O PROJETO DA CASA COMO MODO DE PENSAR A ARQUITETURA AO LONGO DA HISTÓRIA
Eluiza Bortolotto Ghizzi
1& Caroline de Abreu Mateus
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Professora Dra. da UFMS, Departamento de Comunicação e Artes; e-mail: ghizzi@nin.ufms.br
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Aluna do Curso de Arquitetura da UFMS, voluntária de Iniciação Científica CNPq – PIBIC 2008/09
Resumo: Este estudo apresenta um levantamento sobre residências unifamiliares, contendo dados históricos e breve análise sobre cada residência escolhida e seu projetista. Como base reviu-se a bibliografia sobre o tema, avaliou-se a importância da habitação e suas variadas formas ao longo do tempo; em seguida, selecionou-se, por ordem cronológica, algumas das habitações que registram mudanças importantes na história da arquitetura com relação à forma, função e concepção. .Com todas as informações e análises concluídas, organizou-se os dados em uma linha do tempo que mostra aspectos do processo de desenvolvimento da habitação ao longo da história.
Palavras-chave: 1) Residências unifamiliares 2) Arquiteturas Conceituais 3) Linguagem
arquitetônica
INTRODUÇÃO
Segundo foi proposto no plano de trabalho, este estudo, tem como objeto projetos arquitetônicos de residências unifamiliares, cuja importância para a arquitetura está em seus autores terem desenvolvido, por meio desses projetos, idéias e conceitos que problematizam tanto a questão da moradia quanto o modo de fazer arquitetura em geral na sua época. Isso posto, se caracterizam como obras-manifesto, que se distinguem da tradição arquitetônica e apontam para o futuro da linguagem.
Para desenvolver esse estudo utilizou-se de levantamento bibliográfico, delimitado em livros de história da arquitetura. Além da delimitação bibliográfica, o plano de trabalho propunha levantar projetos de residências que fossem pertencentes a três períodos da história da arquitetura – anos 20 e 30, anos 70 e 80 e após anos 90. Na bibliografia, contudo, verificou-se que o tema da habitação não é tratado em separado dos demais, mas, em meio a outros que compõe a história da arquitetura, o que tornou o levantamento mais lento. Além, disso, quando selecionamos residências do século XX que são citadas em vários dos títulos consultados, vimos que pertencentes em parte à primeira metade do século e em parte à segunda metade, contudo, as datas de sua produção não justificavam manter a subdivisão acima, razão pela qual abandonamos a separação em nome de um conjunto único de residências que abarcam desde o início até o final do século XX. São residências que, conforme proposto de início, marcam importantes descontinuidades na história recente da arquitetura, uma vez que estão comprometidas com modos particulares de entender o papel dessa linguagem na sociedade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como resultado do levantamento bibliográfico, realizou-se resenhas e coleta de
informações visuais sobre residências do século XX que são citadas com freqüência nos
livros de história da arquitetura. Abaixo são citadas oito dessas residências, apresentadas
segundo a ordem cronológica de projeto e execução. Todas são de autoria de arquitetos
renomados do século XX e que exerceram influência em âmbito internacional. Dada tal
influência, ganham característica de residências-modelo, .cuja importância extrapola a
função específica de moradia para a qual foi projetada, sendo seu conhecimento por parte de arquitetos e estudantes de arquitetura de fundamental importância. Em seguida à apresentação das residências fazemos uma breve análise da importância desses modelos para a história.
As Prairie Houses de Frank Lloyd Wright
Segundo Pfeiffer (2003) Frank Lloyd Wright deu, sem dúvidas, uma nova visão à arquitetura moderna e, em seus mais de 60 anos de arquitetura, escreveu e produziu muito, tanto para o modernismo como para o organicismo. Ele dizia que a arquitetura só pode ser orgânica; cada parte encontra-se ligada ao todo. E, avançando em relação ao que disse Louis Sullivan - “a forma segue a função”- Wright afirma que “a forma e a função são uma só”.
Prairie Houses
Pfeiffer registra que Wright vivia no Middlewest norte-americano, cuja vegetação é a pradaria. Na Architectural Record de março de 1908 ele escreveu: “vivemos na pradaria, a pradaria tem beleza própria, e nós devíamos reconhecer e acentuar essa beleza natural, a sua planura tranqüila”. Para dialogar com essa tranqüilidade, essa linearidade, ele propunha telhados suavemente inclinados, proporções modestas, silhuetas tranqüilas, largas, maciças e acolhedoras saliências, terraços baixos e paredes avançadas.
Wright iniciou o desenvolvimento do seu estilo de casas de pradaria com a casa Winslow (River Forest, Illinois, 1893) e, após ela, foram precisos quase sete anos para que as idéias e as formas evoluíssem plenamente. A primeira dessas idéias foi a da planta aberta que propunha para a casa mais espaços abertos do que fechados, delimitados apenas por pequenos truques arquitetônicos em vez de portas e paredes. E, para melhorar a vista interna, ele elevou a planta do chão, trazendo o embasamento para o nível do solo. Outras características da casa de pradaria são: o estuque dos beirais avançados e em cor clara, para refletir e iluminar as salas, as janelas de duplo batente que permitiam melhor entrada de ar do que as de “guilhotina”, e ficavam protegidas do sol, e no que diz respeito aos materiais, ele aconselhava o uso de um só, em vez da mistura de vários.
Duas casas que desenvolvem estas idéias são as descritas abaixo. Com base no texto de
Cornoldi (1999)
Casa D. D. Martin (Búfalo, Nova Iorque, EUA, Parkway – Summit Avenue, 1903-1904) Um modelo de prairie house, esta residência possui 3 edifícios: uma residência para a irmã do industrial Darwin Martin, uma estufa ligada à garagem e a residência principal, que apresenta uma planta cruciforme; é nessa casa que Wright combina a complexidade espacial com a essencialidade construtiva.
Um sistema de pilares, dispostos em uma malha geométrica determina uma implantação espacial variada e fechada. Os grandes espaços se obtêm com a máxima simplicidade de elementos físicos. Uma lareira, completamente ilhada, representa o núcleo da habitação e divide em duas partes (no comprimento) uma grande sala de estar e (na largura) a biblioteca e a sala de jantar.
Planta da Residência D.D. Martin. Vista da residência D.D. Martin
Casa Roberts (River Forest, Illinois, EUA, 1908)
O edifício de planta cruciforme de Isabel Roberts, secretária do arquiteto, é o ponto culminante da investigação espacial wrightiana e um dos mais altos exemplos de moradia moderna, desde o ponto de vista da complexidade e ao mesmo tempo simplicidade de um interior doméstico.
No coração do edifício, constituído pela lareira e pela escada, convergem os quatro
elementos fundamentais de uma moradia: a área íntima, a sala de jantar, a ala de serviço e a
sala de estar com pé direito duplo, que se soma a uma longa sacada que está em primeiro
plano, visto da rua, e é iluminada por uma grande janela que tem a altura da parede. Uma característica dessa construção é o uso de níveis que definem os setores.
Plantas da Residência Roberts Vista da residência Roberts
A Villa Savoye de Le Corbusier
Segundo Baker (1998) Charles-Edouard Jeanneret, conhecido por Le Corbusier, nasceu a 6 de Outubro de 1887 em La Chaux-de-Fonds, Suíça, mas viveu a maior parte da sua vida na França. Foi um arquiteto que constituiu um marco muito importante no desenvolvimento da arquitetura moderna. Com a publicação de «Vers une Architecture» (1923) ele adoptou o nome Le Corbusier e dedicou todo o seu talento e energia à criação da uma nova e radical forma de expressão arquitetônica.
Nas viagens que fez a várias partes do mundo, Le Corbusier contactou com estilos diversos, de épocas diversas. De todas estas influências, captou aquilo que considerava essencial e atemporal, reconhecendo em especial os valores da arquitetura clássica grega, como os da Acrópole de Atenas.
Le Corbusier contribuiu para uma -como ele mesmo dizia- Nova Arquitetura, formulando cinco pontos a serem seguidos nessa nova linguagem arquitetônica do século XX, a maior herança para a arquitetura moderna.
Vedrenne (2002) registra os cinco pontos da nova arquitetura listados abaixo.
1. Construção sobre pilotis.
Ao tornar todas as construções suspensas, cria-se no ambiente urbano uma perspectiva nova. Uma inédita relação "interno-externo" criar-se-ía entre observador e morador.
2. Terraço-jardim.
Não mais os telhados do passado. Com o avanço técnico do concreto-armado, seria possível
aproveitar a última laje da edificação como espaço de lazer.
3. Planta livre da estrutura
A definição dos espaços internos não mais estaria atrelada à concepção estrutural. O uso de sistemas viga-pilar em grelhas ortogonais geraria a flexibilidade necessária para a melhor definição espacial interna possível.
4. Fachada livre da estrutura
Conseqüência do tópico anterior. Os pilares devem ser projetados internamente às construções, criando recuos nas lajes de forma a tornar o projeto das aberturas mais flexível. Deveriam ser abolidos quaisquer resquícios de ornamentação.
5. Janela em fita
Localizada a uma certa altura, de um ponto ao outro da fachada, de acordo com a melhor orientação solar.
Villa Savoye (Poissy, França, 1929-1930)
Segundo Cornoldi (1999, pág. 204) a Villa Savoye é um exemplo fiel da nova arquitetura, pois nela são empregados os cinco pontos citados acima. Ela está ilhada em um campo, próxima a uma colina e com uma vista esplêndida do Vale do Sena, não longe de Paris. Seu volume é de um prisma de planta quadrada elevado do solo por um sistema de pilotis. O acesso se dá por uma rampa central; na primeira planta, em volta da rampa, estão dispostos os quartos principais,unidos por uma grande sala de estar retangular com uma janela em fita ao longo de toda a parede e um jardim interno, protegido e parcialmente coberto. A rampa segue a céu aberto para alcançar o terraço, onde as paredes retomam formas curvas de forte conotação plástica.
A residência é responsável por influenciar o pensamento projetual de diversos arquitetos
em todo o mundo devido à síntese que faz das idéias pregadas por seu autor com relação à
nova arquitetura que sugeria para um século, que segundo o próprio Le Corbusier, seria
marcado pela máquina, pela razão e pelo progresso. Segundo Le Corbusier, a casa é uma
máquina de morar e a Villa Savoye foi projetada seguindo tal idéia de forma plena.
Plantas da Villa Savoye Perspectiva da Villa Savoye
A Casa Kallenbach de Walter Gropius e A. Meyer
1Segundo Berdini (1994) Walter Gropius (1883 – 1969) foi um dos grandes mestres da arquitetura do século XX. Foi diretor da Bauhaus em Weimar (1919 – 1925) e depois em Dessau (1925 – 1928), nesse período realizou vários projetos, entre eles o conjunto de edifícios para a Bauhaus de Dessau (1926). Em 1934 Gropius sai da Alemanha e fica temporariamente na Inglaterra. Em 1937 se fixa nos Estados Unidos, onde se associa com Marcel Breuer e realiza vários projetos de residências.
Casa Kallenbach (Berlim, 1922)
Cornoldi (1999) registra que o edifício projetado com A. Meyer, se apresenta como um excêntrico jogo de volumes que se juntam um ao outro, a partir da planta concebida seguindo uma composição de dinâmica dos espaços. O movimento se expressa pela freqüência dos planos girados e eixos fora do esquadro.
O uso da assimetria e diagonais, instrumentos de uma geometria que busca a limpeza e o radicalismo espacial, produz a quebra do tradicional, composto pela soma de ortogonais e poligonais, e constitui o início do sistema dinâmico.
A implantação é o produto da sobreposição de uma série de simetrias parciais, que garantem o equilíbrio compositivo do conjunto. A mistura de tradição e inovação faz com que a implantação desta obra seja mais intensa que em obras posteriores. Nesta obra os interiores estão bem caracterizados; o eixo da entrada divide em dois a organização dos espaços coletivos, em um lado se encontra a escada dupla; na outra ala, quase independente, estão a cozinha e a área de serviço.
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