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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA P R O G R A M A D E P Ó S - G R A D U A Ç Ã O E M T E A T R O MESTRADO EM TEATRO SAMANTHA AGUSTIN COHEN

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Academic year: 2019

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SAMANTHA AGUSTIN COHEN

TEATRO DE GRUPO: TRAJETÓRIAS E RELAÇÕ ES

Impressões d e uma visitante

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S A M A N T H A A G U S T I N C O H E N

TEATRO DE GRUPO: TRAJETÓRIAS E RELAÇÕ ES

I m p r e s s õ e s d e u m a v i s i t a n t e

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Teatro, Identidade e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. André Antunes Netto Carreira.

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SAMANTHA AGUSTIN COHEN

TEATRO DE GRUPO: TRAJETÓRIAS E RELAÇÕ ES

Impressões d e uma visitante

D i s s e r t a ç ã o a p r e s e n t a d a a o P r o g r a m a d e P ó s - G r a d u a ç ã o e m T e a t r o p a r a a o b t e n ç ã o d o g r a u d e M e s t r e e m T e a t r o , d a U n i v e r s i d a d e d o E s t a d o d e S a n t a C a t a r i n a .

B a n c a e x a mi n a d o r a :

O r i e n t a d o r : _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Professor Dr. André Antunes Netto Carreira.

C E A R T / U D E S C .

M e m b r o : _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Professor Dr. Antonio Carlos Vargas Sant‟Anna.

C E A R T / U D E S C .

M e m b r o : _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Professor Dr. Renato Ferracini.

Pós-Graduação em Artes/UNICAMP.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em especial, aos integrantes dos grupos Cia. Carona, Vigor Mortis, Falos & Stercus, Teatro da Vertigem e Os dezequilibrados, pela disponibilidade, confiança, colaboração e por me receberem com tamanha generosidade.

Agradeço ao meu orientador, o Professor Doutor André Carreira, pelo aprendizado e incentivo constante durante o desenvolvimento da pesquisa.

À minha família, agradeço pela paciência, pela compreensão pelos momentos de ausência nos últimos três anos e por sempre acreditarem em meus sonhos.

Aos companheiros do grupo Teatro em Trâmite, agradeço pela parceria, pelos sonhos, inquietações e projetos compartilhados.

Agradeço ao amigo Cristóvão, pela parceria primeira e duradoura, pelos inúmeros trabalhos e aventuras, pela amizade e incentivo, pelas palavras de conforto, pelas provocações e por não me deixar desistir nunca. Aos queridos “maridos” Dani e André por ouvirem minhas “divagações líquidas” noites a fio, por me suportarem durante as crises, por serem leitores

assíduos dos meus textos e, acima de tudo, pela amizade. Ao Dani também agradeço pela arte final do “Álbum de Família”. A amiga/irmã Amelinha, pelas leituras, conversas e trocas artísticas.

Ao Paulo, por mesmo distante se fazer tão presente. E aos colegas de mestrado e professores, pelo prazer de compartilhar questionamentos e descobertas fundamentais para a realização deste trabalho.

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“-¿Por qué hacer teatro con un elenco estable?

- Para salir a la aventura, para atravesar océanos desconocidos. Para enfrentar tempestades australes, y descubrir islas salvadoras. Para estar en un barco que suelta amarras con cada espectáculo. Para tener amigos y amores en un mismo lugar, y al mismo tiempo, ser nómade. Para vivir y luchar por y con una familia que te protege y que a la vez te libera.”

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RESUMO

COHEN, Samantha Agustin. Teatro de Grupo: Trajetórias e Relações. Impressões de uma visitante. 2009. 126 f. Dissertação (Mestrado em Teatro – Área: Teatro e Sociedade) – Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Programa de Pós-graduação em Teatro, Florianópolis, 2009.

A presente pesquisa tem como foco principal investigar estruturas e relações de grupos teatrais estáveis, criados no início dos anos 1990 e com uma produção teatral de relativa importância dentro do atual contexto teatral regional e nacional. Os cinco grupos estudados estão sediados nas regiões sul e sudeste do Brasil, são eles: Cia. Carona (Blumenau/SC); Vigor Mortis (Curitiba/PR); Falos & Stercus (Porto Alegre/RS), Teatro da Vertigem (São Paulo/SP) e Os dezequilibrados (Rio de Janeiro/RJ). A pesquisa alia estudo bibliográfico a estudo de campo. No decorrer do trabalho são mapeados e analisados a organização dos grupos, a divisão de funções artísticas e administrativas, e os níveis e tipos de relações estabelecidas entre os integrantes e o seu entorno; a fim de perceber como estas questões influenciam na formação das identidades artísticas dos coletivos. Outro objetivo importante da pesquisa é tentar perceber as diferenças e aproximações dos modos de sobrevivência de grupos teatrais localizados em distintos lugares. Ao final são apresentados os perfis de cinco coletivos com o intuito de possibilitar o leitor refletir a respeito da realidade artística de grupos teatrais contemporâneos e oferecer material de estudo e reflexão a diretores, atores e pesquisadores acadêmicos que se interessam pela recente história e prática teatral brasileira.

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ABSTRACT

COHEN, Samantha Agustin. Theatre in Groups: Trajectories and Relationships. Impressions of a visitor. 2009. 126 f. Dissertation (Master of Theatre – field: Theatre and Society) – State University of Santa Catarina – UDESC. Post Graduation Program in Theatre, Florianópolis, 2009.

This research paper aims to investigate the structure and relationships within existing and stable theatre groups. This paper analyses 5 groups established in the early 1990's, having a body of work of considerable importance both at the local and national level. The groups under consideration are based in the south and south-east regions of Brazil: Cia Carona (Blumenau/SC); Vigor Mortis (Curitiba/PR); Falos & Stercus (Porto Alegre/RS), Teatro da Vertigem (São Paulo/SP) and Os dezequilibrados (Rio de Janeiro/RJ). The current work combines bibliographic and field research. Emphasis is laid on factors that influence the establishment of the collective identity, such as, analysis and mapping of the group organization, delegation of artistic and administrative tasks, the level and types of relationship established between the group members and their environment. A second objective of this work is to highlight the differences and the survival strategies of theatre groups based at distinct locations. At the end of this paper the profiles of the five theatrical groups are presented with the intent of providing the reader an opportunity to ponder on the artistic reality of contemporaneous theatre groups. This may serve as research material to directors, actors and researchers concerned with the recent history and

experience of Brazilian theatre.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: O DESAFIO DE SER GRUPO NA SOCIEDADE LÍQUIDA--- 10

1 GESTAÇÃO E NASCIMENTO --- 18

1.1 PATERNIDADE PLANEJADA: CIA CARONA --- 20

1.2 ENTRE O PALCO E A PELÍCULA: CIA VIGOR MORTIS --- 26

1.3 O NASCIMENTO NA RUA: FALOS & STERCUS--- 31

1.4 DO LABORATÓRIO À PRÁTICA TEATRAL: TEATRO DA VERTIGEM --- 36

1.5 O DESEJO DE SUBVERTER: OS DEZEQUILIBRADOS --- 43

1.6 OS PRIMEIROS ANOS DE VIDA --- 47

2 CASAMENTOS E REDES DE RELACIONAMENTOS --- 50

2.1 A BASE DOS RELACIONAMENTOS DE GRUPO --- 50

2.2 A PRÁTICA DE GRUPO E AS RELAÇÕES FLUIDAS--- 58

2.3 AS REDES DE RELACIONAMENTOS--- 66

3 O GRUPO E OS LUGARES --- 72

3.1 PARA ALÉM DOS MUROS AS CIDADES --- 72

3.2 AS CIDADES VISÍVEIS --- 73

3.3 VERTICALIZAÇÃO DAS CIDADES --- 81

3.4 CASA, O ESPAÇO PRÓPRIO --- 82

O CAMINHANTE E SUAS ESTRADAS: IMPRESSÕES DE UMA VISITANTE Registros Conclusivos --- 96

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA--- 102

TRILHAS E TRAJETÓRIAS DE UMA VIAJANTE (ANEXO I) --- 109

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INTRODUÇÃO

O DESAFIO DE SER GRUPO NA SOCIEDADE LÍQUIDA

Minha trajetória pessoal enquanto artista está essencialmente ligada ao teatro de grupo. Iniciei minha formação teatral em Joinville (SC), participando primeiro do Grupo Cultural Itinerante (1994-2001) e em seguida da Cia. Experimental de Teatro de Repertório da Univille (1998-1999). O Itinerante era um grupo comunitário formado por jovens artistas amadores. Realizávamos apresentações teatrais procurando privilegiar o contato com comunidades da periferia da cidade, locais em que dificilmente acontecia alguma atividade cultural. Com esse grupo aprendi na prática como trabalhar coletivamente. E com a Cia. Experimental iniciei meu processo de aprendizagem sobre o trabalho do ator participando de oficinas e festivais.

Em 2002, eu e mais seis estudantes1 do curso de graduação em Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC fundamos o grupo Teatro em Trâmite. Nosso intuito, enquanto grupo, é investigar questões como: o espaço teatral, o trabalho do ator e a construção de dramaturgia. O Teatro em Trâmite nasceu com sete integrantes, passou por algumas remodelagens, chegou a ter onze2 e hoje conta com quatro membros3. Durante nossa recente

trajetória de grupo teatral temos procurado consolidar uma identidade artística própria, e constantemente nos deparamos com questões que não conseguimos responder. Questões que dizem respeito principalmente à organização, estrutura e dinâmica do trabalho de grupo.

Na tentativa de responder às inquietações geradas no interior da prática do Teatro em Trâmite busquei estudos e relatos que discutissem a respeito dos modos de organização adotados por grupos teatrais contemporâneos. Queria entender como outros coletivos brasileiros lidavam com problemas semelhantes aqueles enfrentados por mim e meus companheiros, enquanto integrantes de um grupo artístico em processo de formação.

O resultado deste levantamento de dados foi a descoberta de um considerável número de relatos a cerca dos processos artísticos de grupos teatrais contemporâneos publicados em livros como A Trilogia Bíblica, do grupo Teatro da Vertigem; os Atuadores da Paixão4 e Aos que virão

1 André Francisco P.O. Santos, Fernando Cruz, Loren Fischer Schwalb, Luciana Holanda Machoski, Maria Amélia Gimmler Netto e Samuel Romão Petry.

2 Com a entrada em 2005 de Cleístenes Grött, Éder da Costa Paulo, Marina Monteiro e Meire Silva. 3 Eu, André Francisco, Fernando e Loren todos do núcleo inicial.

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depois de nós – Kassandra in process: O desassombro da Utopia5, que contam parte da trajetória

do grupo gaúcho Ói Nóis Aqui Traveiz6. Também foram encontrados jornais e periódicos

organizados e escritos por grupos ou movimentos teatrais, como a revista de teatro Cavalo Louco, do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz; teses e dissertações acadêmicas de pesquisadores teatrais, como a dissertação de mestrado de Stela Regina Fischer intitulada Processo Colaborativo: experiências de companhias teatrais brasileiras nos anos 90; ou postagens eletrônicas veiculadas pelos próprios grupos teatrais através de sites e blogs que apresentam, em geral, as mesmas informações a respeito do histórico artístico dos grupos, resumos, algumas críticas, imagens e vídeos dos espetáculos mais significativos.

Ao realizar esta investigação inicial dois fatores se destacaram: o primeiro deles foi o grande número de textos de cunho acadêmico produzidos por artistas/pesquisadores integrantes de grupos teatrais. O que revela a aproximação dos artistas com o meio de pesquisa acadêmico. E o segundo fator diz respeito aos temas abordados nesses textos, que discutiam essencialmente questões relacionadas às práticas artísticas – procedimentos técnicos de atuação, ensaios e estéticas – e pouca ou nenhuma referência destinada às questões de organização administrativa e produção dos grupos7.

O segundo fator, em especial, chamou minha atenção. Por que o número reduzido de textos que discutem as estruturas e modos de produções artísticas de grupos se, atualmente, a complexidade que envolve o ambiente da realização teatral, inclusive no Brasil, extrapola os limites da arte avançando sobre os limites do mercado cultural8? A diluição das fronteiras entre

cultura e mercado demanda dos grupos teatrais conhecimento e criação de uma estrutura empresarial mínima que os permita concorrer a editais, pleitear patrocínios ou participar de eventos artísticos.

Se conciliar criação artística e estrutura empresarial demanda dos grupos teatrais um grande esforço, o que dizer se levarmos em conta a esfera das relações humanas que também permeiam a vida de grupo?

5 SANTOS, Valmir (Org.) Aos que virão depois de nós Kassandra in process: O desassombro da Utopia. Porto Alegre: Tomo, 2005.

6 SANTOS, Valmir, Aos Que Virão Depois de Nós Kassandra In Process – O Desassombro da Utopia e VECHIO, Rafael, A Utopia em Ação.

7 Durante o desenvolvimento da presente pesquisa, a convite do professor Dr. André Carreira, meu orientador, pude participar do ÁQIS – Núcleo de pesquisas sobre processos de criação artística. O núcleo reúne pesquisadores de graduação e pós-graduação que vêm desenvolvendo diversas pesquisas cujo eixo é o projeto “Teatro de Grupo: a formação de modelos de ator”. Além disso, outro fator que veio a contribuir no desenvolvimento desta pesquisa foi o contato com alguns trabalhos recentes a respeito de organização administrativa e produção teatral. Destaco duas bibliografias do ano de 2008: a pesquisa de mestrado intitulada “Produção Cultural e Teatro de Grupo, realizada por Flávia Janiaski e o livro O Avesso da Cena – notas sobre produção e gestão cultural, de Rômulo Avelar. Belo Horizonte: DUO Editorial, 2008.

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Ao tomar conhecimento deste complexo contexto que envolve: relações humanas, produção artística e mercado, compreendi que gerir um grupo teatral não era uma dificuldade particular do Teatro em Trâmite e sim um dos principais desafios do fazer teatral. A partir dessas questões a respeito do complexo emaranhado de relações que permeiam a vida de grupo expostas acima, optei por estudar os chamados “grupos sobreviventes”, seguindo um conselho sugerido por Eugênio Barba9em seu livro “Além das Ilhas Flutuantes” (1991, p. 216):

Os teatros que se identificam com as relações entre um punhado de homens –

grupos, companhias, conjuntos, ensembles – desaparecem muito mais velozmente. Não porque seu sentido seja fraco, mas porque não são pedras nem instituições ou bandeiras: são teatro-em-vida.

Numerosos grupos renunciam ou se desintegram por dificuldades externas, por discórdias internas ou por relações interpessoais murchas. A experiência ensina que é muito difícil para um grupo manter-se em vida por mais de dez anos. Não são suas desaparições o que pode surpreender-nos. Deveriam, ao contrário, surpreender-nos os grupos duradouros e fazer-nos refletir sobre as causas de sua longevidade.

Para refletir a respeito das causas da longevidade de determinados grupos não basta apenas analisar a sua produção artística. É necessário entender o funcionamento do organismo grupo em toda a sua complexidade.

Um grupo não existe apenas na cena, mas principalmente nas condições que cria para ela, em tudo o que a cena pressupõe. O espetáculo é apenas a parcela do trabalho do grupo que se torna pública. Portanto, o estudo do teatro que ele produz dever ser, antes de mais nada, o estudo de seu fazer teatral, de todas as atividades que se desenvolvem antes, durante e depois da cena – do método organizativo ao processo de criação, do convívio humano à luta pela sobrevivência. (TROTTA, 1995, p. 28).

Conforme Barba e Trotta apontam, trabalhar em grupo pressupõe dedicação, engajamento, compartilhamento de ideias, desejos e convívio humano. Fatores estes que se encontram abalados em nossa sociedade de acordo com o filósofo polonês Zygmunt Bauman. No conjunto de suas obras, Bauman reflete sobre a diluição e fragilidade dos laços humanos e a crescente individualização como as principais características da atual fase da modernidade, a qual o autor denomina como modernidade líquida. Uma sociedade regida pelas leis do mercado e do consumo desenfreado. “Agora é o menor, mais leve e mais portátil que significa melhoria e „progresso‟. Mover-se leve, e não mais aferrar-se a coisas vistas como atraentes por sua confiabilidade e solidez [...] é hoje recurso de poder” (BAUMAN, 2001, p. 21).

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Ao considerar os pensamentos de Barba e Trotta a respeito da prática de teatro em grupo e as reflexões de Bauman a cerca da atual fase da modernidade, optei por estudar a trajetória, organização e estrutura de grupos teatrais estáveis, com mais de dez anos de existência e que se identificam com o chamado Teatro de Grupo, porque assim estabeleço um universo de experiências que mesmo inseridas na modernidade líquida alcançaram longevidade conservando suas relações grupais.

Segundo Chico Pelucio10, o Teatro de Grupo (TG) surgiu no cenário brasileiro como uma

saída viável para os coletivos que não se adequavam aos moldes da produção teatral vigente na passagem dos anos 1980 para os 1990. Uma produção que exigia “altos aportes financeiros” valorizava os profissionais especializados e concentrava na figura do encenador a função de organizador das áreas de criação que se encontravam “compartimentadas”.

A possibilidade de trabalhar coletivamente foi uma estratégia de sobrevivência prática, uma posição política diante de um mercado individualista e, principalmente, a oportunidade de experimentar um processo de criação que respondesse aos desejos estéticos e de conteúdo dessa nova geração. E foi exatamente na primeira metade dessa década11 que muitos grupos teatrais se formaram e, o mais curioso, em sua maioria, fora do eixo Rio-São Paulo. Para sobreviver, esses grupos encontraram formas alternativas de organização, produção e de inserção no mercado, ao mesmo tempo em que buscavam resultados artísticos que lhes possibilitassem o domínio de todo o processo de criação e apresentação de seus espetáculos. [...] Nesse momento, fortaleceu-se a comunicação e a troca entre os grupos, que resultou na criação do Movimento Nacional de Teatro de Grupo. (PELÚCIO, 2003).

Em 1990, de acordo com a pesquisadora Rosyane Trotta, o TG começou a ser pensado formalmente, e organizado enquanto movimento de grupos por iniciativa do grupo Fora de Sério, de Ribeirão Preto (SP). Em junho de 1991, aconteceu o 1° Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, em Ribeirão Preto (SP). Na mesma época grupos teatrais em diferentes países buscavam organizar-se de forma semelhante.

No mesmo ano em que inspirado no movimento que aglutinava os grupos peruanos em Lima, se realizou o I Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, naquele mesmo 1991, sete grupos franceses se reuniram em Avignon. [...] Entre aqueles grupos, Teatro significa um foro de pesquisa: de pesquisa tanto do próprio ser grupo (da criação e permanente recriação das bases de relação

e funcionamento), como do projeto artístico.” (TROTTA, 1995, p. 128).

10 Chico Pelúcio é autor teatral e integrante fundador do Grupo Galpão de Minas Gerais - um dos grupos criadores do movimento de TG no Brasil.

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Assim como aconteceu nas cidades de Avignon (França) e em Lima (Peru), representantes de 15 grupos brasileiros12 reuniram-se em Ribeirão Preto com o intuito de diminuir as distâncias entre os grupos, “sistematizar formas objetivas de atuação conjunta e aprofundar a discussão de aspectos ligados à produção, à ideologia e à estética de um Teatro de Grupo” (TROTTA, 1995, p.120). Naquela época os grupos não haviam definido ainda a prática coletiva como preceito de TG, mas buscavam novos rumos para aqueles artistas que pretendiam desenvolver projetos teatrais baseados na continuidade e no trabalho coletivo.

No final de 1991, como reverberação do Movimento de Teatro de Grupo Nacional que vinha se estruturando em Ribeirão Preto, e inspirado no Movimento de grupos peruanos, dez grupos mineiros se reuniram e começaram a organizar o Movimento de Teatro de Grupo de Minas Gerais – MTG/MG.13 Em maio de 1992, foi criada a Associação do Movimento Teatro de Grupo de Minas Gerais. O MTG/MG, em 2009, completa dezessete anos de existência. Dentre os objetivos do movimento mineiro estão: congregar grupos de teatro do Estado, estabelecer o intercâmbio cultural e representar os interesses dos grupos associados junto à classe, os órgãos públicos e privados (LARA, 2004, p. 05).

No início da década de 1990, começaram a ser propagados pelo país intercâmbios, encontros práticos e teóricos, seminários e festivais com o intuito de fortalecer a comunicação entre grupos de diferentes localidades. A partir desses eventos a ideia do TG foi sendo disseminada pelo país. Hoje, é possível dizer que, as práticas do TG tornaram-se uma das maiores vertentes teatrais do país. Em todas as regiões do Brasil encontram-se grupos que se autodefinem como praticantes do Teatro de Grupo. Entretanto, apesar da crescente identificação de grupos com o TG, ainda não existe um modelo claro dos procedimentos que identificam o TG. Mas, a construção de hipóteses de um TG operacionaliza práticas significativas no teatro brasileiro contemporâneo.

Segundo André Carreira14, o atual conceito de TG nos leva a uma ideia de organizações

duradouras, relacionados com os conceitos de cooperativismo e união, sob a forma de organismos que desenvolvem estratégias de conservação e continuidade profissional como agrupamento de artistas. E de acordo com Rosyane Trotta “[...] para que haja Teatro de Grupo é necessário, antes de mais nada, grupos interessados em levar adiante sua prática e seu senso de teatro” (1995,

12 Em sua tese, Rosyane Trotta não especifica o nome dos grupos que se reuniram para o encontro em São Paulo. Porém, a partir da leitura total de seu texto, suponho que os grupos Galpão, de Belo Horizonte (MG), Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, Teatro do Anônimo, Tá Na Rua e Teatro Oikoveva, do Rio de Janeiro (RJ), Parlapatões, Patifes & Paspalhões, de São Paulo (SP); Grupo Imbuaça, de Aracajú (SE) foram alguns dos grupos participantes deste 1º Encontro de TG.

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Da mesma forma como ocorreu com a descrição do Movimento a nível Nacional também não foi encontrado entre as publicações do MTG/MG os nomes dos grupos fundadores do movimento estadual. Sabe-se que entre estes estava o

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p.129). A pesquisadora ainda destaca como parte das principais ações realizadas pelo TG a organização de festivais, encontros de grupos, criação de projetos culturais, convênios, intercâmbios e produção teórica.

Ao traçar um paralelo entre os núcleos teatrais que se autodenominam como pertencentes ao TG e as principais discussões levantadas nos encontros que tratam desse tema é possível dizer que o que une esses grupos não são questões de cunho estético, mas interesses que antecedem o próprio fazer artístico. Interesses como: a criação de dinâmicas de produção, reivindicação de políticas culturais, organização e criação artística em grupo, conquista de sede própria, redes de aperfeiçoamento contínuo, estabilidade estrutural e diálogo com o poder público.

Ao perceber que os princípios dominantes nas práticas do TG vinham ao encontro das características de trabalho de grupo que eu pretendia analisar, decidi por investigar, de forma vertical, dinâmicas de cinco grupos com mais de dez anos de trajetória artística. Para tanto, escolhi grupos que mantivessem um núcleo estável de artistas, desenvolvessem uma linguagem particular e que fossem ligados ao TG. Estudar grupos que primam por terem objetivos como: autogestão, investigação de linguagem, manutenção e estabilidade do núcleo artístico, pareceu ser um caminho viável para entender as reais possibilidades de se gerir e trabalhar em grupo na atualidade.

E, lembrando que o desejo de realizar esta pesquisa partiu de questionamentos advindos de minha prática com o Teatro em Trâmite, optei por estudar três grupos que, como o meu grupo, estivessem situados na região sul. São eles: Vigor Mortis, de Curitiba (PR); Cia Carona de Teatro, de Blumenau (SC) e Falos & Stercus, de Porto Alegre (RS). E, como contraponto às práticas do meu entorno, resolvi também estudar outros dois grupos: Os dezequilibrados, do Rio de Janeiro (RJ) e Teatro da Vertigem, de São Paulo (SP), justamente por estarem sediados nas cidades que, em nosso “imaginário simbólico”, compõem o principal pólo cultural brasileiro.

As principais questões que deram origem a esta pesquisa estão relacionadas, primeiro, à questão de como grupos teatrais conseguem conciliar criação artística e estrutura empresarial. E, segundo, como se organizam e estruturam as teias de relações que permeiam a vida de grupo em meio a sociedade pós-moderna.

Para abordar estas questões utilizei dois procedimentos: a pesquisa de campo e a pesquisa bibliográfica. Na pesquisa de campo realizei duas entrevistas qualitativas com cada um dos grupos estudados. A primeira entrevista de cada núcleo foi realizada apenas com os diretores15. Enquanto que, para a segunda entrevista, procurei reunir o maior número possível de integrantes de cada

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grupo, com o objetivo de ouvir as múltiplas vozes que os compõem. Mesmo as entrevistas sendo as principais fontes de informações a respeito dos grupos, também serviram como material de pesquisa observações realizadas por mim a partir das assistências a apresentações, críticas impressas sobre os espetáculos, entrevistas realizadas por outros pesquisadores e materiais pertencentes aos arquivos dos próprios grupos.

Na pesquisa bibliográfica procurei dar relevo a estudos que apresentassem reflexões que me possibilitassem abordar o conceito de Teatro de Grupo e as condições da cultura na pós-modernidade. Assim, utilizo como principais referências a respeito do tema TG as reflexões propostas pela pesquisadora Rosyane Trotta, sobretudo aquelas contidas em sua dissertação de mestrado, Paradoxo do Teatro de Grupo (1995), além de artigos e publicações escritos pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa ÀQIS. Para fundamentar as discussões a cerca da sociedade pós-moderna utilizo, principalmente, as obras: Modernidade Líquida (2001), Identidade (2005), Amor Líquido (2004), Tempos Líquidos (2007) e A Sociedade Individualizada (2008), do filósofo polonês Zygmunt Bauman, que tratam das relações humanas e da construção de identidade na contemporaneidade.

Como artista e pesquisadora entendo o grupo teatral como um organismo vivo que toma determinada conformação de acordo com os artistas, a teia de relações e o contexto que os integram e rodeiam. Por isso, ao formular a estrutura dos capítulos, e especialmente seus títulos, busquei a metáfora da vida familiar que, desde meu ponto de vista, muito se relaciona com as dinâmicas dos grupos. Desse modo, os capítulos foram “batizados” com os seguintes títulos: 1. Gestação e Nascimento; 2. Casamento e Redes de Relacionamentos; 3. O Grupo e os Lugares; e O Caminhante e suas Estradas: Impressões de uma Visitante – registros conclusivos.

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grupos que, de alguma maneira, representam momentos importantes da trajetória de cada um dos grupos analisados.

Como resultado da pesquisa, apresento o perfil de cinco grupos teatrais, comento suas semelhanças e diferenças para oferecer aos leitores uma reflexão sobre distintas realidades artísticas de grupos teatrais contemporâneos, e produzir um material de estudo e reflexão útil para diretores, atores e pesquisadores acadêmicos que se interessam pela recente história e prática teatral brasileira.

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CAPÍTULO 1

GESTAÇÃO E NASCIMENTO

O nascimento de um grupo teatral em muito se assemelha ao nascimento de um filho no seio familiar. Apesar da dilatação ou contração do tempo de gestação que antecede o nascimento, grupo e filho são frutos de relações compostas de etapas que marcam a aproximação dos futuros pais. Estas etapas não seguem uma sequência rígida universal, mas se conformam de maneira distinta de acordo com cada relação. Às vezes, um filho é desejado e planejado com antecedência, outras vezes chega de repente exigindo seu espaço. Do mesmo modo como não existem fórmulas prontas para os relacionamentos conjugais e para as estruturas familiares, assim também acontece com os grupos teatrais. Cada núcleo artístico constrói sua trajetória de modo particular, guiado pelos desejos e ações de seus integrantes e de acordo com o contexto em que estão inseridos.

Os grupos, como os bebês, têm forças geradoras, pessoas responsáveis pelo nascimento, por dar um nome, alimentar e acompanhar os primeiros passos do recém-nascido em busca do seu desenvolvimento e da construção de sua identidade. De acordo com Zygmunt Bauman, nós não descobrimos a identidade, ela nos é revelada como algo a ser inventado; como alvo de um esforço – um objetivo; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero, que demanda escolher entre as alternativas, depois lutar por esta escolha e protegê-la lutando ainda mais (2005, p. 23). Essa necessidade de se construir do zero da qual trata Bauman, aliada a luta constante pela sobrevivência, talvez sejam os elementos responsáveis por tornarem os primeiros anos de vida de um bebê e de um grupo teatral tão frágeis e suscetíveis às influências externas. Quanto mais novo é o ser, maior é a fragilidade do seu organismo. E por isso, maior deve ser a dedicação de seus genitores a favor do bem-estar do novo ser.

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artistas além de progenitores são também integrantes do organismo-grupo. Assim, o conjunto que surge de um impulso forte, demonstra-se também frágil, pois é durante a etapa de formação que seus integrantes buscam harmonizar suas individualidades, muitas vezes submetido às interferências externas. E, quando estas interferências externas são muito fortes durante a formação da identidade coletiva, o grupo corre o risco de morrer prematuramente.

A identidade grupal é construída e re-construída constantemente no decorrer da vida dos coletivos. Porém, os primeiros anos, que chamo de “infância e adolescência”,

caracterizam-se pela produção das inquietações, aquisição de conhecimentos, execução de experimentos e estabelecimento de relações que conformarão o substrato das poéticas dos grupos. A passagem por essas fases iniciais de crescimento e descobertas conjuntas, e seus resultados artísticos é que, possivelmente, sustentarão os anos de maior estabilidade dos grupos.

Os pais têm consciência de que, apesar de contribuírem geneticamente na geração de seu filho, este se desenvolverá como um ser singular, composto de um corpo físico próprio. E, mesmo que a relação entre seus progenitores termine, o novo indivíduo continuará se desenvolvendo e adquirindo cada vez mais autonomia. O grupo teatral, por sua vez, possui uma dinâmica e autonomia em relação a seus progenitores, na qual as forças geradoras constituem o próprio organismo vivo chamado grupo. Assim, caso a relação entre seus membros se altere, altera-se também a estrutura do organismo, ou seja, o grupo. Em especial nos grupos teatrais, o esforço pela sobrevivência é uma constante e passa pela necessidade de seus integrantes encontrarem e manterem ao menos um objetivo em comum. O objetivo comum é o responsável por aglutinar os membros e consequentemente dar forma ao grupo. Às vezes, este objetivo se restringe à montagem de um espetáculo, outras vezes ele é mais complexo e diz respeito ao desejo de manter um trabalho continuado. Segundo o crítico e teórico Yan Michalski, a principal diferença entre as duas formas de trabalho

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O que Michalski descreveu como “resultado artístico baseado no trabalho continuado”

é o projeto perseguido por aqueles grupos que se identificam com a prática do TG. Estes grupos estão interessados em criar um espaço coletivo capaz de abarcar suas experimentações e desenvolvimentos artísticos individuais e confrontá-los continuamente com os de outros indivíduos para a construção de uma arte de bases coletivas. Esse projeto também está relacionado com a construção de um lugar de reconhecimento e pertencimento artístico na cena nacional.

No percurso de construção das identidades coletivas o primeiro símbolo escolhido para sintetizar estes desejos compartilhados é o nome. O nome é um dos primeiros símbolos de reconhecimento de um sujeito em relação ao seu entorno. Ao receber um nome o sujeito torna-se singular, ganha distinção e qualidades próprias. Ao escolher o nome para o seu filho os pais procuram por uma palavra capaz de expressar seus desejos em relação ao futuro daquele novo ser. O mesmo ocorre com o grupo teatral. Ao escolher um nome para o grupo, seus integrantes procuram por uma palavra ou expressão que possa identificá-los como grupo e que ainda, possa sintetizar e simbolizar todos os desejos e anseios do coletivo.

Neste primeiro capítulo, procuro delinear os elementos fundamentais dos momentos de concepção, gestação, escolha do nome, acontecimentos e primeiros passos que marcaram os anos de formação dos cinco grupos pesquisados: Cia Carona, Vigor Mortis, Falos & Stercus, Teatro da Vertigem e Os dezequilibrados.16 Dessa maneira, pretendo oferecer aos leitores a possibilidade de acompanhar os desejos que impulsionaram e deram vida aos grupos e os primeiros objetivos traçados por estes para que seja possível perceber quais as mudanças e quais as características permaneceram ao longo das trajetórias dos grupos.

1.1 PATERNIDADE PLANEJADA –CIA CARONA

A Cia Carona nasceu em 1995, na cidade de Blumenau (SC), com um objetivo claro, tornar-se uma companhia de teatro profissional capaz de gerar recursos para o autossustento de seus integrantes através da apresentação de espetáculos.

16

(21)

Pépe Sedrez17, Roberto Morauer e Léo Almeida18, membros fundadores da Cia Carona, eram remanescentes de outro grupo teatral, o Meu Grupo, que encerrou suas atividades naquele mesmo ano. O Meu Grupo era formado por cerca de dez alunos do curso de teatro que Sedrez ministrava na época. Como muitos grupos amadores, o Meu Grupo teve um histórico marcado por longos processos de criação que geravam espetáculos de vida curta.

Essa prática provocava um grande descontentamento entre os integrantes do grupo. “[...]

levávamos um ano, por exemplo, pesquisando e produzindo um espetáculo para apresentar no máximo dez vezes, o que nos desestimulava muito” (SEDREZ, 2007). Com o tempo, essa

equação de longos processos de criação e curtos períodos de apresentações resultou no desgaste da equipe, que acabou por se diluir. No entanto, três de seus integrantes: Pépe,

Roberto e Léo decidiram continuar “teimando” em fazer teatro juntos, o que os levou a criar a Cia Carona.

Munidos da experiência herdada da prática com o antigo núcleo, a Cia Carona teve um nascimento planejado por seus fundadores e foi criada com o objetivo de tornar-se um grupo profissional. Por isso, as primeiras ações realizadas pelos integrantes do novo núcleo foram: registrar o grupo como pessoa jurídica e pensar uma estratégia para concretizar o objetivo de tornar-se um grupo profissional. No texto a seguir, Pépe Sedrez narra o registro do novo grupo.

Estávamos em fase de criação da companhia quando um dia surge a Léo Almeida com esta proposta: Carona para Irmão Sol e Irmã Lua. Nós, Roberto Morauer e eu, achamos um tanto católico demais, essa coisa de São Francisco e Santa Clara, muito embora houvesse uma admiração pela estória de São Francisco, todo bondade, compaixão e humildade. Mas lemos também pela possibilidade de trabalhar tanto, de virar dia e noite, de forma que nós, ou, nossa Cia. é quem daria carona para o sol e para a lua. [...] além do mais, um de nós, não lembro quem, lembrou que Carona, além de ser um ato simpático é também sinônimo de cara grande, exagerada: carona [...] a cara exagerada e necessária pra se fazer teatro por estas terras. 19

O que parecia ser uma questão simples – escolher um nome que tivesse um significado para o grupo –, acabou demonstrando fazer parte de um campo desconhecido para aqueles artistas – os trâmites legais para se constituir uma empresa. Na ocasião, Léo Almeida procurou um contador para registrar o nome “Carona Para Irmão Sol e Irmã Lua”, e logo foi

17 Romualdo Luciano Sedrez. 18 Marileia de Almeida.

(22)

informada pelo contador que já existia uma pessoa jurídica homônima registrada, e que o grupo deveria pensar uma lista com pelo menos dez nomes para que o registro do grupo fosse efetuado sem maiores delongas. E assim, dez variações do nome original foram pensadas, e Léo retornou ao contador com a lista em mãos. Todavia, por motivos desconhecidos pelos integrantes do grupo, nenhum dos dez nomes foi aprovado.

Como o interesse do grupo era obter o registro de pessoa jurídica o quanto antes, “[...]

a Léo sozinha disse: então põe Shiki-Shiki mesmo [risos]” (Sedrez, 2008) e, de fato, durante

alguns anos, a companhia teve como registro de pessoa jurídica o nome Shiki-Shiki Teatro e Produções Artísticas Ltda., e nome fantasia Carona Para Irmão Sol e Irmã Lua. No entanto, desde o primeiro ano de existência do grupo, seus integrantes adotaram o nome fantasia como nome artístico. E somente seis anos mais tarde a companhia conseguiu alterar o contrato social e assumir o nome Carona Teatro e Produções Artísticas Ltda como razão social.

Depois de registrar e “batizar” o grupo, era chegado o momento de pensar os

primeiros passos para consolidar o desejo de seus integrantes – montar espetáculos que permanecessem em repertório e gerassem renda suficiente para o autossustento do grupo e de seus artistas.

Foi então que, a Carona Para Irmão Sol e Irmã Lua partiu para a criação de espetáculos infantis que pudessem ser levados às escolas, seguindo a tendência de outros grupos da região e do Estado de Santa Catarina que buscavam a profissionalização. Apesar de o objetivo maior nesse primeiro momento ter sido econômico – a geração de renda –, apareceu no discurso coletivo da Cia Carona um princípio ético norteador – construir espetáculos que não fossem “meramente comerciais”, mas sim, fruto dos anseios e

pensamentos de seus integrantes.

O Roberto vem de uma experiência de educação [...], ele lecionou durante muito tempo, e eu tinha uma vontade de falar sobre a importância da leitura. [...]. Todos nós tínhamos em comum a paixão pela leitura e queríamos dizer isso para as crianças: leiam, leiam que os horizontes vão se abrir e os seus conhecimentos vão se expandir. 20

O primeiro espetáculo do grupo estreou em 1996, após uma etapa de pré-produção, criação de texto e ensaios que marcou o primeiro ano de vida da Cia Carona. Lendo e Aprendendo contou com a atuação de seus três integrantes – Léo, Roberto e Pépe –, sendo que este último também assinou a autoria do texto e a direção do trabalho. Durante quatro anos

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Lendo e Aprendendo circulou por escolas de trinta municípios de Santa Catarina, cerca de dez cidades do Rio Grande do Sul, além de participar e ser premiado em festivais. No período, entre os anos de 1996 e 1999, a Carona conseguiu suprir necessidades financeiras do coletivo e de seus integrantes, dividindo sua agenda entre a produção de Lendo e Aprendendo e as apresentações do espetáculo em escolas.

No ano de 1999, paralelamente a produção e execução de Lendo e Aprendendo, o grupo começou a conceber seu segundo espetáculo, uma adaptação de Romeu e Julieta. O novo espetáculo, assim como o primeiro, teve como destino a circulação em escolas. Mas o público-alvo de Romeu e Julieta era as classes de adolescentes.

O grupo crescia junto com o processo de criação do novo trabalho. Para suprir as necessidades técnicas de Romeu e Julieta foram agregados mais dois atores à Cia Carona, que passou a contar com cinco integrantes. O tamanho do cenário de Romeu e Julieta também era bem superior ao do primeiro trabalho da companhia, o que tornou a circulação simultânea dos

dois espetáculos inviável. “Então, como o Lendo já tinha uma carreira própria, começamos a investir no Romeu e Julieta” (SEDREZ, 2007). E, aproveitando os contatos firmados com as escolas durante os quatro anos de apresentações de Lendo e Aprendendo, o grupo não encontrou dificuldades para circular com o seu novo espetáculo.

Em 2000, durante o segundo ano de circulação de Romeu e Julieta, foi necessário realizar uma substituição. Um dos atores do espetáculo, Nelson Júlio, precisou se afastar do trabalho por motivos de saúde. O grupo, então, resolveu convidar o ator Arno Alcântara Júnior21 para participar do espetáculo, e também para integrar a companhia.

A entrada de Arno Alcântara convergiu com o momento de redirecionamento da trajetória artística da Cia Carona. E, o que a princípio era uma simples substituição, deu início a um processo interno de reflexão sobre os rumos do projeto da Cia Carona.

As realizações de Lendo e Aprendendo e Romeu e Julieta possibilitaram ao grupo alcançar o seu objetivo inicial - manter um espetáculo em cartaz e gerar renda suficiente para o sustento da companhia e de seus integrantes. Portanto, era necessário encontrar um novo objetivo coletivo capaz de guiar os trabalhos futuros da companhia.

Empenhados em descobrir o novo objetivo para o trabalho em grupo, e refletindo sobre o percurso trilhado pela companhia até aquele momento, os integrantes da Cia Carona

perceberam que, conforme crescia o número de apresentações do grupo, crescia também o

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tempo destinado à produção e divulgação dos espetáculos. Com essa rotina intensa de divulgação, produção e apresentação de espetáculos, pouco, ou nenhum tempo, sobrava para a criação de novos trabalhos, muito menos para o aprimoramento técnico de seus artistas e espetáculos.

Ao constatar que o tempo dedicado às atividades artísticas ficava reduzido aos momentos de apresentação dos espetáculos, o grupo percebeu que era necessário repensar a dinâmica e a trajetória artística da Cia Carona. Nesse mesmo momento,

O Arno entrou falando disso, de pesquisa sobre o trabalho do ator. E aí, nós paramos para pensar: bom, o primeiro objetivo era apresentar bastante, a gente já cumpriu; agora então o que nós queremos? Queremos pensar sobre o trabalho do ator (SEDREZ, 2007).

Assim, com cinco anos de vida, nasceu um novo desejo compartilhado pelo coletivo: ampliar os conhecimentos artísticos e técnicos através da pesquisa sobre o trabalho do ator. Com o novo objetivo, o grupo passou a dedicar parte de seu tempo às discussões a respeito do trabalho do ator. Na mesma época a Cia Carona ouviu falar sobre o curso intensivo de verão oferecido pelo grupo argentino Periplo Conpañia Teatral:

Um de nós, não me lembro quem, disse: “Ah, o pessoal de Santa Catarina já teve contato com a Periplo, eles ministram oficinas em janeiro/fevereiro”. Parece que alguém daqui de Blumenau já tinha feito o curso e tinha falado muito bem do trabalho deles e eu, enquanto presidente da FECATE22 na época, já tinha trazido o Diego Cazabat para dar uma oficina no Festival Catarinense da FECATE. Então fomos para Buenos Aires, em 2000. E foi um marco para o grupo (SEDREZ, 2007).

A Periplo é uma companhia estável argentina, fundada em Buenos Aires, no ano de 1995, e que atualmente agrega quatro artistas em seu núcleo permanente: Andrea Ojeda, Hugo De Bernardi, Julieta Fassone e Diego Cazabat. A companhia coordenada por Cazabat (diretor artístico do grupo) organiza seus trabalhos práticos e teóricos ao redor da investigação do trabalho do ator. Dentro das práticas desenvolvidas pelo grupo é possível destacar a criação de espetáculos, a disseminação de seus princípios pedagógicos tanto em âmbito nacional como internacional, e a elaboração de materiais teóricos a respeito de sua prática. 23

Entre os anos de 1997 e 2000 a companhia argentina estreitou relações com grupos teatrais e universidades na região de Santa Catarina, mais especificamente nas cidades de

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Itajaí, Joinville, Blumenau e Florianópolis. Nas inúmeras visitas ao Estado, a companhia, além de apresentar seus espetáculos, ministrou workshops, oficinas para atores e diretores e participou de Festivais de Teatro24.

A partir de janeiro de 2000, a Periplo passou a oferecer seminários práticos de verão em sua sede na capital argentina, o Astrolábio Teatro. El Astrolábio Teatro é o Centro de Investigação Teatral e Casa de Estudos localizada em Buenos Aires, onde a companhia desenvolve continuamente trabalhos na área pedagógica, de investigação e de produção artística. Os seminários intensivos tinham como objetivo disseminar as técnicas atorais e princípios artísticos da companhia, estreitar ainda mais o intercâmbio artístico com grupos brasileiros e de diversos países, além de gerar recursos financeiros capazes de ajudar a suprir os gastos financeiros com a manutenção do espaço/sede.25

Diversos grupos catarinenses em fase de formação, naquele momento, se deslocaram até a capital argentina para participar dos seminários de verão, entre eles é possível citar:

Téspis Cia. Teatral e Cia. Experimentus, de Itajaí, Companhia de Teatro de Repertório da Univille, La Trama Companhia Teatral e Grupo Cultural Itinerante, de Joinville, a própria

Cia Carona, de Blumenau, e a Companhia de Teatro Próprio por um (A)triz, de Florianópolis.26

No ano de 2000, com o intuito de aperfeiçoar o trabalho de atuação da Cia Carona,

seus integrantes fizeram a inscrição no curso oferecido pela Periplo e foram aprovados. Dos quatro integrantes do grupo, apenas Léo Almeida não viajou a Buenos Aires naquele ano. Pépe, Roberto e Arno, durante dez dias, mergulharam em um intenso trabalho de investigação atoral que compreendia exercícios físicos, criação de cenas e discussão de textos teóricos. Ao retornarem para Blumenau os três atores encontravam-se abastecidos e estimulados a iniciar uma nova linha de investigação dentro do grupo – a construção de espetáculos a partir do

trabalho do ator. “[...] aquele seminário mudou a nossa vida! Voltamos totalmente tomados

24 Festival Universitário de Teatro de Blumenau, nos anos de 1998, 1999 e 2000; Mostras Itajaiense de Teatro, nos anos de 1998 e 2000; entre outras Mostras, Eventos e Festivais.

25 Estes procedimentos não são particulares do grupo argentino aqui citado, mas sim dizem respeito a uma prática recorrente entre grupos teatrais contemporâneos que visam à construção de uma linguagem teatral própria e que por isso procuram estabelecer um espaço de troca artística como forma de sustentar, disseminar e renovar seus princípios. A título de exemplo, além dos grupos investigados nesta pesquisa cito alguns outros grupos que se utilizam desta prática no Brasil: Lume (SP), GrupoGalpão (MG), Téspis Cia Teatral (SC); e no exterior é possível citar uma gama de grupos internacionais associados à ISTA – International School of Theatre Anthropology.

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daquela vontade de pesquisar sobre o trabalho do ator, de fazer treinamento de ator”

(SEDREZ, 2007).

Justamente neste momento de redirecionamento de objetivos e escolha de novos caminhos, Léo Almeida, único integrante que não havia participado do curso em Buenos Aires, resolveu se desligar do grupo por entender que não comungava com os novos anseios do coletivo. Assim, Pépe Sedrez, Roberto Morauer e Arno Alcântara Júnior, incentivados pela vivência em terras argentinas, e em meio às mudanças e redirecionamentos de rota, assumem a paternidade e presenciam o segundo nascimento da Cia Carona.

Diferentemente do primeiro nascimento que teve como impulso o fator financeiro, o segundo se caracterizou por questões artísticas. O desejo comum era definir uma estética própria da Cia Carona e um modo de trabalho calcado na “investigação a cerca do trabalho

do ator e suas relações dialéticas em grupo”27. Os novos princípios, definidos naquele

momento, passaram a nortear todos os demais trabalhos artísticos do grupo até a atualidade.

1.2 ENTRE O PALCO E A PELÍCULA - VIGOR MORTIS

A Cia. Vigor Mortis foi criada por Paulo Biscaia Filho, Leandro Daniel Colombo, Mariana Zanette Padilha, José Carlos Padilha, Maria Luciana Pelosi, Daniele do Rosário Padilha e Álvaro Senna, em 1997, na capital paranaense, Curitiba. Desde o seu nascimento, a companhia traz como objetivos, ou Mission Statement (como o próprio grupo denomina28) –

explorar temas de violência e horror advindos do Grand Guignol29, e utilizar recursos audiovisuais na construção de uma linguagem artística situada entre os limites do teatro e do cinema. O interesse pela temática do Grand Guignol e a aproximação entre o teatro e o cinema são características que, presentes em todos os trabalhos do grupo, foram herdados das pesquisas de Paulo Biscaia Filho, diretor e dramaturgo da Vigor Mortis.

Biscaia formou-se em Artes Cênicas pela PUC-PR, em 1990, e durante nove anos atuou como programador de cinemas, coordenador e consultor de Audiovisual da Cinemateca de Curitiba. Em parceria com a atriz e companheira de curso Jeanine Rhinow, Biscaia formou seu primeiro grupo teatral um ano após terminar a graduação; era a Cia. Das Aqualoucas.Os

27www.ciacarona.com.br.

28 www.vigormortis.com.br.

(27)

espetáculos produzidos pelo grupo tinham como base poemas e contos de Edgar Allan Poe. O jovem diretor continuou seus estudos acadêmicos e, no ano de 1995, obteve o título de Mestre em Artes pela Royal Holloway University of London, com a dissertação “The Horror of the Grand Guignol”. E, é a partir dessa pesquisa, que iniciam os estudos e experiências com o

universo do Grand Guignol, conforme relato do próprio Biscaia (2008), descrito a seguir:

Fui para a Inglaterra em 1994 fazer mestrado na Royal Holloway University of London. O tema de minha dissertação estava definido um ano antes. Quando Antonio Abujamra foi ver Sangue para Uma Sombra30, ele me disse para estudar o Grand Guignol. A partir daí praticamente começou a minha vida. Quando voltei, fiz uma peça grandguignolesque chamada “Terror No Gabinete das Figuras de Cera”, mas o resultado não me agradou completamente. Era necessário começar do zero. Com um elenco dedicado ao estudo do gênero. Eu estava começando a dar aulas na FAP31 e chamei para trabalhar alguns de meus alunos que mais me chamaram a atenção por seus trabalhos, entre eles o Leandro Daniel Colombo e a Mariana Zanette. Levamos quase sete meses ensaiando. Foi muita pesquisa e muita experimentação. Criou-se ali o gosto pela investigação de linguagem.

Desta pesquisa sobre o Grand Guignol nasceu a Cia. Vigor Mortis e o seu primeiro espetáculo, Peep - através dos olhos de um serial killer, que estreou em novembro de 1997 no teatro do Guairinha, na capital paranaense. No ano seguinte o grupo apresentou o espetáculo durante o primeiro Fringe – Mostra Aberta do Festival de Teatro de Curitiba. A peça era baseada em entrevistas e depoimentos de serial killers reais do século XX. Sobre o espetáculo Biscaia escreveu:

PeeP era uma viagem pelo inconsciente coletivo de mentes perturbadas. Um pesadelo dos bons valores em um redemoinho de mortes. Uma série de manifestações radicais de sentimentos humanos sendo expiados por atos monstruosos. Este título, Peep, vem do inglês “espiar”, “dar uma espiadela”, como se faz em cabines de peep show. Um breve olhar sobre um universo de transgressões morais, sociais e sexuais que contemplamos apenas à distância. É como passar ao lado de um acidente de carro. Não queremos olhar, mas não agüentamos e damos uma olhada para satisfazer nossos desejos escondidos e nossa curiosidade sobre realidades distantes de nós, ou que pelo menos desejamos que permaneçam distantes. [...] Experimentamos – artistas e público – a fascinação por atos impensáveis. A visita “turística” a estes espaços ajuda até mesmo a manter nosso equilíbrio emocional se a obra sabe discutir o assunto adequadamente.

(28)

Todos precisam desse equilíbrio. É por isso que matamos pessoas na

Vigor Mortis diariamente. No palco, é claro!!!32

Biscaia assinou a direção e a dramaturgia de Peep, que contou com a atuação de Leandro Daniel, Mariana Zanette, Daniele do Rosário Padilha, Maria Luciana e Álvaro Senna. Devido à boa recepção do público e da crítica perante a apresentação de Peep - através dos olhos de um serial killer, durante o Fringe, a Vigor Mortis reapresentou-se em 1998 no mesmo festival, mas desta vez como grupo convidado da Mostra Oficial. E, em março de 1999, a companhia estreou sua nova peça DCVXVI - Eis o Filho da Luz, novamente como grupo convidado da Mostra Oficial do Festival de Teatro de Curitiba. O texto da montagem foi escrito por Paulo Biscaia Filho com base na vida do assassino brasileiro Frebrônio Índio do Brasil, um dos mais famosos assassinos da década de 1920.

Diferente da primeira montagem do grupo, DCVXVI - Eis o Filho da Luz não foi bem recebido nem pela crítica nem pelo meio teatral. Críticas da época, como a escrita por Diana Moura Barbosa, para o Jornal do Comércio, de Recife, exemplificam como foi a recepção da peça:

Duas estréias. Um verdadeiro show e um horror em cena. Foi assim a quinta-feira no Festival de Teatro de Curitiba. As principais peças da noite, Opereta - O Homem que Sabia Português e DCVXVI - Eis o Filho da Luz, foram uma exatamente o oposto da outra. Enquanto Opereta é um espetáculo leve, divertido, bem produzido, compreensível e inteligente, O Filho da Luz apresentou um teatro ininteligível, pretensioso, mal acabado, chato e com vontade de ser filosófico. [...] O Filho da Luz decepciona do início ao fim. O texto e a direção são de Paulo Biscaia, professor de artes cênicas da Universidade Federal do Paraná. A peça é uma montagem acadêmica que mostra a história interessante de um assassino que pratica crimes em série. [...] O que deveria ser um projeto experimental se transforma numa sucessão de equívocos.33

Biscaia, oito anos após o acontecimento, ao ser questionado em uma entrevista a respeito das críticas recebidas por DCVXVI - Eis o Filho da Luz, disse:

Hoje vejo que o espetáculo tinha mesmo uma série de problemas. [...] Eu estava falando muito internamente, não estava buscando tanto a comunicação com o público. A única coisa que até hoje renego das

32 BISCAIA, Paulo. A arte se alimenta das falhas humanas. Gazeta do Povo, 02 de junho de 2007. PENSATA publicado na edição impressa de 02/06/2007.

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críticas foi o grau de violência. Espetáculos de outros criadores, no mesmo período, tinham uma comunicação ainda mais problemática com o público. Mas foi bacana para poder parar, pra pensar o que era o meu trabalho, o trabalho da Vigor Mortis. Na época, também fazia a coordenação da Cinemateca de Curitiba e dava aulas, estava muito complicado. Acabei optando por manter só os meus dois trabalhos de salário e deixar a companhia de lado, trabalhar eventualmente com vídeo e aproveitar para refletir um pouco. Meu pensamento era não voltar a produzir mais nada em teatro.34

Mas, na época as críticas negativas abalaram os integrantes da Vigor Mortis e acabaram por provocar a desestruturação do grupo. O fato provocou uma crise interna e, em seguida, a dissolução do jovem núcleo que tinha apenas três anos de existência.

Esta situação vivida pela Vigor Mortis exemplifica a fragilidade da estrutura dos grupos teatrais em seus primeiros anos de vida. Os primeiros anos de vida de um grupo costumam ser de gestação e de formação tanto estética, quanto de estrutura interna de funcionamento. É durante este período de formação que os grupos estabelecem, experimentam, descartam, consolidam objetivos, afirmam suas bases identitárias, e talvez por isso, a aprovação do entorno seja tão significativa.

No caso da Vigor Mortis as opiniões externas somadas à fragilidade das bases internas do grupo acabaram por provocar a própria morte temporária do grupo.

Naquela época, não tinha maturidade para aceitar que uma crítica ruim não era o fim do mundo” – declara [Biscaia]. – Aprendi também a não olhar apenas para o meu umbigo. [Atualmente] Consigo estabelecer uma comunicação com a platéia sem deixar de lado a preocupação com uma linguagem instigante.35

Apesar da diluição do grupo em 1999, Biscaia decidiu manter o nome da companhia ativo realizando experimentos e produções cinematográficas. Entre os anos de 2000 e 2003 diversos filmes foram produzidos por Paulo Biscaia Filho, sempre utilizando a temática do horror e do suspense. Dentre os vídeos produzidos nesse período estavam: O Coração que Falava Demais (2000), uma adaptação de O Coração Delator de Edgar Allan Poe; Lesbian Chat Room, filme experimental que chegou a se destacar entre os demais criados no mesmo

34 Trecho de entrevista de Paulo Biscaia Filho realizada por Miguel Anunciação, crítico de espetáculos. Título da entrevista: “De volta à esquina”, publicado em 19/08/2007. Disponível em:

http://www.hojeemdia.com.br/v2/busca/index.php?data_edicao_anterior=2007-08-19&sessao=12&ver=1&noticia=543. (Acessado em: 23/05/2009, às 23h12‟)

(30)

ano por Biscaia, chegando a ser premiado como 2º melhor vídeo no Festival Imagem em 5 minutos de Salvador (BA); e TOD (2002), um vídeo inspirado na vida do cineasta Tod Browning, realizador do clássico Freaks, de 1932. O curioso desse período de pausa nos

palcos e da diluição do grupo é que, em vários dos filmes produzidos entre 2000 e 2002, dois dos membros fundadores da Vigor Mortis - Leandro Daniel e Mariana Zanette - continuaram a trabalhar como atores nos projetos dirigidos por Biscaia.

Em 2003, após quatro anos sem atividades teatrais, Leandro Daniel Colombo convidou Paulo Biscaia Filho para dirigir uma leitura dramática de Moby Dick e Ahab na Terra doSol, que também contou com a participação de Mariana Zanette. A leitura dramática deu origem a um novo espetáculo e impulsionou a retomada das atividades teatrais da Vigor Mortis. Nesse momento ocorre o segundo nascimento da Vigor Mortis, e com o renascimento das atividades teatrais, os membros do grupo decidem oficializar a existência do grupo fazendo o seu registro jurídico.

O grupo foi batizado com o nome fantasia Vigor Mortis - Video, Stage & Words, enquanto que a razão social foi registrada com o nome do próprio diretor - Paulo Roberto Rego Barros Biscaia Filho. A decisão de registrar juridicamente o grupo com o nome do próprio diretor vem justamente da experiência vivida anteriormente da diluição do grupo.

“Dessa maneira mesmo que ocorram novos desentendimentos e a saída de um, ou outro, integrante do grupo será possível juntar os pedaços e reestruturar a companhia” (BISCAIA,

2007).

O retorno da Vigor Mortis aos palcos foi marcado pela apresentação de Moby Dick e Ahab na Terra do Sol, espetáculo selecionado para participar do Ciclo de Leituras da Fundação Cultural de Curitiba de 2003. Contudo, foi em 2004 que o grupo firmou suas estruturas e começou a ser reconhecido por seu trabalho e pesquisa. Moby Dick e Ahab na Terra do Sol foi apresentado no Festival de Teatro de Curitiba, em março do mesmo ano. Dessa vez o grupo recebeu bons comentários por parte da crítica, o que impulsionou a criação de novos trabalhos. O bom momento artístico do grupo foi reiterado no decorrer do ano com a estreia de dois novos trabalhos: Morgue Story – Sangue Baiacu e Quadrinhos, em abril, e

Snuff Games, em outubro.

Morgue Story marcou o início de novas e duradouras36 parcerias de trabalho com a atriz Rafaella Marques, o iluminador Wagner Corrêa e o ator Anderson Faganello. Sendo que,

(31)

Rafaellla e Wagner, anos mais tarde viriam a compor o núcleo artístico da Vigor Mortis. Para encerrar o ano, no mês de dezembro de 2004, a peça Morgue Story foi agraciada com cinco Troféus Gralha Azul/Prêmio Governador do Estado, nas categorias de: melhor espetáculo do ano, melhor diretor, texto e sonoplastia, para Paulo Biscaia Filho, melhor ator, para Anderson Faganello. O espetáculo ainda recebeu o Troféu Epidauro, concedido pelo Consulado da Grécia, como Melhor Espetáculo do Ano. Esse reconhecimento por parte do meio artístico, crítica e público ajudaram a firmar o retorno da Vigor Mortis além de projetar o grupo no cenário teatral brasileiro.

1.3 OS FILHOS DA RUA - FALOS & STERCUS

O Falos & Stercus nasceu na cidade de Porto Alegre, no ano de 1991. O ator Marcelo Restori havia trabalhado com o diretor Júlio Conte, no grupo Pé-de-Palco entre os anos de 1985 e 1990. Em seguida, foi assistente de direção do próprio Conte em oficinas de teatro e cursos preparatórios para vestibular. Aos poucos o jovem artista percebeu que o teatro que queria era distinto daquele feito por Júlio Conte e resolveu romper com seu mentor e trilhar seu próprio caminho artístico. E foi em um dos cursos de teatro que ministrava, que Restori conheceu uma professora, de nome Lídia, que lhe convidou para dar oficina de teatro em uma igreja.

Uma professora de geografia, do cursinho pré-vestibular, disse que tinha vontade de me ver realizando um trabalho na igreja que ela freqüentava. E eu disse: “Eu numa igreja? Olha, lá! Eu não vou abrir mão do meu trabalho, do teatro que eu estou fazendo”. E ela respondeu: “Mas eu gosto do teu trabalho e lá na igreja você vai poder desenvolver o tipo de teatro que você quiser. Você pode mudar o espaço e fazer o que você quiser”. E eu perguntei: “Não vai haver interferência mesmo?” Aí eu comecei a convidar pessoas dessa oficina para trabalhar e no final de 1991 nós fizemos um pequeno espetáculo lá [Dançando na Chuva]. Desse espetáculo nasceu o Falos & Stercus. 37

Na época, Restori, com o intuito de concretizar seu desejo de tornar-se diretor, convidou Fábio Cunha, Alexandre Vargas, Fábio Rangel [o Sabão], Karina D´lagnol, Rubens

(32)

Koshimizu [o Japa], Marlon Branco e Sandro Groisman, para dar início à investigação de uma linguagem própria38, ou, ao menos, tentar encontrar “uma maneira própria de fazer teatro”39.

Restori era o único entre os que agregavam este primeiro núcleo que possuía certa experiência teatral e, talvez por isso, tenha sido a alavanca que impulsionou o agrupamento daquelas pessoas e o nascimento do Falos & Stercus. Todos os demais integrantes eram oriundos das oficinas ministradas por Restori, exceto Fábio Cunha – que foi convidado por Sandro Groisman.

A proposta lançada por Marcelo Restori àquelas sete pessoas era a de criar um grupo com base na autoformação de seus integrantes e na exploração do espaço da rua como espaço

cênico. “Eu sabia que não queria estudar um teórico. Eu queria que nós descobríssemos por nós mesmos, errando, tateando. E esse seria o meu aprendizado como diretor e deles como

ator.”40 As características que sobressaíam na primeira formação do grupo eram a pouca

experiência teatral, a juventude de seus integrantes e a forte discordância desses com a situação política e econômica do país.

Naquela época estávamos muito influenciados pelo momento político. Não sei se tu te recordas, mas de repente, entra um sociólogo no governo e “Agora as coisas serão resolvidas, porque entrou um sociólogo no governo!” Aeconomia nos tomava, nos levava o tempo todo. [...] Acho que pela nossa origem econômica e familiar, tínhamos uma coisa muito aguerrida naquela época. Os temas, as discussões. Acho que dá para fazer uma leitura do trabalho do grupo, da construção do grupo encima dos espetáculos, dos temas que às vezes eram coisas que passavam por nós, que nos atravessavam.41

Conforme descreveu Alexandre Vargas, aqueles jovens estavam cheios de dúvidas sobre o futuro, mas com muita vontade de expressar, através da linguagem teatral, suas ideias e inquietações a respeito da situação política em que estavam inseridos. Assim, pode-se dizer que o Falos nasceu da junção de dois desejos distintos: o primeiro deles era o desejo alimentado por Restori de pesquisar e criar uma linguagem teatral própria a partir da experiência prática; e segundo, o desejo daqueles jovens gaúchos, alunos de oficinas teatrais, de utilizar o teatro como espaço de reflexão, crescimento e manifestação política.

38 “A linguagem é aquilo que é próprio teu, com a qual tu te comunicas, de uma maneira que seja, ou não seja própria, com a qual tu formalizes uma comunicação” (RESTORI, 2007).

39 Definição utilizada e divulgada pelo próprio grupo em sua página virtual: http://www.falosestercus.com.br/index2.html. 40 Idem, 37.

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