Deus, ele mostra a realização das promessas futuras já presente da sua própria pessoa. Por suas palavras e ações, mas, sobretudo, por sua ressurreição, os cristãos o reconhecem como o Messias Salvador (FABRY; SCHOLTISSEK, 2008, p. 83-7).

Outra novidade foi a interpretação de Jesus como Messias sofredor. Diante da morte ig-nominiosa de Jesus na cruz, os cristãos buscaram os textos referentes ao servo sofredor para dar uma explicação plausível à sua identidade messiânica.

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Apó-crifos que mencionavam a morte do Messias, como IV Esdras, a identificam num contexto de luta contra os inimigos ou de transformação cósmica. “Em nenhuma parte do judaísmo do primeiro século se encontra a ideia de um Mes-sias sofredor, do género que é proposto por Jesus” (CARVALHO, 2000, p. 48). Parece claro também, no messianismo de Jesus, em contraste com os demais messias seus contemporâneos, que ele foi um pacifista, solidário com os opri-midos, crítico às autoridades e ao imperialismo, não aceitou a opção pelas armas, mas optou pela misericórdia e pelo perdão (RIBEIRO, 2009, p. 47-8). A grande novidade, entretanto, que Jesus representou, para os seus contemporâneos,

diferente dos demais movimentos messiânicos, foi a figura do Messias pobre (FERREIRA, 2015).3

Jesus retoma a tradição dos messianismos populares, herdeiro das tradições do Davi pastor e não rei, assume a causa dos camponeses e pastores e marginalizados em geral de sua época, aclamado pelos pobres quando de sua entrada em Jeru-salém, morre por causa da justiça e deixa como marca do seu Reino o serviço às pessoas mais necessitadas.

O MESSIAS NA TRADIÇÃO JUDAICA

“Os rabinos consideravam o Messias como ‘rei ungido’ e ‘filho de Davi’, que agiria com poder para defender Israel e fazê-lo grande, submetendo-lhe todos os povos” (FARIA, 2003, p. 65-66). A tradição rabínica, então, segue na interpretação de personagens bíblicos e extrabíblicos que realizem os ideais messiânicos. No comentário do Midrash sobre o livro dos Salmos, o Talmude cita a lista de tais

sal-vadores feita pelo sábio Johanan, conforme Ausubel (1989, vol. II) e Borger (2002). Quando os israelitas estavam oprimidos no cativeiro egípcio, Moisés havia sido seu libertador. E quando, em seu Cativeiro na Babilônia, chora-vam pelo Monte Sião, Zorobabel, um príncipe da linhagem davídica, os havia conduzido de volta à Terra de Israel. Da mesma forma, quando estavam ame-açados de extermínio por Haman na Pérsia, Ester e Mordecai haviam salvo suas vidas. Ainda novamente, quando estavam sendo esmagados pelo tirano selêucida Antíoco, que havia conspurcado seu Templo, em Jerusalém, e tenta-do extirpar a religião judaica, o sacertenta-dote-herói asmoneu, Judas o Macabeu, os havia conduzido à liberdade. A imagem popular de todos esses salvadores, de forma cumulativa plantou a semente das expectativas e esperanças messiâ-nicas no pensamento do povo.

As especulações sobre um Messias, “o ungido”, um rei que seria o governante escolhi-do por Deus para os judeus e toescolhi-do o munescolhi-do, baseia-se em interpretações de vá-rios versículos nos livros dos Profetas que pretendiam originalmente referir-se aos reis da antiga Judá, como refere Rosenberg (1992). O autor acrescenta a

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explicação messiânica do Targum de Jerusalém, a respeito da profecia de Jacó contida em Gn 49,10-12, a qual fornece uma ideia do que era a expectativa popular sobre o Messias. O Targum esclarece que:

O reino pertence ao Messias e todos os reis da terra estão destinados a servi-lo. Como é belo o rei Messias, que surgirá da casa de Judá. Ele se prepara e luta na guerra contra os seus inimigos, matando reis e governantes. Os rios estão vermelhos com o sangue dos mortos e as colinas brancas com os corpos dos guerreiros. O sangue pinga das suas roupas e Ele próprio é como o que esmaga as uvas. Mas como são belos os olhos do Rei Messias, mais belos que o puro vinho, porque eles se recusam a desprezar a impureza sexual ou o derramamen-to de sangue inocente. Seus dentes são mais brancos do que o leite, porque não comem o fruto da violência e do roubo. As montanhas se tornam vermelhas com as videiras, os tonéis vermelhos com vinho. As colinas se tornam brancas como cereais e rebanhos de ovelhas.

Rosenberg conclui suas explicações afirmando que na concepção judaica, o profeta Elias retornará no final dos tempos como profeta para anunciar o aparecimento do Messias filho de Davi. Os judeus voltarão dos quatro cantos do mundo para a terra de Israel e o templo será reconstruído.

Maimônides escreveu que havia vários grupos de pessoas mal informadas sobre o Mes-sias e a era messiânica4. Segundo ele, um grupo acredita que, na Era

Messiâni-ca, os homens serão como anjos: imortais, muito altos e prolíficos; esse grupo também acredita que a terra produzirá roupas prontas para serem usadas e pão assado. Outro grupo acredita que a ressurreição dos mortos ocorrerá com a vinda do Messias, e que todos os justos receberão graças terrenas e nunca mor-rerão novamente. Um terceiro grupo acredita que, depois do Messias ter vindo e ressuscitado os mortos, todos serão transportados para o Paraíso, onde, por toda eternidade, comerão e beberão e terão muita saúde.

Maimônides deixou claro que não levava muito em consideração concepções como essas, e as preocupações materialistas por trás delas. Em sua opinião, a Era Messiânica será um tempo em que Israel recuperará a sua soberania e voltará para sua terra sob o comando do Messias. Ele será um grande rei, cujo nome será conhecido em todo o mundo. Todas as nações que se tornarem submissas a ele viverão em paz com ele. Contudo, não haverá mudanças no curso da na-tureza. Apesar de que será mais fácil para as pessoas ganharem a vida, ainda haverá ricos e pobres, fortes e fracos.

No Judaísmo contemporâneo há outras concepções acerca deste tema, com pontos de vista diferentes, conforme Ausubel (1989, vol. I); Schochet (1992); Borger (2002); Silva (2016).

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O Judaísmo reformista elimina a crença em um Messias e propõe a integração dos ju-deus como cidadãos nos países em que residem, culminando, eventualmente, com uma era de paz e fraternidade universal, quando os povos serão unidos sob a direção de Deus por laços de genuína afeição. O sionismo propugna a organização dos judeus em torno ao Estado de Israel como realização da espe-rança messiânica. O pensamento da ortodoxia contemporânea segue Maimô-nides e espera a vinda de um Messias humano, que será dotado de qualidades superiores, mas puramente humanas. São poucos os judeus não-ortodoxos, que aceitam uma crença na ressurreição corpórea e em um mundo vindouro sobrenatural, como a consumação da história. Para a maioria dos judeus refor-mistas, conservadores e reconstrucionistas, é responsabilidade das pessoas em toda parte, judeus e não judeus, esforçarem-se para que as bênçãos postuladas para o mundo vindouro sejam obtidas, na medida do possível, neste mundo. A maioria dos judeus acha que é responsabilidade da humanidade aperfeiçoar este “mundo de caos” tornando-o o reino de Deus, para que, finalmente, seja cumprida a palavra do profeta Sofonias 3,9: “Sim, então darei aos povos lá-bios puros, para que todos possam invocar o nome de Yhwh e servi-lo sob um mesmo jugo”.

O MESSIAS NO DIÁLOGO ENTRE JUDEUS E CRISTÃOS

Fabry e Scholtissek (2008, p. 130-2) apresentam quatro “teses para a questão do Mes-sias no diálogo judeu-cristão de uma perspectiva cristã”, que resumimos para algumas considerações e conclusões deste artigo.

Em primeiro lugar: “É justamente a confissão do cristianismo primitivo de Jesus como o Messias que remete o cristianismo indissoluvelmente a Israel”. O cristianis-mo está enraizado no judaíscristianis-mo (Rm 9-11) e ambos estão unidos por diversos laços de irmandade que não podem ser desfeitos.

Em segundo lugar: “A imagem da oliveira empregada por Paulo em Romanos 11 fala de uma oliveira, plantada de uma vez por todas, cuja raiz é e permanece sendo Israel, do qual podem crescer e ser arrancados rebentos, e no qual o rebento arrancado pode ser enxertado de novo”. O cristianismo bebe da mesma fonte da Escritura judaica, e cristãos, assim como judeus, estão todos no mesmo processo de discernimento à luz da palavra divina.

Em terceiro lugar: A interpretação do Messias enviado por Deus permanece como “uma diferença provavelmente intransponível”, sendo que para os cristãos Jesus pre-enche as expectativas messiânicas, enquanto para os judeus esta expectativa ainda não se cumpriu.

Em quarto lugar: “A esperança messiânica da realização de um reino universal de paz e justiça não pode ser paralisada pelo anúncio cristão, o qual tem antes como

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meta fortalecê-la”. Quer dizer que o reconhecimento de Jesus como o Messias, pelos cristãos, não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida para a realização da sua proposta. O desafio para a realização do reino messiânico, de paz com direito e justiça, é responsabilidade de toda a humanidade, em especial, nessa perspectiva, de judeus e cristãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de messianismo e a proposta de um Messias salvador se desenvolveram principalmente no contexto da tradição judaica. Embora central ao longo de toda a história do Judaísmo, o messianismo não é um conceito unívoco, mas se enriquece com diversas vertentes. A expectativa messiânica, igualmente, moldou figuras de diferentes Messias, de acordo com os exemplos bíblicos. Dentre os muitos modelos, destacam-se libertadores como Moisés, reis como Davi, sacerdotes como Aarão, políticos guerreiros como Judas Macabeu. As propostas poderiam ser sintetizadas em duas vertentes, uma mais política, seguindo o modelo do messias rei Davi, outra mais apocalíptica, de acor-do com o modelo acor-do personagem divino conheciacor-do como filho acor-do Homem. A primeira atenderia mais a expectativa das classes dominantes, a segunda mais às classes pobres.

Em qualquer hipótese, a figura do Messias representa o ideal da pessoa justa e reta, ca-paz de resgatar o mundo da maldade. Nesse sentido, o Messias representa o rei ideal, capaz de fazer justiça em favor dos desvalidos; representa o profeta que denuncia as injustiças e anuncia um reino de paz; representa o sacerdote que santifica o povo em sua relação com Deus; representa o libertador que elimina as situações de opressão; enfim, representa o personagem que estabelece uma era de paz baseada na justiça.

O mundo ideal, saído das mãos do Criador, moldado na perfeição e sonhado como re-alidade, se projeta como uma era messiânica. Para o Judaísmo, essa esperança continua aberta, a realizar-se no futuro, com um amplo leque de propostas. Para o Cristianismo, essas expectativas foram realizadas na pessoa de Jesus de Nazaré. Se para o Judaísmo a tarefa de preparar a vinda do Messias compete à humanidade, para o Cristianismo não é diferente, pois o reino ideal, proposto por Jesus, está longe do que Ele propôs.

Pela convicção bíblica, é óbvio que o líder e defensor espiritual de Israel, como dos cristãos e de todos os povos do mundo, sempre foi e continua sendo o próprio Deus. O Messias é sempre enviado de Deus, ungido por Ele, como liberador, redentor e salvador. Por isso, judeus e cristãos mantêm sua atenção desperta para acolher a proteção espiritual que sempre receberam de Deus e agradecer todos os dias por essa ajuda divina.

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O Rei Salomão, filho de Davi, pediu a Deus para considerar as preces dos não-judeus que iam ao Templo Sagrado (1 Rs 8,41-43). Este gesto do rei da Sabedoria demonstra a sua convicção e nobreza espiritual ecumênica de que Deus é Deus de todos. E qualquer pessoa necessitada tem a certeza de que sempre que in-vocar a proteção divina a obterá.

A luta pela paz e pela justiça no mundo, representada pelo ideal messiânico, é um de-safio para toda a humanidade, em especial para judeus e cristãos.

THE MESSIAH IN JUDAISM AND CHRISTIANITY

Abstract: the article presents the different conceptions of Messiah in Judaism and in

Christianity. Although present in other cultures and religions, the concept of messianism is defined in the Jewish religion, influenced mainly by contexts of crisis. Even if it is a fundamental concept, it is not always convergent. In the Hebrew Bible several messianisms were developed, with proposals of Mes-siah king, priest and prophet. The figure of David was fundamental in defining various types of messianism, but it was in the post-exile period or in the se-cond temple that messianic ideas developed. At the beginning of the Christian era, the effervescence of messianic proposals sharpened popular expectations. Candidates for messiahs referred to the models of tradition, especially Moses as liberator, Aaron as priest, David as king and Judas Maccabee as military and politician. Christianity resumes texts and ideas about the Messiah, but changes the interpretation, concentrating it on the person of Jesus of Nazareth, called the Christ, the Anointed or the Messiah. Although Jesus embodies va-rious traits of Jewish messianism, he privileges the image of the poor, servant, suffering, peacemaker, merciful and supportive Messiah in the struggle for justice. Despite the different understandings, Messianism must be a cause of

common effort between Jews and Christians for peace and justice in the world.

Keywords: Judaism. Messiah. Anointed. Jesus Christ.

Notas

1 Além da Introdução, que inclui essas tipologias do messianismo, o Dicionário se estende na clássica apresentação alfabética dos personagens e movimentos messiânicos do mundo. 2 Os textos bíblicos são citados, normalmente, de acordo com a Bíblia de Jerusalém (2002). 3 O artigo de Joel Antônio Ferreira retoma a tradição messiânica do Evangelho de Marcos, e

compara, especificamente, dois Messias, Jesus e Simão Bar Giora, os quais, segundo o autor, se colocam a serviço dos oprimidos, retomando a tradição popular do Messias Davi pastor. 4 Moisés ben Maimon, conhecido como Maimônides ou como Rambam (1135-1204),

mé-dico e filósofo nascido em Córdoba, escreveu tratados de lógica e estudos do Judaísmo e tornou-se famoso pela lista dos 613 preceitos judaicos.

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