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CONFLITOS COM (E ENTRE) MENDICANTES NAS CIDADES E VILAS MEDIEVAIS PORTUGUESAS (SÉC. XIII)

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CONFLITOS COM (E ENTRE) MENDICANTES NAS

CIDADES E VILAS MEDIEVAIS PORTUGUESAS (SÉC.

XIII)

CONFLICTS WITH (AND AMONG) MENDICANTS IN THE MEDIEVAL

PORTUGUESE TOWNS (13TH CENTURY)

Catarina Almeida Marado

Núcleo de Estudos sobre Cidades, Culturas e Arquitetura Centro de Estudos Sociais

Universidade de Coimbra

Resumo: A instalação dos frades

mendicantes nas cidades medievais nem sempre foi um processo fácil. Nalguns casos, esses religiosos tiveram que enfrentar fortes entraves à sua fixação nos centros urbanos por parte do clero secular e regular. Por outro lado, tiveram também que lidar com a competição entre eles próprios. Tudo isto deu origem a importantes conflitos que se arrastaram por várias décadas. Este artigo pretende focar-se no tema da conflitualidade que a chegada dos frades mendicantes trouxe aos centros urbanos nos primeiros tempos da sua presença no território português. A análise, que se centrará nos conflitos que ocorreram no Porto, Guimarães e Santarém, procurará verificar os contextos, os motivos e os intervenientes, mas também as soluções encontradas para a resolução dos mesmos.

Palavras-chave: Conflitos, Cidades medievais portuguesas, Frades mendicantes.

Abstract: The settlement of the

mendicant friars in the medieval towns was not always an easy process. In some cases, these friars had to face strong obstacles to their establishment in the urban centers by the secular and regular clergy. On the other hand, they also had to deal with competition among themselves. All this give rise to important conflicts that persist for various decades. This paper will focus on the conflictuality that the arrival of the mendicant friars brought to the urban centers in the first period of their presence in the Portuguese territory. The analysis, which will be centered on the conflicts that occurred in Porto, Guimarães and Santarém, will try to verify the contexts, the motives and the actors, as well as the solutions found for their resolution.

Keywords: Conflicts, Medieval Portuguese towns, Mendicant friars

Os primeiros mendicantes (Franciscanos e Dominicanos) entraram em Portugal no início do século XIII. Ao longo desta centúria tiveram um rápido crescimento e no final dos anos de Duzentos tinham já um total de 24 casas em

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território português. Nestes primeiros tempos, estes frades fixaram-se nas maiores e mais importantes cidades e vilas, contando principalmente com a proteção e o apoio dos monarcas portugueses.1 Porém, em determinados núcleos urbanos

enfrentaram fortes oposições à sua presença, quer por parte do clero secular, quer por parte das ordens religiosas mais antigas, tendo também que competir entre si para a instalação nos espaços urbanos. Tudo isto deu origem a acesos conflitos, que se estenderam por várias décadas.

Na extensa bibliografia dedicada aos mendicantes e à sua instalação nas cidades europeias no período da Idade Média, a referência a episódios de conflitualidade com o clero secular são uma constante.2 O mesmo aconteceu em

Portugal, onde diversos estudos fazem menção às querelas que ocorreram em várias cidades e vilas portuguesas, como o Porto,3 Guimarães,4 Leiria,5 Estremoz,6

1 Sobre os apoios que os frades mendicantes receberam em Portugal ver MARADO, Catarina

Almeida. Arquitetura conventual e cidade medieval: a formação e os impactos dos sistemas urbanísticos mendicantes em Portugal (séc. XIII-XV). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018, p. 164-71.

2 Ver, entre outros, BRUZELIUS, Caroline. Preaching, Building and Burying: Friars in the medieval

city. London: Yale University Press, 2014; LAWRENCE, Clifford H. The friars: The impact of the mendicant orders on medieval society. London: I.B. Tauris, 2013; ROBSON, Michael. The Franciscans in the Middle Ages. Woodbridge: The Boydell Press, 2006.

3 Veja-se, por exemplo, SOUSA, Armindo de. Conflitos entre o bispo e a câmara do Porto nos meados

do século XV, sep. de Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, 2a série, n.º 1, Porto, 1984;

SOUSA, Armindo de. Tempos Medievais. In RAMOS, L. A. de Oliveira (dir.). História do Porto, 3a ed.

Porto: Porto Editora, 2000, p. 237-44; AFONSO, José Ferrão. O convento de S. Domingos e o plano urbano do Porto entre os séculos XIII e XVI. In: MARADO, Catarina Almeida (dir.). Monastic

architecture and the city. Coimbra, Centro de Estudos Sociais, 2014, p. 35-50; SILVA, Maria João

Oliveira e. Scriptores et notatores: a produção documental da Sé do Porto (1113-1247). Dissertação de Mestrado em História Medieval e do Renascimento, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto: [s. n.], 2006; MAIELLO, Vincenzo. Do território monástico à cidade

conventual: as ordens mendicantes e o espaço urbano no séc. XIII: uma aproximação ao caso português. Dissertação de mestrado em Desenho Urbano apresentada ao Instituto de Superior de

Ciências do Trabalho e da Empresa. Lisboa: ISCTE, 2005; MATTOSO, José. O enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas. In Obras Completas, vol.8. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002, p. 243-54.

4 Ver, por exemplo, FERREIRA, Maria de Fátima Falcão. Guimarães “duas vilas um só povo”. Estudo

de história urbana (1250-1389). Braga: CITCEM, 2010; FARIA, Francisco Leite de. Presença

franciscana em Guimarães. In Revista de Guimarães, 95, Guimarães, Sociedade Martins Sarmento, 1985, p. 147-50; ROSÁRIO, Frei António do. Convento de S. Domingos e a Colegiada de Guimarães. In Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. Actas, vol. 2, Guimarães, 1981.

5 Ver GOMES, Saul. O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média. In Itinerarium, XL, 1994,

Braga, p. 399-502; GOMES, Saul. Organização Paroquial e Jurisdição Eclesiástica no Priorado de Leiria nos Séculos XII a XV. In Lusitania Sacra, Revista do Centro de Estudos de História Religiosa da

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ou Santarém.7 Porém, nenhum deles se dedicou exclusivamente a esta questão.

Dando continuidade à investigação recentemente desenvolvida sobre a instalação dos frades mendicantes nas cidades medievais portuguesas, este artigo pretende focar-se especificamente no tema da conflitualidade que a chegada dos frades mendicantes veio trazer ao meio urbano. O seu objetivo é, portanto, analisar os conflitos relacionados com a instalação destes religiosos nas cidades e vilas portuguesas, nos primeiros tempos da sua presença neste território. Para tal, serão considerados aqueles que tiveram uma maior expressão, ou seja, os que ocorreram nas cidades do Porto, Guimarães e Santarém, com a intenção de analisar os contextos em que estes ocorreram, os intervenientes, as motivações e os seus resultados, assim como as soluções encontradas para a pacificação da presença dos frades mendicantes nestas cidades, se é que ela efetivamente ocorreu.

Os primeiros tempos das ordens mendicantes, nomeadamente da de São Francisco, foram fortemente marcados pela experiência eremítica. Como tal, os seus frades, apesar de dirigirem as suas atividades de pregação para os aglomerados urbanos, instalavam as suas casas, humildes oratórios, em locais remotos e isolados. Em Portugal, os primeiros assentamentos mendicantes traduzem precisamente este inicial modo de vida. Todos eles se realizaram, de forma precária, em ermidas preexistentes localizadas em sítios ermos e distantes dos aglomerados urbanos.8 As quatro primeiras casas que os Franciscanos

fundaram em Portugal por volta de 1217,9 em Coimbra, Guimarães, Alenquer e

6 SOUSA, Bernardo Vasconcelos (dir.). Ordens Religiosas em Portugal das origens a Trento. Guia

histórico. Lisboa: Livros Horizonte, 2005, p. 308.

7 ROSÁRIO, Frei António do. De Santarém, pelo tempo de Santo António, in Colóquio Antoniano,

Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1982, 73-91; MATTOSO, José. Estratégias da pregação no século XIII. In Ler história, 5, 1985, p. 105-18; MARADO, Catarina Almeida. Arquitetura conventual e

cidade medieval: Op. Cit.; MARQUES, José́. A pregação em Portugal na Idade Média: alguns aspetos.

In Via spiritus, 9, Porto, Universidade do Porto, Faculdade de Letras, 2002, p. 317-47.

8 MARADO, Catarina Almeida. From the hermitage to the urban monastic building: architectural and

geographical changes in the early friaries in Portugal. In SABATÉ, Flocel. BRUFAL, Jesus (ed.). Medieval Territories. Cambridge: Scholar Publishers, 2018, p. 237-49. p. 237-49.

9 Existem dúvidas quanto à data de entrada dos Franciscanos em Portugal. Frei Manoel da

Esperança refere que estes saíram de Itália em 1216 e que ainda nesse ano entraram em território português, fundando os eremitérios de Alenquer e Guimarães, enquanto outros autores defendem que estes frades chegaram apenas em 1217, na sequência da realização do Capítulo General de Assis que determinou a envio de religiosos para a Alemanha, França, Espanha, Portugal e também para a Terra Santa. Ver ESPERANÇA, Manuel da. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.

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Lisboa, ficaram todas a uma considerável distância desses núcleos urbanos.10 O

mesmo aconteceu como a primeira casa dos Dominicanos, fundada nesse mesmo ano, e que se situou no alto da Serra de Montejunto, a norte de Alenquer. Vivendo em sítios ermos, estes religiosos apenas se dirigiam para as cidades e vilas para desenvolverem as suas atividades de pregação, e tal como José Mattoso referiu, relativamente aos Frades Menores, estas comunidades eram neste tempo “consideradas simultaneamente edificantes e inofensivas pelas autoridades civis e

eclesiásticas”.11

Porém, o processo de clericalização que estas ordens sofreram a partir da década de 20,12 levou à alteração dos critérios de localização das suas casas, ou

seja, a partir dessa data os frades começaram a instalar-se, de forma definitiva, junto das cidades e vilas. Em Portugal, foi precisamente nessa década que começaram a transferir os seus primitivos eremitérios para o meio urbano e a fundar novas casas junto dos limites dos aglomerados. Em 1221, os Dominicanos transferiram o seu eremitério da Serra de Montejunto para junto da vila de Santarém e em 1227 instalaram-se em Coimbra, nos limites da área urbana. Em 1222, os Franciscanos deixaram a Ermida de Santa Catarina, que se situava num local isolado nas imediações do rio de Alenquer, para se instalarem nesta vila, mais precisamente no Paço de D. Sancha. Na década seguinte, os novos conventos franciscanos, fundados em Leiria, no Porto, Covilhã, Guarda e Estremoz, situaram-se todos junto dos limites destes núcleos urbanos, tal como os que estes frades instituíram até ao final dessa centúria, em Portalegre, Santarém, Évora, Torres Vedras, Beja, Bragança, Lamego e Tavira. Do mesmo modo, os conventos dominicanos fundados no decorrer desse século, no Porto, em Lisboa, Elvas, Guimarães e Évora, situaram-se também todos nas proximidades dos muros destas

Francisco na Provincia de Portugal. vol.I. Lisboa: Officina Craesbeeckiana, 1656-1666, p. 62 e

GOMES, Saul. 800 anos de presença franciscana em Portugal. In Itinerarium, LXIV, 2018, p. 21.

10 MARADO, Catarina Almeida. Arquitetura conventual e cidade medieval: Op. Cit., p. 110-11. 11MATTOSO. O enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas, p. 250. 12 BRUZELIUS, Caroline. The Dead come to Town: Preaching, Burying and Building in the Mendicant

Orders. In OPAČIĆ, Z. GAJEWSKI, A. (ed.). The Year 1300 and the Creation of a new European

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localidades.13

A partir do momento em que os frades procuraram fixar-se definitivamente nas cidades, os problemas começaram a ocorrer. No início da década de 30 desencadearam-se fortes oposições à sua instalação no Porto e em Braga, por parte dos bispos que detinham o senhorio destas cidades. No Porto, os frades, depois de vários confrontos, acabaram por conseguir instalar-se, mas em Braga, não conseguiram fundar nenhum convento no decorrer do período medieval.14

Também em Leiria e em Estremoz, os mendicantes, nomeadamente os Franciscanos, enfrentaram entraves à sua instalação. No primeiro caso, por parte dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra que detinham a jurisdição espiritual de Leiria e que em 1233 se opuseram à instalação destes religiosos nesta cidade.15 E no segundo caso, por parte da Ordem de Avis, que apesar de

inicialmente lhes ter doado a ermida de São Bento do Mato para que aí se acomodarem, entrou depois em conflito com eles.16 De entre este conjunto de

casos, o mais grave terá ocorrido no Porto.

Os confrontos com o bispo na cidade do Porto

Cidade episcopal deste 1120,17 o Porto teve um importante crescimento

económico e urbano na segunda metade do século XII em resultado do comércio marítimo. Esta conjuntura originou fortes tensões entre o poder episcopal, a burguesia e o rei, que se iniciaram nos princípios do século XIII e se estenderam por mais de dois séculos.18 Foi neste clima de conflitualidade que os primeiros

13Sobre as caraterísticas de localização dos conventos mendicantes ver AUTOR. 2018a, p. 119-41. 14 Nesta cidade apenas se estabeleceu um hospício de Franciscanos em 1273. ESPERANÇA. Historia

Serafica da Ordem dos Frades Menores, II, p. 3.

15 Sobre este assunto ver GOMES, O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média, e

ESPERANÇA. Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores, II, p. 357-70.

16 SOUSA. Ordens Religiosas em Portugal das origens a Trento, p. 308. ESPERANÇA. Historia

Serafica da Ordem dos Frades Menores, 1, p. 441-44.

17 Por doação de D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques) ao bispo D. Hugo, tendo sido integrada na

coroa em 1406.

18 COSTA, Adelaide Pereira Millán da. Projecção espacial de domínios. Das relações de poder no burgo

portuense (1385-1502). Tese de Doutoramento em Ciências Sociais e Humanas na especialidade de

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frades mendicantes se instalaram na cidade. Os Franciscanos foram os primeiros a chegar, em 1233 já se encontravam no burgo.19 Nessa mesma data foi-lhes cedido

um terreno para a construção do seu convento a poente das muralhas, no sítio da Reboleira, junto do núcleo ribeirinho. Porém, o bispo opôs-se à sua presença na cidade, o que deu origem a diversos confrontos. Os problemas terão começado ainda no tempo do bispo D. Martinho Rodrigues, mas foi o seu sucessor, D. Pedro Salvadores, que lhes dirigiu um feroz ataque.

Os Franciscanos estabeleceram-se no Porto durante uma ausência do bispo D. Martinho Rodrigues, alegadamente num local que pertencia ao couto da Sé, por doação de D. Teresa. Os cónegos da Sé tentaram impedi-los, mas sem sucesso, dado que os frades recorreram a D. Sancho II e este ordenou a continuação das obras. Ao tomar conhecimento do sucedido, D. Martinho Rodrigues ordenou a expulsão dos frades,20 mas os confrontos continuaram com o seu sucessor, o bispo D. Pedro

Salvadores. Segundo os relatos de Frei Manoel da Esperança, este bispo mandou saquear e incendiar o convento, embargou-lhes as obras evoltou a expulsá-los da cidade.21 Porém, os frades apresentaram resistência e queixaram-se ao papa

Gregório IX. Em resposta a estes ataques, este papa expediu um conjunto de bulas no ano de 1237 com o objetivo de defender os Franciscanos. As bulas Non est

industria Pastoralis, de 21 de maio, e In honor subditis, de 23 de Junho, por

exemplo, condenaram o bispo do Porto pelas suas ações e solicitaram ao arcebispo de Braga e aos bispos de Viseu e Lamego que intercedessem em favor dos Frades Menores, enquanto que as bulas Dilecti filii e Quos ilecti, ambas de 4 de Agosto, obrigaram D. Pedro Salvadores a benzer a primeira pedra do convento franciscano. Porém, a contenda manteve-se, dado que alguns anos mais tarde, a 1 de junho de 1241, o mesmo papa, através da bula Dolentes accipimus et referimos cum rubore, pediu também a intervenção do Arcebispo de Santiago para tentar resolver o problema.22

19 A bula Attendes dilecti filii, do papa Gregório IX, com data de 30 de maio de 1233, recomenda ao

bispo e ao cabido que auxiliassem os frades a obter terrenos para a sua instalação.

20 Ver SILVA. Scriptores et notatores: a produção documental da Sé do Porto, p. 26-9. 21 ESPERANÇA. Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores, 1, p. 397-405. 22 MAIELLO. Do território monástico à cidade conventual, p. 209.

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No entanto, e apesar de todos estes esforços por parte da Santa Sé, os Franciscanos viram-se obrigados a deslocar o seu convento para a outra margem do rio, instalando-se, segundo o cronista da ordem, “naquela mesma parte da outra

banda do Douro, para onde nos lançava, como ainda veremos, fez daí a poucos anos El Rei D. Afonso III a povoação de Villanova”.23 Aí permaneceram até 1244, data em

que conseguiram retornar à sua primitiva casa por ordem do papa Inocêncio IV, que anulou o anterior acordo e restituiu aos frades o local de onde haviam sido sido expulsos.24

Em 1237, enquanto decorria a disputa com os Menores, o bispo D. Pedro Salvadores dirigiu uma carta ao Capítulo Provincial dos Dominicanos em Burgos, pedindo que fundassem um convento na sua cidade.25 Para tal ofereceu-lhes igreja

já sagrada, casas e um pedaço de terra,26 situados no vale do rio da Vila, defronte

da Porta do Couto,27 num local um pouco mais acima do sítio onde os Franciscanos

se encontravam. Acolheu os primeiros frades e recomendou à cidade que os auxiliassem na construção do convento, oferecendo quarenta dias de perdão das penitências que lhes fossem impostas a quem colaborasse na obra.28 No entanto, o

bispo depressa se opôs também à presença dos Pregadores, proibindo-os de exercer as suas atividades pastorais na cidade. E tal como os Franciscanos, também estes frades recorreram ao papa. Em resposta, Gregório IX, no ano de 1238 expediu a bula Olim Venerabili que determinou o levantamento da interdição do bispo do Porto e encomendou a defesa do convento ao arcebispo de Braga D. Silvestre.29

Com essa mesma intenção, em 1239, D. Sancho II declarou-se fundador e padroeiro do convento,30 tendo-se posteriormente alcançado um acordo com o bispado.31 O

23 ESPERANÇA. Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores, 1, p. 401. 24 Ibidem. p. 404.

25 Nessa mesma carta descreve as conturbações que se viviam a norte do país, nomeadamente as

agressões a clérigos, paroquianos e às suas igrejas. Cf. SILVA. Scriptores et notatores: a produção

documental da Sé do Porto, p. 29.

26 CÁCEGAS, Fr. Luís de. SOUSA, Fr. Luís de. Primeira parte da Historia de S. Domingos particular do

reino, e conquistas de Portugal, I. Lisboa: Off. de António Rodrigues Galhardo, 1767, p. 287.

27 Esta porta ficou depois conhecida como Porta de Santana. AFONSO. O convento de S. Domingos e

o plano urbano do Porto entre os séculos XIII e XVI, p. 36.

28 CÁCEGAS. Primeira parte da Historia de S. Domingos, p. 289-90. 29 SOUSA (ed.). Ordens Religiosas em Portugal, p. 380.

30 CÁCEGAS. Primeira parte da Historia de S. Domingos, p. 296-97.

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edifício acabou assim por ser construído entre os anos de 1239 e 1245.32

Ao fixarem-se nas cidades, os mendicantes instalaram-se inicialmente em antigas ermidas, junto das quais levantaram precárias construções, mas a partir da década de 40, deram início à construção das suas próprias igrejas e dependências conventuais, intensificando as suas atividades pastorais nas cidades e vilas.33 Este

facto, deu origem a novos conflitos que eram essencialmente de âmbito pastoral e sacramental.34 A este respeito no Porto, por exemplo, os Dominicanos

envolveram-se numa nova contenda com o bispado no ano de 1253. D. Julião Fernandes, que sucedeu a D. Pedro Salvadores, numa queixa ao papa Inocêncio IV, acusava-os de “desrespeitar a jurisdição paroquial, provocando a ausência dos diocesanos nas

próprias paróquias, uma vez que lhes ministravam os sacramentos, permitiam a sepultura nas suas igrejas e os aliciavam a deixarem legados apenas àquelas, com prejuízos para os padres a quem não era dada respectiva porção canónica.”35

Os conflitos com a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães

Guimarães foi outro dos casos em que os mendicantes se envolveram em confrontos com as autoridades eclesiásticas, desta vez com a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Instituída na primeira década do século XII, esta colegiada teve origem no mosteiro duplex fundado por volta do ano de 950 pela condessa Mumadona Dias, e detinha o poder eclesiástico em Guimarães.36 Segundo Frei

Manoel da Esperança, terá sido nessa vila que, em 1214, São Francisco de Assis, aquando da sua peregrinação a Compostela, se terá encontrado com D. Urraca, esposa de D. Afonso II.37 Apesar de esta presença do Poverelo em Guimarães não se

32 Sobre o papel do convento dominicano no Porto ver AFONSO. O convento de S. Domingos e o

plano urbano do Porto entre os séculos XIII e XVI.

33 MARADO, Catarina Almeida. From the hermitage to the urban monastic building. Op. Cit..

34 José Mattoso, referindo-se aos Franciscanos identificou este período como o da “ofensiva

franciscana” e que terá decorrido entre 1245 e 1266. MATTOSO. O enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas, p. 250.

35 SILVA. Scriptores et notatores: a produção documental da Sé do Porto, p. 28.

36 Sobre a Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira ver RAMOS, Cláudia Maria da Silva. O Mosteiro e a

Colegiada de Guimarães, ca. 950- 1250. Dissertação de Mestrado em História Medieval, Faculdade de

Letras, Universidade do Porto, 1991.

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encontrar confirmada, este foi, no entanto, um dos primeiros centros urbanos para onde os Frades menores se dirigiram quando entraram em Portugal.

De acordo com os princípios de localização das primitivas casas franciscanas, em Guimarães, Frei Gualter fixou-se num sítio isolado, no Monte de Santa Catarina, a cerca de um quilómetro e meio dos limites da vila. A comunidade terá permanecido nesse local até por volta de 1271, data em que se mudou para junto do núcleo populacional.38 Um ano antes, os Dominicanos haviam-se chegado

a Guimarães a pedido das autoridades locais. Ficaram inicialmente hospedados na albergaria de São Roque,39 aceitando depois umas casas oferecidas por João Pirez

Arrudo no limite sudoeste da parte baixa da vila, mais precisamente na entrada da rua da Sapateira.40 No início do ano seguinte, os religiosos começaram a construir a

sua igreja que terá ficado concluída em 1297.

Os Frades Menores, por seu lado, fixaram-se numa albergaria chamada de Hospital do Concelho, situada a sul da zona baixa da vila, junto à porta da Torre Velha.41 À semelhança do que aconteceu no Porto, também aqui os Franciscanos

foram os primeiros a ser alvo de hostilidades por parte do clero. O cabido da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, opondo-se à sua instalação junto da vila, embargou-lhes por diversas vezes as obras e demoliu partes do seu edifício, tendo chegado a expulsar violentamente os frades.42 Porém, estes conseguiram resistir e,

em 1282, tal como no Porto, retomaram a construção do convento no mesmo local, tendo sido o arcebispo de Braga a benzer a primeira pedra da igreja.43

Apesar de se terem conseguido transladar para a vila, os conflitos entre estes religiosos e a Colegiada não cessaram. O acordo que firmaram em 1297 acerca da pregação nas igrejas da vila, que incluia também os frades Dominicanos, dá-nos precisamente conta disso, e o facto de ter sido retomado no ano de 1409,

38 Segundo Maria de Fátima Falcão Ferreira, a fixação dos religiosos neste local parece ter ocorrido

ainda antes de 1271. FERREIRA. Guimarães “duas vilas um só povo”, p. 316.

39 CÁCEGAS, Primeira parte da Historia de S. Domingos, p. 425. 40 FERREIRA. Uma Rua de Elite na Guimarães Medieval, p. 100. 41 ESPERANÇA. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores, p. 141.

42 Sobre os problemas que estes frades tiveram para se instalar em Guimarães ver ESPERANÇA.

Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores, p.141-149.

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demonstra que a questão não ficou pacificada.44 As dificuldades que os

Franciscanos enfrentaram em Guimarães terão atrasado a construção do convento, que se arrastou até aos finais do reinado de D. Dinis.

Paralelamente, e apesar desta questão, em Guimarães os mendicantes viram-se envolvidos num outro conflito, embora de forma indireta. Os conventos que construíram localizaram-se ambos no limite do núcleo extramuros que se situava a sul da ‘vila Alta’. Porém, alguns anos depois do início da sua construção, esta área foi envolvida pelas muralhas que se levantaram entre os reinados de D. Afonso III e D. Dinis, ficando os dois conventos do lado de fora do perímetro defensivo e extremamente próximo dos muros. Esta circunstância levou a que no início da década de 20 do século XIV estes edifícios servissem de apoio ao ataque à vila no decorrer da guerra entre D. Dinis e seu filho D. Afonso IV. Por essa razão, depois de terminado o conflito, o rei mandou demolir os conventos. Estes foram depois reedificados num outro local, a maior distância dos muros da vila, entre o final do século XIV e o início do XV.45 O novo Convento de São Francisco ficou

situado na parte baixa da sua cerca, enquanto que para o de São Domingos os frades tiveram que adquirir terras e fazer acordos com o concelho e com alguns dos seus vizinhos para conseguir espaço para a implantação do edifício.46

A competição entre Franciscanos e Dominicanos na vila de Santarém

Em Portugal, os mendicantes envolveram-se em conflitos não só com o clero secular, como nos casos anteriormente tratados, mas também com o clero regular, tal como o demonstram os problemas que enfrentaram em Leiria com os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e em Estremoz com a Ordem de Avis. Por outro lado, estes frades tiveram também desavenças entre si. O conflito que ocorreu em Santarém foi um desses casos. Nesta vila, Franciscanos e Dominicanos

envolveram-44 MARQUES. A Pregação em Portugal na Idade Média, p. 331.

45 MARADO, Catarina Almeida. From the hermitage to the urban monastic building. Op. Cit. p.

255-60.

46 Ver CÁCEGAS. Primeira parte da Historia de S. Domingos, p. 427-28 e ESPERANÇA. Historia

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se em disputas relativas a diversas questões.

As duas comunidades de frades mendicantes instalaram-se em Santarém na primeira metade do século XIII. Os Dominicanos no ano de 1221 e os Franciscanos por volta de 1242. Ao contrário do que ocorreu nas maiores e mais importantes cidades portuguesas, em Santarém os primeiros a estabelecer-se foram os frades Dominicanos.47 Vindos da Serra de Montejunto em 1221, estes religiosos

instalaram-se inicialmente em Montirás, no alto de uma elevação a nordeste das muralhas, mas alguns anos depois, alegando que estavam demasiado longe da área urbana, procuraram outro sítio, mais próximo da vila. Mudaram-se então para o lado oposto do perímetro amuralhado, instalando-se nas proximidades da Porta de Manços, perto da Ermida Nossa Senhora da Oliveira. Porém, em 1225 voltaram a trasladar-se e estabeleceram-se definitivamente na Ermida de Nossa Senhora da Oliveira, que se situava do lado norte, a poente da Porta de Leiria.48 Aí construíram

o primeiro convento da Ordem de São Domingos em Portugal, cuja construção decorreu pelo menos até 1257.49

Os Franciscanos chegaram apenas no início da década de 40 e fundaram o seu convento, com o apoio de D. Sancho II, do outro lado da Porta de Leiria, junto do edifício dos Trinitários, que desde o início do século se encontravam em Santarém.50 Os problemas terão começado com a chegada dos Frades Menores. De

acordo com o documento que procurou pôr fim aos conflitos,51 os

desentendimentos entre as duas comunidades de mendicantes eram fundamentalmente relativos a duas questões: por um lado as atividades pastorais e, por outro lado, a localização dos conventos na vila. Relativamente à primeira

47 Em Coimbra, apesar de os Dominicanos se terem instalado primeiro junto da cidade, já os

Franciscanos se encontravam na Ermida de Santo Anão dos Olivais, situada a cerca de dois quilómetros da cidade.

48 CÁCEGAS. Primeira parte da Historia de S. Domingos, p. 129. Ver ainda VASCONCELLOS, Ignacio

da Piedade e. Historia de Santarem edificada, que dá noticia da sua fundacao e das couzas mais notaveis nella sucedidas. Lisboa, 1740, 2, p. 46-7.

49 CUSTÓDIO, Jorge. Património Monumental de Santarém: Inventário - Estudos Descritivos.

Santarém: Câmara Municipal de Santarém, 1996, p. 121.

50 VASCONCELLOS. Historia de Santarem edificada, 2, p. 26.

51 Sentença-arbitragem entre Dominicanos e Franciscanos com intervenção do Mestre Geral da Ordem

dos Pregadores e arbitrada por Frades Menores. 1261. 17 de Novembro. Santarém. Tradução do latim

publicada em MATTOSO. Estratégias da pregação no século XIII, e versão em latim publicada em ROSÁRIO. De Santarém, pelo tempo de Santo António.

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questão, os Dominicanos diziam-se impedidos de pregar por duas razões: a “razão do lugar”, porque o lugar de pregação dos Franciscanos se situava mais próximo da vila; e a “razão do tempo e do lugar”, porque ambos pregavam à mesma hora e ficava próximo o lugar de pregação. No que se refere à segunda questão, a da localização dos conventos, os Dominicanos queixavam-se dos Franciscanos alegando que estes se tinham estabelecido perto do seu terreno, e ainda, que se instalaram entre eles e a vila. Para além disso, acusavam-nos também de tentarem ampliar o seu terreno na sua direção, confessando que tinham assumido a proteção da comunidade de reclusas que se encontrava junto do convento dos Franciscanos para desta forma deterem o avanço dos limites da sua casa na direção da deles.52

Em 1261, um acordo assinado entre as duas ordens mendicantes, com a participação do rei, procurou por fim às desavenças que marcaram os primeiros tempos da presença destas comunidades nesta vila.53 Este acordo definiu regras

para a pregação na localidade, estabelecendo a alternância na pregação, tanto nos seus locais como nas diferentes igrejas da vila, e definindo ainda normas relativas à assistência a enterros, à participação em procissões, e até ao conteúdo verbal da pregação, mas procurou também minimizar a discussão sobre a localização dos conventos, determinando a transferência das reclusas protegidas dos Dominicanos para outro local e proibindo a instalação de qualquer outra casas de religiosas ou religiosos nesse local.54

Desconhece-se se as regras relativas à pregação nesta vila foram efetivamente cumpridas, mas sabe-se, no entanto, que as reclusas tardaram a sair do local junto da casa dos Franciscanos. Só depois de 1287, data em que foi fundado o Convento de São Domingos das Donas, é que estas se transladaram para o novo edifício construído num terreno doado pelos Dominicanos, que ficava nas proximidades do seu convento. Por outro lado, sabe-se também que as disputas relativas aos limites das propriedades continuaram tendo-se mesmo intensificado à medida que os frades procediam à ampliação e reformulação dos seus edifícios,

52 MATTOSO. Estratégias da pregação no século XIII, p. 112.

53Sentença-arbitragem entre Dominicanos e Franciscanos com intervenção do Mestre Geral da Ordem

dos Pregadores e arbitrada por Frades Menores.

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dos perímetros das suas cercas, e dos espaços defronte das suas igrejas.55 Tudo

isto deu origem a novos conflitos. Em Santarém, concretamente, os desentendimentos continuaram, nomeadamente entre os Franciscanos e os Trinitários.56 A extrema proximidade entre as casas destas duas comunidades deu

origem a um conjunto de conflitos em consequência das contínuas ampliações que o Convento de São Francisco sofreu no decorrer desse século, e também nos seguintes. Um dos primeiros conflitos terá ocorrido a propósito da construção (ou da reconstrução) do alpendre da igreja dos Franciscanos no início da década de 80 do século XIII.57

Notas finais

Ao analisar o enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas em Portugal, José Mattoso referiu que as dificuldades que estes frades enfrentaram para se estabelecerem no Porto, em Braga, Guimarães, Leiria e Estremoz tiveram um denominador comum que foi o facto de todos estes centros serem dominados por instituições eclesiásticas, que ao verem o seu monopólio de poder ameaçado com a chegada destes religiosos se opuseram à sua instalação nas suas cidades e vilas.58 Esta terá sido a razão inicial para o desencadear dos

conflitos em que os mendicantes se viram envolvidos nestes locais. Por outro lado, as relações conflituosas entre os monarcas e alguns bispos, que nesse tempo marcaram a zona senhorial do país, particularmente as dioceses de Braga, Porto e Lamego, terão também certamente contribuído para o acentuar da hostilidade em

55 MARADO, Catarina Almeida. From the hermitage to the urban monastic building. Op. Cit., p.

151-60.

56 Sobre este assunto BEIRANTE, Maria Ângela Rocha. Santarém Medieval. Lisboa: Universidade

Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1980, p. 122 e p. 142-43; e VIANA, Mário.

Espaço e povoamento numa vila portuguesa. (Santarém 1147 – 1350). Casal de Cambra:

Caleidoscópio, 2007, p. 133.

57 Sobre esta questão ver ESPERANÇA. Historia Serafica da Ordem dos Frades Menores, p. 452;

PRADALIÉ , Gérard. O Convento de S. Francisco de Santarém. Santarém: Câmara Municipal, 1992, p. 34-9; BEIRANTE. Santarém Medieval, p. 122; VIANA. Espaço e povoamento numa vila portuguesa, p. 133.

58 MATTOSO. O enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas, p.

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relação aos frades.59

Porém, depois de vencidas as oposições à sua fixação nos aglomerados urbanos, foram as questões pastorais que se tornaram o principal centro da conflitualidade, não só com o clero secular, mas entre os próprios mendicantes. Tanto no Porto, como em Guimarães, como também noutras cidades, os frades entraram em conflito com o clero local acerca das atividades pastorais e sacramentais. Por outro lado, o caso de Santarém demonstra que as disputas se faziam também entre as duas ordens mendicantes, que inclusive competiam entre si pelas atividades de pregação, de assistência a procissões e a enterramentos, e ainda, de constituição de confrarias e capelas.

Apesar de nalguns casos estas tensões terem resultado em violentas agressões, quer aos frades, quer aos seus edifícios, elas acabaram por ser resolvidas com o apoio dos papas, com a intervenção dos monarcas, ou através de acordos entre os intervenientes, como no caso de Santarém, ou de Guimarães, onde as disputas pela pregação ficaram solucionadas através do estabelecimento de calendários de pregação.60

Embora os frades de São Domingos tivessem tido também alguns problemas na integração nas cidades e vilas portuguesas, foram de facto os Franciscanos os principais alvos da hostilidade do clero secular e regular, tanto no que se refere à instalação das suas casas, como no que diz respeito ao desenvolvimento das suas atividades pastorais. Porém, há que considerar que no período de maior oposição à instalação dos mendicantes, que decorreu na década de 30, os Dominicanos apenas fundaram uma casa no Porto, a convite do bispo, enquanto os Franciscanos se instalaram em cinco aglomerados urbanos (Leiria, Porto, Covilhã, Guarda e Estremoz) tendo, tanto quanto se sabe, enfrentado problemas em três deles. Em Portugal, assim como, de forma geral, nos restantes países europeus, as fundações

59 Relativamente aos problemas que os Franciscanos tiveram em Leiria, Saul Gomes refere também

que estes terão sido apanhados nas disputas entre o bispo de Coimbra e o Crúzios. GOMES. O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média, p. 404.

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franciscanas eram em muito maior número que as dominicanas.61 Por outro lado,

os Pregadores eram mais ponderados na decisão sobre as suas novas fundações. As primeiras constituições da ordem determinavam que para a instituição de uma nova casa era necessário, para além da autorização do capítulo geral, um grupo de doze irmãos.62 Para além disso, estes frades souberam também penetrar melhor

dos círculos de poder,63 verificando-se assim uma maior aceitação, e até apoio, à

fixação dos Frades de São Domingos por parte do clero secular.64

Outra fonte de conflitos foi a edificação das casas conventuais. Desde logo relativamente à sua localização. No caso do Porto, conforme relatámos, o bispo D. Pedro Salvadores, que não os queria na cidade, procurou afastá-los, obrigando-os a transferir a sua casa para a outra margem do rio, e em Santarém os Dominicanos queixavam-se da localização do convento dos Franciscanos por este se encontrar demasiado perto da vila e também da sua própria casa. A questão da localização dos conventos foi assim também origem de vários de problemas que a Santa Sé tentou resolver por meio do estabelecimento de regras que proibiam a construção de qualquer edifício religioso a uma distância mínima em redor de um convento mendicante, procurando assim distribuir de modo uniforme as várias casas religiosas pelo espaço urbano.65

O processo de construção dos edifícios conventuais deu igualmente origem

61 Para Portugal ver AUTOR. 2018a, p. 49, e para outros países europeus, como a frança, Inglaterra

ou Alemanha, ver LAWRENCE. The friars, p. 103.

62 LAWRENCE.The friars, p. 104.

63 Veja-se a este respeito o caso de Coimbra. GOMES, Saul António. As Ordens Mendicantes na

Coimbra Medieval: Tópicos e Documentos. In Lusitania Sacra, Nova Série, 1998, p. 149-215.

64 No Porto, como vimos, foi o Bispo que os convidou a estabelecerem-se na cidade, em Coimbra, o

bispo e o cabido foram favoráveis à sua instalação, e em Évora instalaram-se num terreno pertencente ao cabido. A partir da interpretação do caso de Évora, Hermínia Vilar refere que, enquanto os Franciscanos foram essencialmente apoiados por doações particulares, os Dominicanos foram apoiados pelo clero secular. VILAR, Herminia. Religión e identidad urbana: seculares y mendicantes en las ciudades del sur de Portugal en la Baja Edad Media. In JARA FUENTE, José Antonio (dir.). Ante su identidad. La ciudad hispánica en la Baja Edad Media. Cuenca, 2013, p. 280-81.

65 O Papa Clemente IV começou por atribuir este tipo de privilégio individualmente, mas em 1265

estendeu esta regra a todos os conventos dominicanos e franciscanos, proibindo a construção de outras casas religiosas nas suas proximidades numa extensão de pelo menos 300 cannes. Três anos depois alargou este privilégio a todos os mendicantes e reduziu a distância para 140 cannes. Sobre este assunto ver MARADO, Catarina Almeida. Sharing the city: the establishment of mendicant houses in Portuguese medieval towns. In The Journal of Medieval Monastic Studies, 4, 2015, p. 47-77.

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a muitos diferendos, não só pela competição que existia entre as várias ordens mendicantes no sentido do engrandecimento dos seus conventos,66 mas também

pela definição dos seus limites que, em alguns casos, como o dos conflitos que os Frades Menores tiveram em Santarém com os seus vizinhos Trinitários, que se prolongaram pelos séculos seguintes, em resultado do continuo alargamento do convento franciscano e do seu alpendre.67

Apesar de sempre terem existido episódios de conflitualidade no seio das instituições eclesiásticas, a nova forma de religiosidade praticada pelos mendicantes e a forte aceitação que esta teve por parte das populações criou fortes tensões entre os frades e o clero secular que até então detinha o domínio da vida religiosa nos centros urbanos. A instalação dos mendicantes nas cidades e vilas produziu assim um aumento do nível de conflitualidade que, apesar de ter tido um ponto alto no século XIII, se manteve ao longo dos séculos seguintes. De facto, e apesar de várias intervenções da Santa Sé, e também do poder real, os conflitos continuaram no decorrer das centúrias seguintes, quer em consequência da instalação de novas casas religiosas, quer no diz respeito à construção dos edifícios mendicantes, quer ainda no que se refere ao desenvolvimento das atividades pastorais. Relativamente a este último aspeto, veja-se por exemplo o caso de Guimarães, onde, apesar do acordo estabelecido entre as duas ordens mendicantes e a Colegiada em 1297 relativo à pregação nas igrejas da vila, os conflitos que decorriam desde a chegada dos mendicantes prolongaram-se pelas duas centúrias seguintes;68 ou do Porto, onde os frades mendicantes tiveram, ao longo dos séculos

XIV e XV, várias disputas com o bispo e os cónegos da Sé relacionadas com os sepultamentos, com a participação nas procissões, e com a ereção de confrarias;69

66 Veja-se por exemplo, COOMANS, Thomas. Architectural Competition in a University Town: The

Mendicant Friaries in Late Medieval Louvain. In OPACIC, Zoe; TIMMERMANN, Achim (ed.).

Architecture, Liturgy and Identity.Turnhout: Brepols Publishers, 2011, p. 207-20.

67 Sobre outros episódios de conflito entre estes frades em Santarém ver BEIRANTE. Santarém

Medieval, p. 142.

68 Relativamente a este assunto ver MARQUES. A Pregação em Portugal na Idade Média, p. 331-37.

Ver ainda FERREIRA. Guimarães “duas vilas um só povo”, p. 322. Sobre este assunto ver também ROSÁRIO, Convento de S. Domingos e a Colegiada de Guimarães, p. 60-1.

69 Sobre os diferendos no Porto ver AFONSO, José Ferrão. “A imagem tem que saltar”: a igreja e o

Porto no século XVI (1499-1606). Um estudo de história urbana. Lisboa: Fundação Calouste

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ou ainda, de outras cidades, como Évora, onde os Menores mantiveram conflitos com as igrejas paroquiais sobre o repartimento das doações dos fiéis e sobre a administração dos sacramentos.70

Artigo recebido em 30.04.2019 Artigo aceito em 15.06.2020

Das relações de poder no burgo portuense (1385-1502), p. 348-49; CURADO, Maria Salomé. O conflito entre o mosteiro de S. Domingos e o cabido da cidade do Porto a propósito da Confraria de Jesus no século XV. Trabalho de seminário policopiado. Porto, Universidade Portucalense, 1986.

70 Sobre as relações entre o clero secular e os mendicantes em Évora ver VILAR. Religión e

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