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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO JÚLIA FERNANDES LACERDA

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

JÚLIA FERNANDES LACERDA

A DRAMATURGIA DE HILDA HILST: PERCURSOS E DIÁLOGOS ENTRE O DRAMÁTICO E O NÃO DRAMÁTICO

FLORIANÓPOLIS - SC

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JÚLIA FERNANDES LACERDA

A DRAMATURGIA DE HILDA HILST: PERCURSOS E DIÁLOGOS ENTRE O DRAMÁTICO E O NÃO DRAMÁTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Stephan Arnulf Baumgärtel

FLORIANÓPOLIS - SC

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JÚLIA FERNANDES LACERDA

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC.

Banca examinadora:

Orientador:_________________________________

Prof. Dr.Stephan Arnulf Baumgärtel

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Membro:___________________________________

Prof. Dra. Ana Cláudia Félix Gualberto Universidade Federal da Paraíba - UFPB

Membro: ___________________________________

Prof. Dra. Fátima Costa de Lima

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

FLORIANÓPOLIS - SC

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AGRADECIMENTOS

Ao Stephan Baumgärtel, pela orientação justa, pontual e dialogada; por ter abraçado o meu projeto e contribuído para o meu amadurecimento acadêmico.

À Lígia Ferreira, Débora Matos e Fátima Lima que, não sei se sabem, mas iluminaram meus caminhos para a elaboração do projeto desta dissertação no ano de 2010.

Ao Programa de Pós-Graduação em Teatro, PPGT, pela eficiência e dedicação dos funcionários e professores com os mestrandos.

À CAPES pela bolsa concedida que permitiu a realização deste trabalho.

Ao CEDAE (Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio), do IEL (Instituto de Estudos da Linguagem) - UNICAMP (Campinas – SP), pelo acesso aos arquivos de Hilda Hilst, que tornaram esta dissertação mais instigante e provocadora.

Aos meus irmãos, Priscila e Vicente, pela existência. Ao meu pai, Ronaldo, pelo incentivo e pela presença.

Aos meus tios amados, Neri, Suêmia, Norma e Quico pelo amor e exemplo. À Ramila e Karine por toda a nossa amizade.

À Letícia, Luiza e Sofia, pela inocência que me faz ter vontade de sorrir. À Thays, Nice e Hamilton pelo apoio e carinho.

À Joana, Belinha, Ary e Rafa Dias pelos momentos de descontração e alegria; e à Kamila e Lívia pelos cafés e diálogos.

À Trupe Popular Parrua, Marquinho, Veruska, Toni e Guilherme, pelas coversas e momentos de compreensão e diversão.

À Cia Entrecontos, Helô, Lígia, Lua e Maria, por todo o apoio, incentivo, desabafo e

parceria que me faz acreditar neste trabalho.

À Maria Alice, pelas tardes de tranquilidade enquanto eu escrevia enlouquecidamente; à Ey, Tobi, Uendi e Costelinha, que deixaram meus dias menos cansativos e solitários.

Ao Guilherme, por toda a compreensão, o amor, as leituras e conversas que tornaram o percurso até aqui ainda mais agradável; agradeço também pelas tardes de pesquisa de campo na UNICAMP (Campinas - São Paulo), enquanto estava de férias.

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LACERDA, Júlia Fernandes. A dramaturgia de Hilda Hilst: percursos e diálogos entre o dramático e o não dramático. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Teatro – Mestrado). Universidade do Estado de Santa Catarina: UDESC, 2013.

RESUMO

A dissertação intitulada “A dramaturgia de Hilda Hilst: Percursos e diálogos entre o dramático e o não dramático” é um estudo sobre a escritora Hilda Hilst (1930-2004) e sua obra, com enfoque na sua produção dramatúrgica. No primeiro capítulo desta pesquisa, apresento um panorama da trajetória literária da autora, iniciando por sua poesia até chegar à sua escrita dramatúrgica, destacando as influências formais, estruturais e temáticas que reverberaram em seus textos teatrais, bem como as particularidades deste gênero e sua relação com o contexto sócio histórico em que foi produzido. No segundo capítulo, faço uma apresentação e uma reflexão sobre linguagens teatrais (dramático; simbolismo; absurdo; performativo) com as quais dialoga a produção teatral da escritora. Por fim, no terceiro capítulo, faço uma análise de três peças da autora, sendo elas O rato no muro, Auto da barca de Camiri e As aves da noite, partindo de teorizações sobre a estrutura textual, a construção da figura teatral, a alegorização, o símbolo e as qualidades políticas dos textos teatrais em análise.

Palavras-chave: Hilda Hilst. Trajetória literária. Dramaturgia. Linguagens teatrais. Análise

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ABSTRACT

The research entitled "A dramaturgia de Hilda Hilst: Percursos e diálogos entre o dramático e o não dramático" is a study about the writer Hilda Hilst (1930-2004) and her work, with a focus on her dramatic writing. In the first chapter of this research, I develop an overview of the author's literary career, begining with her poetry in order to get to her dramatic writing, focusing on the formal, structural and thematic elements that reverberate in her theatrical texts, as well as the particularities of this literary genre and its relationship to the historical and social context in which it was produced. In the second chapter I present some reflections on the various theatrical languages (drama, symbolism; the absurd; the performative) that dialogue with the theatrical production of the writer. Finally, during the third chapter, I present an analysis of three Hilda Hilst´s plays, O rato no muro, Auto da barca de Camiri e As aves da noite, starting from theories about the textual structure, the theatrical character construction, the allegorization, the symbol and political qualities of the teatrical texts under analysis.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 09

CAPÍTULO I Escritos de Hilda Hilst: o primeiro percurso... 18

CAPÍTULO II Obra dramatúrgica: interferências e diálogos de linguagens teatrais... 36

II. 1 – O dramático e o não dramático: linearidades e rupturas... 37

II. 2 – Simbolismo: temáticas e estruturas... 43

II. 3 – Absurdo: existencialismo e visões de mundo... 48

II. 4 – Performance linguística: traços do performativo, do não dramático... 52

CAPÍTULO III O rato no muro, Auto da barca de Camiri e As aves da noite: decupando elementos dramatúrgicos... 58

III. 1 – Estrutura textual... 59

III. 2 – A construção da figura teatral... 76

III. 3 – Alegorização, símbolo e qualidades políticas dos textos teatrais... 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 96

REFERÊNCIAS... 102

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INTRODUÇÃO

Eu queria escrever sobre algo que pudesse tocar o mundo. Pretensioso demais, não? Talvez. Mas se você se perguntar sobre qual mundo que eu quero tocar, como eu me perguntei, você pode deduzir que não pode tocar o mundo, mas os mundos. Porque quando nós escrevemos, estamos concretizando um pensamento até então, abstrato. E uma vez colocado no papel, colocado no palco, ou mesmo compartilhado em palavra ou em movimento, o pensamento se concretiza, e se torna uma possibilidade de experiência para outros mundos. Se estas palavras conseguirem atingir outros “mundos”, o mundo pessoal de cada um, e servir como uma experiência, então estes escritos terão cumprido a função almejada por mim.

Gostaria de começar compartilhando uma das primeiras (e fundamentais) descobertas que fiz no início desta pesquisa: um texto é uma experiência! Um texto teatral pode ser uma experiência teatral (a meu ver), na medida com que ele impulsiona e concretiza, através da leitura, imagens e sensações para o espectador/leitor que não diz respeito só ao campo da representação, mas que pertence também ao campo textual; bem como através do jogo que o próprio texto estabelece com suas superfícies verbais e características retóricas, criando dimensões que permitem interpretações múltiplas. Quando reporto à palavra experiência, refiro-me à proposição de Bondía, como algo que “nos passa, nos acontece, ou o que nos toca” (2011, p.21), diferenciando-se da informação, que simplesmente passa sem provocar uma transformação.1

Deste modo, entender uma leitura textual como uma experiência é percebê-la como um território de passagem para que a experiência aconteça. Portanto, escrever sobre algo essencialmente teórico ou prático, não quer dizer que o sujeito está ou não suscetível à experiência. Isto depende de como o sujeito irá se relacionar com o objeto, para que ele se torne uma fonte de experimentação. A leitura e a recepção de um texto são desta forma, formadoras e portadoras de experiência. Esta problematização surge de perguntas pessoais, sobre como fazer e estudar teatro a partir de um objeto essencialmente literário, que é o texto teatral. De que modo tornar esse contato com a literatura uma experiência, uma vivência que

1 “A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada acontece (...). Walter Benjamin, em

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se aproxime de uma prática teatral, de um contato intrínseco com uma obra artística? Como transgredir a informação e tornar os textos teatrais e o estudo sobre os mesmos uma fonte de experimentação para mim e para o leitor? Acredito que uma das formas de alcançar essa transgressão é propor uma imersão nesta dramaturgia de modo a estimular o espectador à leitura desta, a partir de interpretações que podem ser reformuladas, redescobrindo uma dramaturgia viva e inesgotável; buscando nestes textos a sua dimensão transformadora a partir do estudo de suas características que apontam para uma textualidade não dramática, performativa e ambígua, dentre outros aspectos que procuro detalhar nessa dissertação.

A experiência que proponho, a partir desta pesquisa, é um mergulho na dramaturgia da escritora Hilda Hilst. Brasileira, nascida em Jaú (interior de São Paulo) no ano de 1930, formada em Direito, escreveu por quase cinquenta anos e recebeu importantes prêmios literários nacionais com sua poesia, prosa e teatro. Faleceu aos 73 anos e hoje é reconhecida como um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Mas por que Hilda Hilst?

No momento de criação do meu pré-projeto para esta pesquisa de mestrado, já sentia o desejo de pesquisar uma dramaturgia que enveredasse pelo caminho da poesia, da subjetividade, do lirismo, e que também tratasse das questões humanas por uma ótica feminina – linguagens e temáticas que venho desenvolvendo em práticas pessoais com o teatro desde 2006. Foi então que me deparei com a dramaturgia de Hilda Hilst, entrecortada por poemas, símbolos, textos que possuem tantos detalhes na descrição de cenário, nas didascálias e no delineamento dos personagens, que permitem “ver” a peça encenada através do contato com a literatura. Sobre a opção e o interesse por um estudo baseado na obra literária finalizada e não na montagem ou recepção do evento teatral, se explica pela razão de que “o texto escrito, sendo um objeto acabado e acessível a todos, torna-se dessa forma uma referência coletiva, um patrimônio comum de análise e reflexão” (BONFITTO, 2007, p.127), que pode ser facilmente retomado e novamente interpretado após o contato com esse estudo.

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dramatúrgico com o intuito de ser colocado em cena. Após outros trabalhos em prosa e poesia, a autora lançou Contos d’escárnio/textos grotescos (1990), que faz parte da trilogia erótica da autora. Nesta prosa, Hilda Hilst retoma a escrita dramática, com certo tom de deboche, no decorrer da narrativa: são três peças curtas nomeadas “teatrinho nota 0 (zero)”, que uma das personagens da prosa, Clódia, afirma ter recebido de presente dos loucos do hospício onde foi internada. Essas peças, junto com outras receitas e contos, são transcritas por Crasso, personagem central da narrativa, que desde o começo demonstra seu interesse em se tornar um escritor. Entretanto, embora apresentadas no formato dramatúrgico com diálogos entre os personagens e cenas sucessivas, as peças fazem parte da narrativa em prosa, produzidas em outra fase de escrita da autora e que merecem um estudo específico, o qual ultrapassa o escopo dessa dissertação.

Hilda Hilst produziu, no período de 1967 a 1969, uma escrita dramatúrgica de qualidade lírica. Seus textos abordam assuntos políticos de modo poético e metafórico e os coloca em relação a um contexto metafísico.Podemos dizer que aautora realizou um trabalho de “desatualizar-se” do seu tempo presente através da escrita, reflexão que proponho a partir da concepção de Quilici (2011) em O contemporâneo e as experiências do tempo. A tensão produzida por esta justaposição (político e poético) parece proposital: desatualizar-se para produzir uma crítica da atualidade. Utilizou recursos linguísticos não muito usuais, optou por personagens quase irreais, figuras simbólicas, histórias em ambientes religiosos e tematizações reflexivas sobre a existência do homem e do universo, em uma estrutura reconhecida como dramática, mas que perpassa outras linguagens tais como o teatro do absurdo, o simbolista e o não dramático ou performativo.

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curso linear indicado pela história do “presente”. Desta forma, podemos dialogar com a colocação de Agamben (2009) em O que é o contemporâneo? E outros ensaios, sobre uma possível definição de contemporaneidade, que seria “uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias” (AGAMBEM, 2009, p.59). Vejo esta como uma das possíveis maneiras de enxergar a dramaturgia de Hilst: no momento em que se desloca do seu tempo, observa o que Agamben nomeia de “o escuro da contemporaneidade” e dialoga com divergentes tempos, espaços e estruturas.

Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no tempo para perceber não as luzes, mas o escuro. (...) perceber esse escuro (...) implica uma atividade e uma habilidade em particular que, no nosso caso, equivalem a neutralizar as luzes que provém da época para descobrir as suas trevas, o seu escuro especial que não é, no entanto, separado daquelas luzes. Pode dizer-se contemporâneo apenas quem não se deixa cegar pelas luzes do século e consegue entrever nessas partes a sua sombra, a sua íntima obscuridade (AGAMBEN, 2009, p.62-63-64).

Por este ponto de vista, Hilda Hilst é contemporânea ao enxergar a escuridão do seu tempo, fazendo-o por meio da escrita, ao “cindir” a contemporaneidade em mais tempos e “introduzir no tempo uma essencial desomogeneidade” (AGAMBEN, 2009, p.71), mesclando linguagens e articulando temáticas que, de certa forma, se distanciam das “luzes” da sua época, mas não as ignora, apenas as neutraliza, para dar espaço àquilo que é obscuro, que não está facilmente observável.

Os temas nas peças teatrais de Hilst estão abertos para serem discutidos em variados níveis, o que demonstra a força presente na palavra e o que ela pode causar no leitor e no espectador (pensando que são textos escritos para serem encenados). Neste ponto acho interessante problematizar a questão da própria escrita, da sua importância enquanto ação de experiência e de produção de sentido:

eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras (BONDÍA, 2011, p.21).

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teatral passa a fazer sentido e provocar identificações ou contradições no campo receptivo. No caso da dramaturgia de Hilda Hilst, este fenômeno também ocorre de modo não tradicional, em que a importância da linguagem poética, temática e da estrutura dramática não depende somente do personagem para comunicar e provocar o leitor, conforme discutirei neste estudo.

Algo que também me instiga pesquisar a escritora Hilda Hilst e sua obra é o fato dela não estar, pelo menos no campo de estudo teatral, no ranking dos artistas que fizeram história durante a ditadura militar no Brasil. Falo isto porque é sempre citada nos livros de história a cultura como um grande manifesto ao período ditatorial e os grupos de teatro que tiveram uma atitude imediata, com respostas e montagens que estavam diretamente apontando para os problemas da sociedade na época. Compreendo que isto se deve ao fato de que não caberiam todos os manifestos culturais em oposição à repressão nos livros de história do Brasil, e também ao fato de que isto é uma questão de escolha dos pesquisadores, que optam por registrar determinados fatos. Entretanto, percebo o quanto é importante dizer que outras formas de se falar sobre esses problemas (no caso de Hilst, através do estilo teatral lírico e bastante metafórico) existiram, e cabe a nós, estudantes de teatro, literatura e demais pesquisadores, mostrar outros lados e visões da história que não são aqueles estudados como fatos primordiais.

No caso da produção dramatúrgica de Hilda Hilst, acredito que esta descontinuidade do tempo presente – refiro-me aqui ao presente como o período em que ela produziu suas peças teatrais – ocorre por meio do caráter diferenciado de seus escritos no que diz respeito à estrutura e à temática: ela buscava uma revolução através da palavra, mais do que através de ações; acreditava que a forma de modificar o presente era por meio de uma revolução do interior:

comecei me desestruturando depois de 20 anos de poesia arrumada. E esta linguagem ordenada, de comportamento que quero desordenar, reflete a época, o momento visceralmente conturbado. É preciso dominar uma desordem para que aconteça alguma novidade real dentro de você. Há uma reformulação da linguagem como deve haver uma reformulação de comportamento (HILST, 1985, 4 ago).

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Ao abrir-me para os impactos da forma textual, bem como as relações (às vezes tensas) entre forma e conteúdo, percebo a capacidade do texto teórico e do texto teatral enquanto literatura, de propiciar experiências para o leitor, tanto quanto um treinamento de ator e uma peça de teatro, de modo a transformá-lo e torná-lo um sujeito da experiência na proposição de Bondía (2011): um sujeito que se permite entrar no vazio do saber para então conhecer outros saberes e outras formas de se compreender uma literatura, sem deixar-se dominar por aspectos que destroem a experiência e impossibilitam a sua existência. Diante disto, como podemos, então, ler os textos teatrais de Hilda Hilst como uma experiência neste sentido? Como a forma destes textos busca criar uma determinada experiência estética e ética no leitor/espectador? De que modo podemos recuperar a dramaturgia enquanto provocadora de experiência no contexto da ditadura e no contexto contemporâneo?

Minha pesquisa, a princípio, pretendia realizar um estudo historiográfico da obra de Hilda Hilst em relação ao contexto social em que produziu a sua dramaturgia. Entretanto, com o decorrer da pesquisa, e após a revisão de alguns de meus objetivos, o estudo se direcionou para a análise do texto teatral considerando a forma de escrita, a estrutura narrativa e linguística, bem como as possíveis relações com outras poéticas teatrais. Isto não significa um abandono da vertente sócio-histórica da pesquisa pensada no primeiro momento, mas um redirecionamento do foco para um novo campo (mais próximo da teoria literária) tendo em vista o redimensionamento e aprofundamento do estudo, essenciais para o crescimento do mesmo.

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verdades e significações de sua obra, o que pode apontar para um possível empobrecimento do estudo.

Realizei um panorama biográfico de Hilda Hilst, partindo de leituras das dissertações de Rodrigues (2010), Teixeiro (2009) e a resenha crítica de Betti (2010), que abordam aspectos biográficos da escritora, porém mais especificamente a produção teatral de Hilda Hilst, essenciais para este primeiro contato com a vida e a obra da escritora; estudos acadêmicos de autores como Gualberto (2008), Queiroz (2000), Santos (2010), embora direcionados a sua escrita em prosa e poesia, foram fundamentais para um aprofundamento no universo de Hilda Hilst; bem como o contato com a obra Cadernos de literatura brasileira – Hilda Hilst, do Instituto Moreira Salles (1999), que clarificou meus horizontes da pesquisa.

Para a execução deste panorama biográfico, efetuei uma pesquisa de campo no Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio (CEDAE), que faz parte do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em São Paulo. O CEDAE é responsável por todo o arquivo pessoal de Hilda Hilst, desde cadernos escolares da infância, cartas entre amigos, rascunhos de textos e pensamentos da autora, até sinopses e reportagens de espetáculos montados a partir de sua obra, artigos jornalísticos, fotografias pessoais, etc. Toda a seleção de material para esse estudo foi executada através de fichamentos e fotografias digitais de documentos que, posteriormente, foram sendo utilizados para a escrita da dissertação; alguns destes integram os anexos dessa pesquisa, com a finalidade de aprofundar e esclarecer alguns apontamentos realizados no texto. Como o intuito desse estudo não é realizar uma biografia pessoal completa da autora, aos poucos fui inserindo reportagens, entrevistas e comentários da própria autora, de críticos e de jornalistas no corpo do texto (grande parte destes situado no primeiro capítulo) com relação ao seu trabalho e seu modo de pensar, essenciais para a compreensão do seu universo.

Para traçar um paralelo com o contexto social, compreender a situação do Brasil e da arte em que Hilda Hilst atuou como escritora, realizei uma pesquisa pautada em livros de história do Brasil de autores como Bueno (2003) e Fausto (1998), bem como livros sobre a produção cultural desta época como Costa (1998), Pallottini (2008) e Vincenzo (1992). Alguns destes autores, embora não citados no corpo do texto, foram fundamentais para o embasamento e complemento do estudo.

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modelos fixos de análise” e que esta “objetiva, justamente, libertar do texto o peso morto dos preconceitos e das convenções ou das idéias passadas (...) a fim de redescobri-lo vivo, dinâmico, inesgotável e novo” (1977, p.17). É justamente essa possibilidade de enxergar algo vivo e novo nas peças teatrais de Hilda Hilst que me estimula à pesquisa. Outros autores extremamente relevantes à análise, mais focados em uma leitura do texto teatral, foram Pallottini (1983/1989), Pavis (2005) e Ubersfeld (2005), partindo do pressuposto de que embora não exista uma fórmula correta para a análise do texto, existem “procedimentos de leituras (...) que permitem não apenas esclarecer uma prática textual muito específica, mas também mostrar, se possível, os laços que unem essa prática textual a uma outra prática, a da representação” (UBERSFELD, 2005, p.XII). Este é, sem dúvida, um dos grandes desafios da análise de um texto teatral: unir a prática textual à prática representacional a partir do diálogo com o próprio texto. Não se trata, pois, de apontar para um novo textocentrismo da cena, mas pensar como o texto trabalha em sua estrutura com o espaço cênico teatral a fim de sugerir e/ou dialogar com determinadas poéticas cênicas ou leituras, analisando suas vertentes dramáticas e não dramáticas para vislumbrar sua possibilidade de provocar um posicionamento crítico com relação ao próprio texto e à representatividade do mesmo.

Dividi a dissertação em três capítulos: o capítulo I, Escritos de Hilda Hilst: o primeiro percurso, abrange o percurso poético de Hilda Hilst antes e durante o seu teatro

(até 1970), em que traço a trajetória literária inicial de Hilda Hilst, apontando aspectos e características temáticas e formais que de alguma forma reverberaram na sua proposta dramatúrgica. No capítulo II, Obra dramatúrgica: interferências e diálogos de linguagens teatrais, faço uma exposição de linguagens teatrais com as quais dialoga a dramaturgia de

Hilda Hilst, divididas em quatro subcapítulos: O dramático e o não dramático: linearidades e rupturas; Simbolismo: temáticas e estruturas; Absurdo: existencialismo e visões de mundo; Performance linguística: traços do performativo, do não dramático. Nestes, parto de conceitos específicos que compõe cada linguagem, a fim de perceber relações e imbricações destas com a obra de teatro da autora. O capítulo III, O rato no muro, Auto da barca de Camiri e As aves da noite: decupando elementos dramatúrgicos, consiste na análise destas três peças de Hilda Hilst, a partir de categorias de estudo que compõe os subcapítulos desta última parte, sendo eles: Estrutura textual, A construção da figura

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CAPÍTULO I

ESCRITOS DE HILDA HILST: O PRIMEIRO PERCURSO

É melhor ter os pés na superfície do cérebro; é estar atento à poesia que existe em tudo e que nem sempre é compreensível. Hilda Hilst

Uma escritora pouco conhecida no gênero dramático, Hilda Hilst desenvolveu sua trajetória literária principalmente através da escrita em poesia e prosa. Nascida em Jaú, cidade de São Paulo no ano de 1930, começou a escrever jovem, publicando sua primeira produção poética em 1950, intitulada Presságio. No entanto, segundo Coelho (1980) a autora elegeu o início de sua caminhada como escritora somente nove anos depois, com a publicação da obra poética Roteiro do Silêncio.

Como dramaturga, sua escrita se constitui por oito peças teatrais criadas no período de três anos consecutivos, num modo de produção “relâmpago”: A empresa (A possessa) e O rato no muro, escritas em 1967; O visitante, Auto da barca de Camiri, As aves da noite e O novo sistema em 1968; O verdugo e A morte do patriarca, em 1969. Após essa passagem pela

dramaturgia, Hilda Hilst seguiu com a poesia, mas adentrou o universo da prosa ficcional com a publicação de Fluxo-floema em 1970. No ano de 1990, a autora anuncia o “adeus à literatura séria” (INSTITUTO, 1999), publicando O caderno Rosa de Lori Lamby, dando início a uma fase de escrita pornográfica com o intuito de se tornar conhecida pelos leitores através de seus textos. E assim aconteceu. Atualmente, quando se fala ou se escreve sobre Hilda Hilst e sua obra, o público-leitor imediatamente reconhece o universo erótico da autora, ou seus poemas e prosas que tratam de temas sexuais com uma linguagem irreverente e direta.

Desde o principio de sua carreira, quando começou a ser conhecida no âmbito literário paulistano, Hilda Hilst era considerada pelos leitores e críticos uma escritora de difícil compreensão (fato que nem sempre é claramente justificado pelos próprios críticos), basicamente em virtude da sua opção por uma linguagem lírica e abordagem temática, o que parecia impossibilitar o crescimento do seu número de leitores.2

No entanto Hilda Hilst queria ser lida, e foi com esta finalidade que optou por esse novo estilo. Ao compreender a literatura

2 Curiosamente, quase não há registros de críticas negativas ao trabalho de Hilda Hilst que confirme esta

afirmação nos arquivos pesquisados no CEDAE (UNICAMP); o que há são registros de críticas defensivas à obra da autora, escritas por jornalistas e críticos literários dos quais posso citar Cacalo (artigo para Diário do povo, 1984 – ANEXO A); Rosenfeld (artigo para O Estado de São Paulo, 1968 –ANEXO B). Nestas, os críticos

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pornográfica como uma fórmula para vender mais livros3, a autora alcançou seu objetivo, mas

por outro lado, abandonou a estética literária que acreditava para vender aquilo que o brasileiro compraria4. “Esta é uma brincadeira final. É um sorriso”, afirmou Hilst (1988, 16 abr) após a divulgação da posterior publicação de O caderno rosa de Lori Lamby: “Pela primeira vez, eu acredito, vou ser lida”(ANEXO C).

A respeito da complexidade e dificuldade de sua escrita, Hilda afirmou em uma entrevista:

parece que as pessoas não prestam atenção que existe um tipo de literatura não apropriada para você ler no bonde, no avião ou na cápsula, mas que exige do seu neurônio, para você, em um determinado instante, fazer também um processo de auto-conhecimento. (...) Se o universo está tão complexo, tão dividido, tão ambíguo, frente a uma esquizofrenia em plano mesmo do planeta, então como a literatura vai ser absolutamente clara, se você também fica cheio de perplexidades, complexidades e de ambiguidades? Então ninguém senta na mesa e diz: agora eu vou escrever um texto complexo, ou vou escrever o novo; não existe isso, você escreve o que é a realidade pra você (HILST, 1984, 5 jun).

E é justamente ao temário desta complexidade do mundo, com todos os seus desdobramentos, que Hilda Hilst dedicou grande parte da sua escrita. Reflexões sobre a existência do ser humano, sobre os problemas e os questionamentos que circundam a vida como um todo, pensamentos e hipóteses de cunho religioso, com referências às forças divinas e não humanas, são alguns fundamentos essenciais presentes na escrita de Hilda Hilst, que aparecem com diferentes graus de complexidade, ambiguidade e perplexidade, em todos os gêneros que se debruçou. Embora não tenha de imediato atingido o ápice do sucesso como escritora, Rosenfeld, em ensaio sobre o livro Fluxo-floema afirma que “é raro encontrar no Brasil e no mundo escritores (...) que experimentam cultivar os três gêneros fundamentais de literatura – a poesia lírica, a dramaturgia e a prosa narrativa – alcançando resultados notáveis nos três campos” (1970, p.10). Além da temática, que é um elemento responsável por essa notabilidade da escrita de Hilda Hilst, destaca-se a questão estrutural dos seus textos, que possuem uma particularidade acentuada. Os traços estilísticos da autora podem ser vistos como inovadores na cena literária (e teatral), uma vez que Hilda Hilst experimenta modos característicos na formalidade da escrita, como veremos no decorrer desta pesquisa.

3 “Pode parecer estranho que uma escritora que se preocupou a vida toda em escrever sobre temas vitais agora

enverede pela pornografia. Para Hilda Hilst, 57 anos, não. Ela se justifica: - Só é escritor quem vende livros. E até hoje eu vendi muito pouco” (FALASCHI, 1988, 16 abr).

4 “Cansei de fazer literatura séria no país dos bundeiros, que é como chamam os brasileiros no exterior” (HILST,

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Ao observar o percurso da poética de Hilda Hilst como um todo, percebemos que o estilo muitas vezes chamado de pornográfico e/ou erótico5

com os quais a autora obteve grande repercussão de público, desloca as preocupações estéticas e literárias que predominavam no começo de sua carreira para outro campo investigativo. E é justamente este percurso que iremos observar a partir de agora.

Situando o início da trajetória da poesia de Hilda, tomando como ponto de partida a publicação de O roteiro do silêncio, conforme mencionado anteriormente, Coelho expõe a questão do silêncio que era atribuído aos poetas na década de 1950: “pode-se dizer que o silêncio era a presença mais forte que se impunha aos poetas (...). O que não significa que se calaram. Longe disso. Na verdade, de mil modos, falaram sobre o não-falar” (1980, p.278). Cabe destacar que esse silêncio pode ser lido como uma reação direta ao contexto histórico que o mundo vivenciava naquela década: a Guerra Fria, logo após a Segunda Guerra Mundial, e que os poetas expressaram cada qual à sua maneira6

. Se considerarmos a afirmativa de que o personagem (no teatro) nunca “é sujeito absoluto, e sim objeto de forças econômicas ou sociais, as quais responde e em virtude das quais atua” (BOAL apud PALLOTTINI, 1989, p.38) e transpormos para o papel de personagens os próprios poetas – neste caso, mais especificamente Hilda Hilst – percebemos que embora não seja o fator determinante, a situação histórica comumente influencia a criação artística, tanto no contexto da poesia quanto no contexto teatral.

É dessa chama que está iluminada a poesia Roteiro do silêncio, em cujo título já se

enunciava a atitude mais válida, naquele momento de caos e decepções profundas. Não era, porém, o silêncio total que se impunha, mas o do eu lírico, confessional, como diz o título das cinco elegias que abrem o volume “É tempo de parar as confidências”: “Teus esgares/ Teus gritos/ Quem os entende?” E mais adiante, a resolução: “E foi assim que o poeta/ Assombrado com as ausências/Resolveu:/ Fazer parte da paisagem/ E repensar as convivências” (COELHO, 1999, p.69).

Falar sobre o indizível, sobre a impossibilidade da fala, foi um temário que norteou a geração de poetas do Brasil na década de 1950, que segundo Coelho (1980), resultava de uma “mescla de confluências” advindas de outros poetas como Federico Garcia Lorca (1898-1936), Paul Valéry (1871-1945) e Fernando Pessoa (1888-1935), no que diz respeito também

5 “Não há criação nem literatura em Hilda Hilst fora do exercício da radicalidade, e o erotismo que compõe boa

parte de sua obra está ancorado nesse pressuposto. Trata-se, assim, de erotismo levado às últimas consequências” (QUEIROZ, 2000, p.23).

6“Época difícil para a Poesia (para a Literatura ou a Arte em geral) foi a dos anos 50, no imediato pós-guerra,

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ao tratamento estético do próprio poema: a “verificação de que certos tabus recém-impostos como o verso livre, não passam de aspectos muitas vezes dispensáveis (...). Experiência com métrica e rima. A volta do soneto (...). E sobretudo a necessidade de cantar” (SANT’ANNA apud COELHO, 1980, p.279), são alguns pontos que podem ser identificados em O roteiro do silêncio. Na segunda parte do poema, intitulada Sonetos que não são, observa-se um retorno às origens da literatura através da forma poética escolhida – o soneto - e a presença de uma “dualidade de emoções”: “poucos poemas de amor têm registrado, com tal beleza e tensão, a dialética de impulsos contraditórios que marcam essa fase da auto-liberação em que a mulher vem se empenhando” (COELHO, 1980, p.285), evidenciando novamente a relação da poeta com a situação histórica, neste caso, relacionada à questão de gênero e libertação feminina7

. Segundo Coelho (1999), percebe-se que “do interrogar atento e lírico” passa, posteriormente, a questões que estão mais concentradas no “eu”, no próprio “ser-que-interroga”, uma mudança bastante significativa na escrita da autora. O olhar que até então era de um ser que se observa e se vê à distância, transita para um olhar interior, de um “eu que se assume por dentro”. E é este último olhar o que predomina em seus poemas.

Uma nova fase na trajetória poética de Hilda Hilst pode ser apontada a partir de 1961, quando há uma religação do “homem-século XX (prisioneiro da civilização tecnicista) aos impulsos primitivos/naturais do ser”, e que a poesia nomeou “a busca de Deus nas coisas terrestres” (COELHO, 1999, p.71). Esta busca torna-se constante e predominante nas obras

seguintes de Hilda Hilst intituladas Ode fragmentária (1961) e Sete cantos do poeta para o anjo (1962). O interessante é que esta temática continuará presente em algumas de suas produções dramatúrgicas, com intensidades diferentes, como veremos a partir do capítulo II deste estudo.

Tais obras refletem, de certo modo, “a preocupação com a nova palavra poética que as vanguardas estavam reivindicando” e embora Hilda Hilst não seguisse fielmente às transformações da época, não ficou totalmente à parte dessas novas propostas, que primavam o “contínuo refletir sobre a tarefa do poeta e o lugar da poesia e do amor no mundo de incertezas e buscas que continuava a desafiar o homem” (COELHO, 1980, p. 287). Sobre a problemática que abrange o universo das obras supracitadas:

7 Neste caso, o termo gênero e a libertação feminina se referem diretamente ao movimento feminista que

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[é enunciada] a força primeira que dinamiza a poesia de Hilda Hilst e que vai se fazer cada vez mais perceptível em seu canto: interrogar o homem “constelar na essência” e sua incessante transmutação; descobrir sua “verdade secreta” aqui e agora... É a partir desse impulso primeiro, que tudo o mais adquire sua verdadeira significação nessa poesia que se faz cada vez mais densa e tensa. Cada vez mais consciente do seu poder, a poeta tenta, incansavelmente, ultrapassar os limites que separam esta vida concreta, visível, palpável, daquela outra realidade poderosa, - a oculta, apenas pressentida e que se manifesta na Poesia (COELHO, 1980, p.288).

A década de 1960 foi um período de questionamentos sobre a própria poesia brasileira, e sobre o ser poeta neste mundo, diante do caos político e econômico enfrentado pelo país em crise8: “embora acusada de elitista ou alienada (...), Hilda aguça em arte sua urgência de comunicar ao outro” (COELHO, 1980, p.290), através de questões que tratam da natureza, da degradação e da finitude do ser humano. Tais questões existenciais aparecem com evidência nas obras publicadas por Hilda Hilst neste período. E é justamente neste momento que após a leitura do livro Cartas a El Greco, do grego Nikos Kazantzakis, a escritora “encanta-se com a história de um homem em sua constante luta entre a matéria e o espírito, estabelecendo, assim, o conflito com o divino, tema tão presente em sua obra” (GUALBERTO, 2008, p.71). É importante ressaltar que “entre outras ideias, a obra defende a tese de que é necessário isolar-se do mundo para tornar possível o conhecimento do ser humano” (INSTITUTO, 1999, p.10). Este foi o ponto de partida para o retiro de Hilda Hilst em uma chácara de sua família no interior de São Paulo, a Casa do Sol9

, com a finalidade de se isolar e, entre outros anseios pessoais, se dedicar integralmente à literatura (ANEXO D). A partir de então,

ilumina-se em sua poesia o pano de fundo imenso da tortuosa/luminosa/efêmera vida terrena que alcança ou participa da eterna divindade. Adensa-se o seu sentimento religioso do mundo [...]. Uma interrogação radical é provocada por essa

nova experiência religiosa que tenta re-descobrir a religião no sentido original da palavra “re-ligio”: a re-ligação do homem ao universo cósmico/divino do qual foi separado ao nascer. Interrogação radical, porque envolve num mesmo fenômeno a idéia da divindade, do universo, do “homem-decaído”, de seu lugar no mundo e de seu poder de criação (COELHO, 1980, p.291-292).

8 “A poesia brasileira se questionava sobre o seu próprio ser, - sua forma, sua possível verdade, sua natureza, e

até sobre a validade ou não de existir. É quando o questionamento sobre o poeta se faz também mais rigoroso. Quem é ele? a que mistério está ligado? (...) Ou ainda, como justificar sua presença neste mundo desmitificado, degradado, espetacular e excitante? Haverá nele lugar para o Poeta, quando cada vez mais os valores materiais são os que decidem dos caminhos a serem trilhados pelo homem? Tais dúvidas eram, obviamente, intensificadas (...) com a crise desencadeada pelo Governo Goulart e que desembocou na Revolução de 64. A poesia que aparece, principalmente entre 62 e 64, reivindica a Vida como uma afirmação superior à Arte. A poesia vai para as ruas, torna-se participante, defendendo os homens esmagados pela Injustiça Política e Social” (COELHO, 1980, p.289-290).

9

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Tais interrogações reverberam em uma experiência poética que propõe mais enigmas que respostas através de uma linguagem que “não pode ser clara como a lógica o exigiria. Sua expressão pertence ao reino da metáfora ou do símbolo – linguagem privilegiada da intuição poética” (COELHO, 1980, p.292), que vai de certa forma contra o programa da vanguarda

dos anos 1950, no qual predominava uma linguagem mais objetiva, precisa, diferenciando-se da metafórica que aflorou posteriormente. “O silêncio, o vazio, a amargura transformam-se, assim, em produtos de uma poética, que (...) aponta para o próprio limite da sua dicção” (SANTOS, 2010, p.33). A metáfora e o símbolo começam a aparecer nos textos de Hilda Hilst constantemente, a partir dessa nova experimentação.

A trajetória poética do ser é uma reunião de poemas de Hilda Hilst escritos entre os

anos 1963 e 1966 (publicados em 1967 no livro Poesia 1959-1967) que aborda algumas das questões colocadas acima. Nesta, a autora “procura o caminho para um novo homem e um novo mundo através de uma nova concepção de Deus” (COELHO, 1980, p.292), conforme podemos observar no trecho abaixo, retirado do poema intitulada Passeio:

Não haverá um equívoco em tudo isto? O que será em verdade transparência? Se a matéria que vê, é opacidade? (...) A face do meu Deus iluminou-se E sendo um só, é múltiplo Seu rosto. É uno em seus opostos, água e fogo. (...) O Deus que vos falo

Não é um Deus de afagos.

É mudo. Está só (HILST, 1980, p.145-149).

A busca pessoal da poeta está evidentemente vinculada aos seus escritos com um caráter filosófico e até confessional, uma vez que as indagações colocadas em seus textos condizem com o momento de transição na vida da própria autora e também com fatores que podem ser vistos como autobiográficos, o que reforça o caráter autoral de Hilda Hilst, no sentido de que descreve aspectos da sua realidade. É o caso também dessa passagem na mesma obra supracitada, no poema cujo título é Odes maiores ao pai:

Este é um tempo de silêncio. Tocam-te apenas. E no gesto Te empobrecem de afeto. No gesto te consomem.

Tocaram-te nas tardes, assim como tocaste

Adolescente,a superfície parada de umas águas? (...) Pai, assim somos tocados sempre.

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Mortos nos vemos. Mortos amamos. E de olhos fechados Uns espaços de luz rompem a treva. Meu pai: Este é um tempo de treva (HILST, 1980, p.171).

Rodrigues, em seu estudo sobre o “teatro performático” de Hilda Hilst, se refere à questão autoral dos textos teatrais da escritora como um possível “procedimento performático onde o[a] autor[a] usa de recursos próprios da enunciação como material de composição do ficcional” (2010, p.57), havendo uma mescla das experiências pessoais de Hilda Hilst com suas criações textuais, no que diz respeito aos jogos discursivos e aos temas presentes nos textos. Há um “deslocamento do eu para um social coletivo, [no qual se] congratula este eu com toda a esfera de especificidades para que haja um caráter enunciador identitário ínfimo e íntimo” (RODRIGUES, 2010, p.58). A própria Hilda Hilst, em uma entrevista concedida no ano de 1993, fala sobre a questão do caráter confessional dos seus escritos:

eu acho que o escritor quase sempre está inteiro naquilo que escreve. Existem, claro, momentos que não fazem parte de sua vida, mas acredito que o escritor está totalizado naquilo que escreve e, penso, isso não é uma coisa só minha. Você vai desdobrando possíveis personalidades suas, as personagens têm tudo a ver com uma parte do escritor que foi levada a um extremo de maldade, ou de beleza, ou de perfeição (HILST, 1993, nov).

Ao mesmo tempo em que seus escritos podem ser lidos como ficções, personagens e situações inventadas, quem conhece o universo pessoal da autora identifica facilmente pontos de contato com a sua história de vida. Por exemplo, podemos notar que é sempre destacada nas entrevistas que cedeu a revistas e jornais durante sua carreira, a relação de Hilda Hilst com o seu pai, o também poeta Apolônio de Almeida Prado Hilst, a quem dedica sua vida artística e grande parte de suas obras: “Meu pai foi a razão de eu ter me tornado escritora” (INSTITUTO, 1999, p.27)10. Não se faz necessário para este estudo relatar as prováveis implicações que a relação da escritora com o pai gerou em toda a sua trajetória literária. Mas não se pode negar a influência, a alusão e a permanência latente da figura do pai na obra poética e na prosa de Hilda Hilst.

Em seu teatro, o caráter confessional surge nos lugares que alguns personagens habitam e que fizeram parte da sua história pessoal, como o colégio religioso em A empresa,

10 “Eu voltei a vê-lo quando tinha 16 anos. (...) meu pai já estava louco. (...) Às vezes, pegava na minha mão,

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ou até mesmo na própria fala dos personagens, nos discursos produzidos que se assemelham (e muitas vezes se igualam) a discursos da própria escritora que em meio à construção dramática, preenchem os diálogos com monólogos altamente ritmados que podem ser vistos como verdadeiros poemas, como é o caso desta passagem em As aves da noite:

Joalheiro (rapidamente. Tom ingênuo-delirante): Muitas vezes era preciso colocar certas pedras muito, muito raras no meio das outras... menos raras, era preciso, eu tinha medo mas era preciso, e depois quando as pessoas olhavam o meu trabalho terminado, achavam que todas as pedras eram muito raras, diziam: “Onde você conseguiu tantas e tão bonitas?” Sabem, o brilho das melhores se espalhava por todas elas... se fundiam, se misturavam de um jeito como se eu tivesse tirado das trevas aquelas pequeninas pedras, quase humildes... eles olhavam, olhavam... e era para sempre, era para sempre aquele olhar... (HILST, 2008, p.273).

Sobre a característica poética da sua dramaturgia, em um artigo de jornal datado de 1973, um crítico literário (e não teatral) comenta esta poeticidade ao escrever a respeito da peça O Verdugo, após a sua estreia no mesmo ano:

toda essa massa de caracteres positivos, porém, permanece inerte se não estivesse a serviço de um texto de alta categoria teatral: Exatamente esta circunstância dá realce ao espetáculo, cuja carreira se inicia. Hilda Hilst é basicamente um poeta, isto é, um ser para quem as palavras são dotadas de poderosa carga de imantação. A musicalidade de seus poemas, linha melódica que só se encontra paralelo na Cecília Meireles, encontra-se integralmente preservada nas falas em verso do “Verdugo” (MOUTINHO, 1973, 25 abr).

Esta crítica refere-se à primeira encenação profissional da peça supracitada, que aconteceu em São Paulo sob a direção de Rofran Fernandes. A peça despertou a atenção da crítica e do público pela característica altamente poética presente no texto teatral. Outro crítico, Viana, assinou um artigo no mesmo ano publicado no Diário de São Paulo em 29 de abril, cujo título era “Um poema no teatro” (ANEXO E), comentando as características poéticas presentes no texto e, consequentemente, na encenação.

O verdugo não foi a única peça de Hilda Hilst vista por essa ótica, pelo contrário: praticamente toda a sua produção dramatúrgica é lida como verdadeiros poemas para a cena teatral: “como era de supor-se, seu teatro tem acentuado teor poético, além de revelar tendências mítico-religiosas.(...) Particularmente interessante é a pesquisa no campo do verso, entremeado de rimas internas, assonâncias e aliterações” (ROSENFELD, 1968, 25 jan), características provavelmente oriundas da sua experiência poética.

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formal e enveredou para o universo até então inédito em seus escritos, da dramaturgia e posteriormente da prosa. Isto não quer dizer que a poesia, enquanto qualidade lírica em si, esteja ausente nas demais linguagens, pelo contrário, há uma migração dessa poética para outras estruturas linguísticas e uma preocupação diferente com o público leitor. Mais tarde, após sua produção em teatro, Hilda Hilst voltou a escrever poesias formalmente, que se diferenciam principalmente com relação ao conteúdo de tudo aquilo que havia escrito até então. Entretanto, neste período em que formalmente cessou a produção poética, novas produções emergiram, sob as quais irei discorrer a partir de agora.

Há uma extraordinária transformação no ato criador de Hilda Hilst nesse período. É como se tivessem rompido as comportas de um dique e as águas se precipitassem livres em toda a sua força selvagem. Entregando-se à invenção febril de uma linguagem metafórica (ou alegórica) forte, contundente, avassalante, a escritora aprofunda sua sondagem do Eu situado no mundo, em face do Outro e do Mistério cósmico/divino que o limita (COELHO, 1980, p.302-303).

Esta “extraordinária transformação” colocada acima, parece (a meu ver) mais uma modificação gradual da própria poética do que um rompimento de comportas. Hilda Hilst desenvolve mais profundamente elementos e aspectos que já vinha trabalhando em seus poemas, procurando uma adequação diferente às palavras, por meio da prosa ficcional e do teatro. Contudo, a linguagem metafórica (e alegórica), junto às indagações e às relações homem-natureza-vida, são temas que se fazem ainda mais presentes em suas obras. “Coincidindo com as novas exigências dos anos 60, quanto ao experimentalismo formal e com as novas sondagens filosóficas” (COELHO, 1980, p.303), a escrita de Hilda Hilst vai cada vez mais buscando suas particularidades, desenhando e definindo suas novas estruturas literárias.

Segundo Rosenfeld Hilda Hilst “chegou à dramaturgia porque queria ‘falar com os outros; a obra poética ‘não batia no outro’. Era um desejo de comunicação (...) e a obra poética não lhe parecia satisfazer esse desejo, pelo menos não na medida almejada” (1970, p.14). A autora acreditava que a palavra dita em voz alta, no palco, poderia ganhar muito mais força e alcance do que a palavra que permanece no papel, restrito a um número reduzido de leitores.

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foi montada em 1974 (Verdugo, escrita em 1969) em São Paulo (MARIA, 1982, 17 set).

Hilda Hilst surge como dramaturga num momento em que o Brasil sofria as consequências causadas pela ditadura militar que regia o país naquela época. Entretanto, os efeitos produzidos pelo seu teatro não atingiram o público de imediato conforme pretendia a autora, como mostra o trecho do artigo visto acima. Uma das explicações possíveis, dada por ela mesma, numa entrevista: “foi uma coisa de urgência (...). Mas a maneira complexa com que eu me expressei não deu certo” (HILST, 1988, 27 mar). É curioso notar que ao mesmo tempo em que neste trecho ela se refere a sua obra como “complexa”, na mesma entrevista Hilda Hilst demonstra não compreender onde está, afinal, esta tão falada “complexidade”:

a peça se chama Auto da Barca [de Camiri], eu fiz como um Auto, onde a metáfora tem importância decisiva. E as pessoas acham difícil uma coisa simples e tranquila. (...) É para fazer toda uma metáfora com Che Guevara. Mas como eu escrevi esse texto na época da repressão, eu não queria ser fuzilada, torturada, mas não gostaram da montagem e fica o estigma de que eu sou difícil (HILST, 1988, 27 mar).

Sobre esta questão, a pesquisadora Vincenzo coloca que a dificuldade “de interpretação” presente nos textos de Hilda Hilst “provém não só da linguagem de teor intensamente poético (...) como do tipo de universo ficcional que elabora, da complexidade das ideias e do ‘sentimento de mundo’ que exprime” (1992, p.35): a amplitude que a obra de Hilda Hilst alcança, vai além dos paradigmas da ditadura militar, colocando em pauta questões que falam não somente para um grupo de pessoas em específico ou uma causa, mas que trabalham o acontecimento, o fato corrente para uma visão dilatada do ser humano. E ainda: “as referências à situação do país existiam. E embora entremostradas através das malhas da poesia, podiam ter um caráter contundente, ainda que impregnado de uma significação mais ampla e complexa” (VINCENZO, 1992, p.36). Como se pode perceber, é constante a menção que pesquisadores e críticos fazem da poesia presente na produção dramatúrgica da autora, bem como se referem à sua produção como complexa: Hilda Hilst continua a fazer poesia, mas escolhe a estrutura dramatúrgica para fazê-lo.

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fundamental um breve comentário deste momento da dramaturgia de autoria feminina, para a apreensão da recepção e produção de sua obra teatral.

A pesquisadora Vincenzo, em seu livro Um teatro da mulher (1992), realizou um estudo sobre as vozes femininas no teatro brasileiro, fazendo um panorama sobre as artistas que conseguiram, aos poucos, um espaço da mulher na dramaturgia. Entre elas, está Hilda Hilst no capítulo sobre Pioneirismo e poesia no palco. O capítulo do mesmo livro intitulado Brasil nos anos difíceis e a dramaturgia da mulher se faz essencial para compreender de que modo este novo alcance da voz feminina modificou e contribuiu para a história do teatro e, mais especificamente, da dramaturgia.

Vincenzo relata que no final da década de 1960, em São Paulo, muitas autoras surgiram e despertaram a curiosidade da crítica, fase que ficou conhecida como “nova dramaturgia”. Na chamada nova dramaturgia,

o debate é um embate, não assume jamais um tom discursivo ou demonstrativo, mas empenha por inteiro as personagens colocadas em situações críticas, às vezes no limite de uma situação. Os planos individuais e sociais são indissociáveis, ao contrário do que acontece nos teatros característicos de Boal ou José Celso [Teatro Oficina], nos quais, lidando-se com esquemas, um desses planos – o individual – pode vir a ser um elemento completamente subsumido (VINCENZO, 1992, p.13).

Percebendo Hilda Hilst dentro desse movimento da nova dramaturgia, observamos que estes dois aspectos - o individual e o coletivo – são constantes em suas peças de teatro. Os personagens, que podem ser vistos muitas vezes como tipos específicos com conflitos particulares, fazem parte de um coletivo que é o mundo exterior. Algumas vezes eles são a própria representação de um coletivo através de um personagem. Suas narrativas relatam situações em que o ser humano se encontra no ponto limite da vida (grande parte das vezes está aprisionado), o que pode ser relacionado também à situação limite do Brasil no período da ditadura militar. Aqui, o teatro se torna um espaço de reivindicação e de luta: cada qual com as suas armas, e no caso da dramaturgia, a arma é a palavra.

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em voz alta no palco começa a fazer-se presente” (VINCENZO, 1992, p.22). A preferência por tais linguagens não era uma questão de escolha propriamente, mas uma consequência da limitação da expressão feminina. Através da escrita para teatro, as autoras possibilitaram que suas narrativas fossem difundidas para um número maior de pessoas: era necessário fazer-se ouvir.11 E embora no caso de Hilda Hilst isto tenha acontecido alguns anos depois do que a escritora esperava, o fato é que a comunicação aconteceu, a troca tão esperada entre a palavra escrita e o público foi efetivada.

É compreensível que a escritora tenha buscado fazer teatro justamente em um período tão conturbado da história do Brasil. Desde 1964, quando o novo regime militar passou a reger o país, diversos artistas encontraram no teatro, e nas artes em geral, um espaço para denúncias e debates. As manifestações artísticas durante o regime ditatorial, em geral, possuíam uma força política intensa e refletiram, de modo direto ou indireto, as grandes angústias e os questionamentos pertinentes à sociedade. Com os Atos Institucionais12

decretados no Brasil, a ditadura assumia sua feição autoritária através de ações que procuravam manter o controle do povo.

Neste período não só o teatro, assim como a imprensa e outras expressões artísticas sofria a censura e a repressão. (...) Dentro deste contexto de regime governamental arbitrário, um grande número de textos é impedido de ser encenado, artistas são presos, estreias de espetáculos são proibidas, cortes e adaptações são exigidas junto às produções teatrais da época. No advento da ditadura no país e na ratificação extrema do exercício opressivo com a proclamação do A-I 5 [em 1968], a atividade teatral torna-se um dos grandes alvos de vigília e intervenção militar. A cena brasileira é tomada por grupos como o Teatro Opinião, o Teatro Oficina e o Teatro Arena, que exerciam uma práxis numa corrente de afronta, resistência e posicionamento diante do contexto (RODRIGUES, 2010, p.15-16).

Cada artista buscou a sua forma de falar sobre a ditadura e de reagir a esse sistema estabelecido. É interessante observar, conforme nos aponta Costa em seu livro Sinta o drama, mais especificamente no capítulo que sobre O papel da mulher no teatro moderno, que “assim como o resto da sociedade, o teatro tanto reagiu como se adaptou à nova situação”

11 “O traço marcante veio a ser o fato de se ter revelado uma produção mais consistente – muito mais resistente –

sem aquele caráter esporádico (...) que assinalara a produção anterior [da década de 1950, com dramaturgas que produziram eventualmente, dentre elas Rachel de Queiroz e Edy Lima]. Ao grupo inicial, formado por Leilah Assunção, Consuelo de Castro e Isabel Câmara, podem acrescentar-se os nomes de Renata Pallottini, que começara seu trabalho alguns anos antes, e que o continua durante os anos 70 e 80, de Hilda Hilst (...), e posteriormente, a partir de 1978, de Maria Adelaide Amaral” (VINCENZO, 1992, p.XIX).

12

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(COSTA, 1998, p.187), tornando-se até mesmo um “artigo de consumo” da sociedade. O teatro de Hilda Hilst, entretanto, não se enquadra neste grupo:

apesar de se tratar, à primeira vista, de uma obra um tanto afastada dos problemas e preocupações de ordem mais imediata e urgente, verifica-se logo que quase todas as peças giram, pelo menos em algum dos seus planos, em torno de questões bem atuais: são constantes a aflição e a angústia suscitadas por um mundo em que a engrenagem, a eficiência, a técnica, a lei ultrapassada e principalmente o ritual inexorável da vida cotidiana se tornam um muro que sufoca os impulsos do amor, da juventude e da individualidade (ROSENFELD, 1968, 25 jan).

As temáticas que norteiam as peças de teatro de Hilda Hilst, em geral, se relacionam a questões como o anseio por liberdade, a paixão, o mistério de existir, já preexistentes na sua poesia, e que são trabalhadas no teatro através de outros mecanismos de escrita. O modo com que aborda a clausura, o “pensar além do que se pode”, o jogo de poder, a submissão, entre outros pontos, se diferencia da forma com que os grupos de teatro em geral estavam se posicionando com relação ao contexto ditatorial13. Além do mais, o fato de Hilda Hilst vir da

literatura e não ter um grupo de teatro para encenar seus textos, era algo a ser considerado. O que não torna a sua produção dramática algo alienado de seu tempo:

uma das acusações que Hilda Hilst tem suportado é de fazer uma literatura afastada da realidade imediata brasileira. Sobre isso, Hilda acredita que deve haver um sentido para ser esta escritora que é, no contexto do seu país. Julga, no entanto, que quando se trata da política em geral, as pessoas querem colocar uma noção muito pequena diante do escritor: “Eu sou contra todos os tipo de opressão, de ditaduras, e tenho denunciado isso constantemente. E se estou escrevendo coisas, para muitos, de um teor metafísico exagerado é talvez por estar percebendo esta potencialidade no homem. Desde que assume o ato de escrever, parece que a gente assume antenas pronunciadas” (VASCONCELOS, 1985, 4 ago).

Outro fator que pode ter gerado a fama de “alienada” à Hilda Hilst, é justamente por ter escrito suas peças de teatro já isolada no interior de São Paulo (na anteriormente mencionada chácara Casa do Sol), sem estar envolvida no centro das agitações políticas e

13

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culturais desde 1966: “Me fechei nessa casa aos 33 anos para criar uma obra literária. (...) Foi uma atitude radical. Me entreguei por inteiro” (HILST, 1997, 21 dez). Isto dialoga com o que nos aponta a pesquisadora Gualberto: “o fato de ter optado pelo recolhimento, talvez tenha retardado, de alguma maneira, o reconhecimento de seu talento literário”, referindo-se ao ingresso de Hilda Hilst no cânone da literatura brasileira14

(2008, p.73). Contudo, ao ler os textos teatrais de Hilda Hilst, se torna evidente a não alienação de Hilda Hilst no sentido de estar alheia à realidade da época uma vez que se pode identificar pontos de contato com o contexto histórico e social do Brasil, como citado anteriormente.

Lembramos que a principal motivação que levou Hilda Hilst a escrever para o teatro foi o anseio pela comunicação com o outro. E foi esta mesma razão que a levou para o caminho da prosa ficcional (ou narrativa), “depois do desengano – certamente provisório – que lhe causou a atitude cautelosa do teatro profissional” (ROSENFELD, 1970, p.14), etapa que se inicia com a publicação de Fluxo-floema em 1970, escrito paralelamente à sua produção dramatúrgica, e que finalizará esta apresentação da proposta poética de Hilda Hilst e seus trajetos. Eis que, novamente, nos deparamos com a famosa dificuldade dos textos da escritora...

Assim, não compreendo isso; muita gente fala da dificuldade de entendimento de meu trabalho, em prosa. Mas tudo é difícil, não é? Há uma personagem minha que diz: “Olha, tudo é difícil. A rota agora, vê, você não conseguiu. Coçar o meio das costas, vê, você não conseguiu; é difícil, não? Andar de lado e sentado é dificílimo, não?” Portanto se você escreve tentando de uma certa forma “rebatizar” a palavra, pensar tua própria carne longe das referências é também muito difícil, não acha? Quero ser lida em profundidade, e não como distração, porque não leio os outros para me distrair, mas para compreender, para me comunicar. (...) Parece que as pessoas querem livrar-se assim de si mesmas, que têm medo da idéia, da extensão metafísica de um texto, da pergunta, enfim (HILST, 1975, 3 ago).

De acordo com Coelho, sendo na “produção ficcional ou teatral, Hilda Hilst rompe o círculo mágico de seu próprio eu, tal como vinha sendo manifestado em sua poesia (...) para lançar-se na voragem do Eu/Outro em face do Enigma (= da existência, da Morte, do Deus, da sexualidade)” (1980, p.303), entre outras questões que preenchem seu universo literário.

14 “Um outro olhar que capta a escrita hilstiana é o de Vera Queiroz – que desenvolve uma pesquisa sobre a

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Em sua prosa há uma modificação na forma com que a autora lida com estes questionamentos na poesia e no teatro: aqui, sem a preocupação de desenvolver uma narrativa, ou seguir uma métrica, as palavras parecem sair como um verdadeiro fluxo de pensamentos; como se ganhassem um corpo narrativo no desenvolvimento do próprio texto.

Fluxo-floema é considerado um “divisor de águas” na trajetória de Hilda Hilst. A primeira prosa da autora é dividida em cinco partes, que podem ser vistos como contos, intitulados Fluxo; Osmo; Lázaro; O Unicórnio e Floema: “os textos, em conjunto, visam a enunciar a totalidade do homem através de sua multiplicidade – e essa visão prismática ou caleidoscópica forçosamente teria que recorrer a todos os gêneros para exprimir-se na sua plenitude” (ROSENFELD, 1970, p.15); estes contos que juntos formam a obra em questão, são permeados por histórias, sensações, personagens e óticas que perpassam os gêneros épico e lírico, em uma fusão que desperta a curiosidade do leitor e aponta uma nova experimentação no campo da escrita de Hilda Hilst.

O pequeno episódio que desencadeia a narrativa febril de “Fluxo” (...) conta a história de um menininho que, numa manhã de sol, segue até uma fonte para colher crisântemos e lá chegando vê uma das flores sendo levada pela violência das águas. Seu ímpeto de salvá-la é imediatamente interrompido pela lembrança de que a fonte desaguava num rio escuro onde vivia um bicho medonho. Diante dele, a breve narrativa é suspensa para dar lugar às reflexões de um narrador impassível que pondera junto ao leitor: “Pensa, se você é o bicho medonho, você só tem que esperar menininhos nas margens do teu rio e devorá-los, se você é o crisântemo polpudo e amarelo, você só pode esperar para ser colhido, se você é o menininho, você tem que ir sempre à procura do crisântemo e correr o risco. De ser devorado” [Trecho de

Fluxo-floema, p.183]; (MORAES, 1999, p.114).

A exposição realizada por Moraes (1999) nos mostra o que seria a sucinta fábula inicial que desencadeia toda a escrita do texto: este episódio é apenas o “pontapé” inicial de um fluxo de palavras e pensamentos que são desenvolvidos a partir deste. Tudo isto estruturado de modo bastante fragmentado, sem um encaminhamento lógico ou linear.

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esta que se desenvolve num curso vertiginoso até a última página de “Fluxo”. Houvesse ali uma hipótese redentora e esse fluxo seria imediatamente interrompido (MORAES, 1999, p. 114-115).

A partir desta leitura, podemos perceber que aspectos como a não salvação e a indagação da existência humana, são características que outrora já foram exploradas por Hilda Hilst, mas que neste momento são trabalhadas de modo diverso. Os personagens, as palavras, as histórias que compõem esses contos entram desordenadamente, causando uma vertigem no leitor que, nesta prosa, dificilmente consegue apreender uma única narrativa, mas diversas concomitantes. Através dos jogos com a linguagem, ora acelerada, brusca, ora figurativa, imagética, a autora deixa a alternativa de se entregar ao mar de palavras, sensações de repulsa e de atração que o texto exerce sobre o leitor, como podemos observar nesta passagem de Unicórnio, quarto conto de Fluxo-floema:

Êle é o rosto que eu jamais terei. É limpo. Êle gosta da terra, dos animais. Olha, já sei a estória tôda: vamos cruzar todos os personagens e depois um desfecho impressionante. Qual desfecho? A tua morte, a morte do companheiro seria a vitória da malignidade. Não, não, não mate o rosto limpo do companheiro. A minha morte está bem. A MINHA MORTE. Sabe, uma estória deve ter mil faces, é assim como se você colocasse um coiote, por exemplo, dentro de um prisma. Um coiote? É, um lôbo. Êles são tão inteligentes que, eu dizia para o meu companheiro. Quem, os coiotes? Não, os dois irmãos. Tão humildes. O pai é um esquizofrênico, a mãe, uma possessiva gorda, o pai é louco (HILST, 1970, p.117).

O jogo dos discursos entrecruzados, de características semânticas e retóricas que movimentam o texto, direciona para uma nova fase de escrita da autora. Se, até então, as características da poesia pareceram reverberar na produção dramatúrgica, agora, a prosa aponta para novos caminhos ainda não investigados pela sua dramaturgia. O que podemos perceber é uma relação, ainda tímida, entre os traços formais da prosa e os traços não dramáticos da dramaturgia de Hilda Hilst, que reside na hibridização de linguagens e da escrita, nas narrações componentes das falas dos personagens, nos fluxos de consciência dos discursos e nas estruturas côricas, reflexões que permitem compreender sobre como a escrita não teatral da autora ajuda a entender os experimentos textuais teatrais da mesma.

Referências

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