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Contextos e Estratigrafia do Núcleo C do Concheiro de São Julião

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(1)

CÂMARA

MUNICIPAL

DE MAFRA

São Julião

Núcleo C do Concheiro Pré-Histórico

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São Julião

Núcleo C do Concheiro Pré-Histórico

Cadernos de Arqueologia de Mafra

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Autores:

Ana Catarina

Sousa

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António Monge Soares

Marta Miranda

Paula Fernanda Queiro

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Wim Van Leeuwaarden

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CÂMARA MUNI CIP AL DE MAFRA

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A colecção Cadernos de Arqueologia de Mafra tem como objectivo a publicação monográfica de números dedicados a sítios arqueológicos do concelho de Mafra e/ou a uma temática específica sobre esta área. Apresentar a informação recolhida em trabalhos arqueológicos

à comunidade científica e ao

público em geral é um dever de todos os que fazem Arqueologia, obrigação reforçada pela legislação em vigor para os Trabalhos Arqueológicos.

O segundo número da colecção é dedicado ao núcleo C de São Julião, onde entre 1999 e 2001 o Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Mafra efectuou uma intervenção arqueológica de emergência.

Ficha Técnica

PROPRIEDADE E EDiÇÃO Câmara Municipal de Mafra

CAPA

Concha de Cerastoderma edule Fotografia: Victor S. Gonçalves Desenho: Ana Neves

CONTRACAPA Praia de S. Julião Fotografia: Paulo Pitacas

COORDENAÇÃO DA COLECÇÃO Ana Catarina Sousa

© Os autores e CM.M. DESIGN Artlandia IMPRESSÃO Gráfica Europan DEPÓSITO LEGAL n.º 212046/04 ISBN· 972-8204-36-1 500 Exemplares Mafra. 2004

FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia M1Nl~"IflUÚ U.\ tlt,\C1A 10 00 ENSINO WPBUOR

Apoio do Programa Oper,!cional Ciênda, Tecnologia, Inovação do Quadro Comunitário de Apoio III

(4)

II

Sumário

Nota

prévia do Presidente da

Câmara

Municipal de Mafra,

Eng.º José Maria Ministro dos Santos

I - Contex

t

os e Estrat

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r

afia do Núcleo C do Concheiro de São Julião

Ana Catarina Sousa

1.

História

da investigação

1.1. Trabalhos prévios

1.2. Trabalhos desenvolvidos pelo Gabinete de Arqueologia da CMM 1.2.1. Campanha de '999

1.2.2. Campanha de 2001 1.2.3. Estudos

2.

Enquadramento

espacial

2.1 Localização

2.2. Os núcleos de São Julião 2.3. Geomorfologia

3. Estratégias de intervenção

3.1. Metodologia

3.2. Descrição da campanha de '999 3.3. Descrição dos trabalhos em 2001 4. S. Julião C: Estratigrafia

4.1. Destruições post·deposicionais

4.2. Reconstituição da sequência estratigráfica original

5. Estruturas 5.1. Descrição 5.2. Que estruturas 5.3. Densidade de ocupação 5-4. Indústria lítica 5.5. Ecossistemas explorados

II - Crono

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António Monge Soares Ana Catarina Sousa

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111-

Gastrópodes e Bivalves: Quantificações e Análises da Malacofauna de São Ju

li

ão C

83

Marta Miranda

IV - Estudos de Arqueobotân

i

ca no Concheiro de São Julião (Mafra)

Paula Fernanda Queiroz

Wim Van leeuwaarden

V - São Julião C e os últimos caçadores-recolectores no território português

Ana Catarina Sousa

117

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Contextos e Estratigrafia

do Núcleo C do Concheiro

de São Julião

Ana Catarina Sousa

Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Mafra

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Cadernos de Arqueologia de Mafra - São Julião

História da investigação

1.1. Trabalhos prévios

Identificação

A identificação de São Julião remonta a 1985 aquando do estudo geomorfológico efectuado por Ana Ramos Pereira e E. Borges Correia (Pereira e Correia, 1985). Nesse estudo refere-se pela primeira vez a

presença de um nível arqueológico (conquífero) junto ao edifício da Colónia Balnear.

Escavações arqueológicas

Em 1986. José Morais Arnaud em colaboração com Ana Ramos Pereira efectua uma primeira campanha de escavação, sendo então realizadas curtas sondagens em dois núcleos, designados por São Julião

A e B. Os resultados desta intervenção encontram-se apresentados em estudos globais (Arnaud, 1986a). Tive também acesso ao Relatório dos Trabalhos Arqueológicos, de 1986 (Arnaud, 1986b) apresentado

por José Arnaud

à

Câmara Municipal de Mafra e depositado na Biblioteca Municipal de Mafra.

Aquando da primeira intervenção, estes investigadores salientam as ameaças que rodeiam esta esta

-ção: a construção de uma ponte, o acesso para a praia e a vedação de área anexa à Colónia Balnear. Estas ameaças levaram a uma intervenção de emergência em 1987 efectuados por Ana Ramos Pereira e José Arnaud. Foram então ampliadas as áreas de escavação de São Julião A e B, minimizando o impacto das obras de demolição das construções clandestinas.

Estes trabalhos foram apresentados em 1994 na Informação Arqueológica n.º 9 (Arnaud e Pereira, 1994)

e os seus resultados são inseridos em abordagens globais do Mesolítico (Arnaud e Gonzalez, 1991; Arnaud, 1993) incluindo as datações radiocarbónicas.

É ainda referida "uma pequena campanha de escavações" em 1988 dirigida por José Morais Arnaud e Ana Ramos Pereira (Arnaud, 1993). Foi consultado o Relatório dos

Trabalhos Arqueológicos de 1988 CArnaud, '988), no arquivo do Instituto Português de Arqueologia.

As datações têm vindo a ser publicadas (Araujo, 1998) e serão objecto de uma análise na parte I deste volume.

Contextualização arqueológica da área

As praias levantadas da Estremadura desde há muito que têm sido objecto de estudos geo-arqueológicos efectuados pela escola dos Serviços Geológicos de Portugal. Foram definidas três estações junto

à

Ericeira:

• Praia A: área entre a foz do Falcão e a foz do Lisandro;

• Praia B: Ericeira;

• Praia C: Forte de Milregos.

Na zona da Praia A, no morro de São Julião, referem-se recolhas de

"mate-riais musterienses" e "acheulenses". Carlos Penalva retomou essa iden-tificação inicial e efectuou uma caracterização de uma suposta ocupa-ção antiga, "acheulense" neste local. A indústria títica integra seixos talhados unifaciais e bifaciais. Não sendo este o local propicio para tecer considerações sobre a problemática geomorfológica das "praias levan-tadas" e das dúvidas colocadas por alguns investigadores sobre a natu-reza antrópica dos materiais, é admissível a presença de uma ocupação paleolítica no topo do morro de São Julião, situação confirmada com as recentes prospecções efectuadas no local pelo Gabinete de Arqueologia.

Para os momentos imediatamente anteriores às ocupações de São Julião existe um deficit de informação. Quanto ao Mesolítico, a maior

parte dos sítios identificados na região remontam ao Boreal. A maior parte dos sítios identificados apresenta um posicionamento sobre a costa atlântica CMagoito, Toledo, Curral Velho, Ponta da Vigia),

Fig. 1: Sítios do Mesolítico inicial na Estremadura. (Araújo, 1998) 1-Vale Frade; 2- Toledo; 3- Ponta da Vigia; 4-Cabeço do Curral Velho; 5- Pinhal da Fonte; 6-São Julião; 7-Magoito

(8)

Fig. 2: Vaso Neolítico de Sao )uliao. Falo Victor S. Gonçalves - 02(03)·20

existindo uma esparsa ocupação na zona do Maciço Calcário (Gruta do Casal do Papagaio, Areeiro 3 e CPM). Este mapa de distribuição parece condicionar uma perspectiva da ocupação deste território onde os recursos aquáticos assumem uma importante expressão. Esta distribuição poderá ser o resultado de deficiências de prospecção e da maior visibilidade dos depósitos conquíferos face a outro tipo de sítios arqueológicos (Araújo, 2003).

Magoito tem sido sistematicamente associado a São Julião, considerando a semelhança da sua forma-ção sedimentar, a sua proximidade geográfica e a relativa sincronia destas estações. Ambas apresentam um nível conquífero antrópico entre duas gerações de dunas numa cronologia do tardi-glaciar. Contudo, uma análise atenta parece indicar que se tratam de situações distintas uma vez que em nenhum dos troços do nível conquífero de São Julião se identificaram vestígios de duna consolidada e as datas obtidas os colocam em patamares cronológicos diferenciados, separados por milénios.

Para além da ocupação mesolítica, 5. Julião apresenta ainda uma ocupação do Neolítico antigo. Um vaso inteiro foi recolhido aquando das obras da Colónia Balnear, tendo sido publicado (Gandra e Caetano, 1996) e estando depositado na Reserva Municipal.

A publicação e leitura crítica deste vaso (Simões, 1999) tornou incontornável a presença de vestígios mais recentes nesta estação arqueológica, eventualmente associados a níveis de concheiro. Este vaso praticamente intacto apresenta uma forma em saco, com decoração incisa, dois mamilos e duas asas bífidas implantadas sob um cordão plástico.

O aparecimento isolado de um vaso integrável cronologicamente no Neolítico antigo, encontra vários paralelos, nomeadamente no vaso do Cartaxo e de Santarém.

Verifica-se assim a existência de duas fases de ocupação: Epipaleolítico/Mesolítico e uma fase do Neolítico,

à

semelhança do que sucede em Magoito (Soares, 2003).

1.2.

Trabalhos desenvolvidos pelo Gabinete de Arqueologia da CMM

1.2.1.

Campanha de '999

Estado prévio

Numa deslocação que efectuámos a São Julião no Carnaval de 1999, foi detectada uma situação de emer· gência, sendo identificados níveis arqueológicos em perigo de derrocada, salientando-se desde logo uma lareira com carvões, termoclastos e grande acumulação conquífera. A descrição correspondia de

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algum modo com a realidade descrita por José Arnaud e Ana Ramos Pereira em São Julião B (Arnaud e Pereira, 1994), numa área afectada pela construção de uma casa clandestina nos anos 70.

Com a demolição desta casa em 1999, ficaram à vista os níveis conquíferos. Os trabalhos de demolição e de remo-ção de terras com retroescavadora não afectaram signi-ficativamente a área, mas a exposição aos elementos naturais (mar e chuvas) fragilizaram imenso os vestígios arqueológicos.

Perante esta situação registada fotograficamente o

IPA foi imediatamente informado, na pessoa do

Sr. Sub-Oirector Eng. Monge Soares. A degradação tor-nava necessária uma intervenção rápida, sobretudo para a lareira que gradualmente foi sofrendo derrocadas cons-tantes. Como medida de prevenção a área foi vedada com uma cerca delimitadora em madeira e foi devida -mente assinada com um cartaz explicativo. Em Julho, o IPA solicitou

à

Câmara Municipal de Mafra a realização de uma intervenção arqueológica, pedido que foi imedia-tamente respondido.

Objectivos da intervenção

Considerando o perigo de derrocada, a intervenção arqueológica foi planificada segundo dois tipos de objec-tivos:

1. Caracterização

Definir a extensão, estratigrafia, morfologia, cronologia, Funcionalidade do núcleo C de São )ulião. Para estes objectivos tornou-se necessário abrir uma área -amostragem significativa, com a escavação integral de sectores específicos.

2. Salvamento

Efectuar o imediato registo e salvamento das áreas ame-açadas, nomeadamente da lareira identificada desde o primeiro reconhecimento.

Trabalhos efectuados

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A escavação foi iniciada em 15 de Julho, tendo sido efectuados 19 dias de trabalho de campo.

A equipa em campo incluía em média cerca de 13 elementos.

Direcção: Ana Catarina Sousa Co-direcção: Marta Miranda

Monitores (coordenação de grupos de trabalho, registo

e

desenho de campo):

Nuno Mota (lie. História, variante de Arqueologia), Rita Gaspar, Alexandre Gonçalves, Alexandra Valente (estudantes História, variante de Arqueologia), Jorge Carvalho.

Jovens concelhios

Qavens do concelho de Mafra enquadrados no programa «Jovens em Acção» da Câmara Municipal de Mafra com pagamento de bolsa e seguro):

Diana Alexandra Monteiro Nepumoceno, Bruno Filipe Nepumoceno Barata, Diogo Miguel da Costa Marques, Oora Rita Miranda Esteves, Eliana Sofia dos Santos de Castro, Flávio André da Silva Baptista, Mara Filipa Teodoro Jacinto. Mariana Oliveira da Silva, Vanda Cristina Dias Fernandes, Walter Martins Pires dos Santos, Tânia Isabel Simões Peralta.

(10)

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Fig.

s:

Inicio da fas!! de limpeza 77(2001) 10

1.2.2. Campanha de 2001

Estado prévio

Logo após o final da escavação em 1999 ficou evidente a fragilidade desta área, completamente des-protegida após a demolição da casa.

Desde então que a destruição se foi acentuando. Com efeito, as chuvas e escorrimentos "escavaram" uma vala que cortou a área onde se implantava a lareira 2 C. Esta vala foi posteriormente preenchida com areia.

Um dos contextos incluídos na área aberta em 1999 (UE 20), apesar de exposto à erosão Gá tinha sido

remo-vida a camada superficial) apresentava-se muito bem conservado.

A área encontrava-se coberta por muitos detritos e areia, mas os contextos arqueológicos

encontravam--se relativamente bem preservados. Objectivos da intervenção

Considerando a situação acima descrita, a segunda campanha de escavação foi pautada pelos seguin

-tes objectivos:

1. Conclusão de trabalhos em curso

As lareiras situadas na plataforma inferior foram parcialmente escavadas em 1999. uma vez que se estas se prolongavam para dentro da área balnear. Tornou-se então necessário avaliar a extensão dos vestí

-gios arqueológicos. 2. Abertura de novas áreas

No final da campanha de 1999 foram escavadas três áreas de combustão. Na área aberta encontrava-se ainda uma quarta área que não foi possível escavar. Em 1999 tornou-se absolutamente necessário

pro-ceder à escavação desta área sob risco de ser completamente destruída no Inverno.

Também as áreas fora da área delimitada pela cerca de madeira, se afiguravam como pontos essenciais

(11)

Trabalhos efectuados

A escavação foi iniciada a 17 de Julho, tendo decorrido até 30 de Agosto de 2001 com uma média de 15 partici-pantes.

Direcção: Ana Catarina Sousa (CMM) Co-direcção: Marta Miranda (CMM)

Coordenação de campo: Alexandra Valente (lic. História,

variante de Arqueologia)

Monitores (coordenação de grupos de trabalho, registo

e desenho de campo): Ana Patrícia Madeira, Ana Sofia Duarte, Catarina Mendes, João Teresa, Lúcia Miguel, Marisa Cardoso, Rita Gaspar, Teresa Pereira (estudantes de História, variante de Arqueologia da Faculdade de

Letras de Lisboa); Valter Ventura (estudante de História,

variante de História de Arte da Faculdade de Letras de

Lisboa).

Participantes: Nuno Mota (lic. História, variante de Arqueologia), Marc Suarez Casais e José Logica Vallverdú

(UniverSidade Pompeu Fabra - Barcelona, Espanha), Marta

Lagoa.

Auxiliar: Tânia Isabel Simões Peralta (CMM).

jovens concelhios Govens do concelho de Mafra enqua·

drados no programa «Jovens em Acção» da Câmara Municipal de Mafra e do Instituto Português da Juventude): Ana Luísa, Bruno Catalão, Catarina, Cátia Alves, Cátia Rodrigues, Cristiana Araújo, David, Lara Rodrigues, Mário Simões, Marta Matias, Paula Matias, Pedro Ramos, Raquel Martins, Sara Canas, Sílvia Gomes, Vera Guedes.

1

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2.3. Estudos

Os trabalhos de laboratório foram efectuados no Gabinete de Arqueologia, tendo sido efectuado por Tânia Simões

(Gabinete de Arqueologia de Mafra) e Rita Gaspar (estu·

dante da variante de Arqueologia).

Agradece-se o apoio prestado pelo Eng. Monge Soares, cf',,'o-'.',,' v"",:::',,,'''''':::''::.d':..:'::.o''::':..:'o:::',:::'':..:'":::':::'o:::"':::d''----_ _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ --j que possibilitou a realização de seis datações

radiocar-bónicas no Instituto Tecnológico e Nuclear.

No quadro do protocolo com o Instituto Português de Arqueologia - Centro de Investigação em Paleoecologia Humana, foi efectuado o projecto de antracologia Do Tardi Glaciar ao Atlântico: Paisagens da Plataforma

Litoral a Norte da Serra de Sintra sob a responsabilidade da Or.ª Paula Queiroz. Agradece-se ainda

a

(12)

Enquadramento espacial

2.1 Localização

O sítio de São Julião localiza-se administrativamente na freguesia da Carvoeira, concelho de Mafra (distrito de Lisboa).

Coordenadas Gauss (CMP 402 - '96') m - 88.6

P - 219. 2

Coordenadas Geográficas segundo o Datum de Lisboa;

W 10' 22'33"·339

N 36'56'41".516

Situado na margem direita (arriba Norte) da Ribeira do Falcão, São Julião marca o limite meridional com o con-celho de Sintra. Na área vestibular, esta estação situa-se junto

à

actual linha de costa_

2.2.05 núcleos de São Julião

Toda a margem direita da Ribeira do Falcão (concelho de Mafra) apresenta níveis de concheiro, mas a inves-tigação arqueológica distinguiu três núcleos, designa-dos alfabeticamente.

A individualização de três núcleos (A, B e C) funciona como instrumento de análise do sítio, com coerência metodológica_ A coerência funcional e cronológica destes três núcleos continua ainda por atestar. Independentemente da individualização de núcleos, a morfologia da ocupação do sítio pressupõe uma extensa área sucessivamente ocupada: toda a margem direita da Ribeira do Falcão (uma extensão com cerca de 800 m).

Também para outros sítios deste tipo se verifica uma extensa área de dispersão de material, como para o sítio de Toledo onde se regista 1000 m2 de extensão (Araújo, '998).

O núcleo apresentado neste volume corresponde ao limite Oeste da estação arqueológica, quase junto ao Oceano Atlântico. A designação alfabética C seguiu a numeração anteriormente proposta por José Arnaud. São Julião A

Trata-se de um concheiro situado a Sul da estrada, junto ao caminho pedonal de acesso à praia: "entre a estrada de acesso à Colónia Balnear e o caminho de acesso

à

praia" (Arnaud, '986b).

Apresenta uma extensão provável de cerca de 100 m2 ,

Cadernos de de Mafra - São Julião

Praia de São Julião.

20 m de extensão por 5 m de largura (largura actual que deveria ter sido bem maior no Tardi-Glaciar). Segundo José Morais Arnaud foi aqui identificado uma camada conquífera compacta, com 1 m de potên-cia máxima e uma uniformidade estratigráfica, descrita pelos "escavadores":

(13)

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"Trata-se de um depósito constituído basicamente por

um sedimento de matriz arenosa e coloração cinzenta

escura, o qual contém uma densidade variável de

con-chas de moluscos e de blocos de pedra disposto de forma

muito irregular". "C .. ) verifica-se que o nível de concheiro

se encontra coberto pela duna recente assentando por

sua vez directamente na duna consolidada, atingindo a espessura máxima de 1 m" (Arnaud e Pereira, 1994, p. 62). Este nível conquífero apresenta variações

sedi-mentares e de posicionais, não se registando a

existên-cia de blocos pétreos estruturados.

Fig. 10; localizaçao de Sao Juliao A, B e C. levantamento 1:2500.

É também referido que este núcleo apresenta uma maior

variedade de espécies de moluscos em comparação

com São Julião B, maioritariamente constituído por

Cerastoderma edufe e Ostrea edufe. Nesta potência de 1 m regista-se a presença de "níveis inferiores" com val-vas inteiras de amêijoa de grande dimensão bem como

exemplares pertencentes a um substracto rochoso. Com

uma potência de 1 m é provável que esta acumulação

corresponda a uma sucessão de utilizações, contrastando

Fig. 11: Nú(leo A de Sao )uliao (Amaud, 199/1). Atlas de Arqueologia, Edições Zairollda.

com o que sucede para São Julião B (e e).

A deposição directa sobre a duna consolidada parece indicar a maior

antigui-dade deste núcleo mas a maior variedade faunística indicaria uma situação inversa. As datações radiocarbónicas viriam a confirmar a observação geológica em detrimento da interpretação sacio-económica.

Os escassos materiais recolhidos embora se integrem no Mesolítico são, segundo

José Arnaud, similares com conjuntos mais antigos de Vale da Mata (lascas residuais de quartzito e sílex, n~c\eo de lamelas prismático, fragmentos de lamelas), de tradição paleolítica.

Actualmente, São Julião A encontra-se coberto por vegetação estando

contro-ladas futuras intervenções neste local.

São Julião B

Concheiro situado actualmente no interior da área vedada da Colónia Balnear. "Situa-se imediatamente a norte da estrada de acesso

à

Colónia Balnear. tendo

sido posto a descoberto há cerca de dois anos [1984J. quando se procedeu ao alargamento dessa estrada, com vista

à

construção do acesso norte

à

ponte já

construída sobre a Ribeira do Falcão, integrada na obra de melhoramento da

ligação entre São Julião e Assafora" (Arnaud, '986b, p. 5).

Neste núcleo José Arnaud efectuou uma escavação mais alargada na campanha

de 1987 (8 m2). Apesar da proximidade "sica com São Julião A, regista-se aqui

uma realidade bem diferenciada. Trata-se de uma fina camada de ocupação

(máximo o,) m) assentando em sedimento arenoso de coloração avermelhada depositado sobre duna

consolidada.

Este momento de ocupação deverá corresponder a curtas estadas, de acordo com a informação

estrati-gráfica, contextuaI e faunística: "um período de tempo relativamente restrito, no qual foram feitas várias

lareiras, formadas por aglomerados de pequenos blocos de pedra, junto dos quais se encontram

man-chas de areia de coloração cinzenta escura acastanhada, contendo grande quantidade de nódulos de

carvão e uma maior densidade de conchas. A zona que apresenta maior concentração de vestígios de

ocupação parece ter resultado da utilização sucessiva de uma série de lareiras, com diâmetros variáveis entre 50 cm e 90 cm formadas por pequenos blocos de pedra, de dimensão variável entre 5 e 16 cm, di

s-postos de forma um tanto irregular" (Arnaud e Pereira, 1994. p. 63).

(14)

As datações absolutas e a estratigrafia indicam uma cro-nologia antiga, da

2.ª

metade do VIIIº milénio, ainda no Boreal, constituindo o núcleo mais antigo. A fauna reco-lhida apresenta menor variedade de ecossistemas explo-rados indicando uma exploração mais estuarina. A área encontra-se bem protegida, vedada, no interior da Colónia Balnear.

2.3 Geomorfologia

O enquadramento geomorfológico e sedimentar de São Julião forneceria matéria para uma extensa análise e teria

sido desejável integrar neste volume um estudo dessa natureza. Aliás, como já foi referido, a génese da identifi

-cação de São Julião partiu de uma análise geomorfotógica. Com os condicionalismos de espaço (e de saber)

pre-tende-se fazer uma breve análise da informação dispo- "Fig

e:

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II

nível, enquadrando o sítio de São Julião num contexto

geral do espaço físico da Península de Lisboa e no con

-texto especifico da faixa atlântica da Plataforma Litoral a Norte da Serra de Sintra.

Em termos gerais, São Julião insere-se na área da Baixa Estremadura (ou Península de Lisboa), área que corresponde grosso modo

à

extremidade sul da faixa estreita e alongada que caracteriza a Estremadura, estando limitada a Sul pela foz do Tejo (e Sado) e pela Serra da Arrábida. a leste pela área do estuário do Tejo, e os limites Norte são marcados pela elevação de Montejunto.

A área vestibular da Ribeira do Falcão marca o limite Norte da "plataforma Litoral a Norte da Serra de Sintra", superfície de abrasão marcada pela rede hidrográfica dendrítica.

Parece individualizável a plataforma litoral que tem a Sul a Serra de Sintra, verdadeira montanha que domina paisagisticamente ambas as vertentes e que se constitui como "termo meridional do comprido litoral regularizado" (Daveau. '993, p. 24). A leste e Norte o alinhamento montanhoso constituído pela Serra de Candeeiros, pela Serra de Montejunto até

à

Serra da Carregue ira (Azevedo, Freitas, Figueiras, 1992, p. 2) funciona como separador de duas realidades bem diferenciadas: a do Maciço Calcário e a da Baixa Estremadura.

O espaço da Península de Lisboa é marcado pela diversidade de paisagens: estruturas anticlinais com orientação NN-Sudeste, planaltos calcários de uma plataforma litoral arrasada com vales encaixados na área de Lisboa apenas interrompidos pela Serra de Sintra e as vastas planícies inundadas do vale do Tejo.

Também em termos geológicos esta área apresenta grande variedade, sendo fundamentalmente consti-tuída por formações cretácicas e jurássicas com grandes áreas de margas e calcários pontuadas com formações basálticas, alternando rochas com dureza, permeabilidade e plasticidade muito distintas (Zêzere, 1988). A natureza calcária de grande parte da Baixa Estremadura condiciona a existência de cavidades cársicas, muitas das quais utilizadas em tempos pré-históricos.

A costa entre Peniche e a Serra de Sintra corresponde fundamentalmente a uma plataforma rochosa de abrasão, marcada por contrastes, com falésias bem marcadas, escarpadas e de feição regularizada e também com várias baías naturais e extensões arenosas consideráveis.

Cruzada por pequenos cursos de água subsidiários do estuário do Tejo e por ribeiras que desembocam directamente no Atlântico como a Ribeira do Falcão; a Península de Lisboa teria decerto uma rede hidra· gráfica bastante complexa.

A compreensão da zona costeira da Península de Lisboa, terá de ser perspectivada de forma dinâmica uma vez que o litoral

é

um espaço de mudança com sucessivas fases de emersão e submersão de áreas significativas.

A faixa costeira desta área é caracterizada geologicamente num "período compreendido entre o Jurássico superior e o Cretácico inferior e são compostas fundamentalmente por bancadas de calcários. calcários margosos, margas e arenitos com espessura variável e com uma inclinação geral para o quadrante 5

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~ duna consolidado overmelhodo (ontlgo) C.B. colónia bOLnear

Fig. 13: Localização dos núdeos de São Juliao na geomorfologia do local. Pereira e Correia, 1985.

Esta leitura da faixa costeira tem de ser naturalmente enquadrada com as profundas alterações sofridas desde o final do período glaciar.

Na época Boreal e Pré-Boreal, quando os primeiros caçadores recolectores ocuparam a margem esquerda da Ribeira do Falcão, a costa encontrar-se-ia substancialmente recuada. A

determina-ção exacta dessa linha de costa encontra-se efectuada apenas

grosseiramente, mas é mais ou menos consensual que a costa estivesse recuada entre 5 a lOkm da actual linha de costa (Araújo, 2003; Arnaud, 1986). O processo de aquecimento e de subse-quente transgressão flandriana terá decorrido muito rapidamente: "verificou-se elevação muito rápida do nível do mar, o qual teria subido cerca de 40 m em apenas 2000 anos" (Dias, Rodrigues e Magalhães, 2002).

A determinação exacta da faixa litoral de Mafra foi objecto de um projecto integrado (Geomorfologia, Arqueologia subaquática) mas

que infelizmente não foi objecto de financiamento no PNTA. Apenas com a cartografia exacta da faixas litorais hoje submersas pod er-mos efectuar uma caracterização aferida do grau de afastamento à época de ocupação de São Julião. Um estudo que tem vindo a ser desenvolvido na Lourinhã constitui um exemplo desse tipo de abordagem (Trindade, Pereira e Araújo, 2000).

Apesar de todas as limitações, podemos assim afirmar que no Pré-Boreal e inícios do Atlântico, as ocupações mesolíticas de São Julião foram feitas em meio estuarino, situação também corroborada peta fauna malacológica reco-lhida e nas espécies vegetais identificadas.

Na vertente Sul, actual concelho de Sintra, verifica-se a presença de arriba rochosa, tal como sucede no "Morro de São Julião" localizado na vertente Norte, e que provavelmente corresponde a um praia levan-tada tirreniana, onde o calcário "evolui por desabamentos" (Neves, 2002) e condicionado por uma falha responsável "pelo soerguimento do seu interflúvio norte" (Pereira e Correia, 1985). Este morro "é formado por calcários e arenitos do Beduliano, Gargasiano e Cenomaniano" (Pereira e Correia, 1985, p. 325). Na base da vertente, a margem direita (Norte) da Ribeira do Falcão encontra-se coberta por um com-plexo dunar.

Trata-se de uma praia resultante da acumulação de sedimento arenoso, relacionada com a proximidade de um pequeno curso de água, a ribeira do Falcão (Neves, 2002, p. 87).

Em toda a Estremadura verifica-se a deposição de areias eólicas na vertente Norte, "em posição de abrigo aos ventos do quadrante Norte" (Pereira e Correia, '985, p. 326).

Segundo Ana Ramos Pereira (Pereira e Correia, 1985) as dunas consolidadas ocupam cerca de 0,6 km, estando presentes duas "gerações de duna consolidada":

Duna

antiga,

mais compacta, com coloração avermelhada, posição topográfica mais baixa, que sofreu processos de carsificação e abarracamento (final do Wurm). As condições climáticas do máximo glaCiar propiciaram a formação de um "deserto litoral", "em que as partículas sedimen-tares atrás aludidas adquiriram as pátinas avermelhadas que ainda hoje exibem. Grande parte dos carbonatos teria sido dissolvido (o que se coaduna com a escassez de c1astos de moluscos nestes depósitos). sendo provável que ocorressem fenómenos de consolidação de areias utili-zando este carbonato como matriz" (Dias, Rodrigues, Magalhães, 1997) .

Duna

recente,

de coluvião esbranquiçado, consolidado, onde misturam areias e fragmentos da duna recente.

Entre estas formações arenosas encontra-se o nível arqueológico, à semelhança do que sucede na praia de Magoito: " o arenito dunar cortado em arriba, no Magoito, testemunha uma paisagem litoral com o nível do mar mais baixo do que o actual" (Pereira, 2002).

(16)

D

fig. 14: Evolução da linha de costa segundo Dias et. aI., 1997.

Ana Ramos Pereira descreve "duas gerações de dunas consolidadas", uma antiga de cor avermelhada

situada na base da vertente e outra recente de coloração clara. O nível arqueológico situar-se-ia entre

as duas gerações de duna. Os blocos consolidados recentes surgem na arriba Norte da Ribeira do Falcão

mas até ao momento não se registou em escavação a inserção de níveis arqueológicos em formações

consolidadas.

Em São Julião A, B e C não existe uma associação clara: duna consolidada antiga .... ..j-concheiro ... } duna

(17)

de intervenção

3.1. Metodologia Implantação de quadricula

Cadernos de Arqueologia de Mafra - São Julião

A implantação topográfica foi efectuada com estação total pelo Sr. José Manuel Belga, topógrafo da Câmara Municipal de Mafra. Os trabalhos foram extremamente dificultados pela altimetria do terreno em declive, o sedimento muito móvel e pelo estado de revolvimento do terreno. Na marcação foram uti-lizadas estacas de madeira com pregos e em alguns pontos foram usadas cavilhas.

Não foi possível orientar a quadrícula a Norte, pelo que foi implantada seguindo a orientação da escada de acesso à praia e a cerca que envolve o sítio, a 280° NW. Optou-se por uma quadrícula de 2 x 2 m, com eixos alfanuméricos, correspondendo a coordenada alfabética ao eixo Y (280°) e a numérica ao eixo X (380'').

O ponto

0

foi implantado na base cimentada do ponto que constitui o vértice inferior da cerca, o único local que permite uma leitura de todos os quadrantes da escavação sem ser necessário efectuar a trans-posição de pontos de leitura (o sítio apresenta um desnível com aproximadamente 4 m).

Metodologia de escavação

O método de escavação seguiu os princípios de Barker e Harris (Harris, 1993; Carandini, 1991). O registo seguiu assim estes princípios, com a realização de fichas de descrição individual para todas as Unidades Estratigráficas e desenho individualizado de cada uma delas.

A especificidade deste tipo de contexto conduziu igualmente à adopção de formas de registo próprias de contextos conquíferos, segundo Chernorkian (Chernorkian, 1988) e Carlos Tavares da Silva (Silva, 2000). Segundo estes autores os depósitos conquíferos dividem-se hierarquicamente em tipos de depósito (Chernorkian, '988):

• Depósitos de

1

ª

ordem: camadas generalizáveis ao conjunto da estação, correspondendo às fases gerais de ocupação.

• Depósitos de 2ª ordem: podem corresponder a sucessivas ocupações sazonais assumindo um valor cronológico-cultural restrito, integram um depósito de

ordem e têm um diâmetro com muitos metros. A sucessão de depósitos de 2ª ordem tem valor local.

• Depósitos de 3ª ordem: reduzida expressão volumétrica com distinto fácies (proporções de espécies de moluscos, fragmentação, organização). Corresponde a momentos de curta ou média duração. Nível base da escavação.

• Depósitos de 4ª ordem: micro-estratigrafia com difícil individualização. Actividade quotidiana, de curtíssima duração.

Considerando a dificuldade de registo a realização de cortes intermédios revela-se como uma forma de registo adequada. Em São Julião C a realização destes cortes cumulativos tornara-se muito pertinentes uma vez que os perfis da área de escavação já não integram a camada conquífera.

A escavação em planos para as camadas conquíferas é teoricamente desadequada optando-se proceder à remoção por depósitos de 3º ordem.

Todo o sedimento foi crivado, recolhendo-se amostras de terra de cada contexto. Para os níveis de grande concentração conquífera a crivagem só foi possível com água. Após uma crivagem inicial na área de esca -vação, optou-se por remover em bloco o sedimento e proceder a crivo com jacto de água dos blocos conglomerados com a localização tridimensional dos blocos. Este procedimento permitiu a recuperação das valvas com um melhor grau de preservação.

Registo de material

Todos os materiais arqueológicos foram registados tridimensionalmente.

A fauna malacológica foi recolhida com a indicação do quadrado de origem, UE, data de recolha e altimetria média, sem especificação por espécie.

(18)

---

-Fig. 15: Aspeclo do desenho da UE 2 B. AHM. CAR.o03.99.o63.

Desenho

O desenho de campo foi efectuado à escala 1: lO, procurando-se documentar exaustivamente cada contexto. Assim efectuou-se um número médio de 3 desenhos por contexto conquífero, com planos

intermédios de acordo com a complexidade da estrutura. Os

pro-blemas de interpretação das estruturas A e C levaram-nos a efectuar uma documentação mais exaustiva. Nas plantas foram indicadas

sumariamente as áreas de concentração conquífera, uma vez que se

torna difícil proceder à sua identificação individual, mas para casos

isolados foi indicada a espécie. Também se optou por efectuar uma

numeração de todos os blocos de pedra removidos em cada planta, encontrando-se estes assim representados em planta e com ficha

individual.

Os desenhos foram efectuados por Ana Catarina Sousa e Nuno Mota

na campanha de 1999 e por Alexandra Valente, Ana Catarina Sousa,

Ana Patrícia Madeira, Ana Sofia Duarte, Catarina Mendes, João Tereso,

Lúcia Miguel, Marisa Cardoso, Rita Gaspar, Teresa Pereira, Valter

Ventura, Marc Suarez Casais e José Logica Vallverdú na campanha

de 2001.

A tintagem (programa Adobe 11Iustrator 8.0) foi efectuada por Vera

Freitas e os desenhos de materiais líticos foram realizados por Fernanda Sousa.

Fotografia

A fotografia de campo (Ana Catarina Sousa, Marta Miranda, Alexandra

Valente e Valter Ventura) foi descrita individualmente, tendo sido

efectuadas fotos a cor, preto e branco e diapositivo.

Foram ainda efectuadas fotografias de grande formato pelo Professor

Doutor Victor S. Gonçalves. a quem se agradece a cedência das mesmas.

O registo fotográfico referido integrou o Arquivo Histórico Municipal (AHM) encontrando-se integralmente descrito e inventariado.

3.2. Descrição da campanha de

1999

A planificação inicial dos trabalhos incidia sobretudo sobre a vertente em desmoronamento onde se

situava

uma lareira e níveis conquíferos. Foram escavados cerca de 54 m2 como amostragem.

Os trabalhos em São Julião foram iniciados com uma limpeza integral do sítio, por forma a permitir a

implantação de uma quadrícula de

escavação.

Com efeito, a destruição operada pelos agentes naturais, pela construção e demolição da casa permi-tiu uma situação singular: em termos genéricos era possível

observar

a estratigrafia, ainda antes dos

trabalhos arqueológicos.

Esta estratigrafia encontrava-se presente numa área com um pendor oblíquo seguindo o sistema dunar,

constituindo·se em duas plataformas com desigual nível de conservação:

1) Coordenada E e F, correspondente

à

plataforma superior. Sobre esta área foi implantada a casa clandestina, mas apesar disso apresenta um maior grau de preservação da duna recente (UE 1), embora misturada com materiais de construção e afectada por regos de escoamento de água.

2) Coordenada C, plataforma inferior. Aqui a camada arqueológica foi quase integralmente

sub-traída pela acção da água e também pela acção da retroescavadora. Conservam-se dois núcleos

de sedimento agregados a prováveis estruturas de lareira.

A complexidade estratigráfica e contextuai tornou imprescindível a realização de um registo muito por-menorizado, optando-se por efectuar um levantamento fotográfico mas também um desenho prévio à realização de escavação. Este plano apresentava então vários níveis de leitura estratigráfica, post -deposicional e altimétrico. O elevado desnível entre as duas plataformas dificultou muito a realização

(19)

de uma planta geral do sítio (escala 1:20), que foi complementada com

o primeiro registo de dois perfis das áreas mais preservadas da área

marcada.

Após estes trabalhos de registo minucioso iniciou-se a remoção

da UE 1 (camada dunar recente), na plataforma superior bem como a

remoção dos sedimentos conquíferos que se desagregaram da lareira

UE 2(, na plataforma inferior. Com a detecção dos níveis conquíferos

na plataforma superior

efectuou-se uma

defin

i

ção de topo de

camada,

respectivo registo fotográfico e gráfico (em plano

à

escala 1:10 e com a

indicação em símbolos das espécies presentes, em perfil à escala

1:20, simplificada).

Os trabalhos desenvolveram-se por três pólos que correspondem a

dife-rentes posicionamento planimétricos e contextuais:

• UE 2 A: área de concheiro muito destruído, estrutura de

com-bustão UE 8;

• UE 2 8: área de concheiro muito destruído, estrutura de

com-bustão UE 7;

• UE 2 C: área de concheiro preservada em torno da estrutura

de combustão UE 3.

Para estas três realidades optou-se por uma escavação de pormenor,

efectuando-se três planos,

à

escala 1:10:

-Plano 1 - Situação prévia após limpeza;

- Plano 2 -Definição da realidade;

. Plano 3 . Base.

No decurso da escavação verificou-se que a UE 2 A e UE 2 B se

pro-longavam para além da quadrícula. Optou-se por escavar apenas a parte enquadrada pela quadrícula marcada.

Fig. 17: Fase de escavaçào da plataforma superior. AHM. 43 C99) 8.

~. ". . "

-- ' - . 1

....

_~

(20)

F

5 6 7 8

S_ JULIÃO C -I (1999)

UEs 1. 2.3. ~A. 28 e 4. Plano 1

~ • UE 1-duna recente

, . --UEs2.2Ae2B-2D

níveis conquíJNos -UE 2C - Estrutura O -UE 4 -duna antiga

,

D

+"

c

5

Fig. 19: Planta do conjunto da campanha 1 (1999).

Os registos finais (fotografia e desenho) foram efectuados a 5 de Agosto.

3

.

3. Descrição dos trabalhos em

2001

Como foi já referido, 05 objectivos desta campanha incluíram dois tipos de linhas de acção:

1.

escavação

integral de todos os

contextos arqueológicos

identifi-cados;

2.

delimitação

do perímetro

do núcleo C de São Julião.

Os trabalhos foram assim iniciados pela limpeza integral da área, efectuando-se a avaliação da área após 2 anos de interregno. Entre o final da campanha de 1999 e o inicio da segunda campanha, o mar, e sobretudo as escorrências das chuvas abriram uma enorme vala que cortou a área onde se implantava a quadrícula E6 -7, 06-7. Esta área corresponde

à

zona de implantação da estrutura ( que foi cortada em dois segmentos.

A presença de uma área com sedimento escuro e abundantes con-chas poderia traduzir níveis de escorrimento da referida lareira ou ao limite Norte da mesma. Foi assim aberta uma pequena área san· dagem, onde se tentou isolar hipotéticos níveis conquíferos. A esca-vação desta área revelou abundante fauna malacológica, com redu-zido grau de fragmentação mas constatou-se que toda a área correspondia a escorrências da área conquífera anexa

à

estrutura C.

+ ~ IDI

'"

+ 57 + + + III

,

6 7 8 w

l

(21)

A vala de escorrimento que cortou a lareira 2C

consti-tuiu a maior destruição detectada. Procedeu-se assim à

sua limpeza e desenho e procurou-se documentar a área

através da limpeza de perfis.

Optou-se por efectuar perfis na área aberta em 1999. onde

foi escavado o nível conquífero associado

à

lareira 2C:

• perfil 1 e 2: documentação da área de revolvimento

relacionada com a construção da casa clandestina.

cor-tando a área de duna móvel avermelhada [4J que

apre-senta alguns escorrimentos do nível conquífero;

• perfil3: duna móvel, com camada antrópica [4J; • perfil 4 e 5: área subjacente

à

deposição conquífera

relacionada com a lareira 2C. sendo observável a bolsa

de sedimento antrópico e os respectivos escorrimentos.

Na restante área o estado de conservação era bastante

razoável, procedendo-se então

à

confirmação da marca

-ção de campo e ao alargamento da quadrícula.

As novas áreas abertas tiveram como objectivo a delimitação do núcleo C, tendo sido abertas

quadrículas em todos os quadrantes:

r E7 +

+

• a Sul foi aberta uma faixa com 1 m de largura, sendo perceptível que em alguns pontos a duna

consolidada e os níveis conquiferos continuam sob a área balnear;

• a Norte foram abertos dois quadrados que confirmam que a casa clandestina já destruiu inte

-gralmente toda a área a Norte da coordenada E;

• a Oeste. foi aberta uma área fora do espaço inicialmente delimitado pela cerca de madeira.

procedendo-se à limpeza de toda a área e

à

escavação das coordenadas 3 e 4 onde se detectou

uma sequência estratigráfica complexa, diferindo do esquema linear identificado nos restantes

conjuntos. + + ~==~ __ ~==~ ____ ==~~,m S.IULJÃO

c

.

2 (2001) E 7. Corte Este , -Mytllus sp. 7 FIg. 21: Perfil 2.

,

+ +200 + +100

(22)

+ Q [20/4J [4J + + ~== ___ ==~ __ ~=dso<m Fig. 22: Perfil 3

Fig. 23: Perfil 4 e 5. 126 (zoolhlA.

9 S./ULlÃO

c -

2 (2001) E 9. Corte Norte .. . cimento O -duna consolidada

,

+ +200 +15 0 + +100

(23)

Simultaneamente procedeu-se

à

conclusão da escavação

nas estruturas A, B e C (esta última agora dividida

fisicamente pela vala de escorrimento). Na anterior

cam-panha estas estruturas não foram integralmente esca·

vadas, ficando cerca de metade da sua extensão numa

coordenada agora aberta (8). No caso da estrutura A,

o núcleo melhor conservado só em 2001 foi escavado.

O contexto D, delimitado desde '999, s6 em 2001 foi

escavado. Apesar de relativamente exposto

à

erosão e

não obstante a ausência de elementos pétreos agrega·

dores, este conjunto sedimentar conservou-se razoavel·

mente bem após dois anos.

Assim, a escavação de São Julião C constitui de facto

a soma de várias "micro-escavações" nos diversos

contextos, uma vez que não existe qualquer relação

sedimentar entre eles. A planificação de escavação. o

registo gráfico e fotográfico seguiu individualizado para cada um dos contextos.

w

I

G

F

E

D

C

B

2

3

4

5

6

7

B

Campanha 2001: 34m

'

Campanha '999: 108m'

Fig. 2:4: Campanhas de escavação de São Julião C. (Malha 2 x 2m)

(24)

São Julião C: estratigrafia

4.

1.

Destruições post·deposicionais

As alterações post-deposicionais que afectaram o núcleo São Julião C relacionam-se directa ou indirectamente com

a construção / demolição de uma casa clandestina que

veio perturbar definitivamente o equilíbrio do complexo

dunar.

Grande parte da área de São Julião C deve ter sido par-cialmente destruída aquando da construção de uma habi-tação nos anos 70. Cortando os níveis conquíferos foram identificados pilares e parte de uma parede. Toda a área

situada a NW da área de escavação foi destruída ficando

irremediavelmente perdida a informação sobre a real

extensão deste núcleo.

A demolição deste elemento perturbante era essencial para repor o equilíbrio ambiental e arqueológico. Em 1999, no acto de demolição, quase miraculosamente, preservaram-se níveis de concheira. No entanto, na plataforma inferior a retroescavadora destruiu o nível arqueológico, afectando UE 2 A.

A construção e posterior demoUção da habitação remo-veram a duna recente (UE 1), alteraram o equilíbrio dunar e originaram uma rápida erosão, originada sobretudo pelo escoamento de águas, pelas marés e pela erosão eólica.

Na campanha de 2001 foi possível intervir em vários pon

-tos que esclarecem com nitidez os limites da destruição que este núcleo sofreu.

Assim, a abertura da coordenada F teve como objectivo a verificação dos limites Norte dos níveis conquíferos preservados. Foi possível constatar que a construção destruiu completamente os níveis conquíferos, verifi-cando-se uma forte presença de revolvimento e entulho de habitação clandestina, nomeadamente cimento, fer-ros e plástico. O sedimento apresentava-se muito solto, com muitos materiais recentes e fauna malacológica.

Cadernos de Arqueologia de Mafra - São Julião

...

',..

i 26: Marcas de retroescavadof<l

Parece pois existir uma coincidência entre as quadrículas abertas em 1999 e o limite Norte dos níveis arqueológicos preservados.

O alargamento da área de escavação para além do espaço compreendido pela cerca de madeira implan

-tada em 1999 permitiu aferir também a extensão da destruição desta área. Numa observação prévia era possível verificar a presença de sedimento escuro conquífero numa extensão alargada, até ao apareci-mento exclusivo de bancadas rochosas. Parte da área encontrava-se coberta por vegetação existindo um considerável desnível entre a plataforma superior e inferior.

A escavação das coordenadas Oeste pôs a descoberto um nível de entulho de elevada potência estrati

-gráfica (cerca de 1,5 m) bem como a presença de grandes blocos de duna consolidada. Estes dais fac-tores levaram-nos a não alargar a área de escavação a toda a mancha conquífera como era nosso inicial objectivo.

Os blocos de duna consolidada assentavam directamente sobre contextos arqueológicos. Desde o ini-cio dos trabalhos que se distinguia uma área mais pequena com conchas razoavelmente preservadas e uma outra área mais alargada, muito semelhante à estrutura D.

(25)

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Fig. 27: Perfi! N das coordenadas 3

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Fig. 28: Perfil W das coordenadas 3

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desses dois contextos (designados de estrutura G e F), bem como uma área de vertente que poderá

cor-responder aos escorrimentos dos referidos contextos.

Com a remoção do grande bloco de duna

consolidada

foi possível confirmar que, provavelmente, este

bloco caiu durante as obras. Com efeito, foram recolhidos materiais recentes sob este bloco e direc-tamente sobre a lareira F. Quanto ao bloco em (2 (sobre a lareira G). este parece estar em posição original.

o"

(26)

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C

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Fig. 29: Contextos UE 2G e UEz F cobertos por blocos de duna consolidada

+ + w

."

f

+ +

'"

+ 118 + +

"

+ + + + 4

A presença de grandes blocos calcários corresponde

à

própria dinâmica evolutiva desta praia uma vez

que neste sector de litoral a arriba é mergulhante, evoluindo por desabamentos (Neves, 2002, p. 89).

4.2. Recons

titui

ção da sequência estrat

i

grá

f

ica orig

in

al

Como foi referido, a descrição estratigráfica deste sítio encontra-se muito amputada das suas formas de

deposição, em consequência das agressões post-deposicionais (construção, demolição e erosão).

:rn

4

s. JULIÃO c 2 (2001) UE 1. 2F e 2G, Plano 2

~-;; - pedra O . duna consolidada

(27)

---'<~~.

ti

'

..

Apenas na plataforma superior (coordenada E)

encontramos uma sequência razoavelmente

pre-servada: duna recente UE 1, cobrindo o nível

con-quífero UE 2, assentando sobre a duna antiga

con-solidada vermelha UE 4.

O grau diferenciado de conservação da área de

escavação parece assim configurar outros tantos

resultados de estratigrafia. Ainda assim, parece

pertinente alargar a sequência identificada em E

6,7. D6-7

a

todo o núcleo C de São Julião. Em

ter-mos genéricos considerou-se uma estratigrafia relativamente linear.

Camada dunar de formação recente

"T

"

Nível combustão - conquífero

"T"'

Camada dünar antiga

Esta sequência linear foi depois matizada em subdivisões. Apesar de actualmente se encontrarem

separados fisicamente e de não apresentarem a mesma sequência estratigráfica, os vários contextos

conquíferos / combustão foram designados com a mesma designação com uma subdivisão alfabética.

A manutenção da mesma designação prende-se com a hipótese de poderem ter estado associadas direc-tamente e também porque a aparente diferença pode reflectir o grau diferencial de conservação.

A delimitação dos níveis conquíferos corresponde a depósitos de 1ª ordem, (Chernorkian, 1988), sendo os

depósitos de 2ª e 3ª ordem registados em desenho e corte, mas não individualizados estratigraficamente.

Segundo os dados publicados por José Morais Arnaud e Ana Ramos Pereira, a sequência estratigráfica

observada tem um forte paralelismo com a realidade identificada em São Julião B (Arnaud, 1985; Arnaud

e Pereira, 1994).

A reduzida informação publicada dificulta muito a realização de uma leitura comparativa destes três

núcleos. Com efeito, não se encontram publicados quaisquer desenhos, cortes ou fotografias que

pos-sam documentar esta realidade e assim fornecer elementos para uma comparação efectiva (à excepção

dos referidos relatórios de 1986 e 1988).

Com a informação actualmente disponível podemos verificar que a camada conquífera tem uma

equi-valência com as descrições de São Julião B. Neste local foi identificada uma camada conquífera de

redu-zida espessura (30 cm) bem como a presença de lareiras de formas irregulares e dimensões entre 50 e

90 cm de diâmetro. Tal como em São Juliâo C regista-se a presença de áreas de concentração

conquí-fera em torno destas estruturas.

A deposição em areias vermelhas da duna antiga é um argumento que reforça esta aproximação.

No entanto, o tipo de sedimento é consideravelmente diverso. Em São Julião B refere-se um sedimento

cinzento - acastanhado, evidência que pude atestar nas fotografias incluídas nos relatórios de 1986 e

1988 (Arnaud, 1986 e 1988). Em São Julião C a coloração é cinzenta escura sem quaisquer tons terra

(talvez causada pela maior proximidade do mar). Também a concentração conquífera parece

considera-velmente mais reduzida para São Julião B, bem como a sua variedade faunística.

Em termos estratigráficos e de morfologia de ocupaçâo do espaço encontramos assim um grande

paralelismo entre São Julião B e C, mas em termos sedimento lógicos e faunísticos existem

considerá-veis diferenças. Um programa de datações para São Julião C bem como um estudo geomorfológico,

poderá aferir esta leitura.

4.2.1. Duna Recente

Toda a área deveria estar coberta por duna recente de formação eólica, constituída por areia solta

ama-relada, Unidade Estratigráfica 1. O sedimento é extremamente móvel, de coloração Munsell 2.SYR 6/4

(28)

r E6

+

+

o

Fig. 31: Corte na plataforma superior. E6, Corte Este -1 (1999)

,

+ +3°0

+200

6

+ +100

Encontra-se em mau estado de conservação em consequência da construção

I

demolição da casa clan-destina. Assim, em São Julião C a maior parte da camada conquífera encontrava-se exposta.

Esta camada superficial integra elementos próprios da duna recente (sedimento arenoso, gastrópodes)

e elementos da construção (argamassa, blocos pétreos, ferros).

A escavação desta camada revestiu-se de grande dificuldade considerando a mobilidade do sedimento.

Tornou-se assim impossível identificar em plano as destruições operadas pelas construções.

Na plataforma superior, esta camada foi muito afectada preservando-se apenas pontualmente. O sedi-mento foi afectado pela construção de uma casa clandestina, estando presentes muitos materiais de construção: tijolos, cimento, vidros, ferros, ladrilhos. Também aqui se verificou a presença de duas áreas de escorrência de águas pluviais que removeram/perturbaram a UE 1 e a UE 2, criando 2 regos.

Na plataforma inferior, a camada UE 1 foi completamente eliminada pela demolição da casa e sobretudo pela erosão eólica e pluvial.

Para os núcleos A e B é referida a presença de duna recente cobrindo os níveis arqueológicos mas a des-crição é muito reduzida. Em São Julião A "verifica-se que o nível de concheiro se encontra coberto pela duna recente" (Arnaud e Pereira, 1994). Contudo, fotografias no relatório mostram uma "verdadeira"

duna móvel sobre esta área, cortada recentemente pela construção da estrada de acesso

à

praia. A observação actual do sítio evidencia a frágil espessura desta duna recente, actualmente coberta por vegetação. Em São Julião B não existe nenhuma descrição específica mas parece evidente que aqui se conserva melhor a duna recente, móvel.

A antropização recente deve ter alterado muito a morfologia desta deposição. Em São Julião C, por exem-plo não sabemos o volume e a tipologia do sedimento que cobria o nível arqueológico uma vez que a construção da casa eliminou esse depósito.

A presença de blocos pétreos de grande dimensão traduz também a dinâmica desta arriba rochosa.

4.2

.

2

.

Nível conquífero

O nível conquífero identificado corresponde a uma camada acinzentada escura, de origem antrópica correspondendo a um nível de concheiro. A este nível de concheiro foi atribuída a Unidade

(29)

r

I

li

-

~

~

",,,!, "

Fig. 32: UE 2 C cobrindo a UE 4 (duna consolidada). À esquerda, restos da construção clandestina. 129(Ol)·4A.

Em termos globais, o nível de concheiro de São Julião C integra áreas

dife-renciadas de concentração conquífera, com o sedimento muito encaixado, muitas conchas, alguns carvões e areão.

As alterações post-deposicionais afectaram diferencialmente a camada

conquífera criando uma divisão desta realidade. Efectuaram-se assim sub-divisões de uma realidade que em termos estratigráficos e sedimentares

é equivalente, sendo-lhe atribuída uma subdivisão alfabética.

Embora com alguns matizes, o sedimento que corresponde à utilização antrópica apresenta uma coloração acinzentada escura, na escala de Munsell:

húmido, 10 YR 2/1 (black), seco, 10 YR 3/2 (very dark brown), Esta

colora-ção acinzentada poderá ser consequência das estruturas de combustão, abundando os carvões.

A composição faunística deste nível de concheiro é claramente dominada

pela presença de Mytilus sp., embora associados directamente com outras espécies de malacofauna. É apresentado neste volume um estudo da com-posição faunística efectuado por Marta Miranda.

Nas estruturas de combustão mantêm-se as presenças-base:

• Cerastoderma edufe

• Mytilus sp,

• Patella sp.

• Ostrea sp.

As distinções surgem ao nível das proporções relativas das espécies pre· sentes nas várias lareiras.

A explicação das diferenças das proporções poderá reflectir a existência de vários patamares cronológicos, agora num mesmo plano.

A compreensão da sequência estratigráfica apenas se encontra razoavel-mente completa para a

UE

2 C. Nas restantes áreas, a deposição foi quase integralmente subtraída pela erosão.

A deposição desta camada acompanha o desnível da duna antiga que apresenta uma grande inclinação,

com uma dinâmica de ocupação própria das vertentes. Não podemos afirmar seguramente que a área compreendida entre a plataforma inferior e superior apresentasse um nível de concheiro compacto, hoje

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Fig. 33: Perfil NW -SW abrangendo a UE 2C e a estrutura UE 3 na plataforma superior e a UE 2A na plataforma inferior. 1· (1999)

(30)

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fig. 34: Perfil NW -SW abrangendo a UE 20 na plataforma superior e a UE 2 B na plataforma inferior. l' (1999), Em 2001 foi escavada a UE 2 e veri·

ficou-se que a sua base assentava numa depressão. escavada na UE 4.

integralmente destruído. A observação dos núcleos C e D na plataforma superior pode indicar a exis-tência de áreas de concentração.

Estas limitações permitem-nos apenas tecer algumas afirmações seguras:

1. a sequência estratigráfica foi muito amputada;

2. os núcleos da plataforma superior tiveram provavelmente uma sequência similar aos da plataforma

superior;

3.

o

nível conquífero (em área e potência) da plataforma inferior foi muito reduzido, conservando-se ape-nas agregado à estrutura de combustão.

A consciência destes constrangimentos tTsicos leva-nos a manusear com muita precaução os dados de

presenças absolutas. A leitura comparativa apenas poderá ser efectuada em termos de presenças

rela-tivas da composição faunística.

A extrema escassez de material arqueológico impede aferir esta estratigrafia relativa. Todos os núcleos

apre-sentam materiais arqueológicos mas a sua atipicidade torna difícil uma integração cronológico-cultural.

Esta sequência poderá ser indicada para os contextos A. B. C. O mas uma situação diversa pode ter

ocor-rido na área compreendida pelas quadrículas C3. 03. C4. 04.

Foi aqui detectada uma sequência de sobreposição entre a UE 21. que provavelmente corresponde a uma

área de fogo aberto e duas estruturas (F e G) que se lhe sobrepõem. A realização de perfis intercalares

permitiu mesmo a identificação de um nível de abandono.

Quanto às estruturas F e G, não é ainda possível compreender eventuais relações de sincronia / diacronia.

4.2.3. S

ubstracto

rochoso

Apesar de se tratar de um nível geológico, ao substracto rochoso foi atribuída a Unidade Estratigráfica 4.

Trata-se de uma duna antiga, correspondendo à 1ª geração de dunas. Apresenta a coloração Munsell

húmida SYR 4/6

(Yellowish

redJe seca SYR 5/8

.

Segundo Ana Ramos Pereira "a duna antiga apresenta sempre feixes tabulares com lâminas de inclina·

ção entre 10 e 32º e direcção entre N 100 E e N 18oº S, isto é, as areias foram transportadas por ventos de WNW a N" (Pereira e Correia, 1985). Tal como se registou nos outros núcleos verifica·se que o nível

conquífero interrompe a formação dunar. "a duna avermelhada e carsificada poderá ser correlativa do

final do Wurm e a duna mais recente, holocénica, tal como em Magoito" (Pereira e Correia, 1985). Em São Julião B verificou-se que "o nível de ocupação não assentava directamente sobre a duna

con-solidada, mas sim sobre um sedimento arenoso que se formara sobre essa área" (Arnaud e Pereira, 1994.

(31)

r

J

I

I

I

) + I~I 3 4

Fig. 3S: Sobreposição UE 2F e G sobre UE 21.

S. JUliÃO (-2 (2DDI)

C 3 e 4. (orle Norte

C:'· duna consolidada

Na UE 2 C registou-se uma deposição semelhante ao núcleo B: camada arqueológica que cobre areias vermelhas da duna antiga. Esta mobilidade dificultou a identificação do seu topo. Apenas a estrutura

assenta na duna consolidada antiga.

Em UE 2 A e B verifica-se a deposição directamente sobre a duna antiga consolidada.

Apenas um estudo geomorfológico poderá suprir estas interrogações, mas podemos encontrar dois tipos de explicação:

1. Diferente cronologia dos depósitos conquíferos da plataforma superior e inferior de São Julião C. Apenas

Fig. 36: UE 2 sobre UE 4 na plataforma superior

um programa de datações de radiocarbono poderá suprir

esta dúvida, mas a semelhança estratigráfica, do sedimento

e das estruturas parece contrariar esse desfasamento

temporal.

2. As estruturas foram colocadas numa fossa aberta nas

areias vermelhas, assentando directamente na duna

consolidada. Estas fossas conservaram o sedimento

arqueo-lógico na plataforma inferior mas todo o sedimento que

o rodeava foi eliminado, bem como as areias móveis

vermelhas.

A compreensão da sequência estratigráfica apenas se encontra razoavelmente completa para a UE 2 C. Nas res· tantes áreas, a deposição foi quase integralmente subo traída pela erosão.

Reconstituir a sequência de deposição de

s.

Julião C

é assim um exercício de "estratigrafia hipotética".

,

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