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Mau trato à criança: factores de vulnerabilidade e de protecção : guião de conceptualização de caso de criança (6-11 anos) em situação de perigo

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MAU TRATO À CRIANÇA: FACTORES DE VULNERABILIDADE E

DE PROTECÇÃO

G

UIÃO DE

C

ONCEPTUALIZAÇÃO DE

C

ASO DE

C

RIANÇA

(6-11

ANOS

)

EM

S

ITUAÇÃO DE

P

ERIGO

Pedro Manuel de Magalhães Oliveira Pereira

Tese submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Intervenção Comunitária e Protecção de Menores

Orientadora:

Professora Doutora Maria Salomé Torres Vieira Santos, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

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À Professora Salomé, pela brilhante orientação do presente trabalho (e principalmente do autor...), pelo incomensurável empenho com que se dedicou ao mesmo, pela disponibilidade sempre revelada e pela partilha de toda a sua sabedoria e conhecimento.

À minha família e amigos, pelo apoio que prestaram sob diversas formas, todas elas consubstanciadas em doses elevadas de motivação.

A todos os colegas Mestrado, pela amizade e pela partilha de saberes, e em especial a todos aqueles cujo companheirismo nos conduziu, juntos, a este ponto.

Aos elementos da Equipa de Apoio a Famílias com Crianças e Jovens em Risco Oriental 2 da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pela forma como, sem excepção, me ampararam neste caminho árduo de conjugação de tarefas.

À minha companheira de viagem, o meu factor de protecção mais importante, pela forma como também sentiu este empreendimento como seu, pelo modo como me ajudou a superar os momentos de reclusão e, principalmente, por todo o amor.

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focalizadas nos processos subjacentes ao mau trato e não nas suas tipologias. Visa-se contribuir para o delineamento de intervenções caracterizadas por um carácter precoce, mínimo, proporcional e actual, potenciando a criação de condições para um desenvolvimento integral da criança. A construção do Guião baseia-se nos modelos ecológicos e contempla, em cada nível contextual (criança, familiar/parental, e comunitário), factores de vulnerabilidade e factores de protecção identificados na literatura como associados ao mau trato. Para além de se abordar o enquadramento legal vigente na matéria em Portugal, incide-se nos constructos subjacentes à construção do Guião (mau trato, bem-estar, resiliência, factores de vulnerabilidade e factores de protecção). Nesta fase da elaboração do Guião foram seleccionados 22 factores, cada um deles descrito em função de indicadores específicos que incluem um formato de checklist, escala ou resposta aberta, possibilitando um preenchimento fácil e em tempo útil para a intervenção. No final, tecem-se considerações acerca da aplicabilidade presente do Guião, das suas limitações, e das implicações futuras do trabalho desenvolvido.

Palavras-chave: Mau trato; Factores de Vulnerabilidade; Factores de Protecção; Avaliação. [2800] Developmental Psychology

[3373] Community and Social Services

Abstract: In the present paper, a Script was created for the case conceptualization of children (6-11 years of age) in a danger situation in order to justify interventions which focus on the processes underlying maltreatment as opposed to a typologie approach. The aim is to contribute for the planning of early interventions. These interventions are minimal, current and proportional, promoting the development of adequate conditions for the child’s global development. The creation of the Script is based on ecological models and includes vulnerability and protective factors which studies have identified as being associated with maltreatment at each contextual level (child, family/parental, and community). Beyond the legal framework which is in force in Portugal regarding this matter, the focus is on the concepts which underlie the creation of the Script (maltreatment, wellbeing, resilience, vulnerability factors and protective factors). In the current phase of the creation of the Script, 22 factors were selected. Each of these factors is based on specific indicators, which include a scale, checklist, or open end format, in order to allow for a quick response and in a proper time frame. Finally, considerations are made regarding the applicability of the present Script, it’s limitations and the implications of this work for the future.

Key words: Maltreatment; Vulnerability Factors; Protective Factors; Assessment [2800] Developmental Psychology

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Introdução 1

1. Enquadramento Legal 4

1.1 Definição de Situação de perigo 4

1.2 Intervenção do Estado 5

2. Tipologias de Mau Trato 9

3. Modelos Ecológicos 11

4. Bem-Estar 15

5. Resiliência, Factores de Protecção e Factores de Vulnerabilidade 18 6. Guião de Conceptualização de Caso de Criança (6-11 anos) em Situação

de Perigo: Estrutura e Procedimentos 23

7. Factores de Protecção e Factores de Vulnerabilidade Incluídos no Guião 25

7.1. Factores de Vulnerabilidade 25

7.1.1. Factores de Vulnerabilidade ao Nível Parental / Familiar 25

7.1.1.1 Stressores Agudos 25

7.1.1.2 Violência Doméstica 26

7.1.1.3 Dependência/Abuso de Substâncias 28

7.1.1.4. Parentalidade Adolescente 30

7.1.1.5 Historial de Mau Trato na Infância dos

Progenitores 31

7.1.1.6 Funcionamento e Saúde Mentais dos

Pais/Cuidadores 33

7.1.2. Factores de Vulnerabilidade ao Nível Comunitário 34

7.1.2.1 Empobrecimento 34

7.1.2.2 Violência Comunitária 35

7.2. Factores de Protecção 36

7.2.1 Factores de Protecção ao Nível da Criança 36

7.2.1.1 Auto-Conceito e Auto-Estima 36

7.3. Factores de Vulnerabilidade-Protecção 37

7.3.1 Factores de Vulnerabilidade-Protecção ao Nível da

Criança 37

7.3.1.1 Temperamento 37

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7.3.2 Factores de Vulnerabilidade-Protecção ao Nível

Parental/Familiar 44

7.3.2.1 Tamanho e Estrutura da Família 44

7.3.2.2 Coesão Familiar 45

7.3.2.3 Vinculação 47

7.3.2.4 Comunicação Familiar 51

7.3.2.5 Competências Parentais 52

7.3.2.6 Mecanismo de Coping 54

7.3.3 Factores de Vulnerabilidade-Protecção ao Nível

Comunitário 55 7.3.3.1 Suporte Social 55 8. Conclusão 57 Referências Bibliográficas 60 Anexo A 66 Índice de Figuras

Fig. 1 - O contínuo de promoção-prevenção-protecção (adaptado de Prilleltensky et

al., 2001). 16

Fig. 2 - Combinação dos Factores de Vulnerabilidade e de Protecção nos Diferentes Níveis Contextuais e o Resultado dos Seus Processos (modelo adaptado de

Peirson et al. 2001). 21

Fig. 3 - Comportamento parental e padrões de vinculação (modelo adaptado de

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Introdução

No ano de 2006 foram instaurados, nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), 25209 novos processos de promoção de direitos e protecção de crianças e jovens. Destes, 38.1% referiram-se a crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos, tornando esta faixa etária naquela em que foram sinalizados mais casos de crianças em situação de perigo. As problemáticas mais comuns foram a negligência, a exposição a modelos de comportamento desviante, os maus tratos psicológicos e físicos, e o abandono escolar. De uma forma geral, as Comissões de Protecção privilegiaram a aplicação de medidas em meio natural de vida (90.5%), considerando como possível, e essencial, a manutenção das crianças no seu meio natural de vida, particularmente junto dos seus pais (79.4% das situações viram aplicadas medidas de apoio junto dos pais)1.

A problemática do mau trato tem recebido uma cada vez maior atenção por parte de diversas estruturas da sociedade (académicas, sociais, jurídicas, administrativas, sociedade civil, etc.), constatando-se que tem havido quer uma investigação continuada acerca dos factores que contribuem para o mau trato, quer o desenvolvimento de formas de intervenção que procuram ser mais eficazes. Dois aspectos têm emergido:

1. A abordagem da problemática deve partir de um enquadramento ecológico, uma vez que a consideração dos diversos níveis contextuais em que a criança se encontra providencia uma diversidade de terrenos a ter em conta na concepção de metodologias de intervenção na redução do risco, no aumento de recursos ou no acesso a estes, e na mobilização ou melhoramento de sistemas de protecção (ver Riley & Masten, 2005).

2. O entendimento dos processos subjacentes ao mau trato implica o estudo dos factores de vulnerabilidade e dos factores de protecção presentes em cada situação consubstanciada de mau trato (Belsky, 1993; Luthar & Ciccheti, 2000; Swenson & Chaffin, 2006), devendo a intervenção ser centrada, essencialmente, na remoção/diminuição dos factores de risco e na potenciação dos factores de protecção, a fim de evitar intervenções não focalizadas (Swenson & Chaffin, 2006).

Neste trabalho, visa-se a elaboração de um Guião de conceptulização de caso de criança em situação de perigo, pretendendo-se com ele providenciar um instrumento que permita aos técnicos identificar e avaliar os processos subjacentes às situações de perigo vivenciadas por crianças na faixa etária dos 6 aos 11 anos (inclusive), possibilitando aos diversos serviços a

1 Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (2006). Relatório anual de avaliação

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sua utilização, por um lado, como meio diagnóstico e, por outro, como ferramenta para a planificação da intervenção a realizar em meio natural de vida, com vista à remoção da situação de perigo e à promoção do bem-estar familiar e individual. Procurou-se, igualmente, enquadrar o presente Guião na moldura legal vigente no que concerne à protecção de crianças, ligando-o à prática preconizada em Portugal.

Na construção do Guião, a consideração de apenas uma faixa etária particular nasceu da inegável evidência de que as crianças, ao longo do seu desenvolvimento, apresentam especificidades em termos do funcionamento individual, das necessidades e das respostas mais adequadas a estas, e ainda do seu relacionamento com a envolvente, tendo a escolha recaído no grupo etário dos 6 aos 11 anos em função dos dados descritos anteriormente (i.e., segundo o relatório de actividades mais recente da CPCJ, ela é a faixa etária com maior número de crianças sinalizadas a Comissões de Protecção de Crianças e Jovens).

Em síntese, a criança nesta faixa etária é menos egocêntrica que anteriormente e mais eficiente em tarefas que requerem raciocínio lógico, permitindo a interacção com os pares o desenvolvimento em diversas esferas, designadamente nas competências pessoais e sociais, e na linguagem. O auto-conceito desenvolve-se em grande parte durante o período escolar, fase em que os julgamentos da criança sobre o seu self se tornam mais realistas, equilibrados e compreensivos, e a emergência da auto-estima liga os aspectos cognitivos, emocionais e sociais da personalidade (Papalia, Olds, & Feldman, 2001).

O autor, partindo da sua experiência profissional na área do mau trato, entende como necessária a construção de um Guião da natureza proposta, que, por um lado, sustente o trabalho de parceria e uma intervenção consciente das diferentes entidades envolvidas no âmbito das suas competências, e pretende, por outro, contribuir para o delineamento de intervenções caracterizadas por um carácter precoce, mínimo, proporcional e actual, potenciando a criação de condições para um desenvolvimento integral da criança.

No 1º ponto deste trabalho, expor-se-á o enquadramento legal vigente em Portugal em matéria de crianças e jovens em situação de perigo e seguidamente, no 2º ponto, as tipologias de mau trato existentes. No 3º ponto, abordar-se-ão os modelos ecológicos e a sua constituição como referencial ao enquadramento do mau trato e, no ponto seguinte, o conceito de bem estar, constructo de crescente importância à luz do enquadramento jurídico actual. No capítulo 5 incidir-se-á na resiliência e no referencial que proporciona ao enquadramento dos factores de vulnerabilidade e dos factores de protecção, debruçando-se o ponto 6 sobre a construção e organização do Guião. No 7º ponto, descrever-se-ão os factores de vulnerabilidade e os factores de protecção seleccionados para a inclusão no Guião,

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acompanhados pela reprodução do excerto do Guião referente ao factor em análise. Finalmente, no 8º ponto, dedicado às conclusões, abordar-se-ão, entre outros aspectos, a aplicabilidade do Guião elaborado, as limitações do mesmo e as implicações futuras do presente trabalho.

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1. Enquadramento Legal

1.1 Definição de Situação de Perigo

À luz do direito português, a definição de criança (menor de 18 anos) em situação de perigo, encontra-se redigida no art.º 3º, ponto 2, da Lei 147/99 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo):

Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; e) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; f) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

A descrição destas situações encontra-se expressa de forma relativamente vaga, não adoptando a terminologia utilizada por diversos campos das ciências médicas, sociais e humanas. Em matéria de protecção e promoção dos direitos das crianças, a definição de situação de perigo acarreta consigo enorme peso dado ser este o primeiro passo para a legitimação da intervenção de qualquer entidade nesta matéria, transparecendo que a forma como está redigida permite enorme discricionaridade por parte das entidades interventoras. Ao contrário de diplomas legais anteriores, a Lei 147/99 apresenta de forma mais genérica as situações que legitimam a intervenção das entidades com competência em matéria de infância e juventude, das Comissões de Protecção e, em última instância, do Tribunal. Não são apresentadas características concretas dos menores e das situações de perigo (como por exemplo no Decreto de 27 de Maio de 1911), mas sim o tipo de situações consideradas como estando revestidas de perigo. A este propósito, poder-se-á ainda dizer que, à luz do

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preceituado na Lei 147/99, não é necessária a verificação de dano concreto no menor, mas sim, e apenas, a existência de uma situação que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança, podendo a intervenção ser legitimada pelo potencial de dano.

1.2 Intervenção do Estado

Na actual Constituição da República Portuguesa (CRP), o artº 67º reconhece a família como elemento fundamental da sociedade e o artº 68º estatui que os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.

Por outro lado, a Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26/01/1990, e ratificada por Portugal no mesmo ano conforme a Resolução da Assembleia da República nº 20/90, considera as crianças e os jovens como actores sociais, sendo a sua protecção sinónimo de promoção dos seus direitos individuais, económicos, sociais e culturais. Introduz o conceito de superior interesse da criança, dotado de um carácter vago e permissor de alguma discricionaridade por parte das Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude, Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, e Tribunais, que se constitui como princípio orientador da intervenção em matéria de crianças e jovens em situação de perigo.

Assim, a Lei 147/99, fortemente embuída pelo espírito da Convenção Sobre os Direitos da Criança, estatui, no seu art.º 3º, ponto 1, que a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, definindo as situação consideradas de perigo no ponto 2 do mesmo art.º.

O mesmo diploma, estatui no seu art.º 4º os princípios orientadores da intervenção das entidades supramencionadas, considerando que a intervenção deve ser, designadamente, precoce e mínima, devendo, respectivamente, ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida e ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo.

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Importa, pois, definir formas e estratégias de conceptualização das situações de perigo com vista à clarificação dos processos envolvidos na mesma de modo a, por um lado, definir quais as entidades em melhor situação para lhe responder e, por outro, efectuar uma intervenção focalizada nas causas e nos processos subjacentes, e não exclusivamente sobre os efeitos observados.

Na Lei 147/99 importa referir ainda que o reconhecimento da família como elemento fundamental da sociedade se espelha no tipo de intervenção proposta, como por exemplo no art.º 4º, alínea g), que define como outro dos princípios orientadores da intervenção o da Prevalência da família – na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou promovam a sua adopção, reflectindo, portanto, a preferência pela aplicação de medidas que não impliquem o afastamento da criança/jovem da sua família, em detrimento das medidas de acolhimento familiar ou institucionais, e sempre que possível deve efectuar-se a necessária intervenção mantendo a criança ou jovem integrado na sua família (Ramião, 2003).

A intervenção junto de crianças e jovens em situações de perigo recai, portanto, preferencialmente em formas que garantam a manutenção da criança no seu meio natural de vida.

Aludindo ao já referido art.º 4º da Lei 147/99, a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança obedece também ao princípio da subsidariedade [alínea j)], que estatui que a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.

Recai, portanto, sobre as entidades implementadas na comunidade a responsabilidade primeira de proteger as crianças e zelar pela promoção dos seus direitos. A este nível (social) a intervenção só pode ser efectuada de modo consensual com os pais, representantes legais ou quem tenha a guarda de facto da criança ou do jovem (art.º 7º da Lei 147/99). No nível seguinte, o administrativo, cabe às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens intervir na situação de perigo, mas igualmente mediante o consentimento dos pais, representantes legais ou quem tenha a guarda de facto da criança ou do jovem (art.º 9º da Lei 147/99). Finalmente, na ausência de possibilidade de intervenção das comissões de protecção (e.g., por ausência de consentimento dos progenitores ou por incumprimento reiterado do acordo de promoção de direitos e protecção), tem lugar a intervenção judicial. Ao nível administrativo (comissões de protecção) e judicial (tribunais), a apreciação e avaliação do caso de uma criança ou jovem

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em situação de perigo pode dar lugar (quando se verifique, de facto, a existência de perigo) à aplicação de uma Medida de Promoção e Protecção.

Estas medidas agrupam-se em 3 categorias: medidas em meio natural de vida, medidas de colocação, que implicam o afastamento da criança da sua família de origem, e uma medida de confiança da criança ou jovem a instituição ou pessoa idónea com vista à sua futura adopção. As medidas são elencadas por uma ordem de preferência (Lei 147/99; Ramião, 2003), devendo, sempre que possível, aplicar-se medidas em meio natural de vida, isto é, medidas que preservem a manutenção da criança no seio da sua família e contexto actuais.

Na redacção da Lei 147/99, estatui-se que as medidas de promoção e protecção têm como finalidade (art.º 34º) a) afastar o perigo em que [as crianças ou jovens] se encontram; b) proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Em relação às medidas em meio natural de vida, surge em Janeiro de 2008 o Decreto-Lei 12/2008 que vem regulamentar a aplicação destas medidas, nomeando, como objectivo da aplicação das mesmas, a manutenção da criança ou do jovem no seu meio natural, proporcionando condições adequadas ao seu desenvolvimento integral, através de apoio psicopedagógico e social e, quando necessário, de apoio económico (art.º 3º). Define, de forma inovadora, diversos aspectos a ter em conta na sua aplicação e revisão, respectivamente no ponto 2 do art. 9º, o qual se passa a transcrever a seguir, salientando ele aspectos que parecem referir-se não só à remoção da situação de perigo, mas também, e principalmente, ao garante das condições necessárias ao salutar desenvolvimento de uma criança no seu meio natural de vida, focando aspectos da esferas individual, familiar e comunitária.

2 — Para efeitos da avaliação referida no número anterior, a equipa técnica da entidade que assegura os actos materiais de execução da medida deve considerar, nomeadamente:

a) A satisfação das necessidades de alimentação, higiene, saúde,

afecto e bem-estar da criança ou do jovem;

b) A sua estabilidade emocional;

c) O cumprimento do plano de escolaridade, orientação vocacional, formação profissional e ocupação dos tempos livres;

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d) O cumprimento do plano de cuidados de saúde e de orientação psicopedagógica;

e) A opinião da criança ou do jovem, dos pais, do familiar acolhedor e da pessoa idónea;

f) A integração social e comunitária da criança ou do jovem; g) Os sinais concretos da dinâmica e organização familiares estabelecidas, tendo em vista a avaliação da evolução da capacidade

dos pais para proteger a criança ou o jovem de situações de perigo e garantir a satisfação das necessidades do seu desenvolvimento.

3 — Para efeitos da revisão antecipada prevista no n.º 2 do artigo 62.º do anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, a proposta de substituição ou cessação das medidas deve ser fundamentada nas circunstâncias concretas que a justifiquem, nomeadamente as relativas aos elementos referidos no número anterior.

Refira-se que outro dos aspectos inovadores implementados por este Decreto Lei se prende com a designação dos apoios a prestar e a sua operacionalização. A título de exemplo, o apoio psicopedagógico visa, entre outros aspectos, a) Promover o desenvolvimento integral da criança ou do jovem e contribuir para a construção da sua identidade pessoal; c) Desenvolver potencialidades e capacidades através de intervenção adequada, nomeadamente de natureza psicológica, pedagógica e social; d) Desenvolver processos de intervenção cogintivo-comportamental que visem o bem-estar, a satisfação e a aquisição de competências sociais e pessoais; f) Promover a construção de interacções positivas entre os membros do agregado familiar (art.º 12º do D.L. 12/2008). Em relação ao apoio psicológico, este tem por objectivo, entre outros, e) A promoção da participação em actividades de formação, culturais e de lazer, potenciando o estabelecimento de relações positivas com os vizinhos, a escola, o contexto laboral e a comunidade em geral (art.º 12º do D.L. 12/2008). Observa-se, de forma explícita, a preocupação não só com a protecção da criança ou jovem na situação de perigo em que se encontra, mas também, e sobretudo, a promoção dos seus direitos por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral no seu meio natural de vida.

Uma vez que têm sido as ciências médicas, sociais e humanas a desenvolver programas de intervenção para a matéria aqui em apreço, torna-se necessário partir da sua conceptualização sobre a principal situação de perigo no que toca às crianças – o Mau Trato.

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2. Tipologias de Mau Trato

Segundo a Organização Mundial de Saúde (1999, cit. pela Organização Mundial de Saúde [OMS], 2006), o mau trato à criança, por vezes referido como abuso e negligência, inclui todas as formas de deficiente tratamento físico e emocional, abuso sexual, negligência, e exploração que resulta em dano actual ou potencial para a saúde, desenvolvimento ou dignidade da criança no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder.

Nesta mesma linha, Wolfe (1998, citado por Prilleltensky, Peirson & Nelson, 2001), refere que o Mau Trato pode ser globalmente definido como qualquer mau trato, negligência, abuso sexual, exploração, dano físico ou mental sofrido por uma criança de idade inferior a 18 anos e perpetrado pela pessoa que a tem a seu cargo.

Ainda quanto à definição de mau trato e negligência, Calheiros (2002), na revisão de literatura efectuada e partindo dos resultados da sua investigação, aponta para sub-tipos e dimensões do mau trato e da negligência, sugerindo a distinção destes com base nos actos (para o mau trato) e omissões (para a negligência) parentais específicas, organizando diferentes formas de mau trato (físico, psicológico) e negligência (física e psicológica) e ainda abuso sexual, seguindo-se as definições sugeridas pela autora.

O mau trato físico é a categoria mais facilmente identificável pelas suas consequências. Pressupondo contacto físico entre o cuidador e a criança, ele pode especificar um acto parental (neste caso é avaliado através do comportamento parental; dos métodos de disciplina e intenções; e da forma como é perpetrado à criança); uma consequência de um acto parental (nesta situação avalia-se o resultado físico do mau trato na criança); ambas as situações, ou ainda o potencial parental de abuso à criança (são enfatizados os acontecimentos que, não tendo consequências físicas visíveis na criança, podem conduzir a sequelas emocionais ou psicológicas).

O mau trato psicológico é actualmente a forma de mau trato mais prevalecente. É identificada por alguns autores como aquela que tem um impacto mais destrutivo na criança, e assume-se que diz respeito a todos os aspectos afectivos e cognitivos, abrangendo todas as áreas do desenvolvimento psicológico da criança. A dificuldade de definição desta categoria conduziu ao desenvolvimento de duas linhas distintas de investigação nesta área: uma avalia o mau trato psicológico centrando-se nas consequências para a criança e a outra baseia-se na avaliação das atitudes parentais.

A negligência assenta no pressuposto que cada criança tem necessidades básicas que não são satisfeitas. Diz respeito a cuidados inadequados ou omissões parentais, ao perigo das

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mesmas e à intenção dos pais. Engloba três categorias: física (cuja definição é dificultada pela inexistência de critérios de avaliação da intencionalidade e do grau de risco-perigo para a criança), emocional e educacional (distintas da primeira pelas consequências para a criança e por vezes coincidentes com o mau trato psicológico).

O abuso sexual é definido como o envolvimento de uma criança numa actividade sexual que não entende totalmente, não consegue dar um consentimento informado, ou para a qual não se encontra preparada em termos do seu desenvolvimento, ou que viola as leis ou interditos da sociedade. As crianças podem ser sexualmente abusadas tanto por adultos como por crianças e jovens que se encontrem numa situação de confiança, responsabilidade ou poder em relação à vítima (OMS, 2006). Ao abuso sexual, acresce ainda o facto de se encontrar perfeitamente tipificado no Código Penal Português.

Todas as tipologias de mau trato atrás expostas e descritas encaixam nas categorias de situação de perigo redigidas na Lei 147/99, pelo que falar em situações de perigo é, em larga escala e no caso de Portugal, falar em situações de mau trato à criança. Não podemos deixar de pensar que o legislador procurou, de alguma forma, garantir que todas as definições de mau trato resultantes das ciências sociais, humanas e médicas pudessem encaixar na sua definição de situação de perigo uma vez que muitas vezes as primeiras não são compatíveis, ou totalmente absorvidas, pela sua operacionalização legal (Cicchetti & Toth, 2005).

No que concerne à conceptualização do Guião desenvolvido no presente trabalho, não serão incluídos os factores de vulnerabilidade e os factores de protecção relacionados com o abuso sexual uma vez que a sua maioria é específica desta tipologia de mau trato (Belsky, 1993; Peirson, Larendeau & Chamberland, 2001; Swenson & Chaffin, 2006).

O mau trato é um constructo essencialmente ecológico já que na sua etiologia encontramos a influência de factores provenientes de diferentes origens (Belsky, 1993; Cicchetti & Toth, 2005; Coulton, Crampton, Irwin, Spilsbury, & Korbin, 2007; Peirson et al., 2001; Swenson & Chaffin, 2006). Alguns dos factores são históricos (e.g., as atitudes sociais em relação à privacidade familiar); alguns são contemporâneos (e.g., pobreza); alguns são culturais (e.g., tolerância em relação à violência); alguns são atributos dos pais (e.g., personalidade hostil) e alguns são das crianças (e.g., temperamento difícil), e outros ainda são comunitários (Belsky, 1993).

Desta forma, para se compreender o fenómeno do mau trato e aprofundar o conhecimento acerca das suas causas, deve-se adoptar uma perspectiva ecológica de modo a entender os processos que se desenrolam em torno dos indivíduos, e neles próprios.

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3. Modelos Ecológicos

Na história do estudo do mau trato têm sido elaborados diversos modelos explicativos: psicológicos ou psiquiátricos, centrados nas características dos perpetradores; sociológicos, centrados nas condições contextuais que motivam o mau trato e a negligência; sócio-interacionais ou modelos de efeito-da-criança-no-cuidador, os quais sublinham a natureza diádica da parentalidade problemática (Belsky, 1978; Parke & Collmer, 1975, cit. por Belsky, 1993). Actualmente, sabemos que nenhum dos anteriores se revela adequado para o enquadramento da temática em questão.

Com efeito, na sequência do contributo seminal de Bronfenbrenner (1977), o mau trato e a negligência na infância são hoje em dia considerados como determinados por uma variedade de factores sustentados por processos transaccionais a vários níveis de análise na ecologia alargada das relações pais-criança. O mau trato pode ser considerado como um constructo ecológico, dado que as crianças e as famílias são influenciadas por factores oriundos de diferentes fontes (Belsky, 1993; Swenson & Chaffin, 2006).

Assim, a corrente da Psicologia que melhor ilustra o meio e os seus efeitos no indivíduo é a Ecológica (Magnusson & Stattin, 1997, cit. por Calheiros, 2002), em que o contexto é assumido como um conceito-chave.

Os modelos ecológicos partem de uma perspectiva sistémica, cuja história começa na década de 50, após a 2ª Guerra Mundial, quando alguns clínicos nos Estados Unidos começaram a reconhecer a necessidade de alterar o contexto, por exemplo na família, em que determinados comportamentos sintomáticos dos indivíduos ocorriam, começando deste modo a adoptar uma orientação mais familiar. A psicopatologia passava então a ser entendida não de um ponto de vista meramente causal e reducionista, mas antes de um ponto de vista sistémico. Davam-se assim os primeiros passos na terapia familiar, tendo sido apenas na década de 70 que começou o interesse da psicologia por famílias não clínicas ou famílias funcionais. Tal movimento deveu-se, em grande parte, à necessidade de perceber o funcionamento das famílias “normais” e dos seus processos de forma a não assentar a intervenção apenas em modelos psicopatológicos (médicos) (Ribeiro, 1994).

A Psicologia da Família surge, assim, no espaço comum entre a Terapia Familiar e a Psicologia, centrando o seu objecto de estudo na compreensão dos sistemas familiares e nos tipos de intervenção a efectuar nas várias situações.

Os autores que se dedicam à análise da família partem maioritariamente de uma perspectiva sistémica, sendo a família “entendida como um sistema, um todo, uma

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globalidade que só nessa perspectiva holística pode ser correctamente compreendida” (Relvas, 1996). Um sistema é composto por elementos que possuem atributos e que mantêm relações, sendo que numa família os elementos serão os indivíduos, os atributos as suas características pessoais e as relações os laços que mantém a unidade do sistema. Aplicando a Teoria Geral dos Sistemas, cada família é assim una e única, um todo, mas também é parte de outros sistemas com os quais interage (comunidade, sociedade). Dentro da família, existem igualmente sub-sistemas como o individual, o parental, o conjugal, o fraternal, sendo cada um deles uma unidade sistémica, um holão. Cada holão é simultaneamente um todo e uma parte.

Os modelos ecológicos, partindo dos modelos sistémicos, centram-se nos processos e condições que regem o curso do desenvolvimento humano nos contextos em que os seres humanos vivem. Desde a contribuição inicial de Bronfenbrenner, a teoria ecológica sofreu sucessivos desenvolvimentos. Topologicamente, este autor concebe a envolvente ecológica como uma disposição de anéis concêntricos, em que cada um se encontra contido no seguinte (Bronfebrenner, 1977). Na sua conceptualização inicial, o contexto era entendido como um setting de desenvolvimento em termos de sistemas aninhados sucessivamente desde o micro até ao macro.

Por microssistema entende-se o padrão de actividades, papéis sociais e relações interpessoais experienciadas pelo indivíduo em desenvolvimento num determinado setting face-a-face com determinadas características físicas, sociais e simbólicas que suscitam, permitem ou inibem uma interacção sustentada e progressivamente mais complexa, bem como a realização de actividades, com a envolvente imediata (Bronfenbrenner, 1994, cit. por Bronfenbrenner & Morris 2006). Um setting é um lugar, com características físicas particulares, e no qual o participante se envolve em actividades específicas e em papéis específicos (e.g., filho, pai, professor, empregado) (Bronfenbrenner, 1977). Como exemplos de microssistemas refira-se a família nuclear do indivíduo, isto é, o seu contexto de desenvolvimento mais imediato.

O mesossistema diz respeito às relações entre dois ou mais settings (Bronfenbrenner & Morris, 2006), compreendendo as inter-relações entre settings principais nos quais o indivíduo em desenvolvimento se movimenta num determinado momento da sua vida (Bronfembrenner, 1977). O messossistema engloba tipicamente as inter-relações entre a família, escola, vizinhos e grupo de pares – por exemplo, determinados acontecimentos que ocorrem em casa da criança podem afectar o seu rendimento escolar (Bronfenbrenner, 1986). O exossistema refere-se às ligações e os processos que se desenrolam entre dois ou mais settings, e em que pelo menos um deles não contém o indivíduo em desenvolvimento, mas

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nos quais ocorrem eventos que influenciam processos que se desenrolam no setting imediato no qual o indivíduo em desenvolvimento vive (Bronfenbrenner, 1993, cit. por Bronfenbrenner & Morris, 2006). Como exemplos de contextos a este nível, temos as Instituições Particulares de Solidariedade Social, os Centros de Saúde ou as Câmaras Municipais.

Finalmente, o macrossistema é considerado o sistema mais “afastado” da criança, compreendendo valores, cultura, ideologias e leis que estabelecem o padrão de funcionamento das estruturas e das actividades que se desenrolam num nível sistémico mais concreto. Refere-se aos padrões de funcionamento institucionais, como os sistemas económico, social, educacional, legal e político, cujas manifestações concretas são os micro-, meso- exo-, e exo- sistemas (Bonfenbrenner, 1977). No Guião desenvolvido no âmbito do presente trabalho, e nesta primeira fase, não foram incluídos factores a este nível.

Na formulação actual, Bronfenbrenner atribui igual importância ao papel que as características biopsicológicas da pessoa individual desempenham no processo de desenvolvimento. O principal foco nesta formulação é o que Bronfenbrenner designa de processos proximais, definidos conceptualmente e operacionalmente como os mecanismos que produzem desenvolvimento (Bronfenbrenner, 2000).

O modelo ecológico, melhor dito, bioecológico, define como proposições essenciais as seguintes (Bronfenbrenner, 2000):

- O desenvolvimento humano tem lugar ao longo da vida através de processos de interacção recíproca progressivamente mais complexa entre um ser humano activo, biopsicológico e em evolução, e as pessoas, objectos e símbolos no seu contexto imediato. Para ser efectiva, a interacção deve ocorrer regularmente e ao longo do tempo. Estas formas de interacção no contexto imediato são referidas de processos proximais.

- A forma, força, conteúdo e direcção dos processos proximais que afectam o desenvolvimento variam sistematicamente como uma função conjunta: a) das características da pessoa em desenvolvimento; b) do contexto nos qual os processos se desenrolam; c) da natureza dos resultados desenvolvimentistas tomados em consideração; e d) das mudanças sociais que ocorrem durante a vida e período histórico em que o indivíduo vive.

Encontramos exemplos de processos proximais nos comportamentos de alimentar um bebé, brincar com uma criança, brincar em grupo ou isolado, ler, realizar actividades sociais ou artísticas, todas elas tornando-se mais complexas ao longo do tempo.

Pelo exposto, podemos observar que as características individuais funcionam como produtor indirecto e como resultado do desenvolvimento.

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Desta forma, na determinação do impacto de cada um dos sistemas na ecologia social da criança, deve ser considerada a proximidade de cada um dos sistemas em que se encontra inserida (Swenson & Chaffin, 2006). Por exemplo, a família é, de forma geral, o sistema mais proximal em relação à criança já que a influencia “24 horas por dia”. A família alargada pode representar o sistema subsequente em termos de proximidade. Em seguida poderão vir os pares e depois a vizinhança/bairro em que o agregado familiar se encontra inserido. Como já foi referido, esta linha de raciocínio em termos da hierarquização dos sistemas no que se prende com o seu carácter proximal pode ser efectuado até ao contexto social e cultural em que a criança se encontra inserida e que influencia as crenças e tradições familiares, bem como, por exemplo, as formas de disciplina física aceites em determinada cultura.

Nesta sequência, a literatura nesta área sustenta que o abuso (mau trato e negligência) não é determinado apenas por um único factor e destaca a importância da ecologia social do indivíduo, neste caso da criança, nos seus vários níveis, pressupondo igualmente a adopção de uma perspectiva desenvolvimentista.

Um aspecto central da teoria desenvolvimentista-ecológica é o de que o desenvolvimento de um indivíduo resulta de várias interacções no interior do seu organismo (celulares, genéticas, hormonais, etc.) e entre o organismo e os sistemas em que a vida de um indivíduo se encontra inserida, incluindo as interacções com membros da família, pares, escolas, a comunicação social, etc, estando estes sistemas, ainda, interligados entre si. Uma implicação desta teoria é, então, que o impacto das principais influências desenvolvimentistas depende, em algum grau, das características sócio-ecológicas das comunidades nas quais as crianças e as famílias residem. Por exemplo, o mesmo nível de funcionamento familiar pode acarretar diferentes riscos conforme o tipo de bairro em que se reside (ver Gorman-Smith, Tolan, Henry, 2005). Aliás, a saliência de um determinado factor de risco pode variar em função da ecologia social em que a criança se desenvolve (Tolan, Gorman-Smith, & Henry, 2004). Outra característica das abordagens desenvolvimentista-ecológicas é a de que os factores de risco variam em valoração conforme a idade (Loeber & Farrington, 1998, cit. por Tolan, Gorman-Smith, & Henry, 2004). Estas características proeminentes da perspectiva desenvolvimentista-ecológica permitem explicar a razão pela qual quer os níveis de prevalência de um determinado comportamento quer a saliência dos factores de risco podem variar em diferentes comunidades.

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4. Bem-Estar

A intervenção no caso de crianças ou jovens em situação de perigo, por um lado, apenas é legitimada na presença de perigo, e todas as formas de Mau Trato se constituem como situações de perigo, por outro lado, o novo Decreto Lei 12/2008 vem elevar a fasquia da intervenção, estabelecendo, pela positiva, a fundamentação para cessação dessa mesma intervenção. Como já antes foi referido, não basta que a situação de perigo que deu origem à intervenção cesse, tornando-se também fundamental garantir que a criança ou jovem beneficie no seu meio natural de vida das condições necessárias ao seu bem-estar e ao seu desenvolvimento integral. Nesta sequência, importa, portanto, abordar o conceito de bem-estar.

O Bem-Estar é, tal como o Mau Trato, um constructo ecológico. Pode ser definido como um estado de realização adequado pela vida fora integrando funções físicas, cognitivas e socio-emocionais que resultam em actividades produtivas consideradas significativas pela comunidade cultural do indivíduo, na satisfação das relações sociais, e na capacidade de transcender problemas moderados de natureza ambiental e psicossocial. (Davidson, Rosenberg, & Moore, 2003).

Apesar de este conceito poder apresentar várias definições operacionais, podendo referir-se ao bem-estar da criança, do adulto ou da família, o bem-estar é frequentemente diferenciado em cinco dimensões: estar físico; estar psicológico e emocional; bem-estar social; bem-bem-estar cognitivo e educacional; bem-bem-estar económico (ver Thornton, 2001).

Muitos dos factores associados com o mau trato encontram-se igualmente associados, negativamente, com o bem-estar, pelo que a sua influência pode expressar-se num contínuo de promoção-prevenção-protecção.

Tomison e Wise (1999) referem que, para se promover uma efectiva prevenção do mau trato, é necessário empregar estratégias que procurem reduzir os factores de risco e potenciar os factores de protecção por forma a promover processos de resiliência. Peltola e Testro (2007) enquadram a questão da prevenção do mau trato em 3 níveis: a) prevenção primária, que tem como alvo a totalidade da população; b) prevenção secundária, que tem como alvo sub-populações específicas que se encontram em risco; e c) prevenção terciária, que se destina às situações em que já ocorreu mau trato e em que se pretende reduzir o dano e prevenir a recorrência do mau trato. O contínuo promoção-prevenção-protecção espelha os 3 níveis de prevenção, podendo explanar-se este conceito de forma mais precisa através do seguinte modelo:

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Fig. 1. O contínuo de promoção-prevenção-protecção (adaptado de Prilleltensky et al., 2001).

A intervenção reiterada e regulamentada pela Lei 147/99 encontra-se contida na designada prevenção terciária uma vez que, como já referido, a intervenção das diferentes entidades, subsidiárias, competentes nesta matéria, apenas se encontra legitimada pela existência de uma situação de perigo para a criança. Por outro lado, a revisão de medidas proposta no Decreto Lei 12/2008, chama-nos a atenção para a necessidade da avaliação dos processos de promoção e dos factores de protecção de forma a avaliar a adequação do contexto de desenvolvimento da criança. Desta forma, para que se percebam os processos subjacentes à problemática do mau trato, torna-se necessária a avaliação dos factores de vulnerabilidade e de protecção presentes em cada um dos níveis contextuais em que a criança se encontra inserida pois entende-se que são esses, os factores, a principal matéria prima de qualquer intervenção nesta problemática.

Aliás, torna-se não só necessário entender os factores associados ao mau trato, como aqueles que se encontram associados ao bem-estar (que, como já foi dito, são muitas vezes comuns), tornando-se, portanto, essencial entender quais os mecanismos que promovem bem-estar e resiliência e aqueles que conduzem ao mau trato (Prilleltensky et al., 2001).

Para um adequado entendimento do bem-estar e das melhores formas de o promover, é importante abordar o papel que os processos de resiliência desempenham nesse outro processo, uma vez que o corpo conceptual do bem-estar se centra nos sistemas contextuais

Políticas e programas proactiv os/univ ersais promov em bem estar

Famílias experienciando alguns problemas

Políticas e programas proactiv os/risco elev ado prev inem mau trato

Famílias/crianças em risco de mau trato Famílias apresentam f uncionamento saudáv el Ocorrência de mau trato Famílias necessitam de serv iços de protecção intensiv os Políticas e programas reactiv os/indicados prev inem a deterioração

INTERVENÇÕES

CONTEXTO

Políticas e programas proactiv os/univ ersais promov em bem estar

Famílias experienciando alguns problemas

Políticas e programas proactiv os/risco elev ado prev inem mau trato

Famílias/crianças em risco de mau trato Famílias apresentam f uncionamento saudáv el Ocorrência de mau trato Famílias necessitam de serv iços de protecção intensiv os Políticas e programas reactiv os/indicados prev inem a deterioração

INTERVENÇÕES

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pessoais saudáveis conducentes à promoção de bem-estar positivo e à redução de disfunção (Cowen, 1994, cit. por Goldstein & Brooks, 2005). Resiliência e bem-estar são conceitos que se encontram teoricamente ligados, mas que são distintos entre si, verificando-se que, em condições de adversidade, a resiliência precede o bem-estar (Evans & Prilleltensky, 2005).

Não é só a criança se encontra sujeita à influência destes factores, os seus cuidadores também, pelo que se torna importante conhecer os factores que afectam a sua capacidade cuidadora ou que podem potenciar acções ou omissões prejudiciais à criança. Desta forma, o bem-estar da família assume um papel preponderante na avaliação das situações de perigo e na perspectivação e delineamento de intervenções nesta área, relembrando que indivíduo e ambiente se influenciam mutuamente em movimentos de feedback retroactivo. Uma vez que ainda não se encontraram causas definitivas para o mau trato ou para a resiliência (devido à natureza dinâmica dos processos que lhes subjazem), torna-se necessário identificar os factores que estão associados a uma elevada probabilidade de ocorrência do mau trato, já que não existe um único caminho conducente ao mau trato nem uma fórmula mágica que garanta o bem-estar (Peirson et al., 2001).

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5. Resiliência, Factores de Protecção e Factores de Vulnerabilidade

Um indivíduo é um sistema vivo com a tarefa dupla de, por um lado, auto-regular-se e organizar-se (mantendo a coerência como organismo vivo e em desenvolvimento) e, por outro, adaptar-se ao mundo em que vive e cresce (Masten & Coatsworth, 1995, cit. por Riley & Masten, 2005).

Sustentada pelos modelos sócio-ecológicos, surge nesta área o termo “resiliência”, construto que representa adaptação positiva apesar da adversidade (Luthar & Cicchetti, 2000), isto é, sucesso na adaptação de um indivíduo não obstante as sérias ameaças ao seu desenvolvimento (O’Dougherty Wright & Masten, 2005).

Os estudos na área da resiliência iniciaram-se há cerca de 30 anos atrás, quando um grupo de investigadores se apercebeu da existência de adaptação positiva em crianças consideradas “em risco” de desenvolverem, mais tarde, psicopatologia (ver O’Dougherty Wright & Masten, 2005).

As primeiras investigações nesta área tendiam a centrar-se nas características e traços individuais das crianças em estudo. Inicialmente, a utilização do termo “invulnerável” era bastante comum para caracterizar as crianças que apresentavam um funcionamento normal apesar da adversidade a que estavam expostas. À medida que a investigação nesta área foi progredindo, o termo “invulnerável” foi sendo substituído por termos mais qualificados, como “resiliente”, os quais permitiam de forma mais adequada captar o jogo dinâmico e recíproco entre factores de risco e factores de protecção que se desenrola ao longo do tempo e que sofre influências individuais, familiares e sócio-culturais.

Contudo, a resiliência não representa uma característica de personalidade ou um atributo do indivíduo sendo, ao invés, um construto bi-dimensional que implica exposição a adversidade e a manifestação de resultados de adaptação positiva, podendo variar no tempo. Uma das piores consequências resultantes do entendimento da resiliência como um traço individual é a ideia de falta de “competência” por parte do indivíduo quando não é bem sucedido face à adversidade (Luthar & Cicchetti, 2000), demonstrando esta perspectiva de culpabilização da vítima, um mau entendimento fundamental do conceito de resiliência (idem).

A adversidade envolve circunstâncias de vida negativas que, estatisticamente, se sabe estarem associadas com dificuldades de adaptação. Exemplos de adversidade, também referida como “risco”, são a exposição crónica a violência na comunidade e a pobreza (Luthar & Cicchetti, 2000). O risco é um termo que se aplica a um grupo ou população pelo

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facto de o mesmo não discriminar nem identificar quais os indivíduos num determinado grupo ou população considerados como mais em risco, mas sim identificar que o grupo de pessoas com este factor de risco tem menor probabilidade de ser bem sucedido em determinado aspecto. As adversidades, bem como as potencialidades, não se dizem presentes ou ausentes, devendo ser antes enquadradas em movimentos de feedback cíclicos nos quais as adversidades são afectadas pelos processos de mudança no indivíduo e na envolvente, afectando-os igualmente.

Um dos aspectos centrais quando se reflecte acerca da temática dos factores de risco é o facto de estes raramente ocorrerem isoladamente. De facto, em geral, as crianças que se encontram em situação de risco elevado, estão-no devido à exposição a múltiplas adversidades que se prolongam ao longo do tempo. Torna-se então extremamente importante examinar os factores de risco cumulativos de modo a entender e predizer com maior precisão os resultados de desenvolvimento (ver O’Dougherty Wright & Masten, 2005).

No entanto, a adversidade pode ser considerada apenas como um tipo de factor de risco. De forma mais abrangente, o termo “factor de risco” refere-se a qualquer característica de um grupo que prediz um resultado negativo, ou seja, indicador da existência de uma probabilidade elevada de um resultado visto como indesejável (Riley & Masten, 2005). Como factores de risco temos, por exemplo, viver num bairro perigoso, pobreza, parto prematuro, baixo peso à nascença, doença mental por parte dos cuidadores ou estilos parentais desadequados. Tais factores de risco são preditores de piores resultados numa série de indicadores de desenvolvimento e bem-estar das crianças, tendendo muitas vezes a existir de forma agregada nas suas vidas, facto que conduz diversos investigadores a centrarem-se no chamado risco cumulativo (ver Riley & Masten, 2005).

A adaptação positiva, por seu turno, é geralmente definida em termos da competência social manifestada comportamentalmente pelo indivíduo ou do sucesso na realização das tarefas de desenvolvimento relevantes em cada idade (Luthar & Cicchetti, 2000), nomeadamente nos domínios físico, emocional, cognitivo, moral e comportamental (O’Dougherty Wright & Masten, 2005). A referida competência é habitualmente medida avaliando, neste caso, a forma como a criança satisfaz, e continua a satisfazer, as expectativas explícita ou implicitamente estabelecidas pela sociedade em que está inserida, à medida que vai crescendo. No entanto, a elevada competência social não é o único, nem necessariamente o melhor, índice para definir a adaptação positiva, podendo em muitos casos a ausência de má adaptação comportamental ou emocional ser suficiente (Idem).

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Assim, infere-se que há resiliência quando existe risco ou adversidade suficientemente graves para ameaçar de forma significativa o desenvolvimento e funcionamento saudáveis e, não obstante, se observam resultados positivos. Para o Guião desenvolvido no contexto do presente trabalho, adoptar-se-á a nomenclatura de factor de vulnerabilidade e não factor de risco, seguindo a proposta de Peirson et al. (2001), e em que os autores consideram que os factores de vulnerabilidade podem ser definidos como a condição, circunstância, ou característica de uma pessoa ou do seu ambiente que elevam a probabilidade da ocorrência de problemas como o mau trato ou negligência, considerando a vulnerabilidade como uma categoria mais alargada que contém os factores de risco. Os mesmos autores definem o factor de protecção como o processo que interage com o factor de vulnerabilidade, reduzindo a probabilidade da ocorrência de resultados negativos.

Nesta perspectiva, o investigador nesta área centra-se na identificação de factores de vulnerabilidade e de protecção, e, tendo conseguido realizar esta tarefa com sucesso, na identificação de mecanismos ou processos que possam estar na base das associações encontradas (Luthar, 2000, cit. por Luthar & Cicchetti, 2000). Os factores de protecção e de vulnerabilidade derivam de diferentes níveis de influência: características da criança, atributos familiares e envolvente social (Riley & Masten, 2005).

A caracterização de um determinado constructo como factor de protecção, factor de vulnerabilidade, ou ambos, depende do seu efeito central. Seria, por exemplo, apropriado referir que um baixo QI é um factor de vulnerabilidade se crianças com um baixo nível de inteligência revelassem comprometimento da sua adaptação. Por outro lado, se crianças muito inteligentes demonstrassem vantagens significativas em comparação com aquelas com uma inteligência baixa, então o QI representaria um factor de protecção.

O factor de protecção transporta em si um carácter de “blindagem” em relação aos efeitos do risco, adversidade ou vulnerabilidade. Deste modo, faz mais sentido falar em factores de protecção quando estamos perante situações de elevado risco/adversidade/vulnerabilidade (O’Dougherty Wright & Masten, 2005). Os factores de protecção moderam, portanto, o impacto da adversidade na adaptação, sendo, contudo, difícil distingui-los com precisão (Idem).

O estudo dos factores de vulnerabilidade e de protecção acarreta consigo, portanto, o desenvolvimento da capacidade, relativa, de previsão da qualidade do desenvolvimento de um indivíduo. Muitos dos estudos relativos à investigação dos processos subjacentes às situações de mau trato centra-se na identificação destes factores, contribuindo desta forma para o ao desenvolvimento de metodologias de intervenção e de prevenção na problemática.

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Pelo exposto, propomo-nos a utilizar a evidência reunida na literatura no que concerne a factores de vulnerabilidade e de protecção (nomenclatura oriunda do referencial providenciado pela resiliência) associados com o mau trato, procurando enquadrá-los em diferentes níveis contextuais (criança, pais/família e comunidade) de forma a identificar os factores de vulnerabilidade a diminuir/eliminar e os factores de protecção a potenciar. Na área do mau trato, os constructos teóricos que subjazem ao desenvolvimento de uma abordagem holística desta problemática são: a) a abordagem ecológica; b) a identificação de factores de vulnerabilidade e de factores de protecção que influenciam a criança e a família, tornando-os mais ou menos susceptíveis a situações de mau trato, isto é, risco e resiliência (ambos abordados anteriormente); e c) o reconhecimento da importância da comunidade local em que a criança e a família se desenvolvem. Apresentar-se-á a seguir um diagrama das ideias até ao momento expostas.

Fig. 2. Combinação dos Factores de Vulnerabilidade e de Protecção nos Diferentes Níveis Contextuais e o Resultado dos Seus Processos (modelo adaptado de Peirson et al.

2001)

Este modelo exemplifica a forma como, teoricamente, se enquadra o posicionamento neste trabalho face à problemática em questão. Em cada nível contextual existem factores de

Criança Familiar/Parental Comunitário Social Criança Familiar/Parental Comunitário Social

Factores de vulnerabilidade

Factores de protecção

Abuso

Resiliência

Bem Estar

Criança Familiar/Parental Comunitário Social Criança Familiar/Parental Comunitário Social Criança Familiar/Parental Comunitário Social Criança Familiar/Parental Comunitário Social Criança Familiar/Parental Comunitário Social Criança Familiar/Parental Comunitário Social

Factores de vulnerabilidade

Factores de protecção

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vulnerabilidade e de protecção. Nos casos em que se verifica a predominância dos primeiros sem a presença de factores de protecção relevantes ou suficientes, existirá a ocorrência de mau trato. Nos casos em que os factores de vulnerabilidade são contrabalançados por factores de protecção suficientes, observamos a existência de processos de resiliência (resultados positivos face à adversidade). Na ausência de factores de vulnerabilidade e na presença de factores de protecção, observa-se a promoção de um funcionamento individual e familiar saudável e tendendo para o bem-estar.

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6. Guião de Conceptualização de Caso de Criança (6-11 anos) em Situação de Perigo: Descrição da Estrutura e Procedimento

Na conceptualização do Guião desenvolvido (ver anexo A) procurou-se tomar em consideração: a) a abordagem ecológica da problemática do mau trato; b) os factores de vulnerabilidade e de protecção referidos na literatura como mais consistentemente associados com o mau trato. Nesta sequência, o Guião apresenta-se dividido por níveis contextuais (criança, parental/familiar e comunitário), constando em cada um deles os respectivos factores de vulnerabilidade ou de protecção. Os factores que são exclusivamente de vulnerabilidade encontram-se mais à esquerda no Guião, os factores de protecção à direita, e os factores cuja variação se pode constituir como vulnerabilidade ou como protecção encontram-se dispostos transversalmente, ocupando toda a largura das colunas correspondentes aos factores.

Relativamente aos factores específicos, alguns estão operacionalizados em forma de checklist (e.g., no caso dos stressores agudos, existindo à frente de cada um deles uma pequena caixa que deve ser assinalada quando o stressor correspondente se encontra presente), para outros há o recurso a escalas de quatro pontos (e.g., veja-se no factor Competências Sociais, o indicador Resolução Pacífica de Conflitos, cuja escala de resposta é “Nunca”, “Raramente”, “Frequentemente”, “Sempre”). Relativamente a estes últimos, optou-se pela supressão do ponto central (preoptou-sente nas escalas ímpares e correspondendo geralmente a um ponto neutro) para que o utilizador do Guião avalie o factor/indicador/dimensão classificando-o como vulnerabilidade ou protecção. Ocasionalmente há o recurso a escalas de três pontos (e.g., no factor Temperamento, o indicador Nível de Actividade, cuja escala de resposta é “Muito Alto”, “Alto”, “Moderado”), e outros factores surgem com um campo de resposta aberta (e.g., no factor Competências Parentais, a dimensão Expectativas apresenta um campo aberto para o registo de expectativas desadequadas nos indicadores Desenvolvimento, Desempenho e Comportamento, existindo ainda um campo para a menção de outros indicadores em relação aos quais os progenitores/cuidadores tenham expectativas desadequadas).

Para a generalidade dos factores/indicadores é fornecida uma descrição sucinta dos mesmos para o seu melhor entendimento e, consequentemente, para uma maior facilidade no preenchimento do Guião. Não obstante, em versão futura do Guião será facultado um Manual de apoio, cujo conteúdo será definido após a avaliação desta primeira versão.

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Como já referido, são destinatários do Guião, nesta primeira fase, técnicos que desenvolvam a sua intervenção junto de crianças em situação de perigo. Na 1ª página do Guião, o técnico deverá escrever, no topo superior esquerdo da página e em campo próprio, o nome da criança, a sua idade, o processo (número ou referência) a que se refere e a primeira data de preenchimento. A informação relativa ao processo é de particular importância para as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens bem como para as Equipas de Crianças e Jovens (Segurança Social), para as Equipas de Apoio a Famílias com Crianças e Jovens em Risco (cidade de Lisboa) ou para qualquer outro serviço que organize os seus casos por processos.

A recolha da informação deverá ser feita integrando os dados obtidos das diferentes fontes disponíveis (criança, pais/cuidadores, serviços comunitários) e em formato a definir pelo técnico respondente (entrevista, reunião, contacto telefónico, relatório, etc.). A maioria dos conteúdos que integram o Guião desenvolvido neste trabalho dependem da avaliação do técnico, embora outros (e.g., auto-conceito e auto-estima, vinculação, stressores agudos) dependam, também, da percepção da criança nos primeiros dois exemplos, e da percepção dos cuidadores no caso do último exemplo fornecido.

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7. Factores de Vulnerabilidade e Protecção Incluídos no Guião

Neste ponto, abordaremos os factores de protecção e de vulnerabilidade identificados na literatura como associados a situações de mau trato. Na maioria dos estudos com esta matriz (identificação dos factores), verifica-se que, quer sejam de protecção, quer sejam de vulnerabilidade, a maioria dos factores identificados acaba por se poder expressar num contínuo, podendo constituir-se como factor de protecção ou como factor de vulnerabilidade, apesar de muitas vezes identificados separadamente. Para esta primeira versão do Guião desenvolvido, seleccionou-se apenas os factores mais consistentemente referidos, organizando-os da seguinte forma: a) Factores de Vulnerabilidade, listando os factores que se constituem unicamente com vulnerabilidade, e b) Factores de Protecção, mencionando os factores apenas considerados como protecção; e c) Factores de Vulnerabilidade-Protecção, listando os factores cuja variação se pode constituir como vulnerabilidade e protecção. Em cada uma das secções, os factores encontram-se organizados por níveis contextuais (criança, parental/familiar e comunitário). A ordem pela qual surgem neste trabalho é diferente da ordem em que estão organizados no Guião uma vez que neste texto o critério de organização é a natureza do factor e no Guião o critério de organização é, como já referido, o nível contextual (criança, parental/familiar, comunitário).

Da revisão de literatura efectuada no âmbito dos factores supracitados, seleccionou-se aqueles cujo efeito apresenta maior consistência do ponto de vista empírico. No final da abordagem de cada um deles, consta uma reprodução do Guião no que se refere aos factores em análise para que se torne perceptível a forma como os mesmos foram incluídos.

7.1 Factores de Vulnerabilidade

7.1.1 Factores de Vulnerabilidade ao Nível Parental/Familiar 7.1.1.1 Stressores Agudos

A estabilidade familiar constitui-se como um aspecto importante no contexto do mau trato, tendo diversos estudos revelado que a existência de factores de stress e de tensão a eles associado, influenciando a família, são potenciadores de mau trato (Sidebotham & Heron, 2006). Com efeito, factores como a insegurança económica, a inadequação da habitação, a instabilidade laboral, a perda de emprego, a morte de familiares ou amigos próximos, a separação e o divórcio, o conflito e a violência conjugais, a gravidez ou nascimento, ou ainda

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a violência comunitária contribuem para o desenvolvimento de estados de tensão familiar e individual (Peirson et al., 2001).

Alguns dos factores anteriormente referidos estão associados à pobreza, factor que se encontra também fortemente associado ao mau trato, em grande parte devido ao facto de nestes contextos (de pobreza) existir maior probabilidade de o indivíduo experimentar acontecimentos de vida geradores de stress e desgaste psicológico, bem como menos recursos para lidar com eles (Bronfenbrenner, 1986).

A influência dos stressores agudos referidos encontra-se, contudo, dependente da capacidade de coping dos indivíduos, funcionando este factor como mediador do stress (Peirson et al., 2001) e, consequentemente, como factor de protecção em relação à influência dos stressores aos níveis individual e familiar. Acresce que a influência dos stressores depende da valoração atribuída pelos sujeitos aos mesmos, bem como das suas características individuais, sendo importante tomar em consideração na análise destes factores o quão eles são percepcionados como stressantes pelos indivíduos, para além da existência de estratégias de coping e para as usar adequadamente capacidade no lidar com factores de stress ou para ultrapassar os seus efeitos.

Desta forma, foram introduzidos no Guião os stressores agudos: a) insegurança económica; b) inadequação da habitação; c) instabilidade laboral; d) perda de emprego (ou desemprego crónico); e) separação e divórcio; f) gravidez ou nascimento; g) grave problema de saúde; e h) morte de familiares ou amigos próximos, existindo em cada um uma caixa a marcar caso um progenitor/cuidador (registando-se qual) o indique como stressante.. Dada a importância da percepção e valoração de determinados factores como setressantes pelos indivíduos, colocámos igualmente um campo de escrita livre para a menção de outros stressores considerados como agudos pelo indivíduos cuidadores. Aspectos como a violência comunitária e a violência e conflito conjugais são abordados em ponto próprio no Guião

Para além da valorização da percepção individual do sujeito em relação aos stressores, deve o técnico que utiliza o Guião identificar a presença dos factores referidos, em caixa própria, uma vez que os mesmos podem não ser imediatamente valorizados pelos indivíduos como provocadores de tensão.

Imagem

Fig. 1. O contínuo de promoção-prevenção-protecção (adaptado de Prilleltensky et al.,  2001)
Fig. 2. Combinação dos Factores de Vulnerabilidade e de Protecção nos Diferentes  Níveis Contextuais e o Resultado dos Seus Processos (modelo adaptado de Peirson et al
Fig. 3. Comportamento parental e padrões de vinculação (modelo adaptado de Brown,  1986, cit

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