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Gênero e sexualidade no plano estadual de educação do Rio Grande do Sul - do Projeto à Lei aprovada/Gender and sexuality in the state education plan of Rio Grande do Sul - from the Project to the approved Law

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761

Gênero e sexualidade no plano estadual de educação do Rio Grande do Sul - do

Projeto à Lei aprovada

Gender and sexuality in the state education plan of Rio Grande do Sul - from the

Project to the approved Law

DOI:10.34117/bjdv6n11-189

Recebimento dos originais:05/10/2020 Aceitação para publicação:10/11/2020

Oscar de Souza Santos

Graduando em Licenciatura em Ciências Biológicas

Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Gênero e Sexualidade (NEPGS)

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão E-mail: oscarsantos2407@gmail.com

Alexandra Ferronato Beatrici

Doutora em Educação. Professora com dedicação exclusiva no IFRS – Campus Sertão. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão

Endereço institucional: Rodovia RS-135, KM 25 - Distrito Eng. Luiz, Estr. p/ Englert, Sertão - RS, 99170-000

E-mail: alexandra.beatrici@sertao.ifrs.edu.br

RESUMO

Diante das tensões atuais entre a tentativa de promoção da educação sexual nos espaços escolares e a ofensiva antigênero, nos propomos a conhecer o que os principais documentos da educação dizem sobre o assunto, a partir de uma pesquisa documental e bibliográfica. Tais tensões têm barrado a construção de um ambiente escolar que acolha todas as possibilidades de existência, e tem ficado a cargo de profissionais da educação, sensíveis à temática, a disponibilidade de incluir estas discussões em sua prática docente. O recorte da pesquisa, aqui apresentado, refere-se à elaboração do Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, desde o Projeto de Lei até o texto final aprovado. Como resultado, verificou-se os cortes referentes à temática de gênero e sexualidade, evidenciando a força política de movimentos conservadores na construção do documento e o retrocesso que este processo representou para a construção do ambiente escolar acolhedor e inclusivo.

Palavras-chave: Gênero, Sexualidade, Diversidade, Educação. ABSTRACT

In view of the current tensions between the attempt to promote sexual education in school spaces and the anti-gender offensive, we propose to know what the main education documents say on the subject, from a documentary and bibliographic research. Such tensions have prevented the construction of a school environment that embraces all possibilities of existence, and it has been left to education professionals, sensitive to the theme, the availability to include these discussions in their teaching practice. The excerpt of the research, presented here, refers to the elaboration of the State Education Plan of Rio Grande do Sul, from the Bill to the final approved text. As a result, there were cuts related

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 to the theme of gender and sexuality, showing the political strength of conservative movements in the construction of the document and the setback that this process represented for the construction of a welcoming and inclusive school environment.

Key words: Gender, Sexuality, Diversity, Education.

1 INTRODUÇÃO

Desde a década de 1990, questões referentes a gênero e sexualidade tornam-se uma preocupação pedagógica e passam a integrar importantes documentos da educação, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O tema transversal proposto pelos PCNs, denominado - Orientação Sexual -, à época, partiu da necessidade de se discutir sexualidade nas escolas, frente ao avanço da infecção por HIV e à gravidez na adolescência como um problema pedagógico (CÉSAR, 2010).

Dos anos de 1990 para cá, talvez, a temática sobre educação sexual nos espaços escolares tenha crescido muito menos do que a ofensiva contra ela por parte de setores conservadores, que têm voz tanto dentro do campo da representação política, quanto dentro de algumas correntes religiosas. E se fortalece, principalmente na última década, uma retórica antigênero, que é definida por Junqueira (2018a, p.181) como “uma tomada de posição contrária à adoção da perspectiva de gênero e à promoção do reconhecimento da diversidade sexual e de gênero nas políticas sociais e na vida cotidiana”.

O veto da presidência da república, em 2011, ao material elaborado pelo Ministério da Educação, denominado ‘Kit Escola sem Homofobia’; a supressão dos termos “gênero” e “sexualidade” no Plano Nacional de Educação, bem como em muitos dos Planos Estaduais e Municipais, entre os anos de 2014 e 2015 (LIONÇO et al., 2018); e a não menção aos mesmos termos na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aprovada em 2017 (PARAÍSO, 2018), são exemplos da força política conquistada pela ofensiva antigênero.

Diante de tais perspectivas e da urgência em avançar nas discussões acerca de gênero e sexualidade nas escolas, combatendo discriminações e educando para o respeito à diversidade, se mostra necessário o envolvimento das mais diversas áreas do conhecimento na construção de uma educação verdadeiramente acolhedora.

O presente artigo apresenta o recorte de uma pesquisa documental e bibliográfica, que teve como objetivo investigar o respaldo legal para a educação sexual no Brasil e quais os avanços ou retrocessos ocorridos nas últimas duas décadas, quanto às discussões sobre diversidade sexual e de gênero nos espaços escolares.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 Foram analisados dos dois documentos, os PCNs e a BNCC, tendo como enfoque o componente curricular de Ciências da Natureza, nos anos finais do Ensino Fundamental, e de Biologia, no Ensino Médio, visando contribuir para o entendimento das possíveis abordagens transversais dos temas de interesse dentro da área de Ciências Biológicas.

O texto apresenta os resultados desta análise tendo como pano de fundo o Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, desde o Projeto de Lei até a Lei aprovada no ano de 2015.

2 O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E O SLOGAN “IDEOLOGIA DE GÊNERO”

O Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado pela Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014 constitui-se como um marco fundamental para as políticas públicas da educação brasileira, e traça vinte metas, cada uma com suas devidas estratégias, a serem atingidas no prazo de dez anos 2014/2024 (BRASIL, 2015).

Coube ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), subsidiar o monitoramento e a avaliação do PNE, publicando indicadores do rendimento escolar, da avaliação institucional e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) (BRASIL, 2015); assim, a Lei nº 13.005 atribui a este, em seu artigo 5º, a função de publicar estudos que verifiquem a evolução no cumprimento das metas do PNE a cada dois anos (LEI nº 13.005/2014).

O PNE constitui-se como referência para a construção e acompanhamento dos Planos de Educação Estaduais e Municipais, se caracterizando como política orientadora para ações governamentais em todos os níveis federativos (BRASIL, 2015). O texto da Linha de Base do PNE1

aponta que:

As questões públicas que motivam o PNE podem ser vislumbradas nas desigualdades educacionais, na necessidade de ampliar o acesso à educação e a escolaridade média da população, na baixa qualidade do aprendizado e nos desafios relacionados à valorização dos profissionais da educação, à gestão democrática e ao financiamento da educação (BRASIL, 2015. p. 11).

Dada a aprovação do PNE em 2014, inicia-se a elaboração dos Planos Estaduais e Municipais. No Rio Grande do Sul, o Plano Estadual de Educação (PEE/RS) foi aprovado em 25 de junho de 2015, pela Lei Nº 14.705, com vigência de dez anos a contar da data de publicação desta.

Entre os anos de 2013 e 2015, Ministério da Educação, Secretarias estaduais e municipais de Educação e órgãos consultivos e deliberativos, além da sociedade civil organizada, estiveram

1Os indicadores selecionados pelo Inep e pelo Ministério da Educação para monitoramento do PNE são apresentados no documento denominado PNE 2014-2024 - Linha de Base, que pode ser recuperado em: http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/ /asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/493812

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 envolvidos com os debates que elaboraram o texto dos Planos. Grande parte destes debates se deu em torno do slogan “ideologia de gênero”, que, conforme Lionço et al. (2018), “foi usado como instrumento estratégico para atacar diretamente práticas educativas sobre gênero e sexualidade nas escolas”, o que discutiremos nos próximos tópicos, a partir da perspectiva local do Estado do Rio Grande do Sul.

Apesar da recente repercussão midiática do termo “ideologia de gênero”, como citado anteriormente, desde a elaboração do Plano Nacional de Educação, a ofensiva antigênero que cunhou tal termo se fortalece, pelo menos, desde a segunda metade dos anos de 1990 (JUNQUEIRA, 2018a).

Em nível mundial, a origem do termo se deu pela convocação de diversas organizações religiosas, por parte do Vaticano, para construção de uma resposta contra as discussões ocorridas na Conferência Internacional de População, no Cairo, no ano de 1994, e na Conferência Mundial sobre as Mulheres, em Pequim, no ano de 1995 (JUNQUEIRA, 2018a).

Na última década, fundamentalistas religiosos/as neopentecostais se apropriaram do termo “ideologia de gênero” (LIONÇO et al., 2018), por isso vemos frequentemente o discurso antigênero associado a lideranças de algumas igrejas evangélicas.

O discurso difundido pelos opositores da “ideologia de gênero” carece de legitimidade acadêmica, pois tenta reduzir um campo complexo de estudos a uma suposta intenção ideológica de conspiração global contra a família e a natureza humana (JUNQUEIRA, 2018b). Por isso, optamos por tratar o termo aqui como um slogan, como propõe Paraíso (2018).

Para além do reducionismo do campo de estudos, o termo “ideologia” é inapropriado na definição das ideias das/os estudiosas/os de gênero e sexualidade, que são contra-hegemônicas tanto em uma perspectiva que avalie “ideologia” como um conjunto de ideias, próprio de um indivíduo ou grupo, sobre um determinado assunto; quanto em um sentido restrito, com o objetivo de homogeneizar a realidade e apagar as diferenças para ocultar as desigualdades sociais e normalizar (NASCIMENTO, 2015).

Pontuando resumidamente os tópicos norteadores do discurso difundido pelo slogan “ideologia de gênero”, Paraíso (2018) aponta que esta retórica:

a) ataca fortemente os feminismos, os estudos de gênero e as teorias queer; b) considera que gênero é uma ideologia; c) divulga que gênero não é científico; d) dissemina que gênero é uma ideologia contrária aos interesses da família; e) que gênero e sexualidade não podem ser ensinados na escola; f) que quem falar sobre gênero e sexualidade na escola deve ser processado e punido. (PARAÍSO, 2018, p. 15)

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 O discurso que hoje correlaciona a diversidade sexual e de gênero com pedofilia, zoofilia, necrofilia e promiscuidade, em muito difundido por lideranças neopentecostais, se mostra semelhante ao que se dizia no começo do projeto iniciado nos anos de 1990 por autoridades eclesiais católicas (LIONÇO, 2018). Cabe também destacar, conforme o autor que,

“a ideologia de gênero é uma imposição totalitária, ditatorial, visando uma sociedade marxista, revolucionária, atéia, nefasta, perversa e iníqua por meio de concepções falsas, artificiais, antinaturais e esdrúxulas, que tornam a vida doente, aberrante e imoral”. (LIONÇO, 2014).

Em junho de 2019, um documento formulado pela Santa Sé, denuncia a “ideologia de gênero” e seus riscos para a educação, tratando o assunto como uma “emergência educacional”2.

O slogan “ideologia de gênero” vinha se fortalecendo no Brasil, com olhar atento à educação, pelo menos desde o ano de 2011, quando da elaboração do chamado Kit escola sem homofobia3.

Tratava-se de um material que nasceu do Projeto Escola sem Homofobia e foi articulado pelo Programa Brasil sem Homofobia, sendo desenvolvido por importantes ONGs, como a Pathfinder do Brasil; a Comunicação em Sexualidade (ECOS); a Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva (Reprolatina); a Global Alliance for LGBT Education (Gale); e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), com a supervisão do Ministério da Educação (VIANNA, 2015).

No ano de 2012, ocorreu o IX Seminário LGBT da Câmara dos Deputados, intitulado “Respeito à diversidade se aprende na infância”, em Brasília. Tão logo o tema do Seminário foi percebido pelos setores conservadores, deu-se início à associação esquemática entre pedofilia e as militâncias feministas e LGBT (LIONÇO et al., 2018).

A partir do ano de 2014, as discussões acerca da elaboração do Plano Nacional de Educação fizeram com que o slogan “ideologia de gênero” se tornasse uma das principais bandeiras do Projeto Escola Sem Partido, fruto do Movimento Escola Sem Partido, que visava, por força de lei, barrar a inclusão de discussões de gênero e sexualidade nos currículos escolares (LIONÇO et al., 2018).

Ao falarmos em “ideologia de gênero”, utilizamos aspas e antecedemos a palavra slogan, como já discutido, na intenção de negar a cientificidade e a legitimidade de tal termo, sinalizando que o mesmo não representa a produção científica acumulada a respeito de gênero e sexualidade. De forma

2A reportagem denominada “Vaticano condena ‘ideologia de gênero’ na educação”, é do site EL PAÍS, e pode ser recuperada em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/11/internacional/1560232651_176929.html

3 O material do Kit pode ser acessado através do link:

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 semelhante, o Projeto Escola Sem Partido é alvo de questionamentos, como os de Manhas (2016) ao dizer que:

trata-se de uma falsa premissa, pois não diz respeito a não partidarização, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola, esse espaço de partilhas e aprendizados ainda tão fechado, que precisa de abertura e diálogo. (MANHAS, 2016, p. 16)

Ainda, Lionço et al. (2018) coloca que o Movimento Escola Sem Partido:

omite a reafirmação dos princípios constitucionais de liberdade de ensinar e de pluralidade de concepções pedagógicas, constituindo, portanto, um retrocesso na política educacional e na garantia do direito à educação. (LIONÇO et al., 2018)

Apesar da inconstitucionalidade, o Projeto Escola Sem Partido foi aprovado em algumas câmaras municipais, como é o caso da cidade de São Lourenço do Sul - RS.4 No Rio Grande do Sul, o Projeto de Lei nº 190/2015, conhecido como Escola sem Partido, de autoria do então deputado estadual Marcel Van Hattem, gerou forte resistência popular, sindical e de órgãos como o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS)5.

Diante da necessidade de promover o diálogo sobre respeito à diversidade nos espaços escolares e avançar na promoção da educação sexual, torna-se fundamental compreender a força política dos discursos que impõem obstáculos a tais avanços. No tópico a seguir, analisaremos o impacto da articulação da ofensiva antigênero no Estado, no texto final do PEE/RS.

3 GÊNERO E SEXUALIDADE NO PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO RS

Ao nos propormos a analisar a diferença entre o texto do Projeto de Lei do PEE/RS6 e a Lei aprovada em 25 de junho de 2015, no que diz respeito às temáticas relativas às questões de gênero e sexualidade, antes da leitura completa e detalhada dos documentos, fizemos uma breve busca, em cada um deles, pelos termos de interesse. Enquanto o texto do Projeto faz um total de vinte e nove menções aos termos “gênero”, “sexualidade” e “diversidade/orientação sexual”, o texto final aprovado traz apenas seis.

4A notícia sobre a aprovação do Projeto Escola Sem Partido na cidade de São Lourenço do Sul pode ser recuperada em: https://www.sul21.com.br/cidades/2018/07/sao-lourenco-do-sul-e-a-primeira-cidade-do-rs-a-aprovar-o-projeto-escola-sem-partido/

5 A notícia sobre o posicionamento do CEEd/RS pode ser recuperada em

http://www.feteesul.org.br/?pag=noticia&noti_id=474

6O documento do Projeto de Lei do PEE/RS pode ser recuperado em: http://www.ufrgs.br/elaboracaopdi2016/links-e-arquivos/PEEPlanoEstadualdeEducaoRS.pdf

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 Em um primeiro momento, nos deparamos com um processo de silenciamento da diversidade e de grupos sociais historicamente invisibilizados. O texto final do PEE/RS cita nove vezes a palavra “diversidade”, referindo-se a outros tipos que não a diversidade sexual e de gênero.

Por mais que se fale, tanto dentro dos artigos da Lei quanto no corpo do texto das metas do documento, em respeito à diversidade e combate ao preconceito e à discriminação, as desigualdades de gênero e as violências homofóbicas e transfóbicas são negligenciadas. Sabendo-se que houve contemplação de tais temas no texto inicial do Projeto de Lei, fica evidente a exclusão intencional ao final do processo que aprovou o documento.

As ações afirmativas em diferentes esferas, que dão nome às identidades historicamente desfavorecidas e às violências por elas vivenciadas, trouxeram ganhos políticos nas últimas décadas, como os resultantes da afirmação da identidade negra em oposição às tentativas de classificação da cor e de neutralização da identidade étnico-racial (FIGUEIREDO, 2015), e da afirmação da diversidade sexual e de gênero, evidenciados nos esforços do Poder Judiciário e nas ações isoladas do Poder Executivo nos últimos dez anos (MELLO, 2018).

Fazendo uma análise, meta por meta, do texto do Projeto de Lei do PEE/RS, proposto entre os anos de 2014 e 2015, encontramos a preocupação com a promoção da cidadania e o combate à discriminação no âmbito das questões de gênero e sexualidade em sete das vinte metas. A Tabela 1 mostra a relação entre o número de metas e estratégias com citação dos termos “gênero”, “sexualidade” e/ou “diversidade/orientação sexual”, no texto propositivo e no texto final.

Tabela 1 – Relação entre o número de estratégias que citam os termos “gênero”, “sexualidade” e/ou “diversidade/orientação sexual”, nas mesmas metas do Texto Propositivo e da Lei 14.705

METAS Nº DE ESTRATÉGIAS NO TEXTO PROPOSITIVO Nº DE ESTRATÉGIAS NA LEI 14.705 Meta 2 2 0 Meta 3 4 1 Meta 4 1 0 Meta 8 9 2 Meta 10 1 0 Meta 14 1 0 Meta 18 1 0 Total 19 3 Fonte: Autores

A Meta 2, tanto no texto propositivo quanto no texto final, dispõe sobre a universalização do Ensino Fundamental de nove anos e a garantia da conclusão na idade recomendada. A estratégia de nº 2.16 propõe o desenvolvimento de tecnologias pedagógicas junto à comunidade, e inclui a preocupação

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 com o respeito às especificidades relacionadas a gênero e sexualidade. A estratégia de nº 2.43 propõe a implementação de políticas de prevenção à evasão escolar motivada por preconceito e discriminação de identidade de gênero e orientação sexual.

No texto final, tal meta, apesar de dispor sobre o mesmo tema do propositivo, não inclui as questões referentes a gênero e sexualidade mencionadas no parágrafo anterior. Uma exclusão problemática diante da necessidade de criar estratégias de combate à evasão, e aqui problematizamos esta, a partir da reflexão de Brancaleoni&Amorin (2017), que dizem que:

a homofobia e a transfobia já vivenciadas anteriormente no ambiente familiar, se reproduzem também na escola e muitos estudantes vivenciam uma verdadeira expulsão desse espaço, muitas vezes camuflada sob o termo “evasão escolar”. (BRANCALEONI & AMORIN, 2017. p. 63)

A Meta 3 do texto propositivo dispõe sobre a universalização do atendimento escolar e aumento do número de matrículas para jovens entre 15 e 17 anos de idade. Em quatro de suas estratégias, o texto inclui a preocupação com as especificidades relativas a gênero e sexualidade, com propostas de ampliação de acompanhamento individualizado, busca da população fora da escola, desenvolvimento de programas de educação e cultura e prevenção da evasão escolar motivada por preconceito e discriminação.

No texto final, apesar de tratar da mesma temática, na Meta 3 só é citado o termo “orientação sexual” na estratégia de nº 3.1, que dispõe sobre a ampliação de vagas no Ensino Médio em regiões e comunidades onde a cobertura é insuficiente. As demais questões mencionadas no parágrafo anterior foram excluídas.

A Meta 4 do texto propositivo, que dispõe sobre a universalização do acesso à educação para a população de 4 a 17 anos de idade com necessidades educacionais específicas, menciona gênero e sexualidade ao propor, na estratégia de nº 4.3, a ampliação de salas de recursos multifuncionais e a formação continuada de professores para atendimento especializado na área da educação inclusiva. No texto final, a Meta 4 não mais menciona gênero e sexualidade em suas estratégias.

A última meta na qual encontramos a permanência, ainda que extremamente reduzida, da temática de gênero e sexualidade no texto final do PEE/RS, é a Meta 8. No texto propositivo, a mesma meta, que propõe a elevação da escolaridade média da população do campo, de comunidades indígenas e quilombolas, entre os 18 e os 29 anos de idade, menciona gênero e sexualidade em nove estratégias. Nestas, o texto inclui tais menções ao propor a promoção do monitoramento do acesso à escola; a implementação de estratégias para permanência na Educação de Jovens e Adultos; a garantia de formação permanente aos docentes, com temas contemporâneos; o fomento à política de formação

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 11, p.86689-86700 nov. 2020. ISSN 2525-8761 continuada para toda a comunidade escolar; a elaboração de propostas curriculares que incluam temas transversais com questões de inclusão; o aprimoramento do acervo das bibliotecas escolares; e a construção, em colaboração com as Universidades públicas e privadas, da inclusão de temas referentes à diversidade nos conteúdos disciplinares e nas atividades curriculares dos cursos de licenciatura.

O texto final manteve, na Meta 8, os termos “gênero” e “sexualidade” apenas nas estratégias de nº 8.10 e 8.12, que dispõem, respectivamente, sobre a formação permanente para docentes, em temas contemporâneos, e sobre as propostas curriculares que incluam temas transversais.

As demais metas que contemplam a diversidade sexual e de gênero no texto propositivo, mas que tiveram a temática excluída no texto final, são as de nº 10, 14 e 18, cada uma delas mencionando gênero e sexualidade em uma de suas estratégias.

A Meta 10 dispõe sobre a oferta de matrículas no Ensino Fundamental e no Ensino Médio de forma integrada à educação profissional. A estratégia de nº 10.23 propunha a garantia de políticas curriculares com foco no direito à diversidade e afirmação dos direitos humanos.

A Meta 14, que propõe elevar gradualmente as matrículas em pós-graduação scricto sensu, mencionava, em sua estratégia de nº 14.8, a proposta de estimular a equidade de gênero no ingresso aos cursos de pós-graduação.

Finalmente, a Meta 18, que dispõe sobre o plano de carreira de profissionais da educação básica e superior, e piso salarial para professores da educação básica, propunha, em sua estratégia de nº 18.20, a realização de censo dos profissionais da educação básica, que contemplasse dados relativos a orientação sexual e identidade de gênero.

Percebendo a educação como um espaço cujas diretrizes constroem um projeto de sociedade, embates como os que discutimos neste trabalho fortalecem a ideia de educação como um campo de disputa política (BRAGAGNOLO & BARBOSA, 2015).

Na sequência da aprovação do texto final do PEE/RS, o Projeto Escola Sem Partido é colocado em pauta na Assembleia Legislativa, mas é finalmente retirado pelo autor no dia 04 de outubro de 20167, após exaustivos debates. Esta retirada evidencia, talvez, que a retórica antigênero não avançou legalmente, assim como não avançou a pauta de gênero e sexualidade na educação.

7 A situação do PL 190/2015 pode ser consultada através do link: http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao.aspx?SiglaTipo=PL&NroProposicao=190&AnoProposicao=2015&O rigem=Dx

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A não menção da temática de gênero e sexualidade nos planos de educação não representa uma proibição do avanço e aprimoramento de tais discussões nos espaços escolares. Por outro lado, evidencia a força política da retórica antigênero dentro do Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Apesar de a ofensiva antigênero ter conquistado grande espaço e ter tido algumas vitórias pontuais, com base no amedrontamento da população para uma possível ditadura nefasta destruidora da família e da moral, continuamos sem nenhuma restrição legal para as abordagens relacionadas a gênero, sexualidade e respeito à diversidade na escola.

Evidentemente, como resultado da repercussão dos embates travados no campo da educação quanto à diversidade sexual e de gênero, o discurso do slogan “ideologia de gênero” ganhou vazão e grande alcance, o que faz com que a resistência ao tema se fortaleça dentro das escolas. Por isso é tão importante conhecer o discurso antigênero, sua articulação e força política, construindo estratégias de diálogo com a comunidade escolar.

É necessário desconstruir o tabu que se manifesta quando se discute o respeito à diversidade, construindo o entendimento de que este tabu não tenta calar a violência sofrida diariamente na escola e na sociedade como um todo, mas apenas tenta calar os esforços para combatê-la.

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REFERÊNCIAS

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BRANCALEONI, Ana Paula Leivar& AMORIM, Sylvia Maria Godoy. Heteronormatividade e Abjeção na Escola: Reflexões construídas junto a um Grupo LGBT no interior de São Paulo. Expressa Extensão. v.22, n.2, p. 57-75, JUL-DEZ, 2017.

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CÉSAR, Maria Rita de Assis. Sexualidade e gênero: ensaios educacionais contemporâneos. Instrumento: R. Est. Pesq. Educ. Juiz de Fora, v. 12, n. 2, 2010.

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Tabela 1 – Relação entre o número de estratégias que citam os termos “gênero”, “sexualidade” e/ou “diversidade/orientação  sexual”, nas mesmas metas do Texto Propositivo e da Lei 14.705

Referências

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