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A Concretização da Constituição Ecológica: a Norma Ambiental e as Ciências Naturais MESTRADO EM DIREITO

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PUC-SP

Lucas de Faria Rodrigues

A Concretização da Constituição Ecológica: a Norma Ambiental e as

Ciências Naturais

MESTRADO EM DIREITO

(2)

Lucas de Faria Rodrigues

A Concretização da Constituição Ecológica: a Norma Ambiental e as

Ciências Naturais

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação

apresentada

à

Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de MESTRE em

Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação

do Prof. Dr. Marcelo Gomes Sodré.

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BANCA EXAMINADORA

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Agradecimentos costumam ser um espaço de palavras certas, em que, por medo de omissões, costuma-se recorrer a frases feitas pelo “risco de se esquecer alguns nomes”. Claro, não fugirei desta fórmula, já para possuir uma carta na manga se indagado no futuro. Por outro lado, algumas pessoas (e instituições) devem ser lembradas, pois presentes desde o primeiro momento de construção desta dissertação.

Inicio pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, por duas razões, uma bastante evidente, outra nem tanto. A primeira, por ter sido a instituição responsável pelo apoio financeiro relativo à participação no curso da PUC-SP. A segunda, e um pouco menos clara para os que não me conhecem, por ter possibilitado o contato com o Direito Ambiental – um campo absolutamente novo, mas profundamente estimulante –, desde o primeiro dia de ingresso na carreira de Procurador do Estado.

Ao Professor Marcelo Sodré, por ter permitido que eu seguisse meu voo com liberdade, sempre estimulando a busca pelo meu caminho, nunca deixando que dele eu desistisse. Alguém que conheci como um mestre e termino – não só pela dissertação, por certo – tendo como um amigo.

A Dra. Sílvia Helena – eterna chefe, mentora e amiga –, ainda nos idos de 2010, me deu elementos para aquilo que veio a se transformar nesta dissertação: sua preocupação com a ideia de um sistema nacional de proteção ambiental e em como isto deveria refletir no processo de solução dos problemas postos ao operador do Direito. Este trabalho nasceu aí – e o projeto é a prova cabal disto –, como uma tentativa de buscar justificativas dogmáticas para a concepção deste sistema, que fossem não só jurídicas, mas igualmente “ambientais”. Claro, o estudo de disciplinas ditas tão distintas, como a Ecologia e o Direito (que na prática mostraram possuir pontos de interseção relevantes), acabou me guiando para um caminho diferente, mas sem nunca esquecer as origens.

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Aos professores do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, todos de altíssima qualificação e importantíssimos para a realização deste trabalho. Alguns, embora possam não saber, tiveram grande importância no resultado agora apresentado: o próprio Prof. Marcelo Gomes Sodré, Roberto Dias Baptista da Silva, Regina Vera Villas Boas, Flávia Piovesan.

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Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Eu sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples estado de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: eu quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que eu não entendo.

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O presente trabalho tem como objetivo buscar o sentido da Constituição Ecológica, definida como o conjunto de normas constitucionais voltadas à tutela do meio ambiente, a partir de um diálogo efetivo com as ciências naturais. A premissa fundamental, a partir da qual desenvolveu-se a disdesenvolveu-sertação, é de que compreender as características do bem tutelado é esdesenvolveu-sencial para o pleno exercício desta tutela. A partir daí buscou-se as bases dogmáticas no Direito a permitir um diálogo interdisciplinar efetivo. No Direito, o fundamento foi a Teoria Estruturante de Friedrich Müller e sua ideia de concretização das normas. A partir desta teoria foi possível extrair a estrutura da norma jurídica, que não é um dado prévio ao intérprete, constrói-se no caso concreto, a partir do seu programa normativo e seu âmbito normativo. O texto é apenas parte do processo, não contém em si a normatividade. Não existe norma jurídica (e também norma ambiental) definida previamente. A escolha da Ecologia não foi arbitrária neste contexto de diálogo, mas imposição do próprio âmbito normativo da norma ambiental. Desta disciplina

foi possível extrair elementos como o padrão de redes (ou a interconexão) e a cooperação.

a partir do instante em que se compreender adequadamente as relações da natureza, poder-se-á ter consciência da tutela esperada. Estas constatações levam a uma atuação ordenada dos poderes públicos, voltada à conjugação de esforços para salvaguardar um bem comum. Estas características devem refletir no padrão de ação dos poderes constituídos, no momento da concretização da norma ambiental, a partir de máximas como coordenação, coesão e cooperação. Mostrou-se que a intensidade e o modo de influência destes elementos variarão conforme o programa normativo requeira a busca de elementos extrajurídicos para delimitar o respectivo âmbito normativo. Fugir destes elementos leva a um risco de simbolização da Constituição. Há um reflexo prático no processo de concretização, com impactos na atividade de todos os Poderes estatais envolvidos (Legislativo, Executivo e Judiciário). Assim, há impactos na solução de casos concretos postos a exame do Judiciário, mas também na

formatação e execução de políticas públicas. É necessário se falar em uma verdadeira diretriz

de enfrentamento das questões ambientais.

Palavras-chave: Constituição Ecológica; Teoria Estruturante; Concretização;

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This work aims to seek the meaning of Ecological Constitution, defined as the set of constitutional rules directed to protection of the environment, from an effective dialogue with the natural sciences. The fundamental premise, from which developed the thesis, is that understanding the characteristics of the good tutored is essential to the full exercise of guardianship. From there we sought to dogmatic bases in Law to allow an effective interdisciplinary dialogue. In Law, the foundation was the Structuring Theory of Friedrich Müller and his idea of the rules concretization. From this theory was possible to extract the structure of the legal norm, which is not given prior to the interpreter, is built in the case, from its normative program and its normative ambit. The text is only part of the process, does not contain in itself the normativity. There is no legal norm (and also environmental norm) previously defined. The choice of Ecology was not arbitrary in this context of dialogue, but enforcement of the normative ambit of environmental norm. From this discipline was possible

to extract elements as the network pattern (or the interconnection) and cooperation. Only from

the instant you properly understand the nature relationships, will be possible to realize the expected protection. These findings lead to the orderly operation of government, focused on joint efforts to safeguard the common good. These characteristics should reflect the pattern of action of the constituted authorities, in the moment of the environmental norm concretization, from maxims as coordination, cohesion and cooperation. It has been shown that the intensity and mode of influence of these elements will vary as the normative program requires the search for extra-legal elements to delimit the respective normative ambit. Escape of these elements leads to a risk of Constitutional symbolization. There is a practical reflection in the process of concretization, with impacts on the activity of all state powers involved (Legislative, Executive and Judiciary). Thus, there are impacts on the solution of concrete cases placed to the examination of the judiciary, but also in shaping and implementing public policies. It´s necessary to speak in a guideline for dealing with the environmental issues.

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INTRODUÇÃO ... 11

1. DO DIREITO À ECOLOGIA ... 19

1.1. Constituição Ecológica e a proteção ambiental como direito fundamental ... 19

1.1.1. Proteção ao meio ambiente como direito fundamental ... 19

1.1.2. Busca de um conceito de Constituição Ecológica ... 27

1.2. Consequências de qualificar a proteção ao meio ambiente como direito fundamental . 30 1.2.1. Dimensão subjetiva ... 32

1.2.2. Dimensão objetiva ... 33

1.2.3. Onde o Direito Ambiental entra nisto? ... 36

1.3. A concretização de direitos fundamentais e a construção da norma ambiental ... 40

1.3.1. Hermenêutica dos direitos fundamentais em um contexto pós-positivista ... 42

1.3.2. Interpretação ou concretização dos direitos fundamentais?... 45

1.3.3. Método concretista-estruturante de Friedrich Müller ... 49

1.3.4. Quem deve concretizar? ... 56

1.4. Por que a Ecologia? ... 58

2. DA ECOLOGIA DE VOLTA AO DIREITO ... 63

2.1. Conectividade nos ecossistemas- ... 65

2.2. O padrão de rede no comportamento dos ecossistemas... 66

2.3. Cadeias alimentares ... 68

2.4. Fluxos e trocas entre os ecossistemas ... 71

2.5. Relações de dependência: um indício de cooperação? ... 74

2.6. Evidências da conectividade ... 77

2.7. Além de Gaia: não pela teoria, mas pelos seus desdobramentos ... 78

2.7.1. Compreendendo a biosfera: o surgimento de uma nova Ecologia ... 88

2.7.2. Alguns aspectos técnicos da interligação na biosfera ... 91

2.8. Porque as fronteiras dos homens não respondem às demandas naturais? ... 93

2.9. Algumas notas sobre a evolução e a nova visão aplicável à vida ... 97

2.9.1. Seriam as mutações aleatórias e a seleção natural as únicas forças evolutivas? ... 102

2.9.2. Olhares contemporâneos sobre a evolução ... 106

2.10. Notas conclusivas: eis a teia da vida? ... 111

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INTRODUÇÃO

Esta introdução começa com um parágrafo para os desavisados. Sim, todo trabalho

científico deve – ou ao menos deveria – ser iniciado com uma indagação: qual o seu objeto? Sobre o que se debruçará? Todo trabalho que se pretende científico – na esfera jurídica e em tantas outras – deve partir da fixação clara do seu objeto de perquirição, para que não se perca em devaneios retóricos irrelevantes e não deixe de apresentar o caminho teórico a ser trilhado. Faremos isso, por certo, porém não neste momento. Há reflexões essenciais – e iniciais – a

serem feitas, razão pela qual ficará para o final a descrição mais detalhada das suas bases1.

O motivo desta inversão é um só: este não é um trabalho sobre Direito, exclusivamente,

é um ensaio sobre a natureza, principalmente. As questões do Direito serão incidentes, como não poderia deixar de ser, mas serão instrumentais – não como uma finalidade em si mesma. Discutiremos a norma ambiental a partir das ciências naturais, pautados em um diálogo

interdisciplinar2 efetivo – “não no sentido habitual e simples de intercambiar informações entre

diversas disciplinas, mas no sentido de descobrir pautas comuns a muitas disciplinas”3. Antes,

porém, algumas histórias deste caminho.

Ao longo da pesquisa, dois textos emergiram e se mostraram fundamentais para o

resultado agora apresentado, um como vilão, outro como incentivador. Não são exatamente

eles que serão discutidos, mas estão eles por de trás de toda a discussão. Um foi importante não porque tenha dado respostas, mas por ter nos feito questionar. O outro, por ter mostrado ser possível – e desejável – sair das fronteiras impingidas ao Direito e pelo Direito.

O primeiro deles, de Kuhn, nos apresentou toda discussão sobre a estrutura das revoluções científicas e deixou valiosíssimas lições. Uma delas é o próprio conceito – tão

1 Uma das lições do mestrado (e da orientação) é que a introdução não é um espaço de mera síntese – mais do que isto, é um espaço de apresentação, de direcionamento e, sobretudo, de pavimentação do caminho a ser trilhado. 2 Há diversos níveis de diálogo entre disciplinas. O vocábulo disciplina se refere a um conjunto isolado de conhecimento, visualizado isoladamente – o Direito, a Ecologia, a Economia, etc. As abordagens ditas

multidisciplinares abrangem mais de uma disciplina, mas sem uma cooperação efetiva entre elas, pouca articulação. Em um estágio além encontra-se a interdisciplinaridade, quando reconhece-se uma cooperação efetiva, mas é mantida a feição de cada disciplina. Por fim, no estágio final, há a transdisciplinaridade, pela qual a abordagem é absolutamente integrativa, na qual praticamente se perdem as divisões disciplinares – uma grande e única disciplina (ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Cengage Learning, 2011, p. 15-16). Verdadeiramente o que se busca neste trabalho é um diálogo interdisciplinar, ciente das dificuldades de se estabelecer um diálogo sólido, sobretudo com o estabelecimento de premissas dogmáticas que permitam o intercâmbio de informações e uma perspectiva teórica igualmente válida para as disciplinas abrangidas.

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propalado – de paradigma, definido como as “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma

comunidade de praticantes de uma ciência”4. A ciência, porém, não é estática, está em constante

processo de transformação. E mais, não evolui a partir do mero acúmulo de conhecimento. Métodos científicos ficam obsoletos e são deixados de lado, embora possam ter reconhecida

importância histórica5. É essencial reconhecer que “se elas [crenças obsoletas] devem ser

chamadas de ciência, então a ciência inclui conjuntos de crenças totalmente incompatíveis com

as que hoje mantemos”6. Assim, é possível identificar ao longo da história movimentos que

forçam “a comunidade a rejeitar a teoria científica anteriormente aceita em favor de outra

incompatível com aquela”7 – o que o autor convencionou chamar de revolução científica.

O modelo teórico destas revoluções passa por outras conceituações fundamentais. A

ciência normal é aquela executada sempre com os olhos no passado, tendo como referência realizações já acabadas e tidas até aquele momento como paradigmas. Por esta razão, o conceito

de ciência normal vincula-se ao de paradigma8. É o “estudo dos paradigmas [...] que prepara

basicamente o estudante para ser membro da comunidade científica determinada na qual atuará

mais tarde”9, é ela formada por um “consenso estável na pesquisa”10. Em verdade, a construção

da ciência normal passa necessariamente por um jogo de convencimento. Uma teoria deve

“parecer melhor que suas competidoras”11 e mais, deve “atrair a maioria dos praticantes de

ciência da geração seguinte”12. A consequência deste processo é a extinção gradativa de teorias

ultrapassadas.

O estabelecimento de uma base sólida para a ciência normal, com um paradigma inquestionável – sem críticas significativas até um determinado momento histórico – não significa o completo esvaziamento do objeto de análise dos cientistas. Há problemas

demandando soluções mesmo em um cenário do que chamaríamos de estabilidade científica.

Segundo Kuhn, o paradigma nada mais é do que uma “promessa de sucesso que pode ser

descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos”13, enquanto a “ciência normal

4 KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998, p. 13.

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consiste na atualização dessa promessa, [...] que se obtém ampliando-se o conhecimento

daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes”14. Não é só: a

ciência normal ocupa-se, em alguma medida, da especialização do paradigma, investigando

pontos determinados com alto grau de profundidade e detalhamento15; e mais: servem para

“aumentar o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado”16. Estes papéis

poderiam ser sintetizados, nas palavras de Kuhn, no enfrentamento de três problemas distintos: “determinação do fato significativo, harmonização dos fatos com a teoria e articulação da

teoria”17. A ciência normal, portanto, é uma ciência do agora, com base nas experiências do

passado, voltada especialmente a manter os paradigmas vigentes.

Embora a ciência normal possa objetivar a eternidade, frequentemente, no curso da história, paradigmas mostraram-se falíveis e demandaram mudanças. Com efeito, duas formas

básicas são reconhecidas nas mudanças de paradigma. A primeira decorre das descobertas, ou

“novidades relativas a fatos”18. Estes processos são caracterizados por três diferentes aspectos,

sempre identificados, embora em diferentes graus: i. consciência da anomalia, ou seja, o

“reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas

que governam a ciência normal”19; ii. a “emergência gradual e simultânea de um

reconhecimento tanto no plano conceitual como no plano da observação”20; iii. a “mudança das

categorias e procedimentos paradigmáticos”21.

A segunda forma de mudança de paradigma decorre das invenções, ou “novidades

concernentes à teoria”. Uma nova teoria surge diante do insucesso das regras até então

vigentes22, do “fracasso caracterizado na atividade normal de resolução de problemas”23. São

justamente as crises que conduzem a uma nova teoria – deixa-se de praticar a ciência normal e passa-se a exercer uma ciência extraordinária (fora do paradigma anterior); porém, a noção de que os antigos alicerces passaram a ser, em alguma medida inservíveis não conduz os cientistas prontamente ao novo padrão.

A recusa de um paradigma já estabelecido só acontece quando há efetivamente uma alternativa à qual os cientistas podem se filiar, pois “rejeitar um paradigma sem

14 KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998, p. 44. 15 Ibid., p.45.

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simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria ciência”24. Estas crises, porém, não advêm de qualquer turbulência. As dificuldades devem ser significativas, insolúveis pelo

paradigma vigente25. Como identificar uma crise? Segundo Kuhn, a partir do seu ponto de

partida e do seu ponto de chegada. Todas elas se iniciam “com o obscurecimento de um paradigma e o consequente relaxamento das regras que orientam a pesquisa normal”. Todas elas terminam de um entre três modos possíveis: i. a ciência normal consegue solucionar os problemas colocados; ii. o problema continua sem solução, pois as novas “abordagens” não são capazes de resolvê-los (são relevados e deixados para o futuro); iii. da crise surge um novo

paradigma, que passa a brigar para ser aceito pela comunidade científica26.

A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução de área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. Durante o período de transição haverá uma grande coincidência entre os problemas que podem ser resolvidos pelo antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo. Haverá igualmente uma diferença decisiva no tocante aos modos de solucionar os problemas27.

Para autor é a “transição para um novo paradigma” que representa a revolução

científica28. Na conceituação apresentada, as revoluções científicas são “aqueles episódios de

desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente

substituído por um novo, incompatível com o anterior”29.

As revoluções científicas representam mais do que a mera mudança de paradigma,

significam igualmente uma modificação no modo de olhar o mundo30 – “os cientistas adotam

novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções”31 –, pois aquilo “que um homem

vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual

prévia o ensinou a ver”32. O contexto no qual o observador está inserido não é alterado com a

revolução científica, mas o modo de examinar este contexto é absolutamente distinto33.

Não é a resposta à pergunta que muito provavelmente se fará neste momento. Não

estamos propondo uma mudança de paradigma – primeiro porque seria estranho fazê-lo conscientemente, segundo porque temos clareza do nosso trabalho e de nossas pretensões. Em

24 KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998, p. 110. 25 Ibid., p. 113.

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verdade, esta obra e os conceitos introduzidos nos serviram muito mais para questionar o paradigma da ciência do Direito e indagar se um modelo “clássico” de leitura da norma – um Direito simplesmente pelo Direito e a partir do Direito –, sem espaço para um olhar interdisciplinar, é suficiente para responder grande parte das perguntas contemporâneas e das demandas da sociedade. Em uma sociedade complexa, uma visão interdisciplinar, envolvendo diversos conhecimentos distintos, não seria por si só uma mudança de paradigma? Um modo

diferente de enxergar o mundo?34

Se este texto apresentou questões, o outro, mencionado ainda no início da introdução, indicou ser possível um pensar diferente e nos estimulou a buscar o novo. Mostrou que o olhar sobre o mundo e, consequentemente, o olhar sobre o Direito, não precisa necessariamente ser reducionista, vez que pode ser complexo. Trata-se da obra de Morin e dos alicerces lançados

sobre aquilo que ele denominou de pensamento complexo.

Para o autor, complexo é “aquilo que não pode se resumir numa palavra-chave, o que

não pode ser reduzido a uma lei nem a uma ideia simples”35. Pode-se dizer que “a ambição do

pensamento complexo é dar conta das articulações entre os campos disciplinares que são

desmembrados pelo pensamento disjuntivo”36. Aqui, importante se dizer, não se trata

simplesmente de vangloriar um olhar holístico em detrimento dos exames reducionistas: busca-se, em verdade, “a ideia de unidade complexa, que liga o pensamento analítico-reducionista e

o pensamento da globalidade, numa dialetização [...]”37. O pensamento complexo não propõe

o mero afastamento das leituras antecessoras amparadas no paradigma da redução – tal olhar deve ter sua importância reconhecida, mas não como uma visão absoluta e única

(complementaridade)38.

O pensamento complexo de Morin não busca a completude, ou o conhecimento completo. A complexidade é a abertura ao conhecimento multidimensional, que, de modo

algum, objetiva esgotar o conhecimento39. A reflexão a partir de um olhar multidimensional

34 Como se verá ao longo do trabalho, algumas perguntas serão efetuadas não para trazermos em seguida uma resposta, mas, em verdade, para apontarmos os caminhos a serem trilhados, ou, muitas vezes, para instigar o debate. As respostas costumam ser frias e duras, inflexíveis, pouco afeitas às discussões. As perguntas, ao contrário, são um chamado à reflexão; podem até traçar rotas, mas exigem que as percorramos, por nossos próprios meios. Ainda que ofereçamos algumas respostas ao longo do nosso caminho – o que acontecerá, por serem essenciais para formularmos uma proposta de enfrentamento dos dilemas da pesquisa – elas não serão e tampouco almejarão ser definitivas – será aquilo que nós julgamos adequado apresentar, à luz das premissas do trabalho. 35 MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2011. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 05.

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coloca em xeque as categorizações comumente efetuadas nos bancos da universidade40 – as disciplinas não necessariamente refletem a realidade, pois os fatos sociais (não só eles, mas aqui indicados em razão do objeto do trabalho), não são simplesmente econômicos, legais, ou psicológicos, a depender do observador e do seu repertório teórico. Por isso Morin é categórico

ao dizer que “toda visão unidimensional é pobre”41, pois nenhum fato fica adstrito a um único

espaço do conhecimento (ao menos não nos moldes esculpidos tradicionalmente). Por isto mesmo, os conceitos devem viajar (preferencialmente de forma clara), possibilitando às

“disciplinas respirar, se desobstruir”42.

Com base nestas premissas, Morin aponta três princípios para a complexidade. O princípio dialógico: “permite manter a dualidade no seio da unidade”43, vale dizer “associa dois

termos ao mesmo tempo complementares e antagônicos”44. O princípio da recursão

organizacional: os produtos de determinados processos não são causa e consequência naquela

mecânica, influenciam e são influenciados45. Por fim, o princípio hologramático, as partes e o

todo se integram, à medida que a correta compreensão do todo passa pela compreensão das partes e a compreensão das partes passa pela do todo.

Aproximando o pensamento complexo do Direito, podemos afirmar, sem sombra de

dúvidas, que o chamado à superação do paradigma da disjunção pelo paradigma da conjunção46

também deve ocorrer na ciência jurídica. A norma não se basta, o Direito não se basta, ele demanda, em maior ou menor medida, a abertura para outros saberes, para outras ciências. O pensamento complexo não só nos fez perceber que isto é possível, como também necessário.

É justamente este o desafio deste trabalho – e agora retornamos ao início da introdução. As características do bem tutelado – neste caso o meio ambiente – devem ter uma função de relativa importância no processo de concretização da norma de tutela – o que aqui chamaremos de “norma ambiental”. Este é o objeto da pesquisa. Há um papel específico das ciências naturais no processo de concretização da norma ambiental? Se há, qual é o papel das ciências naturais?

Como este diálogo deve acontecer do ponto de vista dogmático, considerando, em especial, os

paradigmas do Direito? Por fim, o que é possível extrair desta integração e quais os resultados deste processo?

40 MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 68. 41 Ibid., p.69.

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Nesta altura, já é possível ao menos imaginar grande parte das respostas às questões apresentadas anteriormente. Se chegamos nesta parte, pressupor-se-á, corretamente, que este diálogo foi efetuado, cabendo discutir mais a forma e as consequências dele. De fato, o estudo da Ecologia mostrou ser possível extrair da natureza uma experiência positiva (a cooperação) e uma certeza (o padrão de redes dos fenômenos naturais). Como e em que medida isso influirá na definição da norma ambiental são perguntas a serem respondidas em seguida. Aqui também cabe uma ressalva metodológica fundamental para a delimitação da exposição que se inicia: embora as características do meio ambiente sejam de amplitude tal que permitam uma abordagem mais expansiva, sobretudo nos aspectos internacionais, olharemos especificamente

para o processo de concretização da norma nacional, sem, por certo, perder de vista o

entrelaçamento necessário e invariável com sistemas de proteção internacionais.

Na busca do sentido da norma ambiental, o trabalho foi estruturado em três grandes partes, como se verá a partir deste momento. Será possível notar uma ideia circular na exposição, que partirá do Direito, buscando nele elementos para suportar o diálogo com a Ecologia – o primeiro capítulo – e, em um segundo momento, a partir da Ecologia buscar-se-á voltar ao Direito – segundo capítulo. A terceira parte ficará reservada a ser um tópico de fechamento, mais voltado ao resultado da junção aqui proposta – com o aproveitamento de elementos de uma disciplina pela outra. Neste processo – que inclui a superação do hermetismo do Direito e do jurista – será necessário buscar um ponto de abertura, de modo a legitimar o intercâmbio conceitual entre disciplinas tão distintas. Isto poderia ser efetuado de diversas

maneiras, porém optamos por recorrer à metódica47 estruturante (e a ideia de concretização) de

Müller e dela importarmos os instrumentais para tanto. Correndo o risco de sermos demasiadamente simplistas ao tentar resumir esta teoria em breves linhas, diríamos que a concretização é efetivamente um processo de construção da norma, que não existe previamente definida, mas depende de um complexo – mas ainda assim metódico – processo, que tem no texto apenas o ponto de partida, mas não o resultado. Para Müller a norma não é dada pelo legislador, mas construída no caso.

Aqui estão algumas das inquietações que buscaremos enfrentar. É forçoso, porém,

deixar claro que uma das premissas é um diálogo efetivo com as ciências naturais48, não

47 A expressão metódica aqui será utilizada no sentido proposto por Müller: é a “[...] designação de uma concepção global sistematicamente reflexionante dos modos de trabalho do direito (constitucional), a ‘metódica’ no sentido aqui usado é o conceito abrangente de ‘hermenêutica’, ‘interpretação’, ‘métodos de interpretação’ e ‘metodologia’” (MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 27).

48 Tampouco este será um trabalho voltado à filosofia. Por certo, será natural para alguns aproximá-lo da ecologia

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meramente formal e protocolar. A intenção será efetivamente beber em outra fonte, que não só o Direito, ao contrário daquilo que faz grande parte da doutrina especializada. Se bem estamos tutelando o meio ambiente, pois assim a Constituição Federal determinou, devemos invariavelmente bem conhecê-lo – sob pena de se transformar em letra morta os comandos

constitucionais. Vale dizer: a proteção ambiental não existe per se, ela existe com uma

finalidade, com um propósito, o qual deverá sempre ser perseguido. Portanto, este é o objeto de pesquisa: a construção da norma ambiental a partir das ciências naturais, pois o “bem a regular

é o que deve definir os instrumentos regulatórios e não o inverso”49.

desgarrar da dita Ecologia clássica, por assim dizer, à medida que voltou efetivamente ao questionamento do homem e seus comportamentos a partir de bases ecológicas. Aqui desejamos efetivamente partir de constatações concretas, ligadas às características do bem ambiental, para então indicar caminhos à sua tutela jurídica.

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1. DO DIREITO À ECOLOGIA

1.1. Constituição Ecológica e a proteção ambiental como direito fundamental

Este primeiro capítulo comporta a busca de algumas respostas à luz da proposta fixada

ainda na introdução. Para tanto, buscaremos enfrentar as seguintes questões: O quê? – o

objetivo será apontar qual é especificamente nosso objeto de investigação, do ponto de vista da Teoria do Direito, aproximando a proteção do meio ambiente ao conceito de direito

fundamental; Quais as consequências? – o fato de qualificar a proteção do meio ambiente como

um direito fundamental impõe alguns desdobramentos de significativa importância; Como?

sendo um direito fundamental com as consequências daí advindas, neste tópico pretendemos

apontar uma forma para a leitura da norma ambiental, ou o seu processo de concretização; Por

quê? – Neste último tópico pretendemos apontar as razões por trás da escolha da Ecologia (que, definitivamente, não é arbitrária). Comecemos então pela definição do objeto de investigação.

1.1.1. Proteção ao meio ambiente como direito fundamental

É preciso enfrentar uma questão tormentosa, porém elementar para o caminho a ser

trilhado de agora em diante: seria a proteção ao meio ambiente50 um direito fundamental? Esta

pergunta coloca em evidência o percurso teórico deste tópico. Mais do que isto, ela oferece um grande desafio, o de buscar um sentido para o conceito de direitos fundamentais – sobretudo

por serem várias as acepções terminológicas utilizadas por diferentes autores51.

Há certo esforço doutrinário em diferenciar os sentidos de um direito fundamental – um material e outro formal. O primeiro reconheceria um direito como fundamental pelo seu

50 Ao longo deste trabalho faremos referência a este direito fundamental de diversas maneiras, usando expressões que poderão variar, mas sempre referindo-se ao mesmo sentido – direito ao meio ambiente, meio ambiente ecologicamente equilibrado, proteção ao meio ambiente, etc.

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conteúdo52. Os direitos fundamentais possuiriam certa “fundamentalidade material”53 – no sentido de que buscam proteger “situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se

realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive”54. Seria, portanto, fundamental não

pela posição ostentada no ordenamento jurídico, em razão de sua positivação – haveria uma

“normatividade materialmente determinada”55, conforme os determinantes que se buscam

concretizar. Constituem, neste contexto, elementos constitutivos “das estruturas básicas do

Estado e da sociedade”56. Contudo, se examinarmos esta concepção de modo isolado,

poderemos chegar a um problema de difícil superação, pois, como aponta Dimoulis e Martins, poder-se-ia levar à criação de um direito fundamental independentemente da forma do ato

normativo definidor – por uma lei ordinária, v.g., facilmente revogável57.

Por esta razão, a materialidade dos direitos fundamentais de nada adiantará se estes

direitos não forem garantidos pela ordem jurídica; se a eles não for atribuída uma proteção igualmente especial. A positivação há de se efetivar de modo singular; vale dizer, “não basta

uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights,

colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais”58. Neste sentido

formal, os direitos fundamentais, como ensina Bonavides, são “todos os direitos ou garantias

nomeados e especificados no instrumento constitucional”59, que, ainda segundo o mesmo autor,

receberam “[...] um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis”60. Direito

fundamental, portanto, nesta acepção, será aquilo definido como tal pelo ordenamento jurídico61.

Por certo, quando falamos do seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico não estamos restritos apenas àqueles expressamente afirmados pelo texto constitucional, mas àqueles, de uma forma geral, reconhecidos pela Constituição, decorrentes do processo de concretização da Carta. Como veremos adiante, o texto não é a única expressão da norma – no

52 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 379.

53 Ibid., p. 379.

54 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 178.

55 MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 267.

56 CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p.379.

57 Cf. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 41.

58 CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p. 379.

59 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28 ed. São Paulo Malheiros 2013, p. 579. 60 Ibid., p. 579

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caso dos direitos fundamentais, o contato com elementos reais no momento da concretização62 torna-se ainda mais significativo. Não obstante um direito fundamental possa muitas vezes ser mais facilmente alcançado a partir do texto, em outras situações demandará um trabalho mais árduo do intérprete.

Esta dicotomia – entre sentidos formal e material – mostrar-se-á, para nosso fim, desnecessária. Quer adotemos um, quer adotemos outro, a fundamentalidade do direito ao meio ambiente está presente – e isto parece inquestionável, como veremos à frente. Ademais, não vemos nestas duas acepções olhares excludentes, mas, ao contrário, complementares:

Prima facie, a fundamentalidade material poderá parecer desnecessária perante a constitucionalização e a fundamentalidade formal a ela associada. Mas não é assim. Por um lado, a fundamentalização pode não estar associada à constituição escrita e à idéia de fundamentalidade formal como o demonstra a tradição inglesa das Common-Law Liberties. Por outro lado, só a idéia de fundamentalidade material pode fornecer suporte para: (1) a abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente fundamentais; (2) a aplicação a estes direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente à fundamentalidade formal; (3) a abertura a novos direitos fundamentais (Jorge Miranda). Daí o falar-se, nos sentidos (1) e (3), em cláusula aberta ou em princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais. Preferimos chamar-lhe de “norma com fattispecieaberta” (Baldassare) que, juntamente com uma compreensão aberta do âmbito normativo das normas concretamente consagradoras de direitos fundamentais, possibilitará uma concretização e desenvolvimento plural de todo o sistema constitucional63.

Deste modo, voltando às questões iniciais deste item, para sabermos se a proteção ao meio ambiente é tratada como direito fundamental é preciso recorrer ao seu regime jurídico. Isto não significa negar que a proteção do meio ambiente possa estar ligada axiologicamente à teoria dos direitos fundamentais (não há humanidade sem natureza), no seu viés material, como afirmamos ainda no parágrafo anterior. Há uma opção – quase pragmática – de buscar esta aproximação conceitual a partir da base normativa deste direito.

Embora estejamos a falar do regime jurídico constitucional, no caso do meio ambiente é inviável não recorrer aos instrumentos internacionais, por terem influenciado sensivelmente a Constituição Federal de 1988 e por serem a base para o seu reconhecimento como direito

fundamental64.

Neste contexto, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 é bastante significativa, pois definitivamente incorporou tal aproximação em seu texto, ao

62 Discutiremos mais à frente o processo de construção da norma, com as premissas adotadas neste trabalho. 63 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 379-380.

(23)

atestar, no primeiro princípio, que os “seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. Claro que a origem mais remota desta simbiose semântica (proteção do ser humano e da natureza), pode ser atribuída à Conferência de Estocolmo.

Antes da Conferência de Estocolmo, o meio ambiente era tratado, em plano mundial, como algo dissociado da humanidade. A Declaração de Estocolmo de 1972 conseguiu, portanto, modificar o foco do pensamento ambiental do planeta, mesmo não se revestindo da qualidade de tratado internacional, enquadrando-se, ao lado das várias outras declarações memoráveis das Nações Unidas - de que são exemplos a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (no campo dos direitos humanos) e a Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento de 1992 (na esfera da proteção internacional do meio ambiente) -, no âmbito daquilo que se convencionou chamar de soft law ou droitdoux (direito flexível), governado por um conjunto de sanções distintas das previstas nas normas tradicionais, em contraponto ao conhecido sistema do hard law ou droitdur (direito rígido)65.

A partir da Declaração de Estocolmo foi possível pensar no direito ao meio ambiente (ou à sua proteção) como um direito humano (e, diante das premissas deste trabalho, fundamental), em razão da redação conferida ao primeiro princípio daquele documento:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.

Não se pode olvidar que a proteção ambiental, neste cenário, está intimamente ligada à proteção da vida – em todas suas formas, mas especialmente a dos seres humanos. O termo específico é mencionado nos dois documentos aqui já referidos, mas também em outros de igual importância, como a Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a

Convenção sobre Diversidade Biológica66.

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi bastante audaz com seu protocolo adicional, estabelecendo no artigo 11 que “toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos”. Poderíamos citar inúmeros outros documentos internacionais, demonstrando um claro viés de aproximação – que, diríamos, é inevitável e sem volta. Veja o caso da Convenção sobre Acesso à Informação, Participação

65 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional

do Meio Ambiente. In Revista dos Tribunais OnLine– Revista de Direito Ambiental. São Paulo: n. 34, abril-junho, 2004. Disponível em <http://www.rtonline.com.br>. Acesso em 22 de dezembro de 2013, p. 05.

(24)

Pública e Acesso à Justiça67; a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança68,

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia69.

Este breve quadro é mais do que suficiente para demonstrar, com alguma facilidade, a qualificação do direito ao meio ambiente como um direito humano e, portanto, fundamental à sobrevivência da espécie humana.

Embora sejam fruto de um processo de construção histórica de raízes internacionais, não se pode dizer que os direitos fundamentais tenham surgido ao mesmo tempo nas diversas sociedades em que são protegidos. Entretanto, até por uma imposição didática, a doutrina buscou classificá-los em grandes, sequenciais e não excludentes grupos. Ainda no século XVIII, naqueles denominados direitos fundamentais de 1ª dimensão, viriam inicialmente a proteção de

direitos como liberdade, igualdade e fraternidade70. A estes seguiram os direitos fundamentais

de segunda dimensão, que apareceram no século XX e abrangem os “direitos sociais, culturais

e econômicos”71, formando a base para aquilo que se designou como modelo de Estado Social.

A preocupação com o meio ambiente está inserida entre os direitos fundamentais de terceira dimensão – aquele que “se assenta sobre a fraternidade [...] e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou

coletivos”72. São voltados à proteção da humanidade como um todo, da sua existência73-74

Seguindo esta tendência, a Constituição Federal de 1988 erigiu a proteção do meio ambiente à condição de direito fundamental. No entanto, a gênese desta tutela em terras

67 Artigo 1º - De forma a contribuir para a protecção do direito que qualquer indivíduo, das gerações actuais ou futuras, tem de viver num ambiente adequado à sua saúde e bem-estar, cada Parte garantirá os direitos de acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, de acordo com as disposições desta Convenção.

68 Artigo 24

1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a gozar do melhor estado de saúde possível e a beneficiar de serviços médicos e de reeducação. Os Estados Partes velam pela garantia de que nenhuma criança seja privada do direito de acesso a tais serviços de saúde.

2. Os Estados Partes prosseguem a realização integral deste direito e, nomeadamente, tomam medidas adequadas para:

[...]

c) Combater a doença e a má nutrição, no quadro dos cuidados de saúde primários, graças nomeadamente à utilização de técnicas facilmente disponíveis e ao fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em consideração os perigos e riscos da poluição do ambiente;

[...]

69 Artigo 37

Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de protecção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável.

70 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28 ed. São Paulo Malheiros 2013, p. 580-581. 71 Ibid., p. 582.

72 Ibid., p. 587. 73 Ibid., p. 588.

(25)

brasileiras está na Lei Federal nº 6.938/1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (LPNMA). Esta norma foi responsável por pavimentar o caminho para o reconhecimento alcançado com a Constituição Federal de 1988. O seu caráter revolucionário reside basicamente em dois pontos.

A LPNMA marcou uma guinada do Brasil na abordagem da proteção ambiental, pois até a Conferência de Estocolmo, já mencionada, o país “defendia o desenvolvimento a qualquer custo, independentemente dos prejuízos causados ao meio ambiente. Com a lei, o Brasil passou a defender o desenvolvimento econômico atrelado à ideia de sustentabilidade e de proteção do

meio ambiente”75.

Além disto, a legislação pátria até aquele momento histórico se limitava a pequenas e pontuais ações de proteção ao meio ambiente. O Estado não possuía como meta o estabelecimento de uma política voltada a questões de longo prazo, com o estabelecimento de

planos e projetos integrados e coordenados76. Benjamin denominou esta fase da legislação

como fragmentária, guiada pelo referencial do utilitarismo (o interesse econômico como

verdadeira razão para proteção do meio ambiente), pela fragmentação do seu objeto (questões ambientais não eram enfrentadas de forma integrada) e pela fragmentação da legislação (várias

normas esparsas, igualmente sem um tratamento holístico)77. Foi somente com a Lei Federal nº

6.938/1981 que se deu “tratamento global e unitário à defesa da qualidade do meio ambiente

no país”78, a partir da articulação dos diversos atores políticos envolvidos (entenda: entes

federados) por meio da Política Nacional do Meio Ambiente. Ainda de acordo com Benjamin, a Lei Federal nº 6.938/1981 inaugura uma nova fase no tratamento das questões ambientais,

chamada de holística, retratando o momento pelo qual o meio ambiente foi compreendido e,

principalmente, protegido, como um “sistema ecológico integrado”79.

A Lei n. 6.938 foi a primeira tentativa de sistematizar normativamente uma política nacional de meio ambiente, estabelecendo princípios e objetivos de ação, instituindo um sistema nacional e criando o respectivo conselho, consagrando a responsabilidade objetiva e enumerando instrumentos de ação. É o texto legal que, antecedendo à Constituição atual, serviu para lançar os alicerces normativos, que deveriam embasar toda ação executiva80.

75 RODRIGUES, Lucas de Faria. O Papel Normativo do Ibama na Gestão da Fauna e suas Implicações na Atuação

do Estado de São Paulo. In: Revista de Direitos Difusos. São Paulo: v. 55, p. 43-72, setembro, 2011, p. 49. 76 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 325.

77 BENJAMIN, Antônio V. Herman. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: n. 14, p. 48-82, abril-junho, 1999, p. 51.

78 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 219. 79 BENJAMIN, Antônio V. Herman. op. cit., p. 52.

80 FELDMANN, Fábio José; CAMINO, Maria Ester Mena Barreto. O direito ambiental: da teoria à prática. In:

(26)

Como afirmamos no início deste tópico “todo direito fundamental tem matriz

constitucional”81, daí ser relevante retomarmos a gênese daquilo que chamamos de Constituição

Ecológica82. Sendo a proteção ao meio ambiente parte do processo histórico de construção dos

direitos fundamentais, fica fácil perceber que a Constituição Federal de 1988, ao trazer um conjunto de regras voltadas ao mesmo fim, encampou a ideia de modo inquestionável.

Os documentos internacionais serviram para demonstrar a grandeza do perigo ao qual a humanidade estava e está exposta – deixando de lado qualquer discussão maniqueísta entre

biocêntricos e antropocêntricos83, inegável que a humanidade submete-se a riscos maiores se

não tutelar o meio ambiente. Em um determinado momento o homem foi obrigado a olhar para suas relações com a natureza e direcionar as instituições para defendê-la – pouco importando, neste ponto, os desígnios éticos desta escolha (a natureza pela natureza, ou a natureza pelo homem).

O regime jurídico do meio ambiente – em um conjunto normativo que designamos como

Constituição Ecológica84 – demonstra não só a relevância da matéria, mas também o especial

grau de proteção que lhe foi conferido.

Assim, a consagração do direito fundamental ao meio ambiente, no art. 225 da CF/1988, tem um duplo significado: a) em primeiro lugar afirma o valor do meio ambiente para assegurar a dignidade humana. O fundamento da constitucionalização do direito ao meio ambiente é a própria dignidade da pessoa humana, das gerações presentes e futuras. De maneira mais abrangente é possível afirmar que o fundamento da consagração de um direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é a dignidade da vida em todas as suas formas. Trata-se de assegurar a continuidade da vida no planeta, fundada na solidariedade humana no tempo e no espaço; b) em segundo lugar, o direito ao meio ambiente é transformado em norma constitutiva fundamental da ordem jurídica, meio necessário para que o indivíduo e a coletividade, ambos possam desenvolver todas as suas potencialidades e enfim, para que a vida social possa ser conduzida para alcançar o desenvolvimento sustentável85.

Esta seria a “dimensão ecológica” dos direitos fundamentais86, que perpassa toda a

construção jurídico-dogmática voltada à proteção do meio ambiente e reflete uma nova

81 BELLO FILHO, Ney de Barros. Teoria do Direito e Ecologia: Apontamentos para um Direito Ambiental no

Século XXI in FERREIRA, HelineSivini; LEITE, José Rubens Morato; BORATTI, Larissa Verri. Estado de Direito Ambiental: Tendências. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 312.

82 Conceituaremos mais à frente a Constituição Ecológica.

83 Em brevíssima síntese, o antropocentrismo parte do pressuposto de que o homem é o centro e que a natureza deve ser protegida para, em última análise, assegurar a própria existência humana. O biocentrismo tem os seres vivos, indistintamente, como o objeto central de tutela (Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 104-106).

84 O sentido da Constituição Ecológica será delimitado no próximo item.

85 SILVA, Solange Teles. Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado: Avanços e Desafios. In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme (Org..). Doutrinas Essenciais Direito Ambiental – Vol. I – Fundamentos do Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1123-1124.

86 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?):

algumas aproximações in SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais.

(27)

dimensão ao Estado, como apontam Sarlet e Fensterseifer, um Estado Socioambiental87. A fundamentalidade da proteção ao meio ambiente é clara quando o constituinte criou um complexo emaranhado de normas ambientais – apresentado no próximo tópico – e, em especial, inseriu um capítulo todo voltado exclusivamente para cuidar deste direito (artigo 225 da Constituição Federal de 1988). Reconhece-se, nestas normas, uma “dupla funcionalidade da proteção ambiental [...], a qual toma a forma simultaneamente de um objetivo e tarefa estatal e

de um direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade [...]”88.

A admissão deste direito como sendo fundamental é um marco do postulado da solidariedade, pois esta proteção ambiental não se volta à salvaguarda de um direito puramente individual, está igualmente a tutelar um direito de todos, não só hoje, mas também no futuro – uma ética intergeracional –, à medida que se destina a garantir o meio ambiente para as

“presentes e futuras gerações” (artigo 225, caput, da Constituição Federal).

É, portanto, o próprio reflexo do meio ambiente na vida humana (e na sua existência)

que permite sua qualificação como direito fundamental89, ainda que com uma autonomia

reconhecida em relação a outros direitos igualmente fundamentais, como a vida90. Sua ligação

com a condição humana não serve para enfraquecê-lo, mas apenas para justificar o alto grau de proteção que lhe é confiado – em um regime jurídico diferenciado, como é o dos direitos fundamentais. Haveria para alguns um reflexo no próprio conteúdo da dignidade da pessoa humana, na sua “ecologização”, pois “não se pode conceber a vida – com dignidade e saúde –

sem um ambiente natural saudável e equilibrado”91. Por tudo isto a proteção do meio ambiente,

na atual ordem constitucional, como um reflexo de movimento internacional, foi alçada à condição de um direito fundamental, com todas as consequências daí advindas.

87 Sarlet e Fensterseifer propõem a superação do conceito de Estado Social para um modelo de Estado Socioambiental, que “não abandona as conquistas dos demais modelos de Estado de Direito em termo de salvaguarda da dignidade humana, mas apenas agrega a elas uma dimensão ecológica, comprometendo-se com a estabilização e prevenção do quadro de riscos e degradação ecológica” (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Revista dos Tribunais 2ed, 2012, São Paulo, p. 44) 88 Idem. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações in SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. Livraria do Advogado Porto Alegre, 2010, p. 14.

89 Idem. Direito Constitucional Ambiental. Revista dos Tribunais 2ed, 2012, São Paulo, p. 44

90 José Afonso da Silva fala na proteção ao meio ambiente como “uma nova projeção do direito à vida, pois neste há de incluir-se a manutenção daquelas condições ambientais que são suporte à própria vida [...]” (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 60).

(28)

1.1.2. Busca de um conceito de Constituição Ecológica

Fixada a fundamentalidade da proteção do meio ambiente, é chegado o momento de nos aprofundarmos um pouco mais no regime jurídico deste direito fundamental, delineado pela Lei maior. Antes, porém, devemos indagar o que entendemos por Constituição Ecológica e, principalmente, por que assim designá-la. Quando fazemos referência à Constituição Ecológica não pretendemos qualificar desse modo a Constituição Federal como um todo – embora reconheçamos, isto até poderia ser efetuado, como fazem Sarlet e Fensterseifer, ao defenderem

um movimento de esverdeamento da Carta92. Por outro lado, não queremos dizer que haveria

uma Constituição dentro da Constituição (um microcosmos dentro de um universo mais amplo) – isto seria negar a ideia de unidade intrínseca ao regime constitucional e aos processos hermenêuticos incidentes.

Falar de Constituição Ecológica é, para os fins deste trabalho, fazer referência – simplesmente – ao conjunto de normas ambientais trazidos pela Constituição Federal de 1988, que, no seu todo, dão o tom do direito fundamental ao meio ambiente. Há várias disposições na Carta que, examinadas de forma estanque, apontam comandos relevantes. Propomos, porém, um olhar holístico, que veja um sentido para este conjunto de dispositivos, para, a partir daí, buscar os reflexos deste direito fundamental e extrair uma diretriz de concretização, presente sempre que se pretender a aplicação de dispositivos voltados à proteção do meio ambiente, quer na sua totalidade, quer nas suas partes.

Estamos diante da primeira Constituição brasileira a dispensar um tratamento especial

ao meio ambiente93, trazendo uma abordagem ampla, não só no capítulo específico, mas

também em diversos outros momentos:

Realmente, referindo-se expressamente ao meio ambiente, podem ser citados os seguintes dispositivos: artigo 5°, inciso LXXIII (ação popular que vise anular ato lesivo ao meio ambiente); artigo 20, inciso II (bens da União); artigo 23, incisos VI e VII (competências político-administrativas); artigo 24, incisos VI, VII e VIII (competência legislativa); artigo 129, inciso III (legitimidade do Ministério Público para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente); artigo 170, inciso VI (a defesa do meio ambiente constitui-se num dos princípios da atividade econômica); artigo 186, inciso II (função social da propriedade); artigo 200, inciso VIII (meio ambiente do trabalho); artigo 216 (meio

92 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. InSARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais.

Livraria do Advogado Porto Alegre, 2010, p. 25.

(29)

ambiente cultural) e artigo 231, § 1° (terras ocupadas pelos índios imprescindíveis à preservação ambiental)94.

Nota-se que o texto constitucional é permeado de ponta a ponta pelo meio ambiente, de modo que o restante da Carta deve influenciar a concretização das normas ambientais, como estas devem influir no processo de concretização do restante da Carta. Reconhecemos, como aponta José Afonso da Silva, que o “Direito Ambiental encontra seu núcleo normativo [...] no

Capítulo VI do Título VIII, que só contém o artigo 225, com seus parágrafos e incisos”95.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

José Afonso da Silva, ao retratar a estrutura deste artigo, o divide em três grupos de

normas: (i) caput: seria a matriz deste direito fundamental o texto base, “substancialmente

reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”96. (ii) o parágrafo

primeiro, “que estatui sobre os instrumentos de garantia da efetividade do direito enunciado no

94 FREITAS, Gilberto Passos. A Constituição Brasileira de 1988: a Constituição Ecológica. In Revista do Advogado. São Paulo: n. 102, março, 2009 (ano XXIX), p. 54.

(30)

‘caput’ do artigo”97 – é o dispositivo que, em verdade, materializa a norma matriz; (iii)

parágrafos segundo a sexto: trata-se de um “conjunto de determinações particulares”98, um

conjunto de dispositivos nos quais o constituinte, em razão do alto grau de importância dos temas abrangidos, optou por dar especial tratamento e proteção.

Se olharmos atentamente, todos estes dispositivos voltam-se a um mesmo fim: proteger o meio ambiente – não de forma inconsequente, mas em conjunto com outras disposições (e bens jurídicos tutelados). A proteção do meio ambiente é, portanto, a essência da Constituição Ecológica e constituiu o cerne deste direito fundamental. E não é só: a proteção do meio ambiente, enquanto núcleo deste conjunto, permeia a Constituição Federal na sua integralidade, da ordem social à ordem econômica, do princípio ao fim – e, por que não, do presente ao futuro.

É importante ter em mente, como aponta Milaré, que um grande passo da Constituição brasileira de 1988 foi reconhecer certa autonomia no trato das questões ambientais – há uma ligação com a saúde humana, mas o meio ambiente não depende mais dela, de forma exclusiva,

para ganhar voz99. Assim “o meio ambiente deixa de ser considerado um bem jurídico ‘per

accidens’ (causal, por uma razão extrínseca) e é elevado à categoria de bem ‘per se’, vale dizer,

dotado de um valor intrínseco e com autonomia em relação a outros bens protegidos [...]”100. O

próprio surgimento do Direito Ambiental (como disciplina autônoma) tem sua gênese temporal

na constitucionalização das questões ambientais101.

Quando nos aprofundamos no artigo 225, nos deparamos com um chamado à Ecologia. Alguns desdobramentos do dispositivo merecem uma atenção maior até em razão do objeto de estudo. Neste ponto pretendemos deixar mais perguntas do que respostas, que serão enfrentadas nos próximos capítulos.

A primeira questão diz respeito à preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais. Embora esta definição não seja clara, Milaré os define como “aqueles que garantem o funcionamento dos ecossistemas e contribuem para a salubridade e higidez do meio

ambiente”102. Para José Afonso da Silva, citando a IUCN103, são os processos “governados,

sustentados ou intensamente afetados pelos ecossistemas”104. Como estes processos

97 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 54. 98 Ibid., p. 54.

99 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,p. 160. 100 Ibid., p. 160.

101 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira in CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 84.

102 MILARÉ, Édis. Op. cit, p. 175.

103 International Union for Conservation of Nature.

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