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Federalismo e Planejamento Educacional: uma análise a partir do Plano de Ações Articuladas (PAR) (Federalism and educational planning: an analysis from the articulated actions plan)

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Academic year: 2021

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Federalismo e Planejamento Educacional: uma análise

a partir do Plano de Ações Articuladas (PAR)

Federalism and educational planning: an analysis from the articulated actions plan Federalismo y planeamiento educacional: un análisis a partir del plano de acciones articuladas (par)

Karla Cristina Silva Sousa*1, Alda Maria Duarte Araújo Castro**2

*Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luis-MA, Brasil **Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal-RN, Brasil

Resumo

O artigo discute as diferentes concepções de federalismo e a sua influência no planejamento educacional, em especial, no Plano de Ações Articuladas (PAR), elaborado para imprimir mais dinamicidade e organicidade às políticas educacionais. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental. O artigo se estrutura na primeira seção, para discutir o federa-lismo e suas dimensões com destaque para o federafedera-lismo enquanto pacto, entendido como uma forma de organização política-administrativa do território que conforma a necessida-de necessida-de um compartilhamento horizontal necessida-de ponecessida-der; a segunda seção necessida-destaca os antecenecessida-dentes históricos e as principais formas de federalismo, adotadas no Brasil. A terceira seção situa o marco regulatório da Constituição Federal de 1988, as mudanças no regime de federalismo, e a repercussão nas políticas educacionais. A quarta seção discute as implicações desse modelo de federalismo no planejamento educacional tendo, como referência, o PAR que visa fortalecer o regime de colaboração. Os estudos evidenciam que o federalismo brasilei-ro, desde a sua origem, foi marcado por tensões caracterizadas ora por processos de cen-tralização, ora de descencen-tralização, não se materializando em um federalismo cooperativo ou interdependente. No caso específico do Plano de Ações Articuladas, o governo federal utiliza-se do discurso de autonomia e descentralização dos entes subnacionais; na prática, o que ocorre é a indução de políticas educacionais com forte ingerência do governo central nos municípios, transformando-os em meros executores de ações, cerceando a autonomia dos mesmos.

Palavras-chave: Federalismo, Planejamento educacional, Plano de Ações Articuladas.

Abstract

The article discusses the different conceptions of federalism, highlighting federalism as a pact, and analyzes its influence in educational planning, especially in the Articulated Actions Plan (PAR), a strategic plan elaborated to give more dynamism and organicity to educational policies. It is a bibliographic and documental research. The article is structured in sections, the first of which discusses the federalism and its dimensions, highlighting federalism as a pact, understood as a form of political-managerial organization of the terri-tory that confirms the need for a horizontal sharing of power; the second section highlights the historical antecedents and the main forms of federalism adopted in Brazil. The third

1 Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão. Professora Adjunta da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: karlacristinasousa@hotmail.com 2 Mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Pós Doutorado na Uni-versidade de Coimbra. Atualmente é professor Associado da UniUni-versidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: aldacastro01@hotmail.com

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section places the 1998 Federal Constitution’s regulatory mark, the changes in the fede-ralism regime and the educational policies repercussion. The fourth section discusses the implications of this model of federalism in the educational planning, having as reference the PAR which aims to reinforce the collaborative regime. The studies shows that the Bra-zilian federalism, since its origin, was marked by tensions that were characterized at times as centralization processes, at times as decentralization, not materializing themselves in a cooperative or interdependent federalism. In the specific case of the Articulated Actions Plan, the federal government uses the discourse of autonomy and decentralization of the subnational entities, yet in practice what happens is the induction of educational politics with strong interference of the central government, transforming those entities into mere action executors.

Keywords: Federalism, Educational planning, Articulated actions plan.

Resumen

El artículo discute las diferentes concepciones del federalismo con énfasis en el federalismo como pacto y analiza la influencia de dicha forma de federalismo en el planeamiento edu-cacional, en especial en el Plano de Ações Articuladas (PAR), un plan estratégico elaborado para dar mayor dinamicidad y organicidad a las políticas educacionales. Se trata de una investigación bibliográfica y documental. El artículo se estructura en secciones. La prime-ra sección analiza el fedeprime-ralismo y sus dimensiones con destaque en el fedeprime-ralismo como pacto, entendido como una forma de organización política-administrativa del territorio que conforma la necesidad de una forma horizontal de compartir el poder; la segunda sección destaca los antecedentes históricos y las principales formas de federalismo adoptadas en Brasil. La tercera sección aborda el marco regulatorio de la Constituição Federal de 1988, los cambios en el régimen del federalismo y su repercusión en las políticas educacionales. La cuarta sección discute las implicaciones de ese modelo de federalismo en el planeamiento educacional teniendo como referencia el PAR que busca fortalecer el régimen de colabora-ción. Los estudios evidencian que el federalismo brasileño desde su origen fue marcado por tensiones que se caracterizan en unas ocasiones por procesos de centralización y, en otras, por procesos de descentralización, sin que se materialice en un federalismo cooperativo o interdependiente. En el caso específico del Plano de Ações Articuladas el gobierno federal emplea el discurso de autonomía y descentralización de los entes federados, y en la práctica promueve la inducción de políticas educacionales con injerencia del gobierno central en los municipios, transformándolos en meros ejecutores de acciones.

Palabras-clave: Federalismo, Planeamiento educacional, Plano de Ações Articuladas.

O federalismo é uma forma de governo em que se reconhece uma ou mais esferas de poder político com graus diferenciados dentro de um mesmo território. A sobe-rania, isto é, o monopólio da coerção legítima, é exercido por um corpo político, como governo federal. O federalismo, para autores como Elazar (1995) e Stepan (1999), é uma das formas mais adequada para se organizar um Estado-Nação, tendo em vista que o compartilhamento de poder e a não existência de níveis hierárquicos de decisão permitiriam reduzir as desigualdades sociais e estabelecer regimes de cooperação e solidariedade, mais propícios a um regime democrático.

O Brasil desde a sua constituição, e, enquanto nação, é um país federativo, o seu modelo foi melhor explicitado na Constituição da República de 1988 que instituiu

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a descentralização tributária e fiscal aos entes federados, atribuindo-lhes maior autonomia. Nela, encontra-se uma nova relação a ser estabelecida entre os entes federados ao considerar o município componente da estrutura federativa brasileira dotado de autonomia política. Essa modificação, no regime federativo brasileiro, trouxe muitas repercussões para o desenho das políticas públicas, em especial, as políticas educacionais.

O artigo se estrutura, na primeira seção, para discutir o federalismo e suas di-mensões com destaque para o federalismo enquanto pacto, entendida como forma de organização político-administrativa do território que conforma a necessidade de um compartilhamento horizontal de poder; a segunda seção destaca os antecedentes his-tóricos e principais formas de federalismo adotadas no Brasil. A terceira seção situa o marco regulatório, advindo da Constituição Federal de 1988 e a sua influência no regime de federalismo, com a inserção do município como ente federado. E a quarta seção discute as implicações desse modelo de federalismo no planejamento educacio-nal tendo, como referência, o PAR enquanto plano estrutural em longo prazo que visa superar a fragmentação das políticas educacionais e priorizar o diálogo entre os entes federados, estabelecendo/fortalecendo o regime de colaboração.

1.1 O federalismo enquanto sistema político e suas dimensões

A federação consiste em um modelo de Estado organizado, constitucionalmente, sob o regime federativo. O Estado federal seria, segundo Elazar (1995) uma nova forma de pensar a organização territorial e política do poder, em que haveria o com-partilhamento horizontal, mantendo uma estrutura nacional. Ainda para o autor, é mais apropriado compreender o federalismo como forma constitucional de com-partilhamento de poder em sistemas que combinam autonomia/autogovernança e governança compartilhada. Isso inclui federações, confederações e outras formas similares de relacionamentos políticos ou organizacionais.

O federalismo, no entendimento de Elazar (1995, p.1), pode ser definido como uma forma de associação política e de organização que une diferen-tes políticas dentro de um sistema mais abrangente de tal forma que

permite que cada membro mantenha sua própria integridade política. Sistemas federativos fazem isso ao requerer que as políticas básicas sejam feitas e imple-mentadas através de alguma forma de negociação, de maneira que todos os

membros possam compartilhar o processo de produção e execução das decisões (tradução e grifos nossos).

Para o autor, os princípios políticos que englobam os sistemas federais estão re-lacionados com a primazia da negociação e cooperação que devem ser discutidas para se chegar a um acordo entre os vários centros de poder. Para Elazar (1995), nesse sentido, o ponto de partida para uma melhor compreensão do conceito de federalismo deve ser a origem do termo latino foedus que significa pacto. As rela-ções federais devem enfatizar a parceria entre indivíduos, grupos e governos. Essa parceria é regida pela cooperação e negociação entre os parceiros, tendo, como base a partilha de poder. Esses três elementos se constituem a base do federalismo.

Riker (1964) observa que o federalismo está em evolução e uma das evoluções é o processo de descentralização política que, hoje, dá maior protagonismo aos go-vernos subnacionais e atores políticos, que, às vezes, se agrava pela importância

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da representação territorial em detrimento da representação populacional nas ins-tituições nacionais, redistribuindo o poder e recursos entre os níveis de governo. Esse renascimento do federalismo, observado por Riker (1964), tem modificado a forma como a política federal é concebida; na atualidade, essa política tem sido in-fluenciada pelo capital global, afetando a qualidade de vida das pessoas que vivem nos países federalistas.

Entre as dimensões do federalismo, duas se sobressaem: a descentralização e as relações intergovernamentais. Entender esses conceitos, em uma estrutura fede-rativa, passa pelo pressuposto da “existência de uma estrutura federativa bastante assimétrica, no que se refere aos recursos e à capacidade político-administrativa, seja entre os estados, seja destes em relação à União” (SANO, 2008, p.23).

Nessa perspectiva, os países federalistas devem possuir cinco características preliminares: a hierarquia dos governos com uma clara definição de autoridade; a autonomia de cada governo deve ser assegurada por um conjunto de instituições; os governos subnacionais devem assumir a regulação da economia; um mercado comum entre as subunidades deve garantir o livre comércio; as unidades subnacio-nais devem enfrentar as restrições orçamentárias (WEINGAST, 1995; HAMILTON; MADISON; JAY, 2003).

Com base nesses princípios, o processo de descentralização é entendido como primordial para garantir o funcionamento da União. Na literatura internacional (RIKER, 1964; WRIGHT, 1978) observam que, costumeiramente, a descentraliza-ção significa democracia, havendo conexão entre federalismo e democracia. Esse também é o entendimento de Filippov e Shvetsova (2011), para quem,

O raciocínio deriva do consenso de que o federalismo para ser bem sucedido requer instituições democráticas em pleno funcionamento, sistema judicial, partidos políticos nacionais integrados e incentivos eleitorais apropriados cria-dos pela competição política democrática. A conclusão básica da literatura é que apenas em democracias que funcionem bem, o federalismo pode ser uma forma estável e efetiva de governo. E, inversamente, fora do contexto

de-mocrático o federalismo é em última instância uma forma instável, que logicamente leva à desintegração territorial ou se torna mera formalidade constitucional (FILIPPOV; SHVETSOVA, 2011, p.3, tradução

nossa, grifos nossos).

Contudo, os autores chamam atenção para o fato de que a democracia, não ga-rante a estabilidade federal e, tampouco pode ser considerada condição do suces-so democrático. As teorias suces-sobre federalismo mostram que, em longo prazo e em equilíbrio, a democracia deve estar presente para que o federalismo possa ser bem--sucedido. Além dessas polaridades, Riker (1964) propõe observar, com base nos modelos federativos, a formação de coalizões e negociações. Dependendo dessas formações, o pacto federativo pode se tornar instável, o que levaria as disposições constitucionais formais não serem importantes. Essa característica, notada pelo autor, denomina-se de modelo centralizador ou de coalizão.

No federalismo de coalização, existe mais chance de o centro (governo federal) controlar as políticas para receber mais benefícios em virtude de sua posição na escala de poder. Aranson (1990) diz que é necessário romper com a natureza dessa “invenção”, anular a tradição que se foi tornando natural ao pensar o federalismo, ou seja, a naturalização da descentralização para a centralização. Nos discursos

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modernos sobre federalismo, o grau de centralização ou descentralização localiza a soberania no governo central:

A versão mais próxima que temos desse conceito de federalismo hoje ocorre nas relações entre cidades e províncias/municípios/condados com os governos estaduais, que controlam não apenas a extensão e os limites da autoridade do governo local, mas também às vezes até suas próprias fronteiras. O resultado é um grau de descentralização condicionado às escolhas do poder

central (ARANSON, 1990, p.20, tradução nossa, grifos nossos).

Há consenso entre os autores, como Aranson (1990) e Riker (1964) que não se pode ignorar a relação entre federalismo e descentralização enquanto fenômenos globais que se articulam. O federalismo deve ser associado às várias nuances desse conceito. A descentralização implica a existência de uma autoridade central para o governo federal. Descentralização do governo pode ser recentralização se assim o desejar. Nos sistemas descentralizados, a difusão do poder é uma questão de corte-sia, não de direitos, conforme Elazar (1994).

Outro ponto a ser analisado dentro das dimensões do federalismo são as Rela-ções Intergovernamentais (IGR)3 em virtude de a Ciência Política nacional e inter-nacional destacar as IGR como constitutivas dos processos descentralizadores das tomadas de decisão. O polo competição/cooperação tem sido valorizado por pro-piciar uma clareza sobre a dinâmica federativa em detrimento do posicionamento centralização/descentralização. O que vem diferenciando as atuais análises sobre o federalismo é a opção adotada por cada modelo, bem como a importância atribuída ao conjunto competição/cooperação.

Na literatura internacional, Wright (1978) propõe, como referência de análise da di-mensão territorial da ação estatal, o conceito de Intergovernmental Relations (IGR). O autor identifica cinco elementos que irão operacionalizar o conceito de relações intergovernamentais: conflito, cooperação, concentração, criatividade e competição.

Baseado nessas fases, o autor propõe três tipos de relações intergovernamentais, de coordenação federativa. O primeiro modelo, proposto por Wright (1978), é a au-toridade independente ou separada em que as funções são delimitadas não havendo interlocução entre as partes e nem coordenação. Constitucionalmente, nesse mode-lo, só são reconhecidos os governos federal e estadual, prevalecendo a independên-cia entre eles. Os poderes locais estariam condicionados ao bem-querer do poder central, dependendo para seu funcionamento dos governos estaduais.

Wright (1978) afirma a existência de um segundo tipo de IGR, baseado no modelo de autoridade interdependente, em que haveria interseção entre duas ou mais esferas que poderiam atuar, simultaneamente, produzindo complexas relações organizacionais, visto que um ente federado limita o poder de atuação do outro (freios e contrapesos), tornando a barganha política, através de acordos intergovernamentais e arranjos fede-rativos, essenciais para o movimento do padrão de autoridade (RIKER, 1964).

O último seria o modelo inclusivo ou dependente. Segundo Wright (1978), na au-toridade inclusiva, a atuação da unidade subnacional depende das decisões do go-verno federal, a relação é hierárquica, sendo o modo de interação entre os gogo-vernos

3 Em Wright (1978, p.27, tradução nossa) “Ao contrário do federalismo, as RIG evitam o excesso de relações de estresse em nível de estado nacional, além do legalismo não assumem as relações hierárquicas, que incorpora uma ampla gama de interesses relacionados com a política e são um conceito mais neutro que o termo federalismo muitas vezes politizado”.

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subnacionais uma extensão administrativa do governo federal. O aumento e a ma-nutenção do poder central sobre os outros níveis de governos seriam dados a partir do jogo de soma zero (HODDEN, 2004). Aqui, as subunidades não teriam a capa-cidade de exercer sua autoridade na tomada de decisão, tendo uma coordenação marcada por uma hierarquia vertical.

Os avanços do centro ocorrem a partir do enfraquecimento dos demais níveis ou pelo aumento do poder do Estado que produzisse crescimento linear dos níveis em hierarquia (WRIGHT, 1978). Em suma, as IGR incluem, como objetos próprios de estudo, todas as permutações e combinações entre as unidades de governo dos sistemas federativos.

1.2 Federalismo no Brasil – das primeiras iniciativas à Constituição Federal de 1988

A história federativa brasileira é uma nuance de desencontros e desequilíbrios entre os níveis de governos. No início da República Velha, houve predominância do federalismo centrífugo com os estados dotados de ampla autonomia, mas sem coordenação federativa entre si. Esse tipo de federalismo fragilizava o poder central e o caracteriza como um governo federal fraco (SOUZA, 2001).

Dessa forma, considera-se que o Brasil seria prisioneiro desde a proclamação da República, em 1889, de um movimento pendular, ora com processos de centraliza-ção autoritária, ora de descentralizacentraliza-ção descoordenada e, como observa Abrucio (1998), por muitas vezes, predatória. Desde o início, o Brasil apresentou aspirações federalistas, mas, redimensionando a visão de mera cópia do federalismo america-no. Essa peculiaridade se mostra propositiva, pois, nas “condições brasileiras, não é suficiente que a União se retire de cena para que, por efeito de novas prerrogativas fiscais e políticas de estados e municípios, estes passem a assumir de modo mais ou menos espontâneo, competências de gestão” (ARRETCHE, 1996, p.112).

O Brasil durante todo o século XX foi marcado, no seu modelo federalista, pelo crescimento da força política e econômica do governo federal ante os governos es-taduais. Porém, a fragilidade da União perante os estados foi notável na história do federalismo brasileiro, agravando-se, ainda mais, após a República. Foi instituído o modelo oligárquico, marcado pela passagem para o federalismo estadualista com sua origem no novo poder dos governadores (ABRUCIO, 1998). Esse modelo só foi possível pelo enfraquecimento da União e da Presidência da República dando aos governadores o que se costumou assinalar de veto players4 (TSEBELIS, 1997). En-quanto ator individual ou coletivo, os governadores brasileiros, por meio do modelo de federalismo estadualista, deveriam concordar com a União para que uma deci-são fosse tomada.

Neste sentido, houve uma união das províncias brasileiras em torno da autonomia política, visto que, entendiam que o projeto federalista iria equalizar os benefícios a todas as unidades federadas. No entendimento de tais províncias, a autonomia política era sinônimo de perda de poder pelo governo central nas eleições locais, garantindo a eleição dos antigos presidentes das províncias que haviam sido desti-tuídos quando se adotou o modelo unisionista-autoritário no ano de 1930.

Lassance (2010) observa que, embora o ultrapresidencialismo estadualista, nesse momento, tenha tido grande força, a matriz presidencial por parte do governo federal

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foi reforçada pela importância das políticas de estabilização econômica que visavam estabilizar a inflação e as finanças, sobretudo, proteger o monopólio do café. Mesmo com o surgimento da estrutura federativa no Brasil, esta não conseguiu estabelecer uma relação de interdependência entre União e os estados (ABRUCIO, 1998); para esse autor, ocorreu um desequilíbrio federativo que colocava, de um lado, dois es-tados fortes contra a União fragilizada perante estes; de outro, vários eses-tados que dependiam do governo federal por não saber ou por não ter como caminhar de forma independente. Não havia se estabelecido o modelo de autoridade interdependente proposto por Wright (1978), ou conforme Elazar (1994,1995), um modelo cooperativo, com o estabelecimento de regras compartilhadas e autonomia regional.

A partir da Constituição Federal de 1946, se estabelece a dimensão jurídico--institucional do federalismo e esse volta a ser marcado pela política constitucional, retornando as eleições para cargos executivos e legislativos nos estados e municípios. De 1946 até 1964, nota-se o início de uma democracia competitiva de massas quan-do ocorreram eleições mais livres e mais competitivas não obstante as oscilações no período, conforme Abrucio (1998). Essa questão foi crucial no federalismo do Brasil em virtude de haver, por parte dos governadores, um controle que cooptava os chefes da política local por meio da distribuição de cargos públicos. O autor assinala que, no período de 1946-1964, ocorreu um primeiro equilíbrio federativo que abrangeu não só as relações entre as esferas de poder bem como a prática democrática.

O outro período importante para o federalismo brasileiro foi o período do regime militar caracterizado por um modelo federalista marcado pela reforma tributária em-preendida de 1965-1966 e conhecida como o grande ciclo de centralização. O auge do modelo ocorreu nos anos 1965-1974 em que o federalismo funcionou conforme plane-jado pelos militares por meio da compatibilização, tendo como premissa a patronagem dos municípios menores. Essa conjuntura denominou-se federalismo de integração. Nos documentos oficiais da época, a nomenclatura era sobressaliente, composta por uma representação política que privilegiava o voto interiorano e rural “e pela introdu-ção de eleições indiretas” (DUARTE, 2003, p.66). Nesse federalismo de integraintrodu-ção, o município aparece como instância articulada e subordinada ao poder estadual.

De 1985 a 1995, a predominância dos interesses dos governadores estaduais e municipais é contemplada na Constituinte de 1988, quando se consolida a descen-tralização política e fiscal, iniciada no final de 1970 (COSTA, 2010). A redemocra-tização configurada pela Carta de 1988 trouxe a descentralização política e finan-ceira, mudando o papel desempenhado pelos entes federativos, ampliando o poder dos subgovernos em termos de gastos sociais. Com ela, o pacto político entre os governos federados sugere maior compromisso com as questões sociais e regionais, inaugurando, em termos constitucionais, não só maior descentralização de recur-sos, mas também um federalismo cooperativo. Essa nova realidade, proporcionada pela Constituição Federal de 1988 é analisada observando-se os redirecionamentos das questões federativas, propiciadas por seu marco regulatório.

A Constituinte de 1988 instaura uma reforma política sem precedentes na histó-ria brasileira. O processo de redemocratização após vinte anos de ditadura militar, marcado pelo federalismo unisionista, ou, nos termos de Wright (1978), federalismo de autoridade dependente, trouxe mudanças no federalismo do Brasil, levando a uma reestruturação na estrutura federativa. A luta pela descentralização foi acompanhada pela da democracia. Os governadores tiveram papel importante na condução da nova

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constituinte (ABRUCIO; COSTA, 1998). O Brasil, enquanto instituição federativa pas-sou por uma série de mudanças trazidas pelo novo compromisso; adotou uma nova economia, ampliando o papel dos governos subnacionais como forma de minimizar o vazio deixado pelo governo federal no período militar, dando sequência ao ultrapresi-dencialismo dos governadores indicado por Abrucio (1998).

Na história recente do federalismo brasileiro, existiram dois momentos reconfi-gurativos: o primeiro com a Constituição de 1988 em que o arranjo federativo é ca-racterizado por uma não centralização do poder político; o segundo com a reforma do Estado realizada na década de 1990 quando estados e municípios sofrem restri-ções de sua autonomia na implementação de políticas. Entre as mudanças propor-cionadas pela Constituição de 1988, estão: o repasse de recursos para as esferas subnacionais, o aumento do controle institucional e societal sobre os três níveis de governo. A universalização dos serviços da área social, como saúde e educação, provocou mudanças nas instituições políticas, sobretudo, no poder local.

A Constituição Federal de 1988 instituiu um sistema legal de repartição de receitas que limita a capacidade de gasto do governo federal e, por consequência, sua capaci-dade de coordenação de políticas (ARRETCHE, 2004). Aos poucos, o processo deci-sório, os conflitos e alianças, propiciados em 1988, foram favorecendo a consolidação da democracia e tornando o Brasil mais federal, ante a existência de vários poderes soberanos competidores entre si5. Na Constituição de 1988, o arranjo federativo foi o sustentáculo do federalismo brasileiro. No intuito de manter os valores democráti-cos, a nova Constituição inverteu o modelo anterior. A descentralização substituiu a centralização, transformando o Brasil em um dos Estados mais descentralizados do mundo quanto à distribuição de recursos e veto players6 (decisão política).

Coube à Constituinte de 1988 solucionar os dilemas do período anterior, aumen-tando a participação das esferas locais e diminuindo o poderio do governo central, sob o prisma da descentralização. A Carta traz, como sua causa pétrea, o art.18, que organiza administrativa e politicamente a República Federativa do Brasil em uma federação trina, compreendendo “[...] a União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-nicípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2005, p.31).

Com a autonomia atribuída aos municípios e o reconhecimento destes enquanto entes federados, a Carta Magna propiciou, em um só tempo, o poder decisório aos mesmos, aparecendo o municipalismo autárquico (ABRUCIO, 1998; ABRUCIO; COSTA, 1998). A importância dos governos locais não é destaque somente na li-teratura nacional. Watts (1994) identificou que a relevância dos poderes locais nas federações foi, ao longo do tempo, aumentando, fazendo as federações mudar suas estruturas tradicionais.

O caráter federativo e autônomo dos municípios no cenário brasileiro está asse-gurado pelo art.18, que descentraliza a política constitucional e cria as três esferas de poder. Em nenhuma outra nação, o município será reconhecido, constitucional-mente enquanto ente federado. Essa peculiaridade confere aos municípios do Brasil sua autonomia político-administrativa, instalando talvez o modelo cooperativo de Elazar (1995) ou modelo de autoridade interdependente de Wright (1978).

O regime de colaboração, consubstanciado na Carta de 1988, é um avanço por promover a corresponsabilidade coordenada e não meramente uma municipalização

5 União, estados e municípios. 6 Tsebelis (1997).

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simplista, muito menos uma divisão estanque entre as esferas de poder. O art. 211 é a representação de um federalismo compartilhado ao se tomar como parâmetro, as ideias de Elazar (1995) sobre o federalismo: enquanto um contrato de distribuição de responsabilidade pública entre todos os governos que compõem o sistema. A Constituição Federal de 1988 estabelece, textualmente, um federalismo coopera-tivo com base em relações intergovernamentais interdependentes, cujas esferas de poder são, ao mesmo tempo, interligadas e autônomas, nas quais não há submissão de um poder sobre o outro.

1.3 Federalismo brasileiro e a Constituição de 1988: implicações para a educação

Conforme consta no art. 23, a educação, na Constituição Federal de 1988, é uma competência comum entre os entes da federação, no sentido de proporcionar meios de acesso para esta. No plano das relações horizontais, seria a possibilidade de re-presentação dos três níveis de governo na divisão de poderes, conferindo maior veto players. No entanto, não há nos outros artigos uma definição de regime de colabo-ração. No artigo normativo dessa matéria (art. 211), o texto remete ao art. 60, § 1º, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual foi modificado pela Emenda Constitucional nº 14/96:

§1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,

finan-ciará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma

a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (BRASIL, 2005, p. 126, grifos nossos).

Analisa-se que a função supletiva e redistributiva é o fundamento legal do modelo de federalismo cooperativo adotado no Brasil, pelo menos, para as políticas sociais como saúde, educação, transporte, lazer. A Constituição de 1988 prevê a partir da redação dada pela Emenda Constitucional nº 14/96, que a União organize, junto aos estados e municípios, os sistemas de ensino em regime de colaboração garantindo a oferta do ensino fundamental (art.211 CF). O dispositivo que regula os recursos federativos, para os entes da federação, destaca a necessidade de investimento anu-al por parte da União em percentuais não menores que dezoito por cento, e aos estados e municípios os valores serão aplicados em um patamar de, pelo menos, vinte e cinco por cento (BRASIL, 2005). As verbas aludidas no artigo deverão advir das receitas percebidas dos impostos, aquelas provenientes de transferências para serem destinadas à manutenção e ao desenvolvimento do ensino.

Na área educacional, Arretche (2002) cita que o governo federal encontrou resul-tados diversos na implantação das reformas que afetavam os interesses dos esresul-tados e municípios, fazendo com que o veto players desses subgovernos nacionais não fosse de todo utilizado. Estados e municípios não foram capazes de transpor seu poder de veto na reforma educacional no ano de 1990. No poder de veto brasileiro, os municípios “não representaram um ponto de veto intransponível à implementação da agenda de reformas do governo federal nessas políticas particulares” (ARRETCHE, 2002, p.433). No texto constitucional, a colaboração da União para os estados e municípios, em relação às políticas educacionais, acontecerá de forma supletiva, para as áreas mais carentes, tentando equalizar as oportunidades educativas, aparecendo o Congresso

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Nacional com o papel de elaboração de planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento (art.48, inciso IV, CF). No capítulo III da Constituição Federal, intitulado “Da educação, da cultura e do desporto”, ocorre a divisão de competências:

Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino7.

§ 1º - A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financia-rá as instituições de ensino públicas federais e exercefinancia-rá, em matéria educacional,

função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensi-no mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios8 (BRASIL, 2005, p.188, grifos nossos).

A área da educação é observada sob normas privativas ora concorrentes, ora co-muns no estabelecimento das diretrizes e bases da educação:

Art.22. Compete à União legislar sobre: [...]

XXIV – Diretrizes e bases da educação nacional;

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a

legis-lar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo” (BRASIL,

2005, p.34, grifos nossos).

É possível perceber uma concepção de federalismo cooperativo na Carta de 1988, quando esta se estrutura por meio da repartição de competências concorrentes e comuns, no qual a União detém maior espaço de atuação quando se compara as competências que a Constituição deixa para estados e municípios, visto que o go-verno federal tem o privilégio de editar normas gerais (art.24) ou por meio de leis complementares que deverão disciplinar a atuação federativa cooperada (Art.23). Neste sentido, pode-se dizer que o estabelecimento de normas gerais à União e com-plementares aos subgovernos nacionais consiste em um caráter apenas técnico de distribuição, cujo motor é a possibilidade de os entes federados periféricos adapta-rem a legislação pensada no âmbito da União às suas idiossincrasias, que favorece, sem dúvidas, um centralismo federativo na figura do governo federal.

As mudanças, contidas na Constituição de 1988, apresentam a possibilidade de equilíbrio na organização da federação brasileira, sendo perceptíveis as atribuições imparciais, iguais e constantes em relação à distribuição de poder aos entes fede-rados. Sua normativa planta os fundamentos para a construção de um federalismo simétrico e cooperativo.

A norma constitucional, apesar de se pautar no federalismo cooperativo, apre-senta, na prática, um problema de unidimensionalidade, ou seja, um unilateralismo na tomada de decisão. Em termos de políticas educacionais, parece que o federalis-mo do Brasil possui um único autor: a União. Na realidade, apresenta-se cofederalis-mo um federalismo de subordinação e não de coordenação, em que há ausência de regras complementares para um efetivo regime de colaboração.

7 Dispositivo complementado no art.60 Das Disposições Transitórias e do Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, que institui o Plano de Ações Articuladas (PAR).

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Com base na legalidade destacada, as relações estabelecidas entre a União e os subgovernos nacionais se pautam na descendência de poder, que se manifesta por meio de imposições, de transferência de encargos sem a devida distribuição de meios e recursos necessários, não havendo a elaboração de agenda programática de intervenções para a educação básica, de modo a alcançar a desejada melhoria da educação como premissa do federalismo e do regime de colaboração no Brasil.

Essa situação de falta de regras sobre o regime de colaboração na educação con-tribuiu para que o Brasil efetuasse a reforma do Estado no ano de 1995 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), acentuando o centralismo da tomada de decisão em termos de políticas educacionais por parte do governo federal, sobre a “premissa” de descentralização e autonomia aos subgovernos nacionais. Uma das iniciativas importantes desse período foi a aprovação da Emenda Constitucional nº 14/1996 que estabelece sérias modificações na política de financiamento da educa-ção básica, definindo que os entes federados organizem, em regime de colaboraeduca-ção, seus sistemas de ensino, instituindo o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) como principal fundo público contábil visando a divisão de responsabilidades entre os entes federativos, conforme discute-se a seguir. A partir do Fundef e, posteriormente, do Fundeb (Lei n° 11494/2007), há um intenso processo de municipalização da educação no Brasil como parte de uma política de desconcentração, responsabilização e performativi-dade que tinha por discurso a eficiência dos sistemas municipais de ensino

A conjuntura originada nos marcos da Constituição de 1988 desencadeou a “ne-cessidade” de uma reforma de Estado, bem como a consolidação da democracia, ligadas diretamente a um pacto federativo cooperativo/coordenado que não restrin-gisse, demasiadamente, a autonomia dos governos subnacionais (poderes locais). Nas últimas décadas, o federalismo brasileiro aglutinou mecanismos que alteraram a Constituição Federal e incorporou o federalismo administrativo marcado pela desresponsabilização da União e centralização das políticas educacionais. Várias iniciativas e programas foram criados pelos últimos governos do Partido dos Tra-balhadores (2003 a 2016), tentando superar os dilemas no federalismo brasileiro dentro do campo educacional. Uma das iniciativas que vem mudando o panora-ma nacional visando voltar às bases de um federalismo cooperativo foi o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, 2007) cujo aporte teórico está ligado a um modelo sistêmico de educação e de planejamento. No âmbito do PDE encontra-se a necessidade de que os municípios elaborem seus Planos de Ações de Articula-das com mecanismo necessário à implementação do regime de colaboração entre a União e os demais entes federados.

O Plano de Ações Articuladas (PAR) e sua repercussão no planejamento educacional

dos municípios

O Plano de Desenvolvimento Educação (PDE) tem como instrumento jurídico o Plano de Ações Articuladas (PAR), normatizado pelo Decreto nº 6.094/07. O art. 9º define o PAR como um “conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou finan-ceiramente pelo Ministério da Educação, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes” (BRASIL, 2007a, s.n). O Plano de Ações Articuladas constitui-se em um plano estrutural de longo prazo que visa

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superar a fragmentação das políticas educacionais e abrir diálogo entre os entes fe-derados, estabelecendo/fortalecendo o regime de colaboração. Possui, no seu texto, a pretensão de promover o planejamento democrático da educação reunindo indica-dores que contribuem para uma análise da qualidade da educação dos municípios. O Decreto nº 6.094/07 coloca o PAR como centro da agenda pública da política edu-cacional brasileira, priorizando as ações baseadas no interesse coletivo dos municípios considerando a realidade sistêmica destes. Pelo decreto, a participação na tomada de decisão é compartilhada por gestores escolares, Secretários de Educação, demais fun-cionários e sociedade civil. Trata-se de uma participação institucionalizada ao “Art. 2º. [...] XXII - promover a gestão participativa na rede de ensino” (BRASIL, 2007a).

Na configuração do PAR, os sujeitos locais são conclamados à participação e responsabilizados por efetuar as ações que resultariam na melhoria da qualidade educacional, alterando os modos e modelos de planejamento, proferidos nas subu-nidades governamentais ao se estruturar em 04 (quatro) dimensões que lhe dão base (BRASIL, 2007). Área 1. Gestão educacional; área 2. Formação de professores e de profissionais de serviço e apoio escolar; área 3. Práticas pedagógicas e ava-liação; área 4. Infraestrutura física e recursos pedagógicos.

O plano traz, por meio de suas ações e estratégias para cada dimensão, um mo-delo de política educacional baseada nos resultados, denominada por Ball (2004) de performatividade, visto que possui conceitos como resultado, níveis de desem-penho e formas de qualidade, prevendo a responsabilização por meio da prerroga-tiva do regime de colaboração com os municípios e unidades federadas, buscando, também, a participação das famílias e da comunidade.

O PAR configura um plano executivo com discurso ambivalente que, de um lado, propõe o regime de colaboração e, de outro, condiciona a colaboração à mudança no planejamento educacional nos municípios. As quatro dimensões do plano são a nova forma de estruturação requerida para as Secretarias Municipais de Educação como forma de planejamento da educação. A partir do PAR, as secretarias devem modelar seu planejamento educacional com base nas dimensões, áreas e estraté-gias, previstas no guia prático de ações.

Como instrumento de planejamento educacional, o PAR traz a concepção de gestão de resultados para a gestão pública em seu art. 11, § 2º “O Ministério da Educação realizará oficinas de capacitação para a gestão de resultados, visando instituir metodologias de acompanhamento adequadas aos objetivos instituídos nesse Decreto” (BRASIL, 2007). O modelo de planejamento educacional, adotado por essa política, concebe o sistema de planejamento da educação proferido pelas Secretarias de Educação como pesado, impedidor do espírito empreendedor que os trabalhadores da educação possuem. Os gestores dos sistemas educacionais devem se tornar líderes, fornecendo visões que gerem um compromisso coletivo em ser o melhor (CLARKE; NEWMAN, 1997).

As Secretarias Municipais de Educação (SEMEDs) devem obedecer a uma re-tórica de boa governança, eficiência e qualidade, baseada nos resultados do Ideb, escondendo os desfechos de um modelo federativo fragilizado, visto que a combina-ção particular de prioridades, descritas no guia de ações, são distintas das realida-des regionais brasileiras. A arena política do PAR promove o governo indireto, que envolve não só uma estrutura de responsabilidades, mas também novas formas de controle e responsabilização (accountability).

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O PAR se constitui em uma arena de negociação do planejamento educacional, cujos representantes são as Secretarias Municipais de Educação. Ao buscar ana-lisá-lo enquanto arena de negociação rumo a um regime de colaboração, surge a dificuldade polarizada no federalismo brasileiro: a centralização/descentralização evidenciadas na trajetória dependente do Brasil em matéria de política educacio-nal. Nesse aspecto pode-se observá-lo como uma nova forma de centralização do planejamento educacional (considerando suas diretrizes gerais, formas de financia-mento e assistência técnica, que são definidos por uma norma geral materializada nas Resoluções nº 29/07, nº 47/07 e nº 14/12 do FNDE). Essas três resoluções são as normativas mais importantes no âmbito do PAR por operacionalizarem legalmente o Decreto nº 6.094/07.

Na visão do MEC, o Plano de Ações Articuladas é um importante instrumento de macroplanejamento educacional por permitir que os entes federados apontem suas prioridades para que a educação melhore e as metas do Ideb sejam alcançadas. Com a implantação do PAR, o planejamento educacional acaba tendo uma cooperação coercitiva, não baseada na condição de igualdade entre as partes, já que os docu-mentos norteadores estabelecem, fixam e normatizam como se dará o regime de colaboração, excluindo os estados em detrimento das transferências diretas para o município, sob a premissa da descentralização. Apresentado como “nova” forma de promover a cooperação no âmbito da educação, deveria pressupor, em seus apor-tes, o movimento de parceria entre os governos cuja negociação estaria na base de compartilhamento de poder entre as partes, pois o compartilhamento de poder é o padrão de interação em uma federação (ELAZAR, 1994; 1995).

Por ser um plano que se autoconceitua sistêmico e estratégico, as ações da edu-cação básica e superior se interligam. Constitui-se em uma associação para o de-sempenho (performance partnerships) entre os níveis de governo. Promete ser um instrumento de transformação das relações intergovernamentais que, no Brasil, ainda são problemáticas. Propõe aumentar a eficiência do planejamento educa-cional dentro das SEMEDs por meio da descentralização de recursos voluntários, repassados pelo FNDE aos municípios que o aderiram, uma espécie de premiação da adesão “voluntária”. Ao aderi-lo, os entes federados mantêm a concepção de uma política federativa baseada em uma estrutura dual, com previsão de distintos ní-veis de governo em que uns se dedicam a algumas funções mais gerais (no caso o governo federal) e outros mais locais (aqui são os estados e municípios que, de fato, o implementam e o executam). Esse caráter traz à tona uma questão essencial em países federalistas observada por Riker (1964): a necessidade de barganhas, nego-ciações constantes que definem a capacidade de poder de cada uma das instâncias de governo no momento de sua implementação.

Conforme o art. 5º da Resolução nº 29/07 do FNDE, inciso II, os subgovernos nacionais são responsáveis, apenas, pelo recebimento dos recursos financeiros transferidos pelo FNDE, não possuindo qualquer tipo de autonomia para pensar, planejar ou instituir políticas, diretrizes, normatização e coordenação dentro das ações articuladas.

Mesmo se proclamando como uma política cooperativa, materializa-se na dificul-dade do exercício da autonomia dos subgovernos nacionais diante do centralismo do governo federal em termos de formulação, implementação e avaliação de políti-cas educacionais, path dependence constante do Brasil. Ou seja, o PAR inviabiliza,

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por meio das políticas induzidas pelo marco legal oriundo da União, o planejamento educacional autônomo dentro das Secretarias Municipais de Educação.

Considerações finais

Os estudos efetivados permitem evidenciar que o federalismo brasileiro é marca-do por tensões de centralização versus descentralização, não se materializanmarca-do em um federalismo cooperativo ou interdependente. Apesar de a literatura apontar o federalismo como sendo a melhor forma de organizar o Estado, foi possível observar que, desde a sua origem, o federalismo no Brasil seria marcado por um movimento pendular, ora com processos de centralização autoritária, ora de descentralização descoordenada, não chegando a configurar um federalismo cooperativo. O modelo de federalismo cooperativo requer relações governamentais interdependentes e a adoção de uma matriz que se caracteriza pela não centralização da tomada de deci-sões, o que não acontece em programas implementados pela União.

A redemocratização configurada pela Carta de 1988 trouxe a descentralização política e financeira, mudando o papel desempenhado pelos entes federativos, am-pliando o poder dos subgovernos em termos de gastos sociais. Com ela, o pacto político entre os governos federados sugeriu maior compromisso com as questões sociais e regionais, inaugurando, em termos constitucionais, não só maior descen-tralização de recursos, mas também um federalismo cooperativo, no entanto, isso não ocorreu. A União, fortalecida após a reforma do Estado na década de 1990, engendrou políticas educacionais que tendem a vincular os subgovernos nacionais a seus princípios por meio de um planejamento estratégico, de cunho mais geren-cial, como o Plano de Ações Articuladas (PAR), que possui um modelo específico de gestão que acaba por conflitar com as formas de gestão proferidas pelas Secretarias Municipais de Educação, acostumadas com uma lógica de gestão menos gerencial, criando um hibridismo para o planejamento educacional.

No que se refere à implantação do Plano de Ações Articuladas como mecanismo para estabelecimento do regime de colaboração, evidencia-se que o governo federal utilizou-se do discurso de autonomia e descentralização dos entes subnacionais, mas, na verdade, o que tem ocorrido é a aprovação de uma legislação de políti-cas educacionais que interferem na gestão educacional dos subgovernos nacionais, transformando-os em meros executores, cerceando a autonomia destes e impondo um modelo de gestão por resultados enquanto parâmetro para a melhoria da qua-lidade da educação. Considera-se que o PAR, enquanto política federal que possui modelo específico de gestão (a gestão por resultados), acaba por se tornar uma are-na de negociações conflitante entre União e subgovernos are-nacioare-nais, transformando--se em uma arena de negociações com o jogo de soma zero, em que não há efetiva colaboração entre as partes envolvidas.

Não se pode deixar de admitir que, com o PAR, o Brasil começa a ter uma maior re-lação interfederativa mais efetiva, rompendo as práticas paternalistas na provisão de recursos aos estados e municípios. Para o federalismo cooperativo, a negociação deve primar pelo compartilhamento federativo enquanto processo e não como produto. O PAR inverteu essa lógica e se apresentou às subunidades nacionais enquanto forma impositiva a ser adotada por meio de um Termo de Adesão “Voluntária” que nada mais é do que um contrato de gestão; os municípios, na sua maioria, são obrigados a

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se submeter a essa política do governo central, uma vez que necessitam da assistência técnica e financeira do MEC para desenvolver o seu planejamento educacional.

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Enviado em: 07/julho/2018 Aprovado em: 15/agosto/2018

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