Turismo rural na agricultura familiar:
um estudo de caso no assentamento Tijuca Boa Vista em Quixadá (CE)
Rural tourism in family agriculture: a case study in the Tijuca Boa Vista Settlement in Quixadá (CE)
Turismo rural en agricultura familiar: un estudio de caso en el asentamiento Tijuca Boa Vista en Quixadá (CE)
Edvanda Maria Melo Maia < edvandamel@gmail.com >
Bacharela em Turismo pela Faculdade Nordeste (FANOR), Fortaleza, CE, Brasil e Tecnóloga em Hotelaria pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Fortaleza, CE, Brasil.
Formato para citação deste artigo
MAIA, E. M. M. Turismo rural na agricultura familiar: um estudo de caso no assentamento Tijuca Boa Vista em Quixadá (CE). Caderno Virtual de Turismo. Rio de Janeiro, v. 15 n. 1., p.1-19, abr.
2015.
cronologia do processo editorial Recebido 04-jul-2013
Aceite 27-mar-2015
REALIZAÇÃO APOIO INSTITUCIONAL PATROCÍNIO
ARTIGO ORIGINAL
Resumo: O presente artigo trata de um segmento da atividade turística ainda pouco difundido no Brasil:
o Turismo Rural. O objetivo do estudo é verificar se este segmento pode ser considerado um promotor do desenvolvimento local do Assentamento Tijuca Boa Vista em Quixadá, Estado do Ceará. Para tal, utilizou-se a técnica de estudo de caso, através da realização de uma pesquisa de caráter exploratório qualiquantitativa, de visitas in loco e da aplicação de entrevistas e questionários semiestruturados aos assentados e responsáveis pela gestão da pousada instalada no local, além de uma revisão bibliográfica sobre assuntos relacionados ao tema em questão. Pode-se concluir que a atividade não pode ser considerada como promotora do desenvolvi- mento local, uma vez que a mesma não chegou a se consolidar na comunidade, mesmo tendo, em um primei- ro momento, ajudado a diversificar a economia, através da geração de emprego e renda, da oferta de cursos de capacitação aos assentados, do envolvimento da grande maioria dos moradores nas etapas de implantação da atividade turística e da aplicação de recursos do Governo Federal para a melhoria da infraestrutura local.
Palavras-chave: : Turismo Rural na Agricultura Familiar; Assentamento Tijuca Boa Vista; Desenvolvimento Local.
Abstract: This present paper regards to a segment of touristic activity recently in Brazil: the Rural Tourism.
The goal of this study is to check out if this kind of segment can be considered a way to promote the local development of the settlement Tijuca Boa Vista, Quixadá, Ceará. To check it out, we have used case study the techniques through the achievement of a research exploring the amount of visits in the spots, and the applica- tion of interviews and questionnaires semi structured to the settlers and responsible for the administration of the guesthouses settled in, as well as a literature about issues related to the theme. We came to the conclusion that these activities couldn’t be considered as the forwarder of the local development, once the same couldn’t consolidate themselves. Even we have got a previous moment helping diversify the local economy through the generation of employment and income, of the offering of training courses to the settlers and the involvement of the most of local dwellers, in the stage of the implantation of the activity and the application of the federal funding for the local infrastructure improvement.
Keywords: Rural Tourism in Family Agriculture; Tijuca Boa Vista Settlement; Local Development.
Resumen: Este artículo se refiere a un segmento de la actividad turística aún no extendido en Brasil: el Turis- mo Rural. El objetivo de este estudio es determinar si el segmento puede ser considerado como un promotor del desarrollo local del asentamiento Tijuca Boa Vista en Quixadá, Ceará. Para ello, se utilizó la técnica de estudio de caso, mediante la realización de una investigación exploratoria, de inspecciones in situ y de la apli- cación de entrevistas y cuestionarios semi-estructurados para los colonos y los responsables de la gestión de la pousada, instalados en el asentamiento, además de una revisión de la literatura sobre temas relacionados con el tema en cuestión. Se puede concluir que la actividad no puede ser considerada como promotora del desarrollo local, ya que la misma no ha venido a se consolidar. No obstante, en un primer momento, ayudó a diversificar la economia, mediante la generación de empleo e ingresos, la prestación de cursos de formación a los colonos, la participación de la mayoría de los residentes en las fases de la implementación de la actividad y la solicitud del Gobierno Federal para mejorar la infraestructura local.
Palavras clave: Turismo Rural en la Agricultura Familiar; Asentamiento Tijuca Boa Vista; Desarrollo Local.
Introdução
O presente artigo trata de um segmento do turismo ainda pouco conhecido e divulgado no Brasil, o Turismo Rural ou Turismo no Espaço Rural, mas que apesar disso tem demonstrado um grande potencial para impulsionar a economia de locais os quais atividades como a indústria ainda não conseguiram ser inseridas.
O tema foi escolhido, principalmente, pelo fato de ainda não se ter um referencial teórico sobre esse segmento do turismo no Estado do Ceará, pois ainda não se utiliza esse produto como atrativo do fluxo turístico para o Estado. Os órgãos oficiais do Turismo (estaduais e municipais) ainda não atentaram para o potencial deste segmento, priorizando, quase que exclusivamente o turismo de “sol e praia”.
O artigo apresenta em um primeiro momento um panorama geral do “novo rural” que surge no Brasil após a “industrialização” da agricultura, fazendo surgir assim novas atividades no espaço que por muito tempo foi considerado como estratégico para o desenvolvimento do país e que aos poucos vai passando por transformações em sua estrutura econômica e social, chegando, em muitos casos, a se desarticular.
Logo após, são apresentadas as definições de Turismo Rural adotadas pelo Ministério do Turis- mo, além de se mostrar uma visão de como esse segmento se desenvolveu no país e a sua poten- cialidade como promotor do desenvolvimento local de comunidades rurais do país. Em seguida, a comunidade onde o estudo se desenvolveu é apresentada, juntamente com os resultados e as discus- sões da pesquisa aplicada.
Esse segmento, apesar de já ser praticado no país há algumas décadas, ainda se encontra em fase de consolidação. O referencial teórico sobre o Turismo Rural no Estado do Ceará é praticamente inexistente, o que se mostrou um fator limitador de uma análise mais aprofundada.
A falta de parâmetros legais que regulamentam a atividade no país, além da falta de estudos es- tatísticos sobre esse setor, também se mostrou um obstáculo ao estudo. Pouco ainda se sabe sobre a efetiva contribuição do segmento para o turismo brasileiro justamente pela ausência de estudos mais detalhados.
Ainda são muitas as arestas a serem aparadas para que o setor se desenvolva de forma a contribuir efetivamente para a evolução da atividade turística no país e para o progresso de uma área que tem se mostrado carente e necessitada de investimento público e privado.
Nesse sentido, objetiva-se identificar a importância do Turismo Rural como estratégia de desen- volvimento local da comunidade do Assentamento Tijuca Boa Vista, localizado no Município de Quixadá no Estado do Ceará, destacando-se os impactos econômicos e sociais oriundos da implan- tação dessa atividade no local.
Um “novo” rural
Vivemos em um mundo onde as transformações são constantes, tanto no campo como na cidade.
Esses espaços têm que se adaptar a essas mudanças, caso contrário, correm o risco de ficarem à mar- gem dos processos de desenvolvimento.
Essas mudanças tendem a ser mais acentuadas no espaço rural, antes vistos como meros forne-
do capitalismo e a “industrialização” da agricultura desencadeiam a urbanização do campo, que obrigam esse espaço a se adaptar às mudanças drásticas que ocorreram principalmente no século anterior. Entre essas mudanças, o autor destaca o desenvolvimento de atividades não agrícolas, antes consideradas urbanas por excelência, como o turismo, comércio, prestação de serviços, entre outras.
Como consequência desse processo, Schneider (2006) cita duas alterações sociológicas impor- tantes. A primeira é o fato de os agricultores e suas famílias passarem a ser caracterizados pela plu- riatividade, combinando ocupações em atividades agrícolas com outras não agrícolas. Eles passam a não depender somente da agricultura e tendem a se tornar “sociologicamente parecidos com as famílias urbanas” (pág. 4).
A segunda transformação se dá no nível de espaço social. A comunidade onde vivem e trabalham já não pode mais ser identificada com a atividade econômica que era predominante, no caso a agri- cultura. Surge aí uma nova concepção de ruralidade, que tem cada vez menos ligação com as ativi- dades tradicionais como a agricultura e a pecuária e onde as atividades não agrícolas são vistas como formas alternativas e/ou complementares de geração de renda dos produtores rurais no meio rural.
De acordo com Campanhola e Silva (2000),
A possibilidade de se incorporar alternativas econômicas ao meio rural tem sido a estratégia adotada por muitos países para manter o homem no campo, com a melhoria de sua qualidade de vida pelo aumento de sua renda, que passa a ser gerada com base em uma maior diversidade de atividades e funções. (CAMPANHOLA & SILVA, 2000, p.146).
O Brasil também segue essa tendência; é o que nos mostras os dados obtidos no estudo intitu- lado Estatísticas do Meio Rural 2010-2011, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no ano de 2011.
O documento mostra que as famílias pluriativas (aquelas em que alguns integrantes se dedicam às atividades agrícolas e outros às atividades não agrícolas) e as famílias não agrícolas (aquelas em que os integrantes ocupados se dedicam às atividades não agrícolas) somam, juntas, 19,7% do total de famílias residentes no meio rural, totalizando 1.723.000 famílias que se ocupam de atividades não agrícolas.
Dentre essas atividades não agrícolas (segundo o mesmo estudo), se destacam aquelas do setor de serviços (públicos e privados) com 32,3% de pessoas que exercem alguma atividade remunerada.
Seguida da Indústria, com 20% e do comércio com 16,1%. Outros setores presentes são os da cons- trução, com 11,3%, da administração pública, com 5,8% e de transporte e comunicação, com 5,0%.
Para Klein apud Silva e Del Grossi (1999),
O grande crescimento das ocupações rurais não agrícolas nos países latino-americanos se deve, por um lado, à própria queda no nível de emprego nas atividades agrícolas, o que obrigou a população ru- ral a buscar outras formas de ocupação; e por outro lado, pela extensão e ampliação dos mercados de bens e serviços para os setores rurais. (KLEIN APUD SILVA & DEL GROSSI, 1999, p. 168).
Com isso, as atividades tradicionais, como a agricultura, foram abandonadas e somente algumas
famílias mantiveram seus estilos de vida. A grande maioria, não encontrando alternativa para so-
breviver nesse espaço, emigra para outros lugares mais favorecidos, em especial os grandes centros
urbanos, o que faz o sistema econômico tradicional de tais áreas entrar em colapso.
A partir de antão, o campo passa a ser encarado de maneira diferente. Este espaço começa a ser visto como local de fuga da rotina estressante das grandes cidades, destacando-se, principalmente, por suas paisagens silvestres ou cultivadas, água limpa, ar puro e silêncio (entre outros fatores), e pela “oposição” que faz ao espaço urbano. Seu patrimônio cultural e natural começa, assim, a ser resgatado e valorizado na medida em que serve como o principal atrativo do local.
É nesse contexto que o espaço rural passa a acolher outros usos e significados, e o Turismo Rural ou Turismo no Espaço Rural passa a ter terreno fértil para expandir-se e se consolidar.
Segundo Talavera (2009),
Ao longo desses anos, o estilo de vida rural tem se consolidado como um atrativo baseado, principal- mente, em estereótipos e perspectivas diferentes do urbano, acrescido de seu desenvolvimento em um meio ambiente tão idealizado quanto aquele modo de vida. Enfatiza-se assim, uma imagem de inde- pendência, natureza, saúde, tranquilidade e preservação do patrimônio cultural. (TALAVERA, 2009, p. 133).
O espaço rural passa, assim, a ser compreendido como “objeto de consumo” e visto como antí- doto ao “excesso de civilização”, resultante das áreas urbanas. Ao comprar esse produto, o cidadão urbano busca não somente sua estadia no campo, mas também a possibilidade de recarregar suas energias para voltar e enfrentar novamente seu cotidiano, muitas vezes, desgastante.
Por conta de todas essas transformações, o espaço rural apresenta uma complexidade social e ambiental nunca vista antes, e isso demanda a criação urgente de políticas de desenvolvimento desse espaço
Definições de “turismo rural”
Apesar de pouco conhecida e difundida no país como um todo, com exceção das regiões Sul e Su- deste, o Turismo Rural não é uma atividade nova. De acordo com Solla (2002), recuando na história, quando se supõe que o turismo ainda não nascera, numerosos são os exemplos de utilização do meio rural para o descanso, por parte dos grupos urbanos, como ocorria com frequência na Grécia e em Roma.
Nos séculos XVIII e XIX, a aristocracia, a burguesia e os ricos proprietários de terras já buscavam abrigo e entretenimento no meio rural. E a partir de meados do século XX, mais especificamente na década de 1950, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a conquista de direitos trabalhistas, o turismo rural começa a se destacar. É principalmente nos países desenvolvidos, como na França, Inglaterra, Alemanha e Portugal, que o turismo se faz presente na paisagem rural.
Tulik (2003) acrescenta que a experiência da União Europeia foi fundamental para estimular o Turismo Rural Brasileiro. Conforme a autora, muitos termos e expressões foram importados e apressadamente utilizados.
No entanto, o Brasil abriga uma grande diversificação cultural e atividades produtivas rurais que
dão ao Turismo Rural Brasileiro características ímpares. Com realidades totalmente diferentes, es-
ses termos podem não ser adaptáveis às características do país, podendo acabar sendo distorcidos e
aplicados de maneira errônea.
Segundo o Ministério do Turismo - MTur (2008), no Brasil, embora a visitação a propriedades rurais seja uma prática conhecida em algumas regiões, apenas na década de 1980 passou a ganhar status de atividade econômica, devido às transformações mais gerais da sociedade e da economia.
É consenso entre os autores que se dedicam à temática que foi no Estado de Santa Catarina, em 1984, que, a estrutura existente nas fazendas localizadas na zona rural de alguns de seus municípios,
passou a ser aproveitada para receber/acolher turista.
Conforme Tulik (2003), Lages (Município de Santa Catarina, considerado pioneiro do Turismo Rural Brasileiro) teve o mérito de organizar e promover essa forma de turismo no Brasil, conferin- do-lhe personalidade e marca, transformando-a num produto conhecido e imitado.
Foi a partir do sucesso alcançado pela atividade nesta região que o Turismo Rural passou a ser praticado em outras regiões do país e outros municípios do Sul e do Sudeste com maior frequência.
Embora não seja uma atividade recente, muitos autores encontram certa dificuldade em tratar do tema, principalmente pelos obstáculos enfrentados na hora de se definir a atividade, e pelos inúme- ros termos usados para nomeá-la.
Segundo Campanhola e Silva (2000, p. 147),
O turismo no meio rural consiste em atividades de lazer realizadas no meio rural e abrange várias modalidades definidas com base em seus elementos de oferta: turismo rural, turismo ecológico ou ecoturismo, turismo de aventura, turismo cultural, turismo de negócios, turismo jovem, turismo social, turismo de saúde e turismo esportivo. (CAMPENHOLA & SILVA, 2000, p. 147).
De acordo com o MTur (2008), embora o turismo no meio rural venha crescendo enquanto atividade econômica, ainda verifica-se uma série de imprecisões referentes às múltiplas concepções, manifestações e definições. O órgão acrescenta ainda que esses diferentes entendimentos, em vez de caracterizar e identificar cada lugar tende a criar situações ambíguas que prejudica a atividade turística.
Talavera (2009) utiliza um conceito mais genérico, definido Turismo Rural como o uso e aprovei- tamento turístico do ambiente rural. O autor acrescenta que atividade deve se ater a princípios como o do desenvolvimento sustentável, da geração de efeitos eminentemente positivos (preservação do patrimônio, proteção do meio ambiente etc.), de se realizar em áreas “não invadidas”, de incluir a população local como agentes culturais, de ser minoritário e de promover, através de encontros es- pontâneos e de participação, o contato cultural.
Zimmermann (2000), por sua vez, conceitua Turismo no Espaço Rural, ou simplesmente, Tu- rismo Rural, como todas as atividades turísticas endógenas desenvolvidas no ambiente natural e humano. Ele concorda com outros autores quando acresce que a atividade deve estar em harmonia com os interesses da comunidade local, do turismo e do meio ambiente.
Foi no intuito de desfazer o que Tulik (2003) chama de “confusão terminológica” que o MTur
lança em 2004 o Marco Conceitual de Turismo Rural, no qual apresenta conceitos que devem servir
como norte para o desenvolvimento da atividade no país. É nesse documento que o órgão, além do
conceito de Turismo Rural, apresenta também os conceitos de Turismo no Espaço Rural, Agroturis-
mo e Turismo Rural na Agricultura Familiar, conforme ilustrado no quadro a seguir.
Quadro 1. definições do segmento do turismo rural
tUrismo no espaço rUral tUrismo rUral
São todas as atividades praticadas no meio não urbano; que consiste de atividades de lazer no meio rural em várias modalidades definidas com base na oferta: Turismo Rural, Turismo Ecológico ou Ecoturismo, Turismo de Aventura, Turismo de Negócios, Turismo de Saúde, Turismo Cultural, Turismo Esportivo, atividades estas que se complementam ou não
É o conjunto de atividades turísticas
desenvolvidas no meio rural, comprometidas com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade.
agrotUrismo tUrismo rUral na agricUltUra Familiar
São atividades internas à propriedade que geram ocupações complementares às atividades agrícolas, as quais continuam a fazer parte do cotidiano da propriedade, em menor ou maior intensidade.
É a atividade turística que ocorre no âmbito da unidade de produção dos agricultores familiares que mantêm as atividades econômicas típicas da agricultura familiar, dispostos a valorizar, respeitar e compartilhar seu modo de vida, o patrimônio cultural e natural, ofertando produtos e serviços de qualidade e proporcionando bem- estar aos envolvidos.
Fonte: Adaptado de MTur (2008).
O que diferencia os dois primeiros conceitos é o envolvimento com a produção agrícola/agro- pecuária. Enquanto no primeiro, o espaço rural serve apenas como locus da atividade turística, no segundo se faz necessário que esta esteja comprometida com as atividades tradicionais que são pra- ticadas no local.
Para Tulik (2003), é mais apropriado referir-se à totalidade dos movimentos turísticos que se desenvolvem no meio rural com a expressão Turismo no Espaço Rural ou Turismo nas Áreas Rurais.
A autora sugere que a expressão Turismo Rural seja designada somente para as atividades que se identificam com as especificidades da vida rural, seu habitat, sua economia e sua cultura.
Já os dois últimos conceitos listados são considerados como derivações do Turismo Rural. Isso devido, segundo o MTur (2008), à heterogeneidade regional e às diferenças no estágio de desen- volvimento das diversas iniciativas de turismo empreendidas nos territórios rurais brasileiros que criaram uma variada gama de definições.
O conceito de Agroturismo utilizado pelo MTur é o mesmo aplicado por Campanhola e Silva (2000). Os autores destacam o fato de serem as próprias famílias que, em seu tempo livre, prestam serviços, recepcionam os turistas.
O último conceito apresentado (Turismo Rural na Agricultura Familiar) é o empregado neste estudo, visto que a atividade é desenvolvida em um assentamento de reforma agrária que tem como principal atividade a agricultura familiar. É a mesma definição aplicada na lei 14.143, de 15 de junho de 2006, que define as atividades de Turismo Rural na Agricultura Familiar no Estado do Paraná.
Utilizar-se-á a definição do MTur uma vez que a bibliografia consultada não apresenta uma concep- ção distinta.
De acordo com o MDA (2004), no início da década de 1990, surgem os primeiros projetos de assistência técnica e extensão rural que inclui o turismo na força de trabalho da agricultura familiar.
A partir de antão, atividades ligadas ao lazer, cultura, gastronomia e ao turismo passaram a ser ofer-
tadas nas unidades agrícolas familiares.
Para auxiliar no desenvolvimento da atividade nessas unidades, foi criado, através da parceria entre o MTur e o MDA, o Programa Nacional de Turismo Rural na Agricultura Familiar (PNTRAF) e como principal instrumento para a implementação do programa foi concebida a Rede de Turismo Rural na Agricultura Familiar (REDE TRAF) que se constitui em uma articulação nacional de ins- tituições governamentais e não governamentais, técnicos e agricultores familiares organizados, que atuam nas atividades do turismo rural.
Conforme o MDA (2004), o objetivo do programa é promover o desenvolvimento rural susten- tável, mediante implantação e fortalecimento das atividades turísticas pelos agricultores familiares, integrado aos arranjos produtivos locais, com agregação de renda e geração de postos de trabalho no meio rural, com consequente melhoria das condições de vida.
No mesmo documento são apresentados nove princípios que devem nortear o programa: a prá- tica do associativismo; a valorização e o resgate do patrimônio cultural (saberes e fazeres) e natural dos agricultores familiares e suas organizações; a inclusão dos agricultores familiares e suas organi- zações, respeitando as relações de gênero, geração, raça e etnia, como atores sociais; a gestão social da atividade, com prioridade para a interação dos agricultores familiares e suas organizações; o estabelecimento das parcerias institucionais; a manutenção do caráter complementar dos produtos e serviços do Turismo Rural na agricultura familiar em relação às demais atividades típicas da agricul- tura familiar; o comprometimento com a produção agropecuária de qualidade e com os processos agroecológicos; a compreensão da multifuncionalidade da agricultura familiar em todo o território nacional, respeitando os valores e especificidades regionais; a descentralização do planejamento e gestão deste Programa.
São apresentadas ainda, diretrizes e estratégias para a expansão do segmento no Brasil. Estas são divididas em cinco eixos: Formação e capacitação continuada; Crédito para infraestrutura; Legisla- ção; Mercado e Gestão.
Os beneficiários do programa são produtores familiares tradicionais e assentados por programas de reforma agrária, extrativistas florestais, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores com mé- todos artesanais, povos da floresta, seringueiros e suas organizações, entre outros públicos definidos como beneficiários de programas do MDA.
O Turismo Rural foi eleito por esses órgãos como prioritário para ajudar no crescimento dessas áreas pelo fato de muitos autores considerarem-no como o que mais tem a contribuir para o desen- volvimento local. Um desenvolvimento que vai além do desenvolvimento econômico e que observa também as transformações no nível social e territorial, na melhoria da qualidade de vida dos atores envolvidos na oferta dos produtos do turismo rural.
Esse tipo de desenvolvimento é endógeno, ou seja, é originado do interior do organismo (das comunidades), ele surge “de baixo” sem ser imposto por pessoas ou entidades exógenas. Pois, é através da mobilização dos atores sociais e de suas organizações que se elaboram as soluções para os problemas locais e a partir daí se encontra o caminho para o tão almejado crescimento.
É um desenvolvimento que respeita o meio ambiente, a capacidade de carga do local, a cultura e as tradições, baseado, antes de tudo, em um planejamento minucioso da atividade antes de sua implementação. É um desenvolvimento dito sustentável.
No entanto, esse é ainda um conceito em formação. Inúmeras são as correntes que o estudam e
cada uma delas apresenta novos elementos a serem considerados. Ele surge em 1992, na Cúpula da
Terra, evento realizado em paralelo à Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Orga-
nização das Nações Unidas - ONU, mais conhecida como Eco 92.
Ainda de acordo com a ONU (1987), Desenvolvimento Sustentável é tido como aquele que sa- tisfaz as necessidades da presente geração sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas necessidades.
É com base nesse conceito que a Organização Mundial do Turismo (OMT) apud CORIOLANO (2006) definiu o termo “Turismo Sustentável” como aquele em que se realiza a gestão de todos os re- cursos de tal forma em que as necessidades econômicas e estéticas possam ser satisfeitas, mantendo ao mesmo tempo a integridade cultural, os processos ecológicos essenciais, a diversidade e o sistema de suporte a vida.
Esse é um turismo praticado em escala reduzida, visando, principalmente, a prudência ecológica.
É um turismo que Krippendorf (2001) chama de “Turismo Brando”, que surge a partir da iniciativa da comunidade; não é imposto por parte de órgãos governamentais nem de empreendimentos pri- vados que se instalam na comunidade e exploram ao máximo as potencialidades, sem deixar espaço para os empreendedores locais.
Ainda que as iniciativas surjam no nível local, muitas vezes faz-se necessário o auxílio (técnico e/ou financeiro) do Estado e organizações de fomento e de desenvolvimento. Contudo, estes devem atuar somente como auxiliares, deixando a gestão e a oferta dos produtos turísticos a cargo da pró- pria comunidade, visto que a mesma é a que melhor conhece suas potencialidades e necessidades.
Para Krippendorf (2001),
É preciso tentar conciliar as necessidades da população local e dos turistas e conceber o desenvolvi- mento de tal forma que as realizações sejam lucrativas para ambos [...] Em caso de incompatibilidade ou dúvidas, é importante sempre colocar os interesses dos autóctones acima dos interesses dos turistas.
(KRIPPENDORF, 2001, p.148).
Para que esses interesses sejam realmente priorizados, torna-se imprescindível a participação ativa da população local, através de seus atores sociais, nos diversos níveis, desde o planejamento, a implantação e a gestão, até o controle da atividade. Somente assim, os benefícios gerados poderão ser apropriados por essas comunidades.
Entre os argumentos utilizados para justificar o desenvolvimento do Turismo Rural no âmbito da Agricultura Familiar, encontram-se a diversificação da economia; a melhoria do nível de renda local; maior fixação do homem no campo; a revitalização do espaço rural; inserção competitiva de pequenas propriedades no mercado; a valorização da policultura; o emprego de mão de obra; e a recuperação da autoestima.
Além disso, o turismo rural ganha destaque como “motor do desenvolvimento local”, princi- palmente por não serem necessários grandes volumes de investimentos para que ele seja posto em prática, pois aqueles que procuram por esses empreendimentos, frequentemente, estão atrás da sim- plicidade e do rústico.
A estrutura básica para a hospedagem dos turistas já existe e com baixos investimentos pode ser adaptada para melhor recebê-los. Sendo necessária somente, na maioria das vezes, a realização de pequenas reformas para adequar essa estrutura. Investimentos maiores são demandados para se estruturar o entorno desses empreendimentos.
Consoante Silva, Vilarinho e Dale (2000) o Turismo em Áreas Rurais tem sido pensado mais
recentemente no Brasil como uma fonte adicional de geração de emprego e renda para famílias re-
sidentes no campo, à medida que vem decaindo a ocupação e as rendas provenientes das atividades
Porém, é somente assim (como complemento das atividades tradicionais) que se deve pensar o Turismo Rural. Abandonar totalmente essas atividades pode se tornar um risco para a comunidade local, devido, principalmente, a sazonalidade, uma característica marcante da atividade turística, que pode chegar até a sua inviabilização.
De acordo com Krippendorf (2001), é preciso evitar, a qualquer preço, a monocultura turística, que não apenas é nefasta como qualquer monocultura, mas igualmente perigosa. O autor acrescenta ainda que para se sustentar, o turismo precisa de uma economia heterogênea, diversificada, que esteja em pleno funcionamento. Esta atividade deve ser encarada como mais uma opção para ajudar no desenvolvimento local, não deve ser visto como uma panaceia, um remédio para todos os males das comunidades.
Quando as especificidades dessa atividade econômica tão complexa são levadas em conta e quan- do desenvolvido de forma adequada, o Turismo Rural pode ser, sim, o promotor do desenvolvimen- to local, mas sempre aliado a outras atividades econômicas. É o que demonstra alguns estudos sobre a atividade.
Segundo Cunha apud Cussecala, Oliveira e Dias (2009),
O turismo constitui um dos poucos setores da atividade econômica que melhores possibilidades têm para contribuir para o desenvolvimento regional. O turismo é uma atividade que melhor pode aprovei- tar os recursos locais, aproveitamento do patrimônio e dos valores locais. No nível regional proporcio- na o lançamento de infraestruturas e de equipamentos sociais que também permitam a instalação de outras atividades. (CUNHA APUD CUSSECALA; OLIVEIRA & DIAS, 2009, p. 19).
Entre os benefícios esperados no desenvolvimento da atividade, de acordo com a bibliografia consultada, além dos que já foram citados anteriormente, estão: a valorização, o resgate e a preser- vação do patrimônio tangível e intangível local; a preservação do meio ambiente; a promoção do intercâmbio cultural entre zona rural e urbana; a revalorização de atividades tradicionais, como a agricultura; dentre outros.
Mas, para que esses benefícios realmente se revelem, é preciso se tomar alguns cuidados. O turis- mo é uma atividade que exige, acima de tudo, qualificação de sua mão de obra. Inclusive o Turismo Rural na Agricultura Familiar, que é concebido como uma atividade de pequena escala, requer al- gum conhecimento técnico.
Contudo, isso pode se apresentar como um entrave, visto que nem sempre a população local tem oportunidade de se profissionalizar. Torna-se imprescindível a oferta de qualificação às pessoas que atuarão na área, principalmente àquelas que tratarão diretamente com o turista, caso contrário, a atividade corre o risco de atrapalhar, em vez de ajudar no desenvolvimento local.
Há ainda autores que apresentam críticas ao potencial dessa atividade, principalmente no que se
refere à quantidade e à qualidade dos empregos gerados. De acordo com Solla (2002), a quantidade
de empregos que se cria é muito reduzida e de má qualidade. Outro aspecto negativo é observado
em relação ao aumento da jornada de trabalho. Ele acrescenta que “tais tarefas, somadas as que são
desenvolvidas no cotidiano, sobrecarregam a carga habitual, com longas jornadas de mais de 12
horas, o que impede o acesso a empregos mais bem remunerados”.
Números do turismo rural no Brasil
Analisando os dados obtidos no último Censo Agropecuário, realizado no ano de 2006, pelo Insti- tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pode-se verificar que o Turismo Rural é ainda uma atividade em desenvolvimento, pois da totalidade de estabelecimentos recenseados, poucos são os que desenvolvem essa atividade; é o que nos mostra a tabela a seguir.
tabela 1. receitas obtidas pelos estabelecimentos no ano, por tipo – Brasil- 2006
Grandes Regiões
Receitas obtidas pelos estabelecimentos no ano, por tipo.
Venda
Húmus Esterco Atividades de
turismo rural no estabelecimento
Exploração mineral
Estabeleci- mentos Valor
(1.000 R$) Estabeleci- mentos Valor
(1.000 R$)
Estabeleci- mentos Valor
(1.000 R$) Estabeleci- mentos Valor
(1.000 R$)