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Implicações Jurídicas e Criminais da Inexistência de Visitas Intimas no Sistema Penitenciário Moçambicano

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Academic year: 2020

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Implicações Jurídicas e Criminais da Inexistência de

Visitas Intimas no Sistema Penitenciário Moçambicano

Autora: Joelma chiquite Gonçalves Olece Mestre em Criminologia, jurista e criminalista Docente da FCJC-ISCTAC, Técnica jurídica do IPAJ

Joelmaolece@gmail.com O presente artigo tem como objectivo a discussão, a cerca da importância das visitas íntimas dentro do nosso sistema penitenciário, a problemática de não implementação das mesmas, na nossa opinião é de extrema importância, pelo facto de ser um dos meios com o qual pode alcançar---se os fins das penas, assim como a salvaguardas dos preceitos nos termos do artigo 89º da CRM, a manutenção das famílias (as que tenham um dos cônjuges a cumprir alguma pena de prisão), a redução da reincidência e outros factores jurídicos e moralmente relevantes. Há que deixar bem claro que a nossa abordagem na cinge-se numa perspectiva de “privilégio”, mas sim de Direito.

Introdução

“Nesse mundo em que vivemos, cheios de imperfeições, todos nos estamos sujeitos a cometer erros. No momento, estou privado da minha liberdade, pois cometi um erro, e estou pagando por ele. Sabe princesa? Logo, logo, apenas três coisas farão parte da nossa relação: eu, você e o nosso amor. Beijos molhados, de quem não consegue viver um minuto sem você” – Carta remetida por recluso a sua companheira

S

egundo Priscila Spricigo, não se pode deixar de aplicar um Direito inerente ao ser huma-no, como é o exercício da sexualidade, pela precariedade das condições em que ocorre um Direito anterior a ele, como é o tratamento digno e a assistência durante a

exe-cução das penas.

Existem actualmente, varias dis-cussões relacionadas as condições do nosso sistema penitenciário, todas elas ligadas a visível violação dos Direitos humanos a que os reclusos são submetidos (um dos exemplos a questão da super lotação das celas), as justificações são de diversa nature-za (se administrativas ou ligadas as politicas Institucionais), nenhuma delas tira-nos o sono ao pensar nos Direitos da população prisional, tanto que decidimos trazer em debate a questão do Direito a visitas íntimas, ou por outra, a preocupação com a manutenção da vida sexual dos indi-víduos, pois se no nosso ordenamento jurídico não vigora a teoria retributiva (em ralação aos fins das penas), em algum momento a situação actual

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faz-nos pensar que embora de forma involuntária, colocamo--los ao critério de tal teoria (que encara a prisão como um sofrimento a que os indiví-duos devem ser submetidos, com objectivo de “pagarem” pelo crime que cometeram, muito ligada ao castigo, etc).

Será que todos nos conhecemos a real importância da actividade sexual na vida dos seres humanos? Em algum momento já nos passou pela cabeça que podemos estar a violar a Constituição da República? Que de alguma forma não estamos a agir de acordo com os fins da pena? Que podemos estar a contribuir para o “fracasso”, de algumas famílias Moçambicanas? A aumentar a práti-ca de relações homo afectivas den-tro das celas? O aumento do índice de sero prevalência do HIV dentro das penitenciárias? Será em torno dessas questões, que ira cingir--se a nossa discussão, com a qual preten-demos apenas fazer com haja uma necessidade urgente das visitas ínti-mas saírem dos papéis (projectos) e serem aplicadas.

1. Violação da Constituição da Repú-blica

A Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 89º versa em torno do Direito a Saúde, deixan-do bem claro que o mesmo não pode ser negado a nenhum cidadão dentro do nosso território, aparente-mente não há violação nenhuma, na medida em que os reclusos têm acesso a assistência médica e medi-camentosa, “a preocupação” com

tal Direito, pode verificada com a existência de postos médicos dentro das penitenciárias. Mas, com base no conceito de Saúde apresentado pela OMS, é o bem-estar físico e psíquico do indivíduo.

A questão de violação vem a tona mesmo na acenda do segundo elemento “bem-estar psicológico”, por acreditarmos que essa “privação da pratica da actividade sexual”, compromete de forma significativa a saúde mental dos indivíduos. Abram Mazlow (psicólogo renomado), em sua pirâmide coloca sexo na base (considerando como uma necessida-de fisiológica, tal como alimentar-se, etc).

Acreditando ter uma ligação directa com a mente e o comporta-mento do individuo, na medida em que a ausência pode causar estéria (deficiência no funcionamento nor-mal do sistema nervoso). Acredita-se que 72 horas é o máximo de tempo que o indivíduo consegue ficar sem que atinja necessariamente o estado acima citado, mas que depois disso, alguns sinais podem ser: stress, agres-sividade, irritabilidade, intolerância, dores de cabeça, depressão, etc.

Um estudo de 2013, do Hippo-campus percebeu que o sexo poten-cializa a heterogénese (processo de criação de novos neurónios), e melhora as funções cognitivas (pelo facto das relance sexuais, levarem a crescimento celular do hipocampo, que é a região de cérebro vital para memoria a longo prazo), Por causa disso, o sexo pode ajudar a prevenir a deterioração do cérebro que causa perda de memória e, eventualmente

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a demência. Não constante o facto de ser por nos conhecida a teoria da Biologia que diz que “todo o órgão do nosso corpo, quando não usado, tende a atrofiar”.

1.1. Como a falta de visitas íntimas pode influenciar na existência da Reincidência?

O código penal Moçambicano, no seu artigo 38º fala a cerca desse factor (reincidência), por se tratar de casos em que os indivíduos após sen-tenças transitadas em julgado por algum crime, comete outro crime de mesma natureza antes de terem pas-sado oito anos desde a condenação. Acreditamos, que pelos factos acima descritos, referentes as condições psi-cológicas em que os reclusos se encontram, faz com que muitos deles não se arrependam do crime pratica-do, pois o elevado nível de frustração não os permite, automaticamente fazendo com que não se alcance os fins das penas, pois o inverso seria em situações em que a reincidência não ocorre.

Segundo Cesare Bonesana, Mar-chese di Beccaria, se se proíbem aos cidadãos uma Porcão de actos indi-ferentes, não tendo tais actos nada de nocivo, não se previnem os cri-mes. Ao contrario, faz-se com que surjam novos, porque se mudam arbi-trariamente as ideias ordinárias de vício e de virtude, que antes se pro-clamavam eternas e imutáveis.

Incorre-se em grande contradi-ção quando se busca a correccontradi-ção e a ressocialização do delinquente e, ao mesmo tempo, ignora-se o proble-ma sexual ou pensa-se que o mesmo

na requerer uma atenção especial. A repressão ao instinto sexual propicia a perversão da esfera sexual e da per-sonalidade do individuo. Em fim, é impossível falar de ressocialização em um meio penitenciário que deforma e desnatura um dos instintos funda-mentais do Homem.

Para os que acreditam ser o exer-cício da sexualidade uma condição irrelevante para o coro e para a alma, tendo em vista que muitas prá-ticas e concepções ético-religiosas têm em sua abstinência a razão de ser, a justificativa não pode ser trans-passada para dentro das prisões, mesmo porque os seria uma a sua liberdade de escolha, uma imposi-ção que não existe ara o homem livre que com plena consciência dos seus actos opta pela repressão sexual.

2. Contaminação dos reclusos, pelo vírus do HIV dentro das penitenciárias

O sistema tem-se deparado com casos de aumento dos níveis de cero prevalência (exemplo, a penitencia-ria de Manica, revelou recentemente dados que sustentam a afirmação, mas a situação não é exclusiva), ain-da relativo ao tema ain-da nossa pesqui-sa, encontramos como uns dos moti-vos que possam justificar, o facto de existirem práticas de relações homos-sexuais dentro das celas (faz nos crer que é uma das vias de contamina-ção, na medida em que condições para outros tipos de contaminação tais como: por objectos cortantes “não estão criadas).

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contra esse tipo de relações, mas levantamos o debate na perspectiva de muitos deles não terem tendên-cias a esse tipo de comportamento antes da reclusão, o que leva a crer que desenvolvem dentro do sistema, como um dos únicos meios de satisfa-ção sexual disponível. E assim cami-nhamos para outro grande dilema que é o aumento do índice de sero prevalência em Moçambique, e suas implicações.

2.1.2 Necessidade de manutenção das relações do recluso com seus cônjuges

Os objectivos das visitas é o de garantir que haja uma manutenção das relações afectivas dos reclusos, uma vez que é fácil imagina o que será de uma relação (casamento por exemplo), Em que não há contacto sexual entre os cônjuges durante anos, sem duvidas, contribui para a manutenção dos vínculos afectivos por estes estabelecidos, influencia na reabilitação social, para além de contribuir de forma significativa ara o seu desenvolvimento pessoal e humano, além das vantagens na esfera física e psicológica, não obs-tante o facto de em todas se não na maior parte das relações na fidelida-de ser condition sine qua non para a sua existência, e colocando (em caso dos homens), a maioria expos-tos ao risco de uma disfunção eréctil segundo estudo publicado no Ameri-can Journal of Medicine em 2008, “Homens que praticam relações sexuais com pouca frequência, ten-dem a ter problemas com a erec-ção”, o que significa que mesmo

depois do cumprimento da pena os problemas com a sexualidade do casal terão tendências a existir.

Essas visitas são uma clara mani-festação do princípio da manifesta-ção da generalidade dos Direitos, liberdade e garantia dos reclusos. No nosso entender, tal facto, faz com que se mantenha o Direito a família (Constitucional). Para Moll (apud SPRICIGO), dois são os factores a serem considerados na sexualidade:

Um de ordem fisica, que é a impulsao de detumescência, c o n s t i t u i d a p e l o a l i v i o espasmodico dos orgaos sexuais e outro de ordem psiquica que se revela na impulsão de contacto e q u e s e m a n i f e s t a p e r l a necessidade de tocar, de beijar uma pessoa, geralmente do sexo oposto.

Betencout (1993, p. 185-189), aponta os resultados desvantajosos, para o recluso no que tange a inexis-tência da actividade sexual, para o seu processo de ressocialização, trazi-dos pela privação de relações sexuais nas prisões. Primeiramente, ressalta a problemática da abstinên-cia sexual de ponto de vista físico e psicológico, não gerando qualquer facto positivo, apenas operando transtornos de personalidade e forta-lecendo-se o temperamento, e as energias psíquica, ética e estética, que podem ser descarregadas em condutas inadequadas. Além disso, influencia na deformação da auto-imagem, gerando um questionamen-to sobre si mesmo e sua sexualidade pela ruptura da figura feminina ou masculina, provocando desajustes

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que impeçam ou dificultem o retorno a vida sexual anterior, provocadas elo sentimento de culpa, por relacio-namentos homossexuais dentro do cárcere, como ejaculação precoce, impotência, etc.

Reiterando práticas de homosse-xualismo forcado ou consensual que podem gerar frustrações, graves, desequilíbrios psicológicos e transtor-nos de comportamento sexual. Além disso, a abstinência sexual pode levar ao agravante social de destruição de relações conjugais. O índice de divórcios após a condenação de um dos parceiros é muito superior ao que ocorre entre casais que desfrutam da liberdade. Para o que permanece entre os muros da prisão, a expectativa de reinserção social após o desfazimento da união conjugal é afastada:

Para muitos internos a ruptura do seu lar pode significar uma profunda amargura e um grave i m p e d i m e n t o p a r a a ressocialização. A única coisa que poderia ter significado um f a t o r i m p o r t a n t e d e reabilitação, a manutenção dos laços familiares, está desfeita. É extremamente difícil que uma pessoa possa readaptar-se às portas de um lar destruído. (Burstein apud Bitencourt, 1993, p. 187)

Importante ressaltar aqui, os entraves para a pessoa do parceiro que se encontra em liberdade. De modo indireto, a depressão e alguns sentimentos como culpa, solidão, ansiedade e o isolamento

transpassam as fronteiras da prisão,

agravando a situação psicossexual de quem tem nos anos de espera o signo da eternidade. A realidade mostra, assim, uma verdadeira “re-personalização da pena”.

Considerações Finais

Concluímos que a preocupação com a sexualidade dos reclusos, deve ser olhada não somente como questões ligadas ao “prazer”, mas sim como necessidades fisiológicas que tem grande impacto em termos jurídi-cos e não só. Está mais do que na hora, de perceber que não se tratam de privilégios, mais sim de Direitos que advém de uma necessidade física e psicológica, e dos “estragos”, que algo aparentemente insignificante como o sexo, pode causar não só na vida de cada um deles, assim com o no sistema inteiro. Na medida em que de “forma inconsciente”, esta-mos a violar os Direitos dos cidadãos (Direito a Saúde nos termos do artigo 89º da CRM). A manutenção dos laços afectivos foi avançado como um dos principais factores que pos-sam contribuir para a pessoalizarão dos indivíduos, dai a necessidade de mante-los.

Há uma certa urgência no que concerne a aplicação dos projectos relacionadas as visitas íntimas, mas que o mesmo deve ser muito bem estudado não só em termos adminis-trativos, mas também no que concer-ne aos possíveis experiencias concer- negati-vas que teremos com a implementa-ção (a questão de haver lugar para o mercado da prostituição dentro das penitenciarias, ou de cobranças

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ilícitas para que os reclusos tenham acesso as mesmas, dentre outras), é necessário que olhemos para as experiencias dos outros Países que tenham implementado as visitas, que olhemos sempre na perspectiva da ressocialização dos indivíduos, ou seja, nos fins das penas. Que se cum-pram escrupulosamente as leis e que lutemos de todas as formas para uma sociedade melhor, buscando sempre a protecção das famílias que são as bases de todo o individuo. Concluí-mos ainda, que há um longo e árduo caminho pela frente, repleto de sucessos e fracassos, mas que n o final ira compensar pois sentiremos o alívio de ter retirado um grande fardo das “nossas costas”. E que sejam sempre salvaguardados os Direitos, sejam lá de quem forem.

Referencia Bibliográfica

Constituição da República de Moçambique – 2004, Imprensa Nacional, Maputo

Lei n.º 35/2014 de 31 de Dezembro. Aprova a Revisão do Código Penal de que, Boletim da República de Moçambi-que, Imprensa Nacional, Maputo.

Spricigo, Priscila Wieczorek. Visita íntima e ressocialização do preso. Revista Jus Navi-gandi, Teresina, ano 18, n. 3583, 23 abr. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/ artigos/24246>. Acesso em: 21 nov. 2016.

Referências

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