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O potencial das tecnologias educativas na promoção da inclusão: três exemplos

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Academic year: 2020

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  96 

O potencial das tecnologias educativas na promoção da inclusão: três exemplos

SARA BAHIA

Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Portugal sarabahias@gmail.com

JOSÉ PEDRO TRINDADE Externato de Penafirme, Portugal jose.pedro.trindade@hotmail.com

Resumo: As tecnologias educativas e a inclusão constituem duas realidades presentes na escola de hoje e do futuro. No entanto, falta ainda um longo caminho para que o uso das tecnologias da informação e da comunicação permita promover as tão desejadas práticas inclusivas em contextos de educação formal e não-formal. Quando utilizadas de forma fundamentada e planificada as tecnologias educativas podem promover atitudes positivas face à diversidade e promover ganhos ao nível académico e social, do desenvolvimento de um sentido de comunidade e das práticas não-discriminatórias, que são as componentes da filosofia inclusiva (Karagiannis, Stainback & Stainback, 1996). O presente artigo apresenta três exemplos que constituem exemplos da utilização de tecnologias educativas promotoras dos princípios da inclusão em dois contextos diferentes. Cada descrição do exemplo é acompanhada de uma reflexão fundamentada e crítica acerca da sua eficácia e da possibilidade de aplicação a diferentes contextos.

Palavras-chave: Ergonomia, expressão visual, inclusão.

1. INTRODUÇÃO

Dois dos valores basilares da educação de saciedade democrática de hoje são as tecnologias educativas e a inclusão. Nas agendas da educação ambas as valências surgem como prioritárias para fazer face à principal finalidade educacional: “garantir uma permanente acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”, como especifica o nº 2 do artigo 1º da Lei nº 49/2005 de 30 de Agosto da Lei Bases do Sistema Educativo. Em todos os níveis de escolaridade, bem como ao nível das actividades extra-escolares, está contemplada a formação humanística, artística, física e desportiva, científica e tecnológica e a educação moral e cívica, capaz de responder “às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho” (nº 4 do artigo 2º da Lei nº 49/2005).

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  97  Indubitavelmente que face à conjuntura actual, as tecnologias

educativas e a inclusão se constituem como duas prioridades necessárias para responder às exigências da educação formal e também não-formal.

2. TECNOLOGIAS EDUCATIVAS COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

A geração de alunos que frequenta o ensino básico, secundário e universitário cresceu a utilizar as chamadas novas tecnologias. Strauss & Howe (1990) referem que as crianças e jovens que nasceram entre 1984 e 2002 pertencem à Geração Y, a primeira geração que foi criada com a internet. O passado, presente e futuro dos jovens de hoje é, requer e implica o domínio das tecnologias da informação e da comunicação.

Sempre presentes na evolução das sociedades, as tecnologias influenciaram a percepção e a conceptualização do mundo através das quais os seus membros foram reproduzindo e produzindo conhecimento (e.g. Lévy. 1997). Consequentemente, o conhecimento transmitido formalmente às múltiplas gerações foi influenciado e simultaneamente influenciou as tecnologias de cada época. A frequentemente denominada revolução tecnológica do século XX modificou substancialmente a produção, comunicação, partilha e representação do conhecimento, bem como o modo de vida e o bem-estar pessoal e social (e.g. Morin, 2004). As mudanças económicas e sociais resultantes do informacionismo1 mostram como a tecnologia desempenha um papel relevante no quotidiano das pessoas (e.g. Castells, 2000). As suas vantagens situam-se sobretudo ao nível da acessibilidade da informação e da possibilidade de interactividade e de combinação de diferentes canais de representação e comunicação do conhecimento.

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No original em inglês: Informationalism. É considerada por alguns teóricos (e.g. Castells, 2000) como a terceira revolução industrial pelo papel que as tecnologias e as ciências desempenharam no desenvolvimento económico; pela substituição da produção material pelo processamento de informação; pela emergência de novas redes organizacionais: e pela crescente globalização socioeconómica.

As novas linguagens, culturas, regras e normas da sociedade da informação e do conhecimento são, por excelência, fruto das tecnologias interactivas e, como tal, constituem um veículo de expressão, produção e comunicação do conhecimento com contornos inéditos e potencialmente promotores da inclusão sociais pessoas (Castells, 2007). A comunicação mediada pelo computador alterou qualitativamente as formas de representação, organização e partilha da informação em termos da interacção escrita, da comunicação a distância, do hipertexto global e da multimédia, representando, assim, o que tem sido considerada como a quarta revolução industrial, com impacto semelhante à da revolução da linguagem, da escrita e da imprensa (Harnad, 1991). A nova linguagem da era da informação2 permite interactividade bem como uma organização do significado capaz de promover uma sistematização eficiente e também a reflexão (Warschauer, 2007). O desenvolvimento da multimédia combina canais de processamento da informação e alia o poder ilustrativo da imagem ao poder analítico da palavra escrita (Warschauer, 2003), facilitando a representação do mundo que, segundo Paivio (1971) ocorre através de imagens e/ou palavras. Consequentemente, a associação de palavras e imagens colmata uma das limitações do mundo das palavras que consiste na sua inadequação para transmitir informação visual sobre um objecto (McLuhan, 1964). As competências semióticas, técnicas e de planeamento necessárias ao domínio das tecnologias digitais alteram a compreensão e o acesso ao conhecimento do mundo de hoje e de amanhã (Castells, 2000). As tecnologias permitem também desenvolver de forma progressiva projectos recorrendo a múltiplas ferramentas como forma de comunicação eficaz de ideias (Ribeiro, 2004). A par destas vantagens, a comunicação e a difusão em rede possibilitam flexibilidade, tomada de decisões coordenadas, execução descentralizada e horizontalidade que por sua vez reflectem uma forma de organização “superior” da acção humana (Castells, 2001).

No entanto, por detrás da interactividade, flexibilidade e horizontalidade alegadamente benéficas que a era das tecnologias da informação e da

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Segundo Castells (2000) vivemos uma passagem da era industrial para a era da informação. No entanto esta perspectiva tem sido alvo de críticas (e.g. Garnham, 2004) na medida em que não se trata de uma nova era mas antes do desenvolvimento de um modo de informação que é

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  98  comunicação trouxe, escondem-se aspectos negativos. Se por um lado a

informação e o conhecimento são cada vez mais determinantes na sociedade de hoje, por outro quem não acede a eles acaba por se distanciar muito de quem os utiliza no seu quotidiano. O fosso entre ricos e pobres em conhecimento tem sido largamente documentado (e.g. Kanbur, 2005). A globalização, em grande parte devida à inovação tecnológica, trouxe desigualdades gritantes entre pessoas e, como tal, a inclusão social constitui também um dos objectivos fundamentais da utilização das novas tecnologias na medida em que a sua organização em rede traz inúmeras vantagens em relação às organizações hierárquicas, nomeadamente a flexibilidade, a adaptabilidade e a resiliência (Castells, 2001). Se bem que a aceitação ou rejeição do determinismo tecnológico seja objecto de reflexão, é importante acentuar a co-produção da tecnologia e construção social (Warschauer, 2007), e compreender o modo como se podem moldar e modificar com vista ao bem estar social e individual. Por outras palavras, importa reflectir acerca do modo como as tecnologias da informação e da comunicação podem ser utilizadas para promover a inclusão educacional e, consequentemente, social, na medida em que a literacia tecnológica permite que todos possam superar a exclusão e a falta de acesso à informação, ou seja, ser digitalmente incluído. O conceito de inclusão digital significa melhorar as condições de vida de uma comunidade com ajuda da tecnologia, minorando a “divisória digital” (Warschauer, 2003).

Incluir digitalmente não é apenas “alfabetizar” em termos tecnológicos. Mais do que preparar os futuros cidadãos para a utilização das tecnologias da informação e da comunicação, a educação visa, acima de tudo, apetrechá-los de novas linguagens e representações que lhes permitam descodificar e re-significar os conhecimentos veiculados e serem críticos e inovadores. Trata-se de integrar na sua essência a nova linguagem, cultura, regras e normas (e.g. Morin, Ciurana & Motta, 2003). Neste sentido, as tecnologias educativas constituem um investimento no desenvolvimento de competências críticas e criativas (e.g. Quadros & Bahia, 2006).

3. A PROBLEMÁTICA DA INCLUSÃO

A implementação dos princípios da inclusão presentes nos códigos e leis orientadores da acção de cada comunidade constituem uma importante necessidade das sociedades actuais, e consequentemente, uma prioridade no âmbito da educação. Em termos constitucionais, todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, sendo, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo “da responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares” (nº 2 do Artigo 2º da Lei nº 49/2005). De acordo com a Declamação de Salamanca, a resolução das Nações Unidas que apresenta os procedimentos e os padrões para a igualdade de oportunidades das pessoas portadoras de deficiências e que advém da preocupação da sociedade democrática com a equidade e o acesso à educação para todos, a inclusão é essencial para a dignidade humana e o exercício dos direitos humanos (UNESCO, 1994).

A tendência para respeitar os direitos humanos e implementar práticas que os defendam tem sido crescente ao longo das últimas décadas. A história da educação das crianças e jovens com as chamadas Necessidades Educativas Especiais3 mostra uma evolução que se inicia no início do século XX com a negligência e a segregação até à integração na década de 70 e finalmente até ao actual conceito de inclusão (Casey, 1994). A inclusão conjuga a resposta educativa às necessidades das crianças e jovens com necessidades específicas, o respeito pelos seus direitos enquanto cidadãos e a aprendizagem de uma vivência num mundo de diferenças por parte de todos (Thomas & Loxley, 2001).

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O conceito de Necessidades Educativas Especiais, que surge frequentemente na literatura da especialidade sob a sigla NEEs, foi adoptado e redefinido na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e abrange todas as crianças e jovens cujas necessidades envolvam deficiências ou dificuldades de aprendizagem, desde a sobredotação a todas as que se encontram em situação de risco, como as minorias étnicas ou culturais, bem como os que apresentam problemas de comportamento ou de ordem emocional. Actualmente, alguns defensores da causa da inclusão preferem utilizar a expressão Necessidades Educativas Específicas, pois o termo Especiais pode ser discriminatório.

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  99  Pela sua própria natureza, a escola inclusiva considera as necessidades

de todos os alunos sem excepção e é estruturada em função dessas mesmas necessidades, isto é, não se limita meramente a apoiar apenas os alunos que apresentam dificuldades, mas antes a constituir-se como um apoio para todos os actores da educação, nomeadamente, professores, alunos, pessoal administrativo e responsáveis educativos. Nenhum educador deverá abdicar dos princípios da inclusão e todos deverão diligenciar os meios para que esta seja implantada nos diversos contextos educativos de forma a cumprir os objectivos da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Os efeitos positivos da inclusão não se cingem apenas a uma minoria, mas estendem-se a todos os alunos. Os alunos sem as chamadas Necessidades Educativas Especiais desenvolvem aceitação e valorização das diferenças individuais, maior auto-estima, capacidade genuína de amizade e aquisição de novas competências (Power-deFur & Orelove, 1997).

As vantagens da educação inclusiva têm sido bem relatadas pelos estudos teórico-empíricos. Karagiannis, Stainback & Stainback (1996) sistematizam quatro vantagens da educação inclusiva: o desenvolvimento de atitudes positivas face à diversidade, a aquisição de ganhos ao nível académico e social, a preparação para a vida em comunidade e o combate à exclusão. A investigação internacional tem mostrado que as práticas eficazes de inclusão se situam ao nível do ensino e da aprendizagem cooperativa, da resolução colaborativa de problemas, da formação de grupos heterogéneos e da concepção e implementação de planos educativos inseridos no currículo regular (EADSNE, 2003).

Contudo, não obstante a legislação existente e os discursos acerca da inclusão orientarem no sentido da eliminação da discriminação, as práticas nas escolas têm sido recorrentemente consideradas como pouco inclusivas (e.g. Düring, 2006; Rodrigues, 2006). São múltiplos os exemplos de exclusão e de discriminação que mostram que a equidade continua ainda a ser uma finalidade educacional sem tradução numa prática universal (e.g. Watkins, 2007). Uma das razões subjacentes à inconsistência entre esta meta educacional e prática inclusiva prende-se com a fraca confluência entre esforços conjuntos das políticas educativas, os docentes e discentes e a cultura que interpretam o conceito de diferentes formas a partir de sistemas de valores e de uma compreensão da realidade muitas vezes contrastantes

(Booth & Ainscow, 2000). Consequentemente, a inclusão não se cinge à colocação de alunos com necessidades educativas específicas dentro da sala de aula; abrange também a atitude da sociedade face à diversidade e as crenças que cada educador e educando tem relativamente à diferença. Outra das razões que afastam as práticas inclusivas das finalidades educacionais é a falta de aceitação e valorização de um conjunto de crenças promotoras de uma inclusão genuína (Bahia, 2003), nomeadamente, a crença de que todos podem aprender (Vygotsky, 1962); a crença de que todos podem aprender a ajudar-se a si próprios (Howley, Howley & Pendarvis, 1995); e, ainda, a rejeição da “negação” da diferença (Banks, 2003), ou seja, a valorização da individualidade de cada pessoa, aceitando-a por aquilo que ela é e não por aquilo que ela consegue ou não.

Nesta lógica, uma forma de providenciar a equidade na participação do processo de ensino e aprendizagem, é, segundo Angelides (2005), a atenção aos detalhes que ocorrem no contexto da sala de aula e da escola e que a logo prazo promovem as práticas inclusivas. De entre esses detalhes de implementação prática da inclusão encontram-se as palavras utilizadas pelo pessoal docente e discente para se referirem aos alunos com necessidades específicas e as oportunidades de escolha que esses alunos efectivamente têm numa determinada actividade proposta pelo professor (Cushing, Carter, Clark, Wallis, & Kennedy, 2009). Estes pequenos detalhes, aparentemente insignificantes, reflectem a consideração, selecção e resposta às práticas inclusivas por parte dos educadores (Angelides, 2005).

4. TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTA INCLUSIVA

Sendo as tecnologias educativas e a inclusão duas prioridades necessárias para responder às exigências educacionais, os esforços para a sua conjugação nos múltiplos contextos educativos surgem naturalmente como uma prioridade. Como se refere na Declaração de Lisboa (CIAE, 2009), as tecnologias da informação e comunicação alteraram o modo como a educação pode promover a criação e a transmissão do conhecimento e suscitam desafios éticos que devem ser orientados pelos princípios de equidade, da solidariedade e do respeito pela diversidade.

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  100  Não obstante esta necessidade, as práticas nas escolas têm sido

universalmente referidas como sendo pouco inclusivas (e.g. Düring, 2006; Rodrigues, 2006; Watkins, 2007). A inclusão requer novas abordagens ao ensino e à aprendizagem através de ferramentas adequadas, inovadoras e livres de obstáculos (Lacey, 2006). Consequentemente, todos os esforços que encorajem a participação e a aprendizagem de todos os alunos são cruciais para uma escola inclusiva (Angelides, 2005). Em termos concretos, o uso das tecnologias actuais pode constituir-se como uma forma de combate à exclusão e de promoção da inclusão digital (CIAE, 2009; Warschauer, 2003). Embora a preocupação com a inclusão das tecnologias na educação como forma de responder aos alunos com necessidades específicas seja uma realidade há pelo menos duas décadas (Cook & Hussey, 1995), a tónica da investigação e da acção tem sido sobretudo colocada na exploração das possibilidades das tecnologias como ferramenta de melhoria das condições de vida das pessoas com necessidades específicas e menos na eficácia das práticas de inclusão digital (e.g. Warschauer, 2003). Muitas destas adaptações tecnológicas têm vindo a ser objecto de estudo por parte da ergonomia que enquanto domínio de estudo e de investigação tem mostrado um crescente interesse na protecção das pessoas com necessidades específicas com vista à sua capacitação para o trabalho (Lida, 1990). Estas adaptações permitem a estas pessoas superar o isolamento e participar na actividade produtiva e na vida social.

O conceito de “divisória digital” (Warschauer, 2003) tem sido utilizado para explicar o fosso entre os grupos sociais “pobres” e “ricos” em acesso à informação. Nos “pobres” incluem-se as crianças e os jovens cujo acesso à informação foi limitado por apresentarem necessidades físicas ou cognitivas específicas que lhes dificultam o uso das ferramentas tecnológicas disponíveis nos diversos contextos educacionais. Consequentemente, a literatura tem relatado com frequência que as pessoas com necessidades específicas enfrentam problemas no acesso às tecnologias da informação e da comunicação (Stephanidis & Savidis, 2001). Por um lado, nem todos os alunos com necessidades específicas conseguem utilizar no contexto da sala de aula os mesmos materiais que os seus colegas, ficando limitados em termos de oportunidades educacionais (Benigno, Bocconi & Ott, 2007). Por

outro lado, se bem que as tecnologias de assistência4 tenham sido concebidas para minorar a exclusão, nem todas elas constituem uma resposta especializada esta população, na medida em que nem todas as necessidades específicas são compensadas pelas tecnologias de assistência nem todas aplicações são compatíveis com os meios disponíveis (Benigno et al,, 2007). Não obstante algumas destas limitações, as tecnologias educativas utilizadas no seio da sala de aula regular podem constituir uma ferramenta facilitadora dos princípios da inclusão se seleccionadas e utilizadas de forma ergonómica que permita adaptar o seu potencial às características dos alunos com necessidades educativas específicas. Deste modo, as “tecnologias da inteligência” (Lévy, 1990) podem diminuir o fosso entre ricos e pobres em informação, contribuindo para a diminuição da divisória digital e promovendo a inclusão digital e a literacia tecnológica.

A acessibilidade da informação e a possibilidade de interactividade constituem as grandes vantagens das tecnologias actuais e concomitantemente constituem s dois pontos fortes da inclusão. Fundamentalmente, a disponibilização da informação a todos os alunos, independentemente das suas características, e a sua combinação a partir de diferentes canais de representação e comunicação revelam-se pontos fulcrais da aplicação das tecnologias às necessidades específicas. As vantagens da organização em rede, nomeadamente a flexibilidade, adaptabilidade e resiliência (Castells, 2001) constituem também um meio de promoção da inclusão dos alunos com necessidades específicas. Por seu turno, as tecnologias educativas facilitam diferentes formas de expressão do conhecimento aprendido, o que constitui um motor fundamental da aprendizagem de alunos com necessidades educativas específicas (Powell, 1994).

Porém, uma das grandes mais-valias da adaptação das tecnologias educativas às necessidades educativas específicas reside no potencial de

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No original Assistive Technology, as tecnologias de assistência abrangem uma ampla gama de equipamentos, aparelhos, adaptações, dispositivos técnicos, serviços, estratégias e práticas que têm como objectivo minorar os problemas encontrados pelas pessoas com deficiência, proporcionando-lhes uma maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação de sua comunicação, mobilidade e do aumento da participação social (Cook & Hussey, 1995).

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  101  significação e organização da informação a partir de diferentes registos

sensoriais, perceptivos e cognitivos na medida em que estas influenciam a percepção, representação, sistematização, produção, comunicação e partilha do conhecimento (e.g. Lévy. 1997). As imagens, em particular as visuais e as auditivas integradas nestas tecnologias, são facilitadoras da descoberta da informação, da apropriação individual do conhecimento e, ainda, da interiorização de conceitos (Moss, Hay, Deppeler, Astley & Pattison, 2007). Deste modo, a utilização das tecnologias educativas deve procurar favorecer a representação, organização e partilha da informação que, segundo Harnard (1991), constituem elementos imprescindíveis para a interiorização da nova linguagem social. A combinação de diversos canais de processamento da informação também se constitui como um elemento facilitador da inclusão, nomeadamente o poder ilustrativo da imagem associado ao poder analítico da palavra escrita (Warschauer, 2003), e, ainda, a flexibilidade inerente aos diferentes meios tecnológicos utilizados em contextos educativos pela possibilidade de adaptação a diferentes formas, ritmos e estilos de pensamento.

A par das especificidades das tecnologias, o desenvolvimento de atitudes positivas face à diversidade e o combate à exclusão a par da aquisição de ganhos ao nível académico e social e da preparação para a vida em comunidade constituem os pilares fundamentais para as práticas inclusivas (Karagiannis et al., 1996). Na medida em que a implementação desses princípios se tem revelado eficaz com base no ensino e na aprendizagem cooperativa, na resolução colaborativa de problemas, na formação de grupos heterogéneos e na concepção e implementação de planos educativos inseridos no currículo regular (EADSNE, 2003), estas estratégias devem estar presentes na utilização das tecnologias educativas como ferramenta inclusiva. No entanto, a eficácia de um recurso tecnológico como ferramenta de inclusão educacional depende de uma série de variáveis que se estendem para além da tecnologia propriamente dita. A sua selecção por parte do educador bem como do seu envolvimento na tarefa e da integração do recurso e da tarefa na actividade do grupo (Benigno et al., 2007) e, ainda, do apoio que o educador recebe para enfrentar o desafio da utilização das tecnologias como ferramenta inclusiva (Lacey, 2006) constituem factores relevantes para a sua eficácia.

Apesar da emergência de estudos no domínio das tecnologias e inclusão, alguns autores têm alertado para a precariedade da disseminação e análise da eficácia de práticas escolares promotoras da inclusão (e.g. Ainscow, Dyson, Goldrick & Miles, 2008). Neste sentido, sendo as práticas nas escolas consideradas como pouco inclusivas (e.g. Düring, 2006; Rodrigues, 2006; Watkins, 2007), todos os esforços que encorajem a participação e a aprendizagem de todos os alunos são cruciais para uma escola inclusiva (Angelides, 2005). O presente artigo visa ser um contributo para a superação desta lacuna e mostrar três estudos de caso ilustrativos de práticas inclusivas eficazes no domínio da aplicação de tecnologias educativas.

5. METODOLOGIA

Este trabalha parte de um problema específico da literatura sobre a inclusão em educação: a escassez de estudos de caso que mostrem práticas escolares e comunitárias capazes de aplicar de forma eficaz princípios inclusivos como contributo para a avaliação da eficácia das práticas existentes e a compreensão dos contextos em que podem ou devem ser aplicadas (Ainscow et al, 2008). Não se trata da descrição de estudos de caso no âmbito do ensino especializado utilizando tecnologias de assistência para défices específicos, mas antes de estudos de caso no âmbito do ensino inclusivo obrigatório ou da inserção social utilizando recursos tecnológicos disponíveis em qualquer contexto educativo.

Consequentemente, o objectivo geral do presente trabalho consiste em mostrar três utilizações de tecnologias educativas que surtiram efeito na promoção de princípios da inclusão educacional e social. Mais especificamente, os três princípios foram escolhidos com base na sistematização de Karaganis e colaboradores (1996) e referem-se à aquisição de competências ao nível académico, à promoção do bem-estar pessoal e à preparação para vida em comunidade.

Tendo em vista o problema e os objectivos, optou-se por utilizar uma abordagem metodológica de investigação qualitativa. Cada exemplo é descrito a partir da apresentação da informação detalhada sobre a

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  102  participação na actividade, procurando responder ao repto recente da

necessidade de investir na disseminação de boas práticas inclusivas (Ainsworth et al, 2008) e atender aos detalhes dos contextos promotores da inclusão para uma compreensão mais alargada dos factores que são consonantes com os seus princípios (Angelides, 2005).

Os exemplos apresentam um denominador comum: a intervenção inclusiva a partir da utilização de tecnologias educativas no domínio da educação e formação artística. De forma a manter o anonimato foram excluídas todas as referências que poderiam identificar os participantes. Os estudos partem de um problema experimentado por cada um dos protagonistas cuja solução reside na utilização de tecnologias da informação e da comunicação. Os contextos em que estes casos se inserem estendem-se para além da sala de aula, sendo um dos casos inserido num contexto de apoio comunitário e o outro relativo a uma parceria entre uma escola profissional e diversos locais de trabalho. As práticas interventivas procuram associar, como sugere European Agency for Development in Special Needs

Education (2003) a resolução colaborativa de problemas e a concepção e

implementação de planos educativos inseridos no currículo regular ou nas ofertas da comunidade.

A estrutura da descrição dos casos segue a seguinte ordem: descrição do problema, especificação do objectivo da intervenção a partir do uso de tecnologias educativas, descrição da tecnologia e do procedimento, discussão da eficácia da intervenção a partir de indicadores definidos e reflexão acerca das dificuldades encontradas e da sua generalização a diferentes contextos educativos. Face à natureza exploratória desta apresentação, os instrumentos utilizados para a recolha de dados centraram-se escentraram-sencialmente em entrevistas centraram-semi-estruturadas com o objectivo de recolher depoimentos acerca do processo e do impacto da intervenção, bem como outros indicadores qualitativos e quantitativos, nomeadamente, classificações escolares, número de produções artísticas e frequência de comentários.

Os problemas descritos nos três estudos de caso partem de situações que causam insatisfação a alunos e professores ao nível pessoal, académico e comunitário, centrando-se, por isso, os objectivos específicos na utilização eficaz das tecnologias disponíveis em contextos educativos com vista à

superação do problema apresentado. O relato dos procedimentos utilizados na intervenção inclusiva pretende dar conta dos aspectos tecnológicos envolvidos e também dos detalhes em termos relacionais determinantes para a persecução do objectivo proposto. Por fim, a eficácia da intervenção é explanada de acordo com indicadores comuns, embora o seu peso difira de caso para caso e conduz a uma reflexão crítica acerca da possibilidade da sua aplicação a diferentes contextos.

Caso 1 – Uma intervenção ao nível académico

Problema

Estudante do ensino profissional, de 20 anos, frequenta o 9º ano do Curso de Educação e Formação Tipo I no curso de Operador de Impressão. O aluno apresenta um diagnóstico de síndrome do espectro autista e dificuldades ao nível da expressão oral e escrita.

Foi o único aluno da sua turma que não atingiu os objectivos propostos para o módulo de Edição de Imagem e que teve de fazer recuperação numa época especial.

O professor do módulo identificou muitas lacunas em termos de conhecimentos de comunicação gráfica e de aplicações informáticas, nomeadamente, da cor e avaliou o seu rendimento como sendo “francamente insuficiente”. Deu indicações ao professor responsável pela recuperação para ocupar um período de 20 horas lectivas com uma tarefa de mistura digital de cores. A tarefa proposta pelo professor do módulo tinha como objectivo a construção digital de cores através do sistema CMYK e consistia em preencher 32 quadrados percentagens diferentes de cor. Ao longo da primeira hora a tarefa começou a ser desenvolvida pelo aluno que repetiu os movimentos de preenchimento do primeiro quadrado certificando-se a cada passo junto do professor se o procedimento estava correcto. Trinta minutos depois, o professor solicitou que preenchesse o segundo quadrado, e o aluno pediu para o professor repetir as indicações do procedimento. No final da primeira hora o aluno não tinha executado nenhum movimento sem uma instrução directa do professor e havia apenas preenchido dois quadrados com ajuda. Após uma pausa para intervalo, o aluno já não se lembrava dos

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  103  procedimentos. Face ao insucesso e à falta de autonomia e motivação do

aluno, o professor responsável pela recuperação alterou a sua estratégia.

Objectivo da intervenção

Desenvolver competências comunicação gráfica e aplicações informáticas a partir do uso de uma aplicação de edição de imagem, o Photoshop e dos interesses do aluno.

Procedimento

1. Durante o início da terceira hora, o professor dialogou com o aluno no sentido de compreender os seus interesses, que se centravam num determinado estilo musical.

2. Em seguida, o aluno pesquisou autonomamente na internet imagens relativas à sua música preferida, mais concretamente, capas de álbuns do seu estilo musical preferido.

3. Foram guardadas numa pasta as 6 imagens preferidas e solicitado ao aluno que escolhesse uma como ponto de partida para o trabalho.

4. Em função da escolha que o aluno fez, o professor delineou um conjunto de tarefas que envolviam o mesmo objectivo da tarefa inicial: a construção de percentagens de cores.

5. O aluno seleccionou um elemento da capa escolhida. 6. O professor explicou como se recortava esse elemento.

7. De forma autónoma, ao lado do professor que lhe relembrou apenas três vezes as instruções, o aluno recortou digitalmente o elemento escolhido. 8. Numa folha diferente, o aluno alterou as cores do elemento gráfico

recortado, tendo atingido o objectivo proposto: a construção de percentagens de cor.

9. O aluno procedeu à medição da caixa do CD com o objectivo de desenhar digitalmente o cortante da capa.

10. Após a construção do cortante, preparou o documento para impressão.

11. Por fim, o aluno recortou com uma tesoura a capa do CD definida pelo cortante e adaptou-a na caixa vazia.

Avaliação da eficácia

Neste caso, a fonte de recolha de dados que possibilitou a avaliação da eficácia da intervenção foi um conjunto de indicadores quantitativos relativos à tarefa proposta, que para alem da classificação obtida se referiram à especiosidade da tarefa:

1. classificação final de 14 valores atribuída conjuntamente pelo professor do módulo e pelo professor responsável pela recuperação;

2. número de repetições das instruções por parte do professor que diminui para um terço em relação à primeira hora; e,

3. aquisição de mais competências para além da mistura de cores: selecção, recorte, medição

Em termos de indicadores qualitativos encontram-se a motivação do aluno e do professor da recuperação e o comentário do professor do módulo ao avaliar o trabalho autónomo do aluno: nunca imaginei que ele conseguisse memorizar e executar tanto!

Reflexão crítica

O caso ilustra o modo como uma tecnologia pode ser utilizada de forma a promover ou não a aprendizagem alunos com necessidades específicas. A eficácia da intervenção residiu no modo como esta foi utilizada de acordo com os princípios da inclusão e não tanto na selecção da aplicação adequada, A aplicação estava destinada à partida pela estrutura curricular do módulo. Contudo, a tarefa inicial proposta pela sua aparente simplicidade e pela possibilidade de aprendizagem de uma determinada competência através da repetição revelou-se pouco eficaz na persecução dessa aquisição. Como consequência, o professor responsável pela recuperação optou por utilizar uma tarefa diferente, com base nos interesses do aluno. Deste modo, a eficácia da intervenção deveu-se, em larga medida, à capacidade de decisão do professor, tal como sugere Angelides (2005).

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  104  A acção do professor baseia-se em quatro princípios inclusivos: a

crença de que todos podem aprender (Vygotsky, 1962); a crença de que todos podem aprender a ajudar-se a si próprios (Howley, Howley & Pendarvis, 1995); a oportunidade de escolha por parte do aluno numa determinada actividade proposta pelo professor (Cushing, Carter, Clark, Wallis, & Kennedy, 2009); e, ainda, a valorização da individualidade do aluno, aceitando-o por aquilo que ele é e não por aquilo que ele consegue ou não fazer (Bahia, 2003).

Em termos de generalização para outras situações escolares, esta intervenção levanta algumas interrogações na medida em que o que parece ter determinado a sua eficácia foi a capacidade de resposta inclusiva à situação por parte do professor. Um olhar crítico poderia colocar uma interrogação desafiante sobre o caso: até que ponto o desconhecimento que o professor tinha da capacidade de aprendizagem do aluno não determinou a eficácia da intervenção? Se o professor tivesse conhecido os insucessos anteriores do aluno, teria acreditado na sua capacidade. Possivelmente alguns professores teriam acreditado não obstante os insucessos mas possivelmente outros não teriam conseguido utilizar uma estratégia semelhante promotora da inclusão.

Caso 2 – Uma aplicação promotora do bem-estar pessoal e social

Problema

Universitária de 30 anos, estuda Psicologia depois de ter dedicado os últimos 15 anos às artes plásticas, tendo exposto individualmente várias vezes. Sofre de um tipo de Ataxia o que compromete seriamente a manipulação de materiais artísticos e a amplitude de movimentos manuais e a impede de realizar aquilo que gostaria de fazer em termos plásticos. O afastamento da expressão artística, em particular, da pintura foi acompanhado de sentimentos de tristeza.

Por questões logísticas, a estudante passa todos fins de tarde numa sala polivalente da Junta de Freguesia da sua residência tendo disponível um computador só para si durante esse período, com rato ergonómico adaptado à sua especificidade motora. No âmbito deste contexto comunitário, a estudante alterna estas três horas entre o estudo, a pesquisa de informação na

internet, a participação em fóruns de discussão e chats e os jogos de computador. Numa das suas pesquisas teve conhecimento de uma aplicação multimédia de expressão artística que permite fazer pinturas digitais. Entrou em contacto com um dos autores do presente artigo que procurou adaptar uma aplicação multimédia equivalente à situação específica da estudante.

Objectivo da intervenção

A intervenção visou adaptar a aplicação Painter da Coreldraw, versão 11 às características da estudante com o objectivo de proporcionar uma experiência que possibilite voltar a ter prazer na produção de uma obra de pintura.

Procedimento

Tendo como ponto de partida os trabalhos de pintura realizados pela estudante antes do agravamento da sua doença, procurou-se, em primeiro lugar, demonstrar que a aplicação, permitia a realização de uma obra gráfica em tudo equivalente aos trabalhos que a artista tinha realizado com materiais analógicos. Após a demonstração a estudante ficou motivada para experimentar a aplicação.

O segundo passo consistiu em adaptar o equipamento às especificidades motora da estudante no que diz respeito aos seus objectivos de expressão. Em termos mais concretos, adaptaram-se as teclas às funções da aplicação. Ilustrando, quando premida a tecla A disponibilizava a função ”aguarela” e a tecla P personalizava a espessura e forma do pincel. Por outro lado, como a função do rato não permitia mobilidade do traço, foi adquirida uma mesa digital com caneta que possibilitou, depois das devidas adaptações, a produção de pinturas digitais.

Avaliação da eficácia

Os dados foram recolhidos através do registo dos comentários que a estudante fez ao longo das sessões e do número de produções digitais produzidas ao longo desse período. Quando se apercebeu que a aplicação possibilitava a produção digital de imagens semelhantes às que havia em

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  105  tempos produzido analogicamente, a estudante mostrou surpresa e alegria,

proferindo a seguinte frase: “Parece um milagre!”, tendo após a primeira sessão confessado a um familiar que a aplicação lhe teria mudado a vida. A aplicação também permitiu que a estudante produzisse autonomamente pinturas digitais durante os fins de tarde estando a pensar em expor os seus trabalhos no espaço comunitário onde trabalha utilizando a impressão digital.

Reflexão crítica

Neste exemplo, o primeiro ganho foi o desenvolvimento por parte da estudante de um sentimento de auto-eficácia relativamente à possibilidade de pintar através de um suporte diferente – o digital.

Lato sensu a eficácia da intervenção reside numa resolução colaborativa de problemas a partir de tecnologias da informação e da comunicação. O que iniciou a intervenção foi um pedido feito pela estudante a um dos autores para disponibilizar uma aplicação informática semelhante à referida num artigo internacional online. A resolução colaborativa de problemas também esteve presente no modo como o tutor adaptou de forma ergonómica a aplicação e os dispositivos à pouca mobilidade da estudante. Contudo, para a adaptação ergonómica da aplicação às características específicas contribuiu, em larga escala, o conhecimento aprofundado que tutor tinha da aplicação, bem como a confiança de que a aplicação iria ser eficaz na persecução do objectivo proposto e a atenção aos movimentos mínimos que a estudante ia revelando como indicadores da manipulação do dispositivo. Aliás, a atenção aos detalhes muitas vezes pouco explícitos parece ter sido um dos factores mais determinantes no sucesso do uso da aplicação.

Consequentemente, o conhecimento específico no âmbito das tecnologias digitais e a sensibilidade do tutor patente na atenção aos detalhes da implementação da aplicação constituíram-se como determinantes para o resultado apresentado. A sua generalização a outras situações educacionais dependerá não tanto da aplicação em si, mas antes da capacidade do educador para a adaptar às especificidades do contexto.

Caso 3 – Uma intervenção ao nível da comunidade escolar e social

Problema

Ao longo de cinco anos lectivos consecutivos, orientadores de estágio, trabalhadores de empresas, alunos e estagiários de uma determinada escola do ensino profissional da Zona Centro apresentaram comportamentos e atitudes discriminatórias em relação aos alunos estagiários que apresentavam necessidades educativas. Estes comportamentos e atitudes foram registados pelos professores responsáveis ao longo das vistas e entrevistas com os orientadores do estágio bem como durante as sessões de supervisão com os estagiários. Com base nesses registos, os professores responsáveis pelos estágios da escola delinearam umas estratégias para diminuir práticas discriminatórias em relação.

Objectivo da intervenção

Em consonância com as directrizes da Declaração de Lisboa (CIAE, 2009) procurou-se conceber uma intervenção que desenvolvesse atitudes positivas face à diversidade e combater exclusão social tendo em vista a preparação para a vida em comunidade (Karagiannis et al., 1996). Em termos mais concretos realizou-se um filme para mostrar às empresas e aos alunos da escola algumas das competências adquiridas e utilizadas por ex-alunos estagiários com e sem necessidades específicas.

O objectivo geral desta estratégia consistia em mostrar o potencial dos alunos com especificidades e antecipar possíveis momentos críticos dentro de uma prática inclusiva em que não se contrasta a prestação dos alunos com e sem necessidades especiais mas antes se revela as competências adquiridas e utilizadas por uns e outros nos locais de estágio.

Procedimento

Os orientadores de estágios, colegas de trabalho no local do estágio, alunos e outros estagiários visionaram um filme de 8 minutos intitulado “Como ter sucesso no estágio?” na semana anterior ao início dos estágios. O documentário mostra oito alunos estagiários no desempenho do seu trabalho

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  106  na empresa. Quatro destes alunos apresentavam necessidades educativas

especiais (ataxia, síndrome do espectro autista, surdez) enquanto os outros quatro foram escolhidos aleatoriamente de entre os alunos sem necessidades específicas.

Avaliação da eficácia

Para avaliação do impacto da intervenção procedeu-se a entrevistas semi-estruturadas aos alunos com necessidades educativas especiais após o visionamento do documentário e, ainda, à análise das actas dos conselhos de turma que se seguiram. Tendo sido colocado em prática no ano lectivo transacto, o documentário pode ter contribuído para o menor número de ocorrências que os três alunos com necessidades educativas especiais em estágio relataram relativamente a práticas discriminatórias dentro e fora do local de estágio.

Para além deste indicador, um outro, também possuindo uma certa subjectividade, residiu no registo em nalgumas das actas dos conselhos de turma da escola de uma opinião favorável relativamente ao espírito de colaboração e de aceitação dos colegas. Este indicador sugere o desenvolvimento de atitudes que mostram aceitação das diferenças individuais e capacidade genuína de amizade (Power-deFur & Orelove, 1997).

A partir da partilha dos casos apresentados assinalou-se igualmente um conhecimento mais realista e aprofundado por parte de alguns dos professores da escola das características particulares de determinadas necessidade educativas. De salientar ainda a presença de menos dúvidas por parte dos orientadores de estágio em relação às expectativas acerca do desempenho dos estagiários com necessidades educativas.

Reflexão crítica

Após o visionamento do filme, a apresentação que os professores fizeram dos três estagiários nas empresas permitiu proporcionar uma visão mais clara dos pontos fortes e fracos dos alunos bem como antecipar futuras dificuldades. Consequentemente, o filme permitiu disseminar práticas

comunitárias não discriminatórias e mostrar as eventuais dificuldades de inserção social que os estagiários com necessidades específicas encontram, explicitando pistas para as ultrapassar. A possibilidade de dar uma visão mais realista do local de estágio constitui também uma forma de responsabilidade social.

Na medida em que o filme explicita as competências dos alunos com necessidades específicas e mostra como eles conseguem realizar um trabalho com um desempenho equiparável ao dos alunos sem necessidades especiais, a escola e as empresas manifestaram menos receio em acompanhar estes alunos. Numa sociedade que demasiadas vezes apenas tolera a diferença e pouco a aceita e valoriza (Bahia, 2003), mostrar as potencialidades destes estagiários e as mais-valias que podem trazer para os locais de estágio constitui uma forma de verdadeira aceitação de todos, independentemente das suas especificidades, garantindo a equidade na participação da vida social.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os três estudos de caso apresentados ilustram o modo como as tecnologias educativas podem constituir uma ferramenta facilitadora dos princípios da inclusão. Em todos eles as tecnologias foram seleccionadas e utilizadas em função da sua adaptação às características dos alunos com necessidades educativas específicas. As três ilustrações constituem, como propõem Thomas & Loxley (2001), uma resposta educativa às necessidades dos alunos com necessidades específicas que conjuga o respeito pelos seus direitos enquanto cidadãos e a aprendizagem de uma vivência num mundo de diferenças por parte dos vários parceiros do processo educativo.

Como refere a recente Declaração de Lisboa, a aplicação da inovação e do conhecimento representa um factor decisivo para o desenvolvimento humano, aprendizagens significativas, bem como uma oportunidade de acesso de todos à educação, ao conhecimento e ao bem-estar e justiça social (CIAE, 2009). Neste contexto, a promoção de estratégias que visem a universalização do acesso às tecnologias da informação e comunicação constitui uma aposta internacional forte com vista ao aumento de oportunidades de atenção à diversidade e às necessidades dos alunos que

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  107  assegurem a aquisição das competências básicas para o desenvolvimento

pessoal e o exercício da cidadania (CIAE, 2009).

Cada um dos três casos mostra como as tecnologias educativas podem fomentar a inclusão e desenvolver a interiorização de uma nova linguagem social a partir da facilitação da representação, organização e partilha do conhecimento aprendido (Harnard, 1991), mostrando o modo como as tecnologias educativas facilitam diferentes formas de expressão por parte de pessoas com necessidades educativas específicas. Em termos mais concretos, o primeiro caso mostra como a expressão, produção e comunicação de um novo conhecimento pode ser adquirido por alunos com dificuldades (Castells, 2007) e potencialmente ser promotor da autonomia. A combinação de diferentes canais de processamento da informação, em particular, gráficos e verbais, facilitaram a descoberta de informação, a apropriação autónoma do conhecimento e a interiorização de conceitos, consideradas por Moss, Hay, Deppeler, Astley & Pattison (2007) como uma das grandes vantagens das tecnologias. O caso apresentado em segundo lugar exemplifica como as tecnologias digitais podem substituir uma competência motora e proporcionar satisfação a uma pessoa com deficiência. Exemplifica também o modo como as tecnologias favorecem uma certa autonomia de expressão e de comunicação num caso quando existem sérios compromissos motores. O terceiro caso mostra como as tecnologias facilitaram a comunicação e interiorização de uma mensagem inclusiva conducente ao desenvolvimento de atitudes positivas face à diversidade, contra a exclusão e a discriminação, tendo em vista a inserção na comunidade de pessoas com necessidades específicas.

Estes exemplos ilustram como é possível recorrer às tecnologias para garantir uma acção formativa e favorecer o desenvolvimento global. Parafraseando, as tecnologias permitem melhorar as condições de vida de das pessoas com necessidades específicas e minorar a “divisória digital” (Warschauer, 2003). A premissa subjacente à utilização das tecnologias como promoção da inclusão refere-se, como sugere Angelides (2005), ao encorajamento da participação e da aprendizagem de todos. Os três exemplos mostram que nem sempre quem tem acesso às tecnologias tem competências para as utilizar, por não ter disponíveis adaptações individualizadas ou por não dominar as competências básicas.

A presente descrição permitiu também compreender que a eficácia de um recurso tecnológico como ferramenta de inclusão educacional não depende apenas da tecnologia propriamente dita, mas antes sua selecção por parte do educador bem como do envolvimento deste na tarefa e da integração do recurso e da tarefa (Benigno et al., 2007). As tecnologias constituem uma excelente ferramenta mas por si só não bastam: precisam de ser aplicadas num clima promotor da inclusão que permita a sua selecção e aplicação adequada e garanta a equidade na participação do processo de ensino e aprendizagem. Nesta lógica, uma implicação relevante dos três exemplos apresentados é consonante com o alerta de Lacey (2006): o apoio aos educadores é determinante para o sucesso das intervenções tecnológicas inclusivas, na medida em que os seus recursos pessoais dos educadores lhes permitem utilizar as tecnologias como ferramenta inclusiva e enfrentar o desafio da sua utilização.

Se de acordo com os objectivos da Declaração de Salamanca (1994) nenhum educador deverá abdicar dos princípios da inclusão e deve diligenciar os meios para que esta seja implantada nos diversos contextos educativos, então é importante incluir as tecnologias como uma ferramenta inclusiva. As tecnologias digitais podem, deste modo, ser um importante contributo para a tomada de decisões coordenadas, a execução descentralizada e a horizontalidade que, segundo Castells (2001) reflectem uma forma de organização “superior” da acção humana.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Revista EFT: http://eft.educom.pt  110  Abstract: Educational technologies and inclusion are two realities in today and

tomorrow’s school. However, the use of Information and Communication Technology as a means of promoting inclusive practices in education formal and non-formal contexts is still far from a reality, particulary in regards to the benefits of an inclusive philosophy (Karagiannis, Stainback & Stainback, 1996). Educational technologies when used in planned and theoretically grounded ways have the potential to make a contribution to promote positive attitudes towards diversity, enhance academic achievement, develop of a sense of community, and non-ableist beliefs, attitudes and practices. The present article presents three case studies that illustrate how educational technologies were used to promote the principles of inclusion in two different contexts. Each case is complemented by a grounded and critical reflection about its efficacy and its possible applicability in different educational contexts.

Keywords: "digital divide", ergonomics, visual expression, inclusion. Texto:

- Submetido: Dezembro, 2009. - Aprovado: Março, 2010.

Para citar este artigo:

Bahia, S., & Trindade, J. P. (2010). O potencial das tecnologias educativas na promoção da inclusão: três exemplos. Educação, Formação & Tecnologias, 3(1), 96-110. [Online], disponível a partir de http://eft.educom.pt.

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